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Arquitetura, Projeto e Conceito

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Arquitetura, projeto e conceito 
Por Carlos Alberto Maciel 
Arquiteto e urbanista 
Mestre em Teoria e Prática de Projeto pela EA-UFMG 
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.043/633 
A realização de um projeto de arquitetura, como qualquer outro trabalho, tem 
premissas que lhe são próprias: há um programa a ser atendido, há um lugar em que se 
implantará o edifício, e há um modo de construir a ser determinado. Esse conjunto de 
premissas é elaborado graficamente em um desenho que opera como mediador entre a 
idéia do projeto e sua realização concreta. 
A idéia de um conceito que participe como elemento indutor do processo de 
projeto é de modo recorrente compreendida como algo externo a essas premissas, uma 
ficção, analogia, metáfora ou discurso filosófico que, servindo como ponto de partida, 
daria relevância ao projeto e milagrosamente articularia todos os condicionantes em uma 
forma significativa. Essa estratégia reduz a importância de dados existentes do problema 
e valoriza elementos que em princípio sequer existem como premissas necessárias para 
a realização da arquitetura. Na ausência de um grande padrão ideal legitimador das 
ações do arquiteto, já diagnosticada desde a emergência do pensamento pós-moderno, a 
busca de ficções legitimadoras isoladas como algo que confira qualidade à arquitetura 
tem sido uma estratégia usual tanto entre arquitetos que ocupam posições dominantes no 
cenário internacional como na produção local, prática e acadêmica. 
Em contrapartida a essa tendência, proponho pensar o conceito como o 
esforço do arquiteto em compreender, interpretar e transformar os dados pré-existentes 
do problema arquitetônico, que se constituem em fundamento para seu trabalho: o lugar, 
o programa, e a construção. Esta abordagem não procura determinar um procedimento 
lógico e racional que concatenaria uma seqüência de resultados obtidos cientificamente a 
partir da observação dos condicionantes. Tal entendimento do processo de projeto – e 
por conseqüência, do conceito -, em oposição extrema à primeira abordagem citada, 
suporia a eliminação completa da subjetividade do arquiteto. Contudo, no processo de 
projeto, a compreensão e interpretação de cada aspecto colocado como premissa exige 
por parte do arquiteto a tomada de sucessivas decisões. Cada uma dessas decisões é 
um ato racional, operado a partir do conhecimento específico do problema, relativizado 
pela experiência vivida do arquiteto e pelo momento em que se realiza o projeto. Como 
esclarece Brandão acerca da leitura ou fruição de uma obra acabada, “[t]oda 
compreensão é histórica e emerge da situação existencial e da experiência vivida por 
aquele que se propõe à tarefa de compreender ou interpretar alguma coisa” (2). Assim, a 
aparente restrição que a delimitação clara de um campo de ação sobre o qual o arquiteto 
opera durante o processo de projeto não se constitui em eliminação da subjetividade, 
mas, pelo contrário, exige um direcionamento desta subjetividade como algo operativo 
sobre os problemas efetivamente colocados pelo mundo ao arquiteto. Enquanto a busca 
pelo conceito por parte do fruidor ou usuário parte da interpretação do objeto em si, no 
ato do projeto o objeto é o que se busca realizar, e portanto não se dá ao conhecimento 
do autor para que dele se extraiam, se compreendam ou se estabeleçam conceitos. 
Sendo assim, é necessário recuar nesta busca por algo concreto que, antes da 
realização do edifício, já esteja disponível ao conhecimento do arquiteto e que permita 
sua interpretação. No caso do projeto, o que se coloca como concreto à compreensão do 
arquiteto são, na grande maioria dos casos, as demandas e determinações relativas ao 
lugar, ao programa e à construção. 
Lugar 
E delinearia meu projeto, tendo em conta a intenção dos humanos que iriam 
me pagar; atento à localização, às luzes, às sombras e aos ventos; feita a escolha do 
terreno, de acordo com suas dimensões, sua exposição, seus acessos, terras contíguas, 
e a natureza profunda do subsolo... (3) 
A geografia, a topografia e a geometria do terreno, sua conformação 
geológica, a paisagem física e cultural, a estrutura urbana, o sol, os ventos e as chuvas e 
ainda a legislação de uso e ocupação do solo são dados pré-existentes que podem ser 
extraídos de uma análise cuidadosa do lugar. Cada um desses aspectos se coloca de 
antemão ao conhecimento do arquiteto: tudo já está ali, demandando apenas um esforço 
rigoroso de observação. Buscar compreender as implicações de cada um destes 
aspectos nas relações de uso e no processo de construção é fundamental tanto sob o 
ponto de vista técnico como conceitual. 
Sob o ponto de vista pragmático e técnico, a compreensão do lugar em todos 
os aspectos citados traz o conhecimento necessário para se evitarem equívocos banais 
que podem comprometer a habitabilidade dos espaços, gerando incompatibilidades em 
relação ao clima e à natureza, que interferem na vida cotidiana e exigem remendos 
posteriores, nem sempre pertinentes. Essas correções a posteriori, na maioria dos casos, 
interferem nas soluções formal e construtiva pretendidas para o edifício e chegam a 
comprometer a arquitetura nas suas relações de uso. Esses mesmos equívocos 
decorrentes da desconsideração do lugar podem implicar ainda em graves 
incompatibilidades técnicas na relação entre a construção e o sítio, agindo negativamente 
sobre o equilíbrio das forças naturais e acarretando ao edifício desgaste mais acelerado 
pela ação do tempo em virtude da inadequação da sua inserção, seja no que diz respeito 
à relação com o terreno natural ou com os aspectos do clima ou mesmo com uma 
estrutura urbana pré-existente. Podem acarretar ainda aumentos consideráveis no custo 
de final de construção e manutenção do edifício, comprometendo sua viabilidade e por 
vezes inviabilizando sua construção. 
Sob o ponto de vista conceitual, a compreensão e a interpretação do lugar 
podem contribuir para gerar o espaço arquitetônico, na medida em que tem o potencial 
de induzir modos diferenciados de ordenação da construção e das relações de uso que 
ali acontecem. A conformação pré-existente do terreno natural, sua planimetria e 
altimetria, e ainda a sua relação com a estrutura urbana, com a paisagem e com os 
aspectos naturais inerentes ao sítio, relativos ao clima, permitem a identificação de 
diretrizes latentes de ordenação do espaço e da forma. Tais diretrizes, uma vez 
interpretadas pelo arquiteto, podem se repercutir diretamente na configuração final do 
objeto arquitetônico, seja de modo a reafirmar os aspectos espaciais e formais pré-
existentes no lugar, seja de modo a negá-los, ou ainda de modo a incluí-los como 
referência parcial à realização da construção, em uma dialética permanente entre as 
determinações do lugar, do programa e da construção. 
Programa 
Acreditava que um navio, de algum modo, deveria ser criado pelo 
conhecimento do mar, como que moldado pela própria onda!... Mas, na verdade, esse 
conhecimento consiste em substituir o mar, em nossos raciocínios, pelas ações que ele 
exerce sobre um corpo, - como se se tratasse, para nós, de descobrir as outras ações 
que a essas se opõem, defrontando-nos tão somente com um equilíbrio de poderes, uns 
e outros extraídos da natureza, onde não se combatiam utilmente (4). 
Os usos e atividades que geralmente dão origem à demanda por um edifício 
são em geral colocados no início do processo de projeto. Também são colocadas as 
restrições relativas à economia, um aspecto geralmente desconsiderado ou subestimado 
pelos arquitetos (5). 
Desconsiderar as definições relativas às limitações econômicas ou entendê-
las como uma restrição à criação é recorrer à exclusão do problemapara buscar uma 
solução mais simples e fácil (6). A consideração das questões de economia, quando se 
opera com recursos limitados, característica recorrente no contexto brasileiro, é antes de 
tudo uma premissa que pressupõe a viabilidade da construção. Sendo assim, ignorar as 
restrições e limitações de ordem econômica representa em um contexto de escassez um 
ato de irresponsabilidade em relação ao usuário, no caso de uma relação particular entre 
arquiteto e cliente, ou em relação à sociedade, no caso em que o cliente se trate de uma 
instituição pública. Representa ainda um descompromisso do arquiteto com a realização 
concreta de sua obra. A necessidade da atenção à economia remete à questão do 
decoro, apontada por Vitruvio: “o decoro é o aspecto correto da obra, que resulta da 
perfeita adequação do edifício, no qual não haja nada que não esteja fundado em alguma 
razão” (7). Mesmo em situações em que a escassez não é condição para a realização da 
arquitetura, o dispêndio excessivo e supérfluo implica em última instância na inserção 
direta do trabalho do arquiteto no mundo do consumo desenfreado, a promover a não 
preservação dos recursos naturais disponíveis para o homem no planeta. Como aponta 
Moneo, 
A construção de um edifício requer um empenho enorme e um grande 
investimento. Arquitetura em princípio, quase por princípio econômico, deve ser durável. 
Os materiais devem assegurar vida longa aos edifícios. Antes um edifício era construído 
para durar para sempre ou, pelo menos, certamente não esperávamos que 
desaparecesse (8). 
Ao se estabelecer um programa, surge a necessidade da determinação de 
dimensões dos espaços a fim de acomodar as diversas atividades propostas para o 
edifício. Esse dimensionamento se constitui em parte fundamental da interpretação do 
programa. Como aponta Le Corbusier, a noção da dimensão deve ser algo que 
ultrapassa a abstração da reprodução de padrões métricos universalmente aceitos, 
considerando as dimensões e a escala do homem como referência para a determinação 
dos espaços: 
O metro é apenas uma cifra sem corporeidade [...] As cifras do Modulor são 
„medidas‟, e, por conseguinte, feitos em si que têm corporeidade; [...] os objetos que se 
deve construir [...] são, de qualquer modo, „continentes do homem‟ ou prolongamentos do 
homem. Para escolher as melhores medidas vale mais „vê-las e apreciá-las com a 
separação das mãos‟ do que pensá-las somente (isso para as medidas muito próximas 
da estatura humana). [...] A arquitetura (e com essa palavra englobo a quase totalidade 
dos objetos construídos) deve ser tão carnal e substancial como espiritual e especulativa 
(9). 
Para além das questões relativas às proporções da forma, o domínio efetivo 
das dimensões permite a atuação ativa do arquiteto sobre a construção a fim de definir 
espaços qualitativamente distintos. A definição da ambiência de um espaço de 
permanência ou de um percurso e a demarcação de seu caráter público ou privado são 
diretamente determinados pelas suas dimensões. Portanto o dimensionamento é 
fundamental, em primeira instância, para um domínio das demandas de espaço a que 
correspondem as diversas atividades e, em segunda instância, para a definição de 
hierarquias e demarcação de diferenciações claras entre os espaços de naturezas 
distintas. 
Em relação aos usos e atividades demandados em um programa, para além 
de um atendimento imediato às questões utilitárias entendidas em um sentido 
funcionalista, é possível buscar como parte desta estratégia conceitual a investigação dos 
diversos modos de vida dos usuários, conhecidos ou imaginados, a fim de buscar nesses 
modos de vida as especificidades que sugiram o espaço mais apropriável e mais 
adequado para que estes hábitos tomem lugar. Como aponta Brandão, 
Os conceitos, como aqueles que elaboramos durante a produção de um 
projeto, não surgem do nada, mas da reflexão sobre a nossa própria experiência dos 
espaços e daquilo que nos fornece a tradição que lhes concerne. Assim, (...) cumpre 
elaborar a reflexão sobre nossa experiência desses espaços, sobre a imagem, os 
significados e sentidos que a tradição nos transmite e que se depositou como repertório 
da cultura (10). 
Essa compreensão da tradição pode aqui ser tomada como uma 
interpretação do repertório acumulado da cultura a fim de transformá-lo em proposições 
adequadas para o presente, ao invés de reproduzir padrões de espaço culturalmente 
desenvolvidos ao longo da história para esta ou aquela finalidade. Nesse sentido, parece 
mais fértil, como sugere Valéry, construir o navio a partir da compreensão das forças que 
o mar lhe impõe, ou seja, pensar o espaço fisicamente construído a partir das forças e 
tensões que as diferenciações entre os domínios do individual e do coletivo nele 
determinam. A partir deste entendimento, parece possível interpretar e interferir nestes 
diferentes modos de vida, a partir da reelaboração dos padrões recorrentes na tradição, 
promovendo articulações variadas entre as atividades e os domínios territoriais, a fim de 
estabelecer no espaço físico continuidades e descontinuidades, integrações, separações 
e fragmentações, ora controladas pelas necessárias transições, ora justapostas em 
demarcações e rupturas violentas entre os domínios do público e do privado. 
A demarcação de territórios com caracterizações distintas em suas relações 
de privacidade evoca a premissa de que a arquitetura se funda na necessidade de 
mediação das relações humanas (11). A partir desse entendimento, é possível superar 
uma visão funcionalista, que definiria o espaço como atendimento objetivo a atividades 
específicas, passando ao entendimento da questão dos usos e da ocupação humana do 
espaço edificado a partir da compreensão das diversas possibilidades de vivência do 
edifício no cotidiano. Habitamos simplesmente o espaço, mesmo quando nele 
momentaneamente não desenvolvemos qualquer atividade, ou seja, o habitar não passa 
pela noção da função ou da utilidade imediata. 
A arquitetura pode surgir do conhecimento e da interpretação dos 
condicionantes impostos pela vida cotidiana. Quando entendida assim, resulta mais 
circunstancial e menos ideal. Nesse sentido, cada projeto é um ato único, que deve 
incorporar as contradições específicas surgidas do embate entre seus condicionantes. A 
forma é portanto algo que resulta deste embate, e é mais relevante quando evita os 
gestos retóricos que procuram, por um lado, a determinação de uma linguagem a priori e, 
por outro lado, a caracterização de um discurso sobre algum dos aspectos envolvidos na 
sua realização. 
A arquitetura pode prescindir do discurso, desvestir as pretensões excessivas 
que extrapolam seus fundamentos primeiros e cuidar daquilo que lhe é mais caro, e tem 
sido mais abandonado, que é a importância do conhecimento da construção como o 
único meio de viabilização do espaço físico destinado à habitação pelo homem. 
Construção 
Eupalinos era senhor de seu preceito. Nada negligenciava. Prescrevia o corte 
das tábuas no veio da madeira, a fim de que, interpostas entre a alvenaria e as vigas que 
nelas se apoiassem, impedissem a umidade de penetrar nas fibras, embebendo-as e 
apodrecendo-as. Prestava a mesma atenção a todos os pontos sensíveis do edifício. Dir-
se-ia tratar-se de seu próprio corpo. Durante o trabalho da construção, raramente 
afastava-se do canteiro. Conhecia todas as suas pedras: cuidava da precisão de seu 
talhe, estudava minuciosamente todos os meios de evitar que as arestas se ferissem ou 
que a pureza dos encaixes se alterasse. Ordenava a prática da cinzeladura, a reserva 
dos calços, a execução de biséis no mármore dos adornos, dispensava o mais fino 
cuidadoao reboco que aplicava nos muros de simples pedra (12). 
A definição das fundações, da estrutura, das proteções contra as intempéries, 
das instalações complementares, dos processos construtivos e dos detalhes, bem como 
a eleição dos materiais, são escolhas do arquiteto que visam a viabilizar a realização do 
espaço imaginado e resultam na forma arquitetônica. Assim como nos aspectos relativos 
ao lugar e ao programa, é possível identificar diretrizes latentes de ordenação do espaço 
e da forma em cada aspecto relacionado à construção. Pensar cada um desses aspectos 
para além de suas determinações técnico-funcionais, da viabilização do abrigo, implica 
em pensar o elemento da construção como gerador de espaço, e não o contrário. 
Respeitar as especificidades de cada solução técnica, compreender o comportamento 
dos elementos em relação às forças da natureza, em especial a gravidade, implica em 
explorar conceitualmente as possibilidades da construção. Nesse sentido, cabe 
concordar com Joaquim Guedes, que aponta que “[h]á que aprender a imaginar o objeto 
e ao mesmo tempo inventar sua construção” (13). 
O conhecimento da construção é a única possibilidade de se viabilizar 
concretamente a idéia do objeto arquitetônico. Sua desconsideração é a garantia da 
falência da arquitetura – e do arquiteto -, na medida em que deixa para outro a 
responsabilidade fundamental das definições que em última instância implicam na 
geração da forma visível e tangível do edifício, e na definição da ambiência e da 
conformação do espaço interior destinado à vida humana. Desconhecer os 
procedimentos para a construção do objeto é operar apenas sobre a imagem pretendida 
para o edifício e seu espaço interior, é o simulacro da decoração e do ornamento 
supérfluo. Se há algum caminho possível para a arquitetura nesse momento, acredito ser 
sua realização através da manipulação ativa de sua lógica de construção, operando a 
partir de seus fundamentos para atingir uma resposta concreta, fisicamente edificada, 
que faça repercutir no objeto arquitetônico, de modo complexo, o conhecimento, a 
interpretação e a transformação de todas as restrições e determinações do lugar, do 
programa e das próprias possibilidades de construção. 
O desenho como mediador 
Sou avaro em divagações. Concebo como se executasse (14). 
A representação gráfica é, e parece que por muito tempo continuará sendo, o 
modo de mediação entre a idéia e a sua realização concreta, a construção. Portanto, o 
desenho é o ponto crítico no processo, pois não é apenas a representação final de uma 
idéia pensada de antemão, mas é a própria construção da idéia. Enquanto desenha, o 
arquiteto testa hipóteses de resolução das diversas contradições que surgem do embate 
entre as demandas impostas pelo sítio, pelo programa e pela construção. Como confirma 
Brandão, 
a expressão gráfica (...) não é apenas representação de uma idéia mas um 
momento de compreensão e construção dessa idéia. (...)Dizer que essa relação é 
dialógica significa dizer que ela se desenvolve a partir do jogo de perguntas e respostas 
que são colocadas entre os dois momentos. Esse jogo se desenvolverá também para 
estabelecer a relação entre o projeto e a obra e, depois, entre a obra e o habitante. 
Cumpre reafirmar, desde já, que a própria definição do conceito é mediatizada pelas 
perguntas colocadas pela construção, pela contextualização e pela fruição da obra (15). 
Como mediador que visa a concepção e a realização do edifício, o desenho 
deve explicitar com clareza os procedimentos para a construção do objeto. Se tratado de 
modo abstrato e desvinculado da lógica e das implicações da construção, o desenho 
perde sua relação direta com o objeto arquitetônico, e deixa de ser o meio para sua 
realização. Arrisca-se assim a não realização do edifício como previsto, por mera 
impossibilidade ou divergência entre a técnica possível e o espaço e volume imaginados. 
A deficiência da representação decorre do desconhecimento da construção. Portanto, a 
representação, para ser suficiente e para viabilizar a construção de um edifício qualquer, 
deve se fundamentar no conhecimento de todas as premissas que interferem nesta 
realização do objeto. Rafael Moneo confirma essa hipótese: 
Muitos arquitetos atualmente inventam processos e ensinam técnicas de 
desenho sem a preocupação com a realidade da construção. A tirania dos desenhos é 
evidente em muitos edifícios em que o construtor procura seguir literalmente o desenho. 
A realidade pertence ao desenho, não ao edifício. [...] Os edifícios se referem tão 
diretamente às definições do arquiteto e estão tão desconectados com a operação da 
construção que a única referência é o desenho. Mas um verdadeiro desenho de 
arquitetura deve implicar sobretudo o Conhecimento da construção (16). 
A necessidade do conhecimento acumulado associado à observação acurada 
dos aspectos específicos que dizem respeito a cada projeto sugere uma possibilidade de 
abordagem metodológica do projeto arquitetônico. O ato de projetar pode ser entendido 
como um trabalho reflexivo, um esforço de equilíbrio entre o construir, o habitar e o 
pensar colocados como premissa para este debate. É um ato de pensar a construção, o 
hábito e o lugar, de modo a transformar a situação pré-existente em algo novo, que 
configure um suporte habitável, no sentido pragmático da configuração do abrigo e da 
proteção que o conhecimento da técnica viabiliza, e no sentido específico da mediação 
das relações humanas, que somente se realiza a partir do conhecimento da vida 
cotidiana e da atuação intencional do arquiteto sobre as articulações físicas do espaço e 
da construção. A linguagem e a forma surgem como decorrência imediata, mas não 
óbvia, deste trabalho reflexivo sobre os dados pré-existentes do problema. 
Fiar-se em relatos legitimadores externos, ainda que eleitos caso a caso, é 
cometer o mesmo erro dos herdeiros desavisados de arquiteturas do passado, que 
entenderam a arquitetura de sua época como um padrão baseado em um repertório 
formal a ser reproduzido, reduzindo a importância da consideração efetiva dos 
condicionantes reais que surgem da vida cotidiana. 
 
 1 Este artigo foi elaborado originalmente para publicação e apresentação em mesa 
redonda do Seminário Arquitetura e Conceito, promovido pelo Núcleo de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG, em julho 
de 2003, sob o Tema: “Construir, Habitar, Pensar, hoje. O que é Projetar?”, sob a 
coordenação do prof. Dr. José dos Santos Cabral Filho. 
 2 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. “Linguagem e arquitetura: o problema do 
conceito”. Revista de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo. vol.1, n.1, 
novembro de 2000. Belo Horizonte: Grupo de Pesquisa "Hermenêutica e Arquitetura" 
da Escola de Arquitetura da UFMG. Disponível: <http://www.arq.ufmg.br/ia>. Acesso 
em 25 jun. 2003. 
 3 VALÉRY, Paul. Eupalinos ou O Arquiteto. Tradução Olga Reggiani. São Paulo: 
Editora 34, 1996, p. 175. 
 4 Idem, ibidem, p. 155. 
 5 Vitruvio aponta a economia como um importante definidor da arquitetura, sendo um 
pressuposto à utilidade. Daí resulta a abordagem, neste trabalho, da economia em 
conjunto com as questões referentes ao uso, configurando as demandas relativas ao 
programa. Sobre isso, cf. VITRUVIO, Marco Lucio. Los diez libros de arquitectura. 
Tradução direta do latim, prólogo e notas por Agustín Blanquéz. Barcelona: Editorial 
Iberia, 1955, p.16. 
 6 Robert Venturi aponta a simplificação decorrente da exclusão de problemas como 
uma estratégia para assegurar uma pré-determinação da forma. Contrapõe a essa 
tendência a necessidade da busca por uma complexidade que inclua efetivamente na 
resolução da formaas diversas demandas que comparecem no processo de projeto. Cf. 
VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. Tradução Álvaro 
Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 
 7 VITRUVIO. Op. cit., p.14. 
 8 ”The construction of a building entails an enormous amount of effort and a major 
investment. Architecture in principle, almost by economic principle, should be 
durable. Materials should provide for the buildings's long life. A building formerly 
was built to last forever or, at least, we certainly did not expect it to disappear”. 
MONEO, Rafael. “The solitude of Buidings”. Kenzo Tange Lecture, Harvard 
University Graduate School of Design, março, 1985. (discurso). Disponível: 
<http://web.arch-mag.com/3/recy/recy1t.html>. Acesso em 05 jun 2003, s/p. 
 9 LE CORBUSIER. El modulor: Ensayo sobre uma medida armonica a la escala 
humana aplicable universalmente a la arquitectura y a la mecánica. Buenos Aires: 
Editorial Poseidon, 1961, p. 56-57. 
 10 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Op. cit., s/p. 
 11 Para aprofundar o entendimento da arquitetura como mediação dos códigos de ética 
da sociedade, cf. CABRAL FILHO, José dos Santos. Formal games and interactive 
design. Sheffield: School of Architectural Studies, 1996. (Tese), seção 1.3.1. 
Disponível: <http://www.arquitetura.ufmg.br/lagear/cabral/phd/index.html>. Acesso 
em 15 mar. 2000. 
 12 VALÉRY, Paul. Op. cit., p. 39. 
 13 GUEDES, Joaquim. “Geometria Habitada”. In: VALÉRY, Paul. Eupalinos ou O 
Arquiteto. Tradução Olga Reggiani. São Paulo: Editora 34, 1996 (Prefácio), p.12. 
 14 VALÉRY, Paul. Op. cit., p. 51. 
 15 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Op. cit., s/p. 
 16 Many architects today invent processes or master drawing techniques without 
concern for the reality of building. The tyranny of drawings is evident in many 
buildings when the builder tries to follow the drawing literally. The reality belongs to 
the drawing, not to the building. [...] The buildings refer so directly to the architect's 
definition and are so unconnected with the operation of building that the only 
reference is the drawing. But a truly architectural drawing should imply above all the 
Knowledge of construction. MONEO, Rafael. Op. cit., s/p.

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