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Rodrigues, D. 2014. Biologia da Conservação: Âmbito, valores e ética. UFRJ, Departamento de Ecologia. Disponível em http://graduacao.cederj.edu.br/ava/login/index.php BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO: ÂMBITO, VALORES E ÉTICA Daniela Rodrigues Departamento de Ecologia, UFRJ A biologia da conservação é uma ciência que visa a compreender os efeitos antrópicos nos sistemas naturais (populações, comunidades, ecossistemas e biomas), bem como busca prevenir a extinção acelerada de espécies, reintegrar as espécies ameaçadas ao seu ambiente de origem e restaurar ambientes alterados. A biologia da conservação trata-se de uma disciplina em crise, pois devemos tomar decisões urgentes sobre conservação com uma quantidade insuficiente de informação e tempo curto. Muitos biólogos oriundos das áreas de taxonomia, ecologia e genética - além de outros profissionais não advindos das ciências biológicas, como advogados, economistas, entre outros - são atuantes na área de biologia da conservação. Essencialmente, a biologia da conservação é guiada pelo valor que possui a diversidade biológica (= biodiversidade). Contudo, por que é necessário valorar a biodiversidade? Filósofos têm distinguido dois tipos de valoração da biodiversidade: 1) instrumental e 2) intrínseca. A biodiversidade tem valor em termos instrumentais em decorrência dos benefícios (alimentos correntemente consumidos e potenciais para consumo, medicamentos, fibras, combustíveis), serviços (polinização de plantações, ciclagem de nutrientes, produção de oxigênio), informação (conhecimento científico aplicado, bibliotecas genômicas) e satisfação psico-espiritual (belezas naturais, conhecimento científico básico, veneração religiosa) que provê para a humanidade. A biodiversidade pode ser também intrinsicamente valorosa, ou seja, possui valor por si só (latim = per se), assim como assumido aos seres humanos e ao bem-estar de que estes necessitam. Em outras palavras, as formas de vida não humanas possuem valor pelo simples fato de existirem, assim como assumido para a nossa espécie. Como consequência, nós, seres humanos, somos capazes de dar valor a outras espécies, comunidades bióticas, bem como ecossistemas tanto pelo simples fato destes existirem quanto pelo que estes acabam fazendo por nós. A fim de comparar o valor da biodiversidade com o valor das demais coisas, economistas têm tentado atribuir um valor monetário à mesma, tanto em termos instrumentais quanto intrínsecos. Esta é uma tarefa não muito fácil, a qual tem gerado uma série de recentes debates. Historicamente, a Bíblia reconhece o valor intrínseco das demais espécies, ao haver menção de espécies “boas”, entre outros. Em adição, teólogos judeus e cristãos reformularam a doutrina Judaico-Cristã em direção à ética na conservação biológica. Igualmente, muitas outras religiões mundo afora têm desenvolvido distintas éticas para a conservação biológica, as quais são baseadas nas suas escrituras e tradições. Algumas outras éticas para a conservação não são baseadas em nenhuma religião, mas na biologia moderna. De acordo com uma perspectiva evolutiva, a espécie humana está aparentada a todas as outras formas de vida. De acordo com uma perspectiva ecológica, seres humanos são membros de comunidades bióticas como qualquer outra espécie. Na condição de predadores e competidores, o que estamos simplesmente é consumindo os recursos na monta que o tamanho atual da nossa população demanda. Esta perspectiva ecológica nos iguala perante as demais formas de vida e põe em cheque um fenômeno atuante no senso comum denominado “especismo”: a errônea ideia de que nossa espécie é superior às demais. Todas as espécies são intrinsicamente importantes e têm o direito de existir unicamente pelo valor que possuem em si mesmas e pela sua história evolutiva, independente do interesse médico e/ou econômico que possam vir a ter. Desta forma, a espécie humana não tem o direito de destruir as demais espécies, sobre hipótese alguma. Dentro dos pilares da biologia da conservação, cabe mencionar o fenômeno “biofilia”, o qual foi descrito pelo célebre biólogo Edward O. Wilson em 1984 e ocorre com os seres humanos em relação à natureza. Biofilia (bio = vida; philo = proximidade, afinidade) pode ser definida como a tendência inata e subconsciente que os seres humanos possuem em ter laços com as demais formas de vida. Uma vez que a nossa espécie está aparentada às demais espécies, uma propensão natural de nos ligarmos e querermos ficar próximo à natureza explica porque gostamos tanto de pescar, acampar, escalar trilhas, montanhas, ir à praia, ao zoológico, jardim botânico, visitar aquários, olhar paisagens naturais, observar pássaros, golfinhos e praticar jardinagem ao invés do concreto das grandes cidades. Por fim, como grande parte dos riscos que sofrem as espécies e ambientes ameaçados devem-se às ações antrópicas (Não se esqueça: a extinção é, sobretudo, um fenômeno que ocorre em todas as espécies; o diferencial é a forma, a velocidade e a abrangência na qual tem ocorrido em decorrência do impacto humano), fica a reflexão do que é possível fazer não apenas no âmbito da biologia da conservação, mas também no âmbito individual concernente a rigorosamente todo e qualquer ser humano. Fala-se muito em uso racional dos recursos, reciclagem dos resíduos, consumo sustentável, o que evidentemente é de suma importância. Contudo, estas tão imprescindíveis ações não excluem outro ponto fundamental, o qual também atua na escala individual: o controle numérico da população humana. Adaptação de textos disponíveis em: Groom, M.J., Meffe, G.K. & Carroll, C.R. (eds.) 2006. Principles of Conservation Biology. Sunderland, Sinauer Associates. 793p. Primack R.B & Rodrigues, E. 2001. Biologia da Conservação. Londrina, Ed. Vida. 327p. Wilson, E.O. 1984. Biophilia: the human bond with other species. Cambridge, Harvard University Press. 157p. Wilson, E.O. 1994. Diversidade da Vida. São Paulo, Companhia das Letras. 447p.
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