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Graduanda em Direito Bacharelado Universidade Estadual do Maranhão A RELAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A LEI ANTICORRUPÇÃO Gabriella Castro Silva* RESUMO No seguinte texto buscou-se, sem ter como intenção esgotar o assunto que se procurou tratar, analisar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, suas bases históricas, previsão legal e formas de aplicação, e ainda expor sua previsão expressa na Lei n.º 12.846/2013 – Lei Anticorrupção Brasileira. Ademais, será feita uma breve análise algumas das teorias correlatas à da desconsideração da personalidade jurídica: teoria maior e teoria menor. O fato do legislador escolher prever a teoria da desconsideração foi bem feita, pois ela pode coibir os atos corruptivos no campo empresarial, assim como pode efetivar a aplicação das sanções prevista pela Lei Anticorrupção. Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica. Lei Anticorrupção. 1 INTRODUÇÃO A autonomia patrimonial da pessoa jurídica, que é o principio que serve para distingui-la de seus integrantes como sendo um sujeito autônomo de obrigações e direitos, pode dar oportunidade para que sejam realizadas fraudes. A desconsideração da personalidade jurídica consiste em ser um mecanismo que, visando reprimir o acontecimento dessas fraudes, faz com que ocorra a suspensão, em caráter excepcional, dos efeitos da proteção do patrimônio particular dos sócios. Dessa maneira, são relativizados os efeitos da autonomia patrimonial, que é o princípio que faz com que não se confunda o patrimônio da sociedade com o patrimônio dos seus sócios. Diante de certos casos concretos, será cabível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, sendo imputada aos sócios ou administradores da empresa a responsabilidade pelo adimplemento da obrigação que era devida inicialmente pela pessoa jurídica. Isso somente ocorrerá caso tenha ocorrido abuso da personalidade jurídica, nesse caso o escudo que protege a pessoa jurídica será retirado para atingir quem está por trás dele, seja o sócio ou o administrador, segundo o que está escrito no art. 50 do Código Civil – CC, no qual é afirmado que o abuso se revela ou pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Sem esquecer que poderá ocorrer a desconsideração invertida ou inversa, no caso de confusão patrimonial. No conjunto de normas brasileiro, não é somente no Código Civil que se encontra normas tratando da desconsideração da personalidade jurídica. Esse instituto encontra-se positivado no Código de Defesa do Consumidor – CDC no artigo 28, na lei 12.529/11 que trata sobre a prevenção e repressão às infrações que são feitas contra a ordem econômica, no seu artigo 34 e na lei 9.605/98, a qual dispõe sobre quais serão as sanções penais e administrativas aplicadas em caso de infração ao meio ambiente, no artigo 4º. E também na área trabalhista se faz o uso da desconsideração da personalidade jurídica. Além disso, a partir do início da vigência da lei 12.846/13, a qual ficou conhecida como Lei Anticorrupção, surgiu mais um diploma que contempla normas voltadas à desconsideração da personalidade jurídica. 2 BASES HISTÓRICAS DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA A Disregard Doctrine surgiu a partir de construções jurisprudenciais, mais precisamente da jurisprudência inglesa e norte-americana. A doutrina comercialista afirma que o primeiro caso no qual foi aplicada a da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ocorreu na Inglaterra, no fim do século XIX. Trata-se do caso Solomon versus Solomon & Co. Ltd. No caso citado, a sentença de 1º grau entendeu que haveria a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa citada, após reconhecer que o proprietário da empresa, o Mr. Salomon, tinha o total controle societário sobre a sociedade, e, então, não se justificaria a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e ele. Essa decisão é tida como a primeira a ser aplicada a desconsideração, mesmo que depois tenha sido modificada pela Casa dos Lords, cuja teve o entendimento que seria impossível a desconsideração, fazendo com que a separação entre os patrimônios do proprietário da empresa e de sua sociedade continuasse intacta, e então, mantendo a irresponsabilidade pessoal do Mr. Solomon em relação às suas dívidas sociais. Mesmo que a Casa dos Lords tenha reformado de maneira unânime, esse entendimento, julgando que a companhia havia sido constituída de maneira válida, a tese das decisões reformadas das instâncias inferiores teve grande repercussão, o que deu origem à doutrina do Disregard of Legal Entily, ainda mais nos Estados Unidos, onde foi formada larga jurisprudência, expandindo-se, posteriormente, pela Alemanha e em outros países europeus. Ficou-se firmado então, após análise dos precedentes explanados aqui, a possibilidade de afastar os efeitos da pessoa jurídica da sociedade, como a autonomia e a separação patrimonial, nos casos em que ocorresse o abuso das garantias da personalidade jurídica, e os credores ficassem em prejuízo. Nesse caso, o juiz poderia executar o patrimônio pessoal dos sócios por causa de dívidas da sociedade, após afastar a proteção dos bens pessoais. 3 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Afirma-se que este termo surgiu na Inglaterra antiga, onde a expressão é conhecida como "Disregard of Legal Entity" ou então "Disregard Doctrine", são encontradas também expressões que são traduzidas como “levantar o véu da pessoa jurídica”, que em inglês é “Piercing the Corporate Veil”. Já aqui no Brasil, a expressão é a Desconsideração da Personalidade Jurídica. Não se pode usar o termo despersonalização aqui, pois ao utilizar esse instituto não se tema intenção de acabar com a personalidade jurídica, e sim, afastá-la para poder chegar aos bens particulares dos sócios ou administradores. A Desconsideração Inversa é a maneira utilizada para atingir os bens que são da sociedade, no caso do sócio que desvia bens pessoais para o patrimônio de uma certa pessoa jurídica com a intenção de “escondê-los” para não partilhá-los em caso de separação entre cônjuges, ou para se esquivar do pagamento de pensão alimentícia. 4 TEORIAS CORRELATAS 4.1 Teoria Maior Foi entendido pelo Superior Tribunal de Justiça que a Teoria Maior é a regra para a desconsideração da personalidade jurídica de nosso sistema. De acordo com essa teoria para que seja feita a desconsideração, além do inadimplemento de uma obrigação é necessário comprovar que os sócios tenham cometido fraude ou abuso. Essa foi a teoria adotada de maneira expressa pelo Código Civil em seu artigo 50. 4.2 Teoria Menor De acordo com a Teoria Menor, o fato da pessoa jurídica ter sido insolvente permite que seja feita a desconsideração de sua personalidade. Tal teoria é aplicada de forma restrita, pois a mesma só atinge os campos do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental. 5 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO E BASES LEGAIS 5.1 Base legal e aplicação de acordo com o Código Civil Sendo a considerada a principal positivação da Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica, foi codificada no Código Civil de 2002 – CC/2002, em seu artigo 50, que se aplicaria essa teoria quando houvesse abuso da personalidade jurídica, através do desvio de finalidade da empresa ou caso ocorresse a confusão patrimonial. Caberá ao juiz, então, decidir que a proteção aos bens particulares seja afastada no caso em questão. Da interpretação do artigo surgiu o entendimento que deu base à Desconsideração Inversa ou Invertida, que serve para que o particular solva seus débitos pessoais.Está escrito no art. 50 do CC/2002: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 5.2 Base legal e aplicação de acordo com o Código de Defesa do Consumidor O entendimento apresentado no Código do Consumidor – CDC, em seus artigo 28, amplia o rol de aplicação da teoria aqui tratada, somando ao seu conceito, hipóteses em que há a afirmação responsabilidade pessoal de integrantes de sociedades, assim como a responsabilidade subsidiária e solidária entre os grupos de empresas, que não são casos de afastamento da personalidade jurídica. É perceptível, de maneira clara, que este dispositivo visa proteger o consumidor, de maneira que lhe assegure o livre acesso aos bens patrimoniais dos sócios ou administradores sempre que o direito subjetivo de crédito tiver resultado de quaisquer da prática abusiva abordada nesse artigo, como se pode ver: Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 5.3 Base legal e aplicação de acordo com a lei 12.529/11 – Lei da Defesa da Concorrência Afirmou-se, no artigo 34 da lei 12.529/2011, Lei da Defesa da Concorrência, que personalidade jurídica de alguém que seja responsável por alguma infração da ordem econômica, quando houver este cometer abuso de direito, excesso de poder, infração de lei, praticar fato ou então ato que seja ilícito ou então viole os estatutos da empresa ou então o contrato social. E o rol de possibilidades do afastamento da pessoa jurídica é aumentado no parágrafo único do artigo citado, como se vê abaixo: Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 5.4 Base legal e aplicação de acordo com a lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais A Lei de Crimes Ambientais, Lei 9065/98, trás mais uma forma de se afastar a personalidade jurídica de uma empresa, afirmando que caso a personalidade constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízo causado pelo dano ambiental, a pessoa jurídica será desconsiderada, conforme assim estabelece em seu artigo 4º: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. 5.5 Base legal e aplicação de acordo com a lei 12.846/13 – Lei de Responsabilidade Administrativa e Civil A Lei de Responsabilidade Administrativa e Civil, mais conhecida como Lei Anticorrupção, trouxe outra forma de poder se desconsiderar a pessoa jurídica de uma empresa, entretanto trata-se de uma desconsideração administrativa. Como está positivado em seu artigo 14: Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. Há a possibilidade de a Administração Pública promover de maneira administrativa a desconsideração, diferentemente do que vinha acontecendo até então, já que somente seria possível a aplicação dessa teoria mediante decisão judicial. E mais, o órgão contratante do serviço, seja a secretaria municipal, estadual ou ministério, que está envolvido na irregularidade é quem terá a missão de analisar se há ou não a possibilidade de responsabilização dos sócios e/ou administradores da empresa que lhes presta esses serviços, como é afirmado no parágrafo 1º do artigo 10 da lei aqui tratada: Art. 10. [...] § 1 o O ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, ou equivalente, a pedido da comissão a que se refere o caput, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão. 6 RELAÇÃO COM A LEI ANTICORRUPÇÃO A Lei 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção, serve como instrumento de combate à prática de fraudes por empresas em desfavor da Administração Pública. Essa lei inovou ao prever de maneira expressa a possibilidade de que seja feita a desconsideração da pessoa jurídica no processo administrativo de responsabilização. O artigo 14 contido nessa lei reacende a discussão quanto ao fato de a Administração Pública poder se valer ou não dos preceitos da teoria nesse artigo tratada. Antes da regulamentação expressa sobre a possibilidade da Administração Pública se valer dessa desconsideração da pessoa jurídica os tribunais já enfrentaram a problemática da vigência da lei regulamentadora dessa situação, e em mais de uma vez. O questionamento foi levado ao Superior Tribunal de Justiça no ano de 2003. No caso, foi entendido pelo tribunal a viabilidade da extensão de penalidade administrativa aos sócios por meio do afastamento da pessoa jurídica da empresa. O debate sendo expandido dentro dos tribunais, fez com que a problemática apresentada chegasse ao Supremo Tribunal Federal, que entendeu que mesmo ainda não havendo uma lei específica prevendo a desconsideração na área administrativa, seria aplicável, de maneira plena a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Fortalece esse posicionamento a teoria do diálogo das fontes, que, permite que seja viável a interpretação extensiva do art. 50 do CC/2002 em relação aos abusos cometidos perante a Administração. Outra questão controversa, antes da referida lei nesse tópico tratada, seria a existência de cláusula de reserva de jurisdição, que impediria a decretação feita por órgãos com atividade administrativa. Foi superado o embate doutrinário acerca dessa questão, com a permissão dada pelo legislador à Administração Pública para a prática do ato aqui descrito. Já que o dispositivo atende às finalidades trazidas pela Constituição Federal relação à atuação do poder público, não se pode afirmar que a lei 12.846/2013 é inconstitucional. CONCLUSÃO Após a análise da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e, posteriormente, de sua relação com a Lei Anticorrupção, é entendido que o afastamento da pessoa jurídica tem como fundamento obrigar o sócioou administrador de certa empresa a cumprir com suas obrigações particulares. E no caso da Desconsideração Inversa, tem como fundamento fazer com que o sócio ou administrador cumpra com suas obrigações pessoais, geralmente nos casos de separação de bens entre cônjuges ou então obrigação do pagamento de pensão alimentícia, ao invés de camuflar seus bens em empresas que servem somente pra esse objetivo. Tratando da relação dessa teoria com a Lei Anticorrupção, antes mesmo que a lei se tornasse vigente, ou que seu projeto fosse apresentado, o STJ e, posteriormente, o STF já haviam entendido que era possível a aplicação da regra do artigo 50 do CC/2002 nos casos de fraudes contra a Administração Pública. O artigo 14 da Lei Anticorrupção positivou essa decisão dos tribunais, e a própria lei trouxe para a Administração o poder de decidir quando seria ou não aplicável a Desconsideração da Personalidade Jurídica em relações que a envolvem. REFERÊNCIAS BRASIL, República Federativa do. Código Civil. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 19 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. _______. Código de Defesa do Consumidor. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 19 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. _______. Lei 12.529/2011. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 19 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. _______. Lei 12.846/2013. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 19 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. _______. Lei 9.605/1998. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 19 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, 1: Lei de Introdução e Parte Geral. 11 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
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