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Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado A optimized emergency approach for the politraumatized feline patient Ligia Pereira de Moraes – Pós-graduação em Anestesiologia Veterinária. Email: demagiali@uol.com.br Mariana do Amaral Corrêa – Rodrigo Luiz Marucio – Doutorando pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – USP, São Paulo Marcela Malvini Pimenta – CAT Medicina de felinos – Belo Horizonte/MG Rodrigo Cardoso Rabelo – Intensivet núcleo de Medicina Veterinária Avançada – Belo Horizonte/MG Moraes LP, Corrêa MA, Mauricio RL, Pimenta MM, Rabelo RC. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação; 2010; 8(26); 416-423. Resumo A população de felinos domésticos aumentou consideravelmente nos últimos anos, e estes animais podem ser encontrados com uma frequência maior que a de cães em determinados países. A este fato associa-se o hábito urbano moderno que trouxe o felino para dentro de apartamentos e espaços cada vez mais reduzidos, devido a sua habilidade de adaptação à rotina do ser humano contemporâneo. É frequente o envolvimento desta espécie em acidentes graves como quedas, traumas por mordedu- ra ou automobilísticos. A morbimortalidade pode ser reduzida se uma metodologia sistematizada e organizada de atendimento é utilizada, já que os felinos apresentam características que os tornam únicos e desafiantes na prática da medicina veterinária. Palavras-chave: Emergência, gato, terapia intensiva, trauma. Abstract The population of domestic cats had an arrested increasing in the last years, and these animals can be found more frequently than dogs in certain countries. This fact is associated to the modern urban way of life that brought cats into apartments reduced spaces, right because it’s ability to adapt to this human contemporary routine. Its very common to see this specie involved in serious accidents such as high falls, biting wounds or vehicle trauma. The morbidity and mortality can be reduced if a systema- tic and organized emergency approach is used, since cats have characteristics that make them unique and challenging in veterinary medicine practice. Keywords: emergency, cat, intensive care, trauma. Relato de caso 416 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26); 416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 417 Introdução “Trauma” é uma palavra de origem grega, que significa “ferida”, e atualmente denota uma lesão produzida subi- tamente por ação física ou química e ao evento que a pro- duziu(1). Estudos demonstram que, em média, 12,8% dos atendimentos de cães e gatos de urgência ocorrem por algum tipo de trauma, sendo que os gatos apresentam o dobro de ocorrências, quando comparados aos cães (2,3). Além disso, o número de casos de felinos politraumatizados aumentou bastante devido à maior possibilidade de acesso à rua por parte dos gatos(4). Embora cães e gatos estejam expostos a riscos ambientais semelhantes, as diferenças de comportamento resultam na possibilidade de sofrerem traumas específicos, com a maior probabilidade de grandes quedas, devido ao seu hábito de escalar e sua preferência por lugares altos (3). Acidentes au- tomobilísticos e ferimentos por brigas também são represen- tativos (4,5). Com relação à gravidade do trauma, os felinos também são mais susceptíveis do que os cães por possuírem compara- tivamente menor peso e massa corporal (3). O trauma múltiplo pode ser responsável por uma alta mortalidade nos atendimentos de urgência, mas muitos óbi- tos podem ser evitados quando se utiliza uma metodologia sistematizada e organizada. Esta revisão tem por objetivo de- monstrar como deve ser realizada a abordagem do paciente felino no trauma, levando-se em conta suas diferentes respos- tas ao se tornar um paciente crítico. Particularidades da espécie felina Os gatos são particularmente um desafio em situações dependentes de respostas compensatórias, como no trauma, onde a perfusão tecidual e a pressão arterial sanguínea en- contram-se comumente comprometidas. Em animais trauma- tizados, o fator de maior associação à hipoperfusão é a hipo- volemia (6,7). Em gatos, porém, a avaliação da hipoperfusão secundária a hipovolemia é difícil, pois a coloração normal das membranas mucosas são mais pálidas do que em cães e a qualidade do pulso é mais difícil de ser avaliada. A frequên- cia cardíaca (FC) em repouso também é maior do que a dos cães e o aumento marcante da FC em resposta a hipovolemia não ocorre, principalmente nos animais hipotérmicos (6). Além disso, gatos traumatizados apresentam outras ca- racterísticas que os tornam um verdadeiro desafio clínico, como por exemplo, a ausência de sinais hiperdinâmicos do choque (5,8,9,10) e o insucesso de esplenocontração em res- posta à hemorragias (5,9,11). A progressão da descompensa- ção é marcada pela perda de controle da temperatura central e sua relação direta com o sistema nervoso simpático (SNS), em que a refratariedade dos receptores α1-adrenérgicos re- sulta na incapacidade de compensação das alterações cardio- vasculares (8,12), em bradicardia e potencialização da hipo- tensão (12,13). Outras consequências são desencadeadas com a evolução do quadro, como a acidose e as coagulopatias, denominadas tríade da morte no trauma, ao serem associadas à hipotermia. Manejo inicial do paciente traumatizado Assim que o paciente é recebido no serviço de urgência, uma breve história é obtida do proprietário em poucos minu- tos (CAPÚM) enquanto o doente é submetido à estabilização, adotando-se o tratamento precoce baseado em metas (Early Goal-Directed Therapy – EGDT) e seguindo o protocolo de atendimento emergencial de rotina (14,15,16,17,18,19). Esta abordagem foi baseada no protocolo ABC, que envolve pa- tência de via Aérea, a Boa respiração e o controle da Circu- lação, respectivamente, sempre buscando a estabilização da perfusão microcirculatória (guiada por curva de clearence de lactato) para depois confirmar a viabilidade macrocirculató- ria(20,21). A prioridade do exame físico deve ser a busca por hemor- ragias catastróficas que possam ocasionar o óbito em poucos instantes, e caso não estejam presentes, seguir a abordagem de abertura de vias aéreas, geração de uma boa ventilação e respiração e em seguida, determinar o status circulatório do doente. O passo seguinte deve ser baseado na abordagem se- cundária com controle da dor de forma eficiente (22,23). Patência das Vias Aéreas e Boa respiração A via aérea superior deve estar limpa e desobstruída para proporcionar uma ventilação adequada. Caso necessário, a cricotireoideotomia é o procedimento de escolha (24). A suplementação precoce de oxigênio deve ser um pilar terapêutico prioritário, porém, esta deve causar o mínimo possível de estresse ao animal. De maneira geral, o doente deve ser abordado na posição de conforto de sua preferência, e a escolha do método de oxigenação vai depender, em todos os casos, da aceitação do animal. A utilização inicial de ten- das de oxigênio, colar de Crowe (elisabetano) (Fig. 1), ou via tubo com fluxo livre são preferíveis (4). Figura 1: Suplementação de oxigênio via colar de Crowe (Elisabetano). Notar a abertura na parte superior para saída de CO2. A hipoventilação é uma das maiores causas de mor- te em felinos, portanto o padrão ventilatório deve ser ajustado para evitar acidose respiratória e fadiga mus- cular (23). Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26);416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 418 Circulação Durante a avaliação circulatória, a hemodinâmica felina deve ser levada em conta, devido às suas diferenças em rela-ção às outras espécies (6). A perfusão dos tecidos é avaliada pela mensuração do lactato sanguíneo (Figura 2) e o estado macrocirculatório é vigiado por meio da observação do nível de consciência, fre- quência cardíaca, qualidade e frequência do pulso, coloração das mucosas, tempo de preenchimento capilar, distensão da veia jugular e principalmente pela avaliação da pressão arte- rial e do delta T (diferença da temperatura retal e da tempe- ratura periférica) (6). ao administrar estes fármacos, é importante considerar seu alto risco em pacientes portadores de cardiomiopatia hiper- trófica (13) e nos que ainda se encontram em estado de hi- povolemia. O reaquecimento central é essencial para a recuperação hemodinâmica e entrega de oxigênio tecidual, devendo ser realizado de forma gradual, 0,5°C a cada meia hora, até atin- gir a meta final (26,28). Durante a reanimação volêmica é necessário monitorar a pressão arterial, a frequência cardíaca, a concentração de lactato, e principalmente a temperatura corpórea cen- tral, por razão de ajustes do sistema nervoso simpático à normalização da temperatura. As temperaturas corporais baixas, especialmente no gato, impedem uma resposta adrenérgica adequada, e ao reverter o quadro de hipoter- mia pode haver uma vasoconstrição rebote por reativação simpática e consequente má distribuição de volume com geração de edema (9,25). Abordagem secundária Após a estabilização dos fatores hemodinâmicos e a rea- dequação da oferta de oxigênio aos tecidos, deve-se realizar o exame completo do paciente e a avaliação da necessidade de exames diagnósticos adicionais, intervenções cirúrgicas, e tratamentos de suporte (20,29,30). O acesso externo é particularmente importante na vítima de trauma agudo. O animal deve ser cuidadosa- mente avaliado para presença de sangramentos, lacera- ções, perfurações, abrasões, contusões, edema signifi- cante, crepitações e dor à palpação, herniações, fraturas ou deformidades. Neste momento é necessário explorar todos os orifícios, naturais ou não, manualmente e com sondas (22). O retroperitônio deve ser investigado quanto à presença de hemorragias, fraturas pélvicas, lesões em bexiga, rins e fí- gado. Durante a avaliação abdominal, é importante realizar a palpação, auscultação, percussão, e avaliação da presença de líquidos ou gás livre. O sistema FAST (Focused assessment with sonography trauma) é um método eficiente, minima- mente invasivo e de alta sensibilidade na detecção de altera- ções decorrentes de lesões abdominais e torácicas provenien- tes de traumas. Como a dor é um evento comum a qualquer tipo de trau- ma, ela deve ser sempre tratada para suprimir seus efeitos adicionais e indesejáveis (30) (Figura 3). A diminuição da resposta ao estresse, do nível de ansiedade e angústia do pa- ciente, vão além das questões éticas (31). As respostas refle- xas induzidas pelo dano tecidual e pela dor, embora tenham o caráter de proteção à vida em curto prazo, são deletérias e aumentam o risco de complicações em pacientes trauma- tizados, por resultar em uma variedade de efeitos colaterais endócrinos e metabólicos responsáveis por retardar a recu- peração do paciente (31,32,33). Além disso, a nociocepção e a resposta ao estresse resultam em imunossupressão (30). Sendo assim, preconiza-se o controle da dor de forma con- tínua ou em infusão constante em todos pacientes trauma- tizados (33). Figura 2: Dosagem de Lactato de um felino politrauma- tizado (6,5 mmoL acima do permitido para espécie), refle- tindo uma condição de hipóxia e hipo- perfusão tecidual. A reposição volêmica deve ser realizada levando-se em conta o volume sanguíneo destes pacientes, e a sua maior susceptibilidade a sobrecargas hídricas (9,25). Com o objeti- vo de se evitar tais transtornos e resgatar o animal do qua- dro de choque precocemente, a reanimação deve conferir inicialmente um grande volume de fluido cristalóide (ringer lactato) infundido de forma rápida, 10ml/kg a cada seis mi- nutos, até a obtenção da estabilidade fisiológica do paciente, sendo subsequentemente administrado de forma conserva- dora em 24hs, descontando-se o volume que foi fornecido. A este processo agressivo de fluidoterapia atribui-se o nome de prova de carga ou de volume. Ao final de duas provas com ausência de resposta, a próxima tentativa é a infusão de bolus de colóide, na dose de 10-20ml/kg em um intervalo de uma a duas horas (9,10,26). Cabe ressaltar que sempre que houver um nível de pressão arterial considerado ameaçador à vida (pressão arterial média menor que 65 mmHg ou pres- são sistólica menor que 90 mmHg) recomenda-se a adminis- tração imediata de 4 ml/kg em 2-3 minutos de solução sali- na hipertônica a 7,5% associada a um amido 130/0,4 (Hiper Haes), para em seguida continuar com as provas de carga de cristaólides. Se ainda assim o animal não obtiver respos- ta, é recomendado o uso de inotrópicos positivos como a dopamina, ou a dobutamina quando houver evidência de redução de contratilidade cardíaca (2,25,26,27). No entanto, Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26); 416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 419 Analgésicos opióides Morfina (0,05 a 0,5 mg/kg/IM, a cada 3-6horas) oximorfona* (0,1 a 0,2 mg/kg/IV, redosagem 0,05 a 0,1 mg/kg) Buprenorfina** (0,005 a 0,01 mg/kg/IV ou IM, a cada 8 horas) Analgésico de ação central Tramadol ( 2,0 a 4,0mg/kg/VO, a cada 12 horas) Possui seletividade por receptores µ e ligação fraca pelos receptores kappa e delta. Também interage com os siste- mas noradrenérgico e serotonérgico. Antiinflamatórios não esteroidais AINEs : Devem ser evitados até que a função cardiovascular esteja controlada e a função renal avaliada devido ao risco potencial maior de toxicidade na espécie felina. Além disso, os gatos são particularmente susceptíveis aos efei- tos adversos renais dos AINEs, e por esse motivo não devem ser administrados em gatos hipotensos. Em algumas situações, como no trauma normovolêmico estável ou cirurgia, estes analgésicos podem ser úteis para o manejo da dor aguda, mas ainda assim devem ser utilizados por um curto período de tempo e com cautela. Anestésicos locais Lidocaína (0,25 a 0,75 mg/kg IV/lenta ou 10 a 40 ug/kg/min/ infusão contínua) Bupivacaína***: ( Solução 0,5% - 0,2ml/kg/via epidural) Utilizados para bloqueios regionais de nervos específicos e para infiltração em feridas ou fraturas. Oferecem boa analgesia inibindo a condução nervosa por bloqueio dos canais de cálcio, com mínimos efeitos colaterais. Podem ser utilizados isolados ou associados, para um início rápido e longa duração. Figura 3A: Fratura exposta de fêmur em um felino decorrente de trauma. Figura 3B – Paciente mimetizando dor. O metabolismo único dos gatos impacta diretamente na escolha dos fármacos a serem utilizados. A pequena gama de analgésicos licenciados para os felinos é uma barreira para o tratamento da dor (34), entretanto os opióides são analgésicos muitos úteis e administrados com muita frequ- ência nos pacientes traumatizados devido ao seu rápido iní- cio de ação, segurança, potência e reversibilidade (35). Em pacientes politraumatizados, a dose dos opióides deve ser lentamente ajustada até o efeito desejado, pois a farmacoci- nética do medicamento pode ser alterada (32). A Tabela 1 detalha os principais fármacos utilizados (32,34,36,37,38,3 9,40,41,42,43,44). Tabela 1: Fármacos disponíveis para uso em traumas. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26);416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 420 Em pacientes críticos, a hipoglicemia pode ocorrer inesperadamente, e por isso, a concentração de glicose sanguínea deveser checada e monitorada (7), devendo-se também evitar a hiperglicemia, muito comum durante a evolução da internação. É válido considerar que na espé- cie felina, existe a possibilidade de ocorrerem alterações de glicemia e de cortisol endógeno por estresse, e estes valo- res podem estar superestimados, reforçando a importân- cia de um ambiente hospitalar adequado e adaptado para esses pacientes (5). O objetivo é manter a glicemia entre 80 e 140 mg/dl (7). É necessário observar o nível de consciência (Figura 4). A perda do estado mental normal do paciente pode ocorrer rapidamente caso a entrega de oxigênio e glicose seja inade- quada, sendo considerado um fator prognóstico muito im- portante para esta espécie (23). Tabela 1: Continua. Outros Cetamina: (2,0 a 25 mg/kg/ IV ou IM) Anestésico dissociativo com ação antagonista de receptores NMDA com pequena atividade analgésica devido a diminuição da sensibilização central. Recomenda-se associar outro fármaco de ação sedativa. Gabapentina: (10mg/kg/VO, a cada 12hs) Medicamento anticonvulsivante com bons resultados no tratamento da dor perioperatória. O seu mecanismo de ação analgésica é desconhecido, mas há evidências de que possa aumentar a inibição central ou reduzir a síntese de glutamato. Medetomidina: (0,08 mg/kg/VO) Boa opção para contenção do paciente com objetivo de se evitar novos ferimentos e dores adicionais. A administra- ção por via oral pode ser uma técnica útil na dosagem. Dexmedetomidina: (0,04 mg/kg/ VO ou IM) Também pode ser usada por via oral para uma analgesia de longa duração comparada com a mesma dose pela via intramuscular. *Analgésico 10 a 15 vezes mais potente do que a morfina ** Analgésico 25 a 50 vezes mais potente do que a morfina *** Anestésico local mais potente do que a lidocaina A avaliação do nível de consciência do paciente deve ser realizada inicialmente pelo sistema AVDN, (Alerta, responde ao alerta Verbal, responde somente a estimulação Dolorosa, Não responde). Posteriormente, o sistema de classificação de comprometimento neurológico através da escala de coma para pequenos animais (escala de Glasgow modificada) deve ser utilizado para que as medidas cabíveis sejam implantadas (29,30,45). A premissa de que todos os pacientes são portadores de fraturas até que se prove o contrário, deve ser considerada. No animal em decúbito, somente reflexos espinhais e sensibi- lidade dos membros deverão ser testados, até ser descartadas lesões de coluna (29) (Figura 5). Figura 4: Midríase resultante de politrauma em um paciente felino. Figura 5: Contenção inicial do animal através da remoção da parte externa da caixa de transporte. O tratamento emergencial dos ferimentos abertos e/ou fraturas consiste em controlar o sangramento por compres- são direta sobre a ferida, prevenir contaminações adicionais, Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26); 416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 421 imobilização do membro fraturado (30), ou controle de danos ortopédicos até que seja possível a realização de um procedi- mento cirúrgico definitivo (46,47). Monitorização A monitorização deve ser iniciada tão logo se alcance a estabilidade do doente. A avaliação diária de um paciente em estado crítico deve ser realizada pela integração dos dados físicos e dos resultados de exames complementares (7), tais como, painel radiográfico; hemograma completo; microhe- matócrito; dosagem dos sólidos totais, glicose, bilirrubina, potássio, uréia e creatinina; urinálise; perfil de eletrólitos; gasometria arterial e perfil de coagulação (2,24). O registro de todos os parâmetros monitorados promove uma maior eficiência do tratamento, além de viabilizar uma estimativa prognóstica (24, 41,48). O comprometimento pulmonar é muito comum em pa- cientes traumatizados, por isso, a auscultação, frequência e padrão respiratório devem ser monitorados constantemente (7). A oximetria de pulso é muito útil, pois permite a monito- ração da oxigenação de uma maneira não invasiva, bem tole- rada e confiável (49,50). Porém, para se investigar a eficiência das trocas gasosas, a determinação da PaO2 é mais adequada, com valores inferiores a 90mmHg em um animal respirando ar ambiente sendo considerado hipoxemia (51). Enquanto a acidose lática é um distúrbio comum em vá- rios processos que geram um estado de hipoperfusão (52), a acidose respiratória é quase sempre provocada por uma falha na ventilação (51). Os valores de bicarbonato e excesso de ba- ses são utilizados para avaliar o estado metabólico do paciente e a pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2) para estimar a condição ventilatória (7). O desequilíbrio entre as concentra- ções de sódio e potássio pode afetar a função neuromuscular e a manutenção da homeostasia celular (53). Sendo assim, estas concentrações devem ser mensuradas e mantidas dentro da variação normal, assim como as de cloreto e as de cálcio (7). Os parâmetros clínicos utilizados para avaliar a perfu- são periférica e cerebral são o estado mental, a freqüência cardíaca, a coloração das membranas mucosas, o tempo de enchimento e esvaziamento jugular, a qualidade de pulso, a temperatura central e periférica, e o débito urinário (6,7,54). Em animais traumatizados, o débito urinário deve ser cuida- dosamente monitorado, devido ao risco de desenvolvimento de falência renal. Além disso, os azotos (uréia e creatinina) devem ser monitorados durante a realização da bioquímica sanguínea diária (7). Para manter uma perfusão adequada para o cérebro e para os rins, um valor mínimo da pressão arterial média (PAM) de 65mmHg é necessário e constitui o método mais efetivo de avaliar a perfusão, juntamente com a curva de cle- arence de lactato, por correlacionar-se ao débito cardíaco, re- sistência vascular e volemia. O uso do Doppler constitui um método não invasivo de aferição da pressão arterial significa- tivamente confiável para o paciente felino (2, 55). A frequência e o ritmo cardíacos devem ser monitorados re- gularmente por auscultação cardíaca e/ou por meio de exame eletrocardiográfico. A taquicardia pode ser um sinal precoce de comprometimento hemodinâmico, ao passo que a bradicardia pode constituir um sinal eminente de atonia simpática durante o choque em felinos. Além disso, é possível que pacientes crí- ticos desenvolvam arritmias secundariamente à hipovolemia e à hipoxemia, também responsáveis por prejudicar o débito cardíaco. Outra possibilidade é a monitoração da contratilida- de cardíaca através da ecocardiografia, principalmente para aqueles pacientes que apresentam comprometimento hemodi- nâmico e não respondem adequadamente a fluidoterapia (7). Cuidados de suporte ao paciente Nutrição O suporte nutricional em gatos é de grande importância e deve ser realizado o mais precocemente possível pelo fato do paciente encontrar-se em um estado hipermetabólico (28,48). Se existe o conhecimento de que o paciente passará por um período prolongado de inapetência ou inabilidade para se ali- mentar, a colocação cirúrgica de um tubo de alimentação é re- comendada. Os tubos de esofagostomia são os de eleição, bem tolerados e podem permanecer no local por longos períodos (4). Os felinos são carnívoros essenciais e dependem da oferta de proteína como fonte de energia, sendo um erro considerar a fluidoterapia uma forma de suporte nutricional (8). Outras exi- gências nutricionais são particulares da espécie e necessárias para a sua sobrevivência, devendo ser checadas e respeitadas. Manejo hospitalar Os pacientes devem ser manejados apropriadamente. Os animais em decúbito devem ser movimentados a cada 4 ho- ras, o local de inserção do cateter deve ser sempre inspecio- nado e mantido de forma asséptica. Oslocais de incisão cirúr- gica e feridas devem ser inspecionados sequencialmente, e as bandagens úmidas igualmente checadas e substituídas (7). A dosagem dos fármacos deve ser constantemente revi- sada. Um paciente em estado de choque possui um padrão farmacocinético diferente, caracterizado pelo incremento na oferta dos fármacos aos tecidos mais vascularizados e pela anulação da distribuição destes aos tecidos gordurosos e musculares. Esse padrão pode resultar em aparecimento de efeitos colaterais e maior permanência de medicamentos no organismo. Além disso, distúrbios ácido-base, hipoproteine- mia e hipotermia podem alterar seu metabolismo e biodispo- nibilidade (1). Ainda, o paciente deve ser pesado diariamen- te, pois a posologia dos fármacos pode alterar-se durante o período de internação. A saúde mental dos animais é tão essencial quanto à saú- de física. Para isso é importante manter os cuidados de inter- nação adequados para uma melhor recuperação do paciente (7,13,28,56) : • Minimizar o estresse; • Disponibilizar água e comida frescas, caixa de areia e cama macia; • Respeitar a fisiologia de sono da espécie, promovendo iluminação adequada; • Manter o controle da dor; • Preservar o silêncio no ambiente de internação ; • Manejar o paciente gentilmente e de forma carinhosa; • Possibilitar visitas do proprietário. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(26);416-423. Abordagem emergencial otimizada do felino politraumatizado 422 Considerações Finais É necessário uma abordagem otimizada na gestão de cuidados ao felino politraumatizado, a fim de pos- sibilitar uma intervenção precoce, capaz de assegurar e manter a integridade fisiológica do animal ou inter- ceder na propagação de mecanismos descompensató- rios que se instalam com a progressão da hipoperfusão tecidual. Todos os esforços devem ser concentrados com o objetivo de evitar a ocorrência da tríade da morte no trauma, comu- mente potencializada pela hipotermia, hipotensão e bradicar- dia nos gatos, e representada pela hiperlactatemia. O conhecimento das particularidades da espécie felina também é fundamental para garantir o sucesso da reanimação, a sobrevida a longo prazo, e a prevenção de sequelas futuras. Referências 1. TELLO, L.H. Trauma em pequenos animais. In: Trauma em cães e gatos.1º ed São Paulo: MedVet Livros, 2008. 2. Rabelo, R.C. 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