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Seminário - Democracia, Direito e Gestão Pública Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas *Publicação Preliminar II Ciclo de Debates Direito e Gestão Pública – Ano 2011 III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública Edição Brasília-DF 24 e 25 de novembro de 2011 Coordenação Nacional Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Ana Lucia Amorim de Brito, Secretária de Gestão Guilherme Estrada Rodriges, Consultor Jurídico Valéria Alpino Bigonha Salgado, Diretora do Departamento de Cooperação Internacional em Gestão Pública Nauana Corrêa de Oliveira, Agente Administrativo Carolina Vilela Vivaldi, Estagiária Caio Castelliano de Vasconcelos, Advogado da União Karine Andréa Eloy Barroso, Advogada da União Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Bernardo Abreu de Medeiros, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia José Celso Pereira Cardoso Júnior, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Roberto Rocha C. Pires, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Parcerias Institucionais Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento – Conjur/MP Escola da Advocacia-Geral da União *Publicação Preliminar Comitê Científico Ciro Campos Christo Fernandes é gestor governamental na Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP, doutor em Administração e mestre em gestão pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE, da Fundação Getulio Vargas. É bacharel em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ocupou diversos cargos na administração federal, dentre os quais o de Secretário-adjunto de Gestão e diretor do Departamento de Articulação e Inovação Institucional do MP, assessor do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do MP, assessor especial do ministro e diretor de programa no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE. Tem trabalhos publicados sobre temas de reforma administrativa, governo eletrônico e compras e contratações governamentais. Sheila Maria Reis Ribeiro é graduada em Filosofia, em Serviço Social e mestre erm Sociologia Política pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em População e Desenvolvimento pela CEPAL/CELADE, Chile. É servidora pública federal e exerce atividades técnicas na concepção de novas metodologias de gestão pública, na Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Guilherme Francisco Alfredo Cintra Guimarães é graduado em Direito e mestre em “Direito, Estado e Constituição” pela Universidade de Brasília-UnB. Pesquisador da Università degli Studi di Genova (bolsa de pesquisa “Alla scoperta dell’Italia”, 2009/2010). Advogado da União. Alexandre dos Santos Cunha Bacharel em Direito, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ex-professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EDSP/FGV). Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea desde 2009, atua nas áreas de organização do sistema de justiça e cooperação interfederativa. Bernardo Abreu de Medeiros Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) e especialista em Argumentação Jurídica pela Universidade de Alicante, Espanha. Foi professor do Instituto de Direito da PUC Rio. Atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, atuando nas áreas de organização do sistema de justiça, e direito e gestão pública. Felix Garcia Lopez Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Desenvolve pesquisa na área de comportamento político, Poder Legislativo municipal, formas de articulação entre Estado e organizações não governamentais (ONGs), instituições participativas no nível federal e relações entre política e administração pública no Brasil. Joana Luiza Oliveira Alencar Graduada em Ciência Política (Unb) e mestranda em Administração Pública (Unb). Desde 2010 é Técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA, com atuação na Diretoria de Estudos e Políticas Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (DIEST). Roberto Rocha C. Pires Doutor em Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP). Foi consultor do Banco Mundial (BIRD) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em avaliações sobre a implementação da legislação do trabalho no Brasil e seus impactos sobre o desenvolvimento. Atuou como pesquisador e professor na FJP e no Departamento de Ciência Política da UFMG. Atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, onde tem desenvolvido atividades relativas aos seguintes temas: democracia, participação, burocracia e novas formas de gestão pública, e metodologias e desenhos de pesquisa. Roberto Passos Nogueira Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea desde 1998. Suas áreas de estudo incluem gestão do sistema de saúde, gestão pública e filosofia da saúde. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, promove o III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública, edição Brasília/DF, nos dias 24 e 25 de novembro de 2011, com o objetivo de promover o debate os seguintes temas: Limites da Autonomia Administrativa e do Controle sobre o Poder Executivo; Equilíbrio Democrático e Controle Social; Novos Rumos para a Gestão Pública. Para estimular a reflexão e a construção de referenciais comuns para a atuação do Estado Brasileiro, o Seminário contempla painéis de apresentação e discussão de artigos de autores selecionados a partir de processo de convocatória, promovido pela coordenação do evento, relacionados aos temas em debate e com enfoque especial nas atuais dificuldades de relacionamento entre órgãos e entidades do Poder Executivo Federal e do controle interno e externo, responsáveis pela fiscalização das ações dos administradores públicos. A iniciativa insere-se no projeto Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública, conduzido pela Secretaria de Gestão e pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, com o apoio de órgãos e entidades dos poderes executivos Federal, estadual e municipal, além de entidades civis sem fins lucrativos. O Ciclos visa criar e manter um espaço de exposição de ideias que aproximem e integrem profissionais de diversos setores do conhecimento, especialmente das áreas do direito e gestão pública. Agradecimentos Aldino Graef Alexandre Kalil Pires Ana Lucia Amorim de Brito Catarina Batista da Silva Moreira Antonio Carlos Alpino Bigonha Eduardo Szazi Elzira Maria do Espírito Santo Francisco Gaetani Guilherme Francisco Alfredo Cintra Guimarães José Celso Pereira Cardoso Júnior José Eduardo Sabo Paes José Genoíno Juliana Sahione Mayrink Neiva Karine Andréia Eloy Barroso Lenir Santos Luiz Moreira Gomes Júnior Marilene Ferrari Lucas Alves Filha Valéria PortoValter Correia da Silva APRESENTAÇÃO A Constitução Federal de 1988 impôs novos desafios às instituições democráticas, especialmente os de efetivação dos direitos fundamentais e dos direitos sociais, de descentralização federativa, e de atuação articulada e harmômica entre os três Poderes do Estado brasileiro: Executivo, Legislativo e Judiciário. São desafios que, para serem superados, exigem ampla concertação entre agentes públicos e sociedade. Nesse contexto, lançamos em 5 de agosto de 2009 o Projeto Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública, por meio da Secretaria de Gestão e da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República, apoiada pelo Ministério Público Federal. Atualmente, contamos com a parceria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Projeto nasceu da necessidade de se criar espaços institucionais abertos ao livre debate entre profissionais das diversas áreas do conhecimento e experiência, do setor público e da sociedade, dando oportunidade ao confronto de conceitos e entendimento acerca da democracia, do direito e da gestão pública. O Ciclos constitui um espaço de interlocução com a participação de dirigentes, servidores da administração pública e especialistas da área do direito, favorecendo o debate construtivo dentro de um espírito de confiança e colaboração. Para estimular a reflexão e produção de conhecimento, convidamos os participantes das ações institucionais do Ciclos de Debates e demais interessados a elaborar artigos que tratem de três temas: Limites da Autonomia Administrativa e do Controle sobre o Poder Executivo; Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas; e Novos Rumos para a Gestão Pública. Portanto, a presente publicação apresenta uma seleção dos trabalhos recebidos e que foram apresentados durante o III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública, realizado em Brasília-DF, nos dias 24 e 25 de novembro de 2011. Os artigos abordam as relações entre a democracia, o direito e a gestão pública, sob múltiplos escopos, abordagens e campos disciplinares. Brasília, novembro de 2011 Valéria Alpino Bigonha Salgado Diretora do Departamento de Cooperação Internacional em Gestão Pública Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 1 Limites da participação de cidadãos no controle da política pública local de saúde: em busca de uma metodologia de avaliação dos conselhos Andréa de Oliveira Gonçalves INTRODUÇÃO No final do século passado teve início a fase na qual as instâncias participativas adquirem caráter institucional e ganham força dentro da máquina do Estado. O caso da saúde é exemplar, pois é o setor no qual as instâncias de participação se multiplicaram durante a década de 90. Nesse contexto, a municipalização, durante os últimos anos, tem sido abordada de forma que em muitos países têm ganhado espaço e demonstrado soluções nos problemas que dizem respeito ao Estado. As diretrizes da municipalização, prevêem que o Estado se aproxime do “locus do cotidiano” , bem como garanta uma maior racionalidade e economia de recursos. Partindo destas diretrizes, fica claro que a municipalização é a passagem progressiva do comando de todos os serviços públicos de saúde para a administração local. Nisto se inclui a criação e o desenvolvimento de conselhos que asseguram a deliberação e a fiscalização das práticas de gestão dos serviços de saúde. Este artigo apresenta alternativa metodológica para avaliar os determinantes qualitativos da gestão participativa em conselhos de saúde. A base da pesquisa foi construída através de abordagem comparativa (SARTORI & MORLINO, 1994) nas cidades de Montevidéu (Uruguai) e Porto Alegre (RS – Brasil). O artigo portanto, está estruturado em quatro seções, em destaque para os referencial teórico, que apresenta a formação dos conselhos no contexto do Estado. A segunda seção preocupa-se principalmente com as questões metodológicas da pesquisa realizada. E a terceira seção dá o destaque aos resultados e discussões. Por fim, a última seção, conclui-se que todas as partes componentes de qualquer sistema de gestão devem ter coerência com cada uma das outras partes e refletir a filosofia básica da tipologia de participação nas organizações. Ou seja, à medida que o modelo de gestão desses conselhos avança em direção à maior participação, os resultados acerca da deliberação e fiscalização da política pública local de saúde tendem a ser mais eficientes. O Estado Moderno: suas funções e o neoliberalismo A idéia de Estado, enquanto um ente abstrato, nasce na Era Moderna, a partir do Renascimento. Thomas Hobbes foi dentre vários, um de seus maiores expositores. Trata-se de algo que tem origens no império romano. Os romanos, ao contrário dos gregos, conseguiram elaborar a idéia de império. Quando Antenas conquistava Tebas, -Tebas continuava Tebas e Atenas, Atenas-. Já os romanos conseguiram ampliar Roma, que de uma cidade se torna um vasto domínio político. Contudo, o Império Romano se confundia, não obstante, com o seu imperador que não era uma espécie de representante nem mesmo uma espécie de personificação de algo. Faltava aos romanos aquilo que aparecerá na Era Moderna: o ente político como uma abstração, separada dos entes individuais. O Estado Moderno surge de duas vertentes distintas da compreensão do poder político. Uma é a visão jurídica, com base na noção do império. A outra, é a visão econômica, com base na Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 2 idéia da gestão da coisa pública. Não se pode precisar exatamente quando nasce a forma “Estado” moderno, construído com base nessas duas noções basilares. É certo que as guerras do fim do século XV conduzem Espanha, França e Inglaterra a constituírem-se em Estados. A Itália conhece uma transição, que se estende até o século XVII quando os principados são constituídos como Estados. Portugal, em decorrência de sua luta com os árabes e com a sua afirmação política em face dos reinos espanhóis, assume precocemente o caráter estatal. E em todos os casos, a organização administrativa própria é um elemento típico, ao qual se acrescenta a idéia de uma grandeza superior, marcada pelo desenvolvimento da noção de soberania. Esta concepção do Estado como conceito moderno é demonstrada particularmente por Max Weber (1997) que identifica o aparecimento do Estado com o desenvolvimento da burocracia enquanto forma de dominação baseada na crença da legalidade, isto é da organização racional das competências com base na lei, tendo em vista o princípio da eficiência. Weber, na primeira parte de Economia e Sociedade, expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, burocracia, sociedade, patrimonialismo e sultanismo. Como a burocracia se desenvolve tanto em economias desenvolvidas do tipo patrimonialista quanto do tipo capitalista, os Estados se organizam e se multiplicam em vários tipos, cuja nota característica é a complexidade organizacional. Já a idéia de grandeza superior é típica das primeiras teorizações. Os conceitos teóricos centrais para a descrição da sociedade, do corpo social e suas vinculações, que na filosofia antiga espelhavam um âmbito mais restrito, passam a ser dominadas por uma visão econômica, como o são os conceitos de segurança, administração, política, cuja operacionalidade visa a uma situação mais complexa, em que se manifesta um problema desconhecido até então: a compatibilização da sociedade (burguesa), de um lado com a política, de outro, seguindo-sea problematização do poder político como algo que devia ser controlado para que a vida se realizasse e se aperfeiçoasse. Examinado o contexto político-social que precedeu e presidiu a formatação do Estado Moderno, há que se referir o contexto econômico então vigente. O Estado emergiu da sociedade comercial, típica dos seus primeiros estágios ou do início do capitalismo manufatureiro, com seu concomitante apetite de possibilidades universais de barganha e de troca. Segundo H. Arendt (apud Lafer, 1988), com o advento da sociedade de consumo, instituiu-se a mentalidade da máquina eficaz, que uniformiza coisas e seres humanos e transforma-os em bens de consumo. Esta instrumentalização total da vida passa a ser a preocupação central do Estado e confere-lhe a lógica do Estado-gestor. O Estado passa a assumir a responsabilidade pela sobrevivência coletiva, passando a imperar somente um interesse, o do corpo social como um todo. Na lógica do Estado-gestor só tem significado o que serve ao processo vital; o pensar só é valorizado enquanto forma de prever conseqüência. O poder do Estado tem por princípio a vontade gestora da sociedade. Enquanto organismo institucional é um todo vivo constituído racionalmente pelos vários poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. As funções estatais são organicamente distribuídas, atuando os funcionários como membros. O Estado manifesta-se num poder burocrático, sábio por natureza, que tem consciência de que sua vontade não é um mero capricho, mas o resultado do que a sociedade entende que deve ser, isto é, uma vontade racional interpretada e posta em Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 3 prática pela tecnocracia. Como as finalidades do Estado são desejadas e definidas de forma consciente, ele se constitui, no dizer de Hegel (1989), “a única condição para se alcançar os interesses e o bem estar especiais”. Os órgãos que compõem o Estado-gestor exercem diversas funções. Para a garantia da segurança interna e externa, com a manutenção da lei, da ordem e da paz, as instituições legislativas, executivas e judiciárias se valem da polícia e das forças armadas. A estabilidade das relações em uma sociedade não pode prescindir das condições que daí advém; as funções enumeradas estiveram entre as responsabilidades mais primárias assumidas pelo Estado. Segundo Weber (1944), o que distingue instituições governamentais das não-governamentais é o monopólio do uso legítimo da força. Igualmente importante é o papel do Estado na proteção ao direito de propriedade, através de um sistema para administrar a justiça entre os cidadãos, dirimindo litígios e aplicando a lei aos casos concretos. Até o final do século passado o Estado agia sobre os cidadãos basicamente através de atividades judiciais, regulatórias e de controle. Objetivando frear a expansão do socialismo, que teve início com a Revolução de 1917, na Rússia, e estendeu-se no leste europeu, a direita dos países capitalistas ocidentais encampou propostas de ampliação do tamanho do Estado, que passou a atuar intensamente na provisão de serviços e na operação da economia. A maior crise por que já passou o capitalismo, que teve o ano de 1929 como epicentro, também provocou a ampliação da ação estatal, com a adoção das medidas preconizadas por Keynes (1996), através de intervenção na economia voltada à minimizar o efeito danoso das flutuações cíclicas, e com a criação de frentes de emprego no serviço público e de ações na área social. Dallari (2000:280) aponta que o Estado no pós Guerra, assume amplamente o encargo de assegurar a prestação dos serviços fundamentais a todos os indivíduos, ampliando desta forma, sua esfera de ação. Observa-se a necessidade de controlar os recursos sociais o obter maior proveito com o menor disperdício , para fazer face às emergências da Guerra, tornando presente em todos os campos da vida social, a ação estatal, não havendo mais qualquer área interdita à interferência do Estado. Torna-se então necessário, a reestruturação dos meios de produção para a reconstrução das cidades, promovendo a readaptação das pessoas à vida social, bem como o financiamento de estudos e projetos , sugeridos pelo desenvolvimento técnico e científico registrado durante a Guerra. No contexto de reestruturação das cidades e promoção da vida social, na década de 40, nasce de acordo com Anderson (1995:9) o neoliberalismo, reação teórica e política contra o Estado de Bem- Estar. Seu ponto de partida encontra-se em 1944, quando Friedrich Hayek escreveu o texto O Caminho da Servidão, no qual o autor expõe a limitação dos mecaninsmos de mercado por parte do Estado, com uma ameaça à liberdade. O Estado nesta ocasião adquiriu um extraordinário crescimento, devido as funções não exclusivas que o mesmo foi tomando por “usurpação ou concorrência de outras instâncias não estatais de regulação social” (Santos, 1998:4), problemas graves como o da distribuição de renda permanecem sem solução, enquanto se agravam outros: desemprego, fome, serviços básicos precários. A partir da década de 70, entretanto, o Estado, antes visto com um estabilizador Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 4 político- econômico que contribuía para regenerar as forças do crescimento econômico e preservador da economia da espiral descendente das recessões profundas (OFFE, 1991:115), passa a objeto de dúvida, de crítica profunda e de conflito político , emergindo assim a hoje denominada "Crise da Sociedade de Bem-estar". Em decorrência da crise, em 1973, as idéias neoliberais, que tratavam de manter o estado forte e reduzir ao máximo os gastos sociais, passam a ganhar credibilidade, uma vez que a profunda recessão do modelo econômico do pós-Guerra, ou seja, ocorre pela primeira vez a combinação de baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação. A debilidade estatal no enfrentamento de questões sociais fica agravada, quando a maioria dos países vê-se imersa em crise fiscal crônica. Chauí (1994) aponta que a política neoliberal, em seu berço instalou-se em países com forte tradição democrática, onde os direitos estavam consolidados, tornando compreensível que, à medida que seus efeitos se faziam sentir, uma oposição pudesse organizar-se contra ela, a partir a sociedade. Em 1979, Margaret Thatcher conquista a Inglaterra. Em 1980 é a vez de Reagan, nos EUA. Em 1982, Helmut Kohl, na Alemanha. Para a América Latina, pioneiros foram o Chile de Pinochet (1973) e a Argentina dos generais e do ministro Martinez de Hoz (1976). Outros países seguem choques e reformas similares: Bolívia, em 1985 (receita de Jeffrey Sachs, o mesmo da Polônia e Rússia); México, 1988, com Salinas de Gortari; 1989, novamente a Argentina, desta vez com Menen; 1989, Venezuela com Carlos Andrés Perez; Fujimori, no Peru, em 1990. No Brasil, Fernando Collor promoveu a política de privatização de empresas estatais. Suas idéias podem ser sintetizadas na seguinte mensagem: o Estado deveria transferir ao setor privado as atividades produtivas em que indevidamente se metera, e deixar a cargo da disciplina do mercado as atividades regulatórias que em vão tentara estabelecer. Isto posto, o Estado passaria a ter melhores condições de dedicar-se com eficiência à sua verdadeira vocação, o assim chamado "setor social" ( Moraes, 1997: 14). Em termos concretos, isso é observado a partir de 1990, quando o Estado baseado na Constituição Federal, promulgada dois anos antes, regulamenta artigos acerca das políticas públicas, colocando responsibilidades para a sociedade. Os vários setores das políticas públicas sofrem essa reforma, pois havia a necessidade de se implantar um ajuste estrutural, associando as reformas gerenciais e do processo produtivo por parte das empresas privadas, visandoa diminuição do custo do sistema de proteção social (Cohn, 2000). No Brasil, a experiência da participação da comunidade na saúde, sob a forma institucionalizada, iniciou em 1984 com o Programa das Ações Integradas de Saúde - PAIS, que determinava, como um de seus princípios e diretrizes, o reconhecimento da legitimidade da participação da comunidade. Este Programa instituiu instâncias colegiadas de planejamento, gestão e acompanhamento: em nível federal, a CIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento; em nível estadual, a CIS – Comissão Interinstitucional de Saúde; e em nível municipal, a CIMS - Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde. Esta última deveria ser formada com a De acordo com VII Censo General de Población, 1996 O partido Frente Ampla foi fundado em 1971 em um processo de unificação das esquerdas uruguaias, defendendo um programa político anti-imperialista, anti-oligárquico, nacional e popular. Ao longo das últimas décadas, o partido passou por um processo de renovação, que combinou moderação programática com a construção de uma tradição política. Desta forma, a Frente Ampla conseguiu maior destaque no cenário nacional, ganhando novos apoios, sem arriscar sua identidade política, o que lhe permitiu reter suas bases eleitorais tradicionais e converter-se no maior partido uruguaio da atualidade (Yaffe, 2001:163). Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 5 participação dos órgãos públicos convenentes como o INAMPS; Secretarias Estadual e Municipal de Saúde e outros Ministérios, bem como entidades comunitárias, sindicais e outras representações da população local. Em 1986, o Relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde registrava a necessidade de o Estado assumir explicitamente uma política de saúde conseqüente e integrada às demais políticas econômicas e sociais, assegurando os meios que permitissem o controle do processo de formulação, gestão e avaliação das políticas públicas e econômicas pela população. Em 1987, via Decreto nº 94.657, com a instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) nos Estados, o princípio da participação da comunidade se torna fortalecido. O SUDS determinava a instalação de Conselhos Estaduais de Saúde, com a finalidade de coordenar o SUDS em um sistema de co-gestão da saúde, com a participação dos mais diversos segmentos da sociedade. Em 1988, a Constituição Federal contempla a saúde como um direito de todos e dever do Estado, fixando as bases organizacionais do Sistema Único de Saúde. Este, torna-se o responsável pela implantação de ações e serviços de saúde, integrados em uma rede regionalizada e hierarquizada, conforme as diretrizes do artigo 198 da mesma Constituição: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. A última destas diretrizes foi regulamentada através da Lei n.º. 8142, de 28 de Dezembro de 1990, que prevê como mecanismo de operacionalização, a criação em cada esfera de governo de instâncias colegiadas: o Conselho de Saúde e a Conferência de Saúde. Observa-se que houve uma significativa evolução (FACHIN e CHANLAT, 1998) nessas instâncias. Anteriormente a esta legislação, eram instâncias consultivas designadas por decisão isolada do chefe executivo e atualmente têm parte de seus membros eleitos pela sociedade civil. O Conselho de Saúde conforme a Lei n.º 8142/90 tem atribuições deliberativas e funcionam em caráter permanente. A legislação preconiza que deve ser paritário, em que usuários, prestadores de serviços e membros do governo deverão estar sintonizados para a organização, implementação e fiscalização das ações e serviços de saúde a nível local, estadual e nacional. O conselho de saúde, portanto, é um espaço público, onde a comunidade se expressa reivindicando seus direitos e controlando o Estado para que execute as deliberações oriundas desta instância. Esta garantia legal da participação da comunidade na gestão das ações e serviços de saúde por si só não garante o desempenho dos Conselhos de Saúde, uma vez que os mesmos estão na Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 6 dependência de questões que envolvem diretamente a cultura do exercício da democracia por parte dos cidadãos; a concepção ideológica de gestão dos governantes e vontade política da comunidade participar (GIACOMONI, 1995, p.3). Montevidéu conta com uma população de 1.344.839 habitantes1 e neste contexto de acordo com o Ministério de Saúde Pública (MSP) 21% dessa população possui cobertura assistencial pública e 60% é assistida pela rede privada. No entanto, quase 20% da população do departamento não possui cobertura total de saúde. Tais índices podem ser registrados a partir da década de 90, marcada pelo início do processo de descentralização em Montevidéu, estimulado pelo governo da Frente Ampla2, pertencente a uma força política não tradicional, constituindo-se em um ponto de inflexão das modalidades de articulação política conhecidas no país até então (Schelotto, 2002). Neste primeiro governo ocorreram consultas às estruturas políticas de esquerda, realizando uma série de discussões com todos os setores políticos nacionais, estabelecendo uma clara independência das mesmas no momento de tomar decisões. Desta forma, esse primeiro governo tornou-se o catalisador do processo de descentralização que iria mais tarde fazer parte dos governos posteriores. Ocorreu ainda realização de planos e obras de saneamento, a mediação social, as práticas compensatórias através de políticas sociais, a solução negociada de conflitos urbanos, assim como o enfrentamento de temas significativos, como a elaboração de um novo Cadastro Multifinalitário para o município que sofreu uma forte oposição política e acabou não sendo implementado. De qualquer maneira, a sua elaboração resultou na incorporação de cerca de 40.000 novos imóveis à base tributária municipal (LEITÃO, 2003:84) Neste novo cenário, ações acerca da descentralização administrativa foram aprofundadas e naquela época iniciava-se a aplicação do orçamento participativo, criando-se, movimentos sociais que reivindicaram ações que abrangessem as políticas sociais e redistribuíssem o poder. Em 1993, após longos debates, normas legislativas foram aprovadas contendo a divisão territorial de Montevidéu em 18 zonas que compreende 64 bairros das áreas urbanas, suburbanas e a área rural. Tais zonas têm sido a base territorial para o desenvolvimento da estratégia de descentralização e participação da população nas decisões acerca das políticas públicas, instalando- se em cada uma das 18 zonas um Centro Comunal Zonal (CCZ). Cada um dos centros comunais torna-se progressivamente o vínculo com as organizações sociais e os moradores das zonas, através dos Conselhos de Moradores. Esses conselhos representam os interesses dos moradores daquela localidade. Os Concejos Vecinales – ou conselho de moradores – são porta-vozes das necessidades, demandas e propostas do bairro ante as autoridades nacionais e municipais. De acordo com o Decreto Municipal 28.119/2004, os conselhos são integrados por 25 a 40 membros , estes, advindos de organizações sociais, culturais e desportivas que contribuem para o desenvolvimento do bairro. Os membros desses conselhos trabalham pela inclusão social através da solidariedade e cooperação com os setores mais vulneráveis de Montevidéu. De acordo com VII Censo General de Población, 1996 1 O partido Frente Ampla foi fundado em 1971 em um processo de unificação das esquerdas uruguaias, defendendo um programa político anti-imperialista, anti-oligárquico, nacional epopular. Ao longo das últimas décadas, o partido passou por um processo de renovação, que combinou moderação programática com a construção de uma tradição política. Desta forma, a Frente Ampla conseguiu maior destaque no cenário nacional, ganhando novos apoios, sem arriscar sua identidade política, o que lhe permitiu reter suas bases eleitorais tradicionais e converter-se no maior partido uruguaio da atualidade (Yaffe, 2001:163). Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 7 Em seu artigo 5o o decreto aponta a organização de comissões permanentes e especiais para o melhor cumprimento de suas funções, dentre essas destacam-se as comissões de saúde, que reúnem-se em salões comunitários, onde seus membros discutem as diversas demandas existentes no bairro, desde problemas como a regularização de terras aos problemas decorrentes da falta de saneamento. A construção do modelo de avaliação qualitativa A construção do diagnóstico obteve os dados a partir da entrevista em profundidade com 32 (trinta e duas) pessoas representantes da sociedade civil e governo. O diagnóstico da amplitude de participação foi construído sob o enfoque de duas dimensões: a) histórica que segundo RIFKIN et alli (1989) e DEMO (1996) trata-se do contexto de como a organização se formou e de que forma entende a política de saúde enquanto projeto próprio. b) amplitude de participação ou tipologia de participação que segundo LIKERT (1975) é o nível de interação e participação das pessoas em todo o processo organizacional. O roteiro identificou a visão dos entrevistados no que diz respeito à amplitude de participação. A teoria sobre o estilo de gestão de LIKERT (1975) sustentou a base teórica para a construção da tipologia. Além disso, procurou-se a complementação teórica sobre amplitude de participação no contexto dos conselhos de saúde. Destaca-se aqui a contribuição de RIFKIN et alli (1989) e DEMO (1996). Na dimensão histórica, apresenta-se o indicador implantação e departamentalização (RIFKIN et alli, 1989 e DEMO, 1996) que caracteriza a implantação dos conselhos e como o mesmo está organizado em novas estruturas ou integraram os novos temas em saúde. Objetiva ainda identificar se novas organizações se integraram nos conselhos, se as comissões existentes são rígidas ou flexíveis ao contexto e às circunstâncias e que mudanças foram produzidas nas comissões desde a implantação. A partir dos fatores apontados, a tipologia de amplitude de participação nos conselhos, no tocante à implantação e departamentalização pode ser: a) Ampla: as organizações comunitárias existentes participaram da criação do conselho e participam ativamente das atividades do conselho. b) Aberta: os conselhos foram implantados pela legislação mas cooperam ativamente com outras organizações da comunidade, agregando novos atores em comissões existentes; c) Média: o conselho foi imposto pelos serviços de saúde, mas passou a ser plenamente ativo, criando comissões; d) Restrita: o conselho foi imposto pelos serviços de saúde, mas têm alguma atividade. A dimensão do estudo amplitude de participação da comunidade é constituída pelas subdimensões tradução de demandas e gestão. Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 8 A subdimensão tradução de demandas objetiva avaliar as demandas da comunidade; forma do processo de avaliação e ainda como estas demandas chegam nos conselhos; o tipo de liderança que se apresenta; a proveniência dos recursos e os segmentos que encaminham essas demandas. O primeiro indicador avaliação de necessidades (RIFKIN et alli, 1989) examina quem ou que pessoas intervieram no diagnóstico de necessidades de saúde, em que medida as pessoas participam e como as necessidades são identificadas. Esse indicador também pode ser tratado por avaliação de demandas, caracterizado melhor no contexto dos conselhos, podendo classificar a amplitude de participação da comunidade em: a) Ampla: a comunidade intervém na avaliação de necessidades; b) Aberta: o conselho representa ativamente o ponto de vista da comunidade e avalia as necessidades. c) Média: a coordenação do conselho representa o ponto de vista e avalia as necessidades; d) Restrita: a opinião técnica do setor de saúde predomina, levando em conta os interesses da comunidade. O segundo indicador, liderança (RIFKIN ett alli, 1989 e DEMO, 1996) averigua que tipo de liderança é exercido no conselho, que tipo de interesses representam, em que medida a liderança responde às demandas da comunidade, e que tipo de melhoria produzem as decisões dos conselhos. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação da comunidade nos conselhos pode ser: a) Ampla: o conselho representa toda a diversidade de interesses da comunidade e controla as atividades do gestor público de saúde; b) Aberta: o conselho é ativo com iniciativa; c) Média: o conselho funciona sob um gestor público de saúde independente; d) Restrita: o conselho não funciona, mas o gestor público de saúde atua independente dos grupos de interesse. O indicador mobilização de recursos (RIFKIN ett alli, 1989) analisa em que medida são obtidos apoios externos à política local de saúde em si, qual a contribuição da comunidade e a que interesses responde a destinação de recursos. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação pode ser: a) Ampla: a política local de saúde obtém considerável volume de recursos de origens diversas; o conselho decide a utilização dos recursos; b) Aberta: ocorre contribuição periódica da União, do Estado e do Município; o conselho controla a utilização dos gastos; Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 9 c) Média: ocorre contribuição periódica da União, do Estado e do Município, sem a participação da comunidade no controle dos gastos; d) Restrita: os recursos são provenientes da prestação de serviços. O conselho não controla o pagamento dos honorários. A subdimensão gestão tem por objetivo determinar se as responsabilidades recaem nos profissionais ou se a comunidade intervém na tomada de decisão, se foram modificadas as estruturas de decisões nos conselhos, em favor de quem e de que forma foram modificadas (RIFKIN ett all, 1989). Essa subdimensão é composta pelos os indicadores natureza do processo decisório (1), natureza do processo de comunicação (2), natureza do processo de influência-interação (3) e também metas de desempenho e treinamento (4). Tais indicadores foram adaptados a partir dos estudos do Apêndice II de Rensis Likert (1975), em “A Organização Humana”. O primeiro indicador, natureza do processo decisório, procura identificar a interferência da comunidade nas decisões do conselho e de que forma essas decisões são tomadas. Procura ainda determinar se as informações disponíveis são apropriadas para a tomada de decisão e onde essas decisões ocorrem. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação pode ser: a) Ampla: o processo decisório é difundido por todo o conselho, sendo baseado em informações completas e precisas pois tem um eficiente fluxo de comunicação. Em geral, os participantes estão está perfeitamente a par dos problemas de saúde; b) Aberta: as diretrizes gerais e as decisões principais saem da cúpula do conselho, mas decisões específicas saem de outros segmentos do conselho; as informações são razoavelmente adequadas e precisas e os membros do conselho estão a par dos problemas de saúde; c) Média: as diretrizes principais saem da cúpula do conselho, mas muitas decisões são tomadas por outros segmentos do conselho; as informações disponíveis são quase sempre imprecisas, estando a par de algunsproblemas de saúde. d) Restrita: a maioria das decisões são tomadas na cúpula do conselho; as informações disponíveis são parciais e imprecisas; o conselho geralmente não está a par dos problemas de saúde. O segundo indicador, natureza do processo de comunicação, procura caracterizar a direção do fluxo de informação, de onde vêm essas informações, como circulam dentro do conselho e a responsabilidade dos participantes em transmitir essas informações. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação no conselho pode ser: a) Ampla: as informações circulam lateralmente entre todos os participantes indistintamente, de forma precisa e responsável; há muita interação e comunicação à realização dos objetivos do conselho; Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 10 b) Aberta: a informação é moldada na cúpula do conselho, mas com iniciativas dos membros do conselho; há bastante interação e comunicação dirigida à realização dos objetivos do conselho; c) Média: as informações saem na maioria das vezes da cúpula do conselho; as informações necessárias são julgadas pela cúpula do conselho e há pouca interação e comunicação entre os participantes; d) Restrita: as informações saem da cúpula para diversos segmentos do conselho; pouquíssima interação e comunicação entre os membros. O terceiro indicador, natureza do processo de influência-interação, procura caracterizar o volume de interação entre os membros do conselho, bem como identificar a existência do trabalho em equipe. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação pode ser: a) Ampla: existe interação amistosa no conselho com elevado grau de confiança no trabalho em equipe. A influência é exercida por todos segmentos do conselho; b) Aberta: existe moderada interação, com elevado grau de influência e confiança mútua no trabalho em equipe; c) Média: existe pequena interação, pouca influência e cooperação no trabalho em equipe; os participantes têm pouca confiança no grupo; d) Restrita: pequena interação, nenhuma cooperação no trabalho em equipe; os conselheiros não influenciam sobre as atividades do conselho. O quarto indicador, metas de desempenho e treinamento, procura caracterizar o nível de metas de desempenho que o conselho busca alcançar e se os participantes recebem treinamentos e quem financia essas atividades. Em relação a esse indicador, a amplitude de participação pode ser: a) Ampla: o conselho busca atingir um altíssimo nível de metas de desempenho, há bastante capacitação de seus participantes em parceria com diversas instâncias da comunidade; b) Aberta: o conselho busca atingir um elevado nível de metas de desempenho, há muitas vezes a capacitação dos participantes através dos órgãos oficiais; c) Média: o conselho busca atingir um nível de metas de desempenho alto e poucas vezes capacita seus participantes; d) Restrita: o conselho busca atingir um nível de metas moderado; os participantes não recebem treinamento desejado. Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 11 RESULTADOS E DISCUSSÕES As inter-relações entre as diversas partes de qualquer tipo de sistema que esteja funcionando bem, se torna evidente quando comparado um tipo com outro. Pode-se avaliar um tipo de sistema através de diversos dimensionamentos diferentes como por exemplo, o tipo de liderança e o nível de influência/interação no trabalho cooperativo das organizações analisadas. A dimensão histórica descreve a implantação dessas organizações, a estrutura adotada por elas, bem como se apresentam diante das mudanças desde a implantação. No CSC/MO ocorreu o fortalecimento da sociedade organizada com a participação de seus moradores, caracterizada pela dinâmica e confronto no cotidiano de interesses grupais e individuais. Em 1986 como relatado, as comissões eram consideradas assistencialistas e focadas somente no tema saúde. Uma década mais tarde encontravam-se integrando o funcionamento das policlínicas zonais, cooperando com essas organizações. Neste caso, ETCHEBARNE (2000) aponta que a cooperação e a participação ocorrem somente na execução de planos e programas, não sendo a CSC/MO plenamente ativa. Por outro lado, o CMS/POA mesmo tendo uma estrutura de comissões flexíveis e sendo implantado pela legislação demonstra-se que passou a ser plenamente ativo, pois a comunidade o reconhece como sendo um projeto próprio, e que, mesmo sendo imposto pela legislação, revestiu- se com traços culturais do grupo, encontrando eco em algo que se encaixa na história do dia-a-dia da comunidade (DEMO, 1996). Neste sentido, destaca-se que estas transformações se associam, como diz GRAU (1996), fundamentalmente à criação de mecanismos para a participação da sociedade civil no processo de formulação de políticas e decisões públicas, possibilitando a identificação de vários esforços que criam condições para que essas organizações assumam algumas das fases de elaboração de decisões. Anteriormente GRAU (1996:121) coloca: Percebemos uma intensa formalização do processo de participação dos cidadãos ocorrida na América Latina, na última década, quer pelo estabelecimento de normas jurídicas, quer pela adoção de procedimentos e instâncias orgânicas para tal fim. Esse envolvimento no entanto, é resultado, conforme a autora, da associação de administrações municipais dominadas por partidos de orientação popular, como Porto Alegre e Montevidéu, que estimularam a criação de conselhos com representantes eleitos pela população para escolher os principais projetos de investimento daquela localidade. No entanto, a legalidade da descentralização como a criação dos conselhos, não é condição suficiente para promover a participação. Ela pode sim, segundo ARRETCHE (1996) representar a oportunidade de rompimento com estruturas centralizadas, liberando a capacidade de iniciativa da sociedade. Ao tratar do indicador avaliação de necessidades, observa-se que as pessoas que intervieram no planejamento ou diagnóstico de saúde nas duas organizações tendem a posturas Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 12 diferentes. No caso de Montevidéu, embora há a predominância da opinião técnica da IMM, leva- se em conta o interesse da comunidade, haja vista que ocorre um diálogo com o gestor municipal e sua equipe técnica, que procuram estudar propostas e negociar um acordo. Entretanto, as organizações que participam da CSC/MO somente assessoram e sugerem, sendo todas as decisões tomadas pelo governo local, ficando clara a tendência média na amplitude de participação. Em Porto Alegre, esse indicador tende a ser aberto, pois o CMS/POA representa a comunidade e avalia suas necessidades a partir das informações trazidas pelos conselhos locais, pela comunidade e pelas categorias profissionais. O resultado das necessidades avaliadas pelos sujeitos que compõem o processo possibilitam a influência na construção do Plano Municipal de Saúde. No entanto, apesar do discurso amplamente favorável à participação dos cidadãos, GRAU (1996:122) destaca que a participação ainda não encontrou condições propícias para seu exercício no espaço governamental, uma vez que tais práticas podem legitimar o corporativismo da máquina, limitando a ampliação do conceito público. Por um lado, fala-se de parecer técnico predominante, que à luz de BRESSER PEREIRA & MOTTA (2004), é um dos aspectos do qual se expressa a organização burocrática. Neste parecer está explícito todo o caráter legal de normas, de comunicação, rotinas formais e competência técnica que WEBER (1944) analisou sobre organização burocrática. Decorrente desta constatação, confirma-se o tipo de liderança em cada um dos casos analisados. EmMontevidéu, a caracterização da liderança tende a ser média pois a CSC/Mo funciona sob um líder de saúde independente. A formação de novas lideranças implica no investimento por parte do poder público em projetos educacionais voltados para desenvolvimento dessas lideranças comunitárias. Destaca-se aqui a necessidade dessa ação principalmente porque a América Latina de modo geral, e neste caso inclui-se o Uruguai, que recentemente saiu de um regime ditatorial. A não formação de novos líderes se dá também porque “muitas pessoas não saem de suas casas, ainda por medo”, prejudicando ainda mais a mobilização da comunidade em torno das suas reivindicações. Neste caso, o indicador reforça a necessidade da presença do técnico de saúde na definição das prioridades da comunidade. No CMS/POA, a tipologia de participação neste indicador tende a ser aberta, haja vista que os líderes apontados pelos entrevistados são pessoas que se tornaram porta-vozes das necessidades em saúde, demonstrando que ocorre um elevado grau de confiança na pessoa que os representa. Por outro lado, a liderança vitalícia (DEMO,1996) apontada por vários conselheiros não tem prejudicado o funcionamento do CMS/POA, uma vez que esses líderes têm sido democráticos, politizados e articulados. Fica claro que a qualidade da liderança (LIKERT, 1975) caracterizada nessas organizações exerce influência direta nos indicadores analisados. Em se tratando de financiamento da saúde em Porto Alegre, os recursos advém de três principais fontes e níveis de governo – União, Estado e Município. A utilização dos mesmos é controlada pelo CMS/POA, através da implementação dos projetos e programas deliberados no Plano Municipal de Saúde, bem como na prestação de contas e acompanhamento dos Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 13 conselheiros locais em ações definidas pela Plenária. Não coube a esta análise verificar se a quantidade de recursos é suficiente para atender a todas as demandas da área de saúde e sim identificar a procedência dos recursos e o controle desses recursos. Diferente do caso brasileiro, o Uruguai não tem um sistema nacional de saúde e nem uma cobertura universal. Como afirma ABELLA (2003:11) não há coordenação entre diferentes instituições sanitárias, o gasto em saúde supera os 10% do PIB, havendo dupla contagem de recursos. Em Montevidéu, o município depende única e exclusivamente da arrecadação municipal para atender as necessidades de saúde, havendo uma contribuição periódica da universidade local em projetos específicos e algum recurso de organizações da comunidade, como ONGs. Em si tratando do indicador processo decisório, as principais decisões no CMS/POA vêm do topo da coordenação e as informações para esse propósito são razoáveis e adequadas, havendo algum conhecimento sobre os problemas. Observa-se ainda que as demais decisões são tomadas em instâncias mais inferiores da organização, confirmando a descrição do sistema 3 de LIKERT (1975). Pode-se afirmar que a partir dos relatos, as decisões são ampliadas objetivando beneficiar a população em geral. Por outro lado, as discussões para a tomada de decisão são incipientes devido ao pequeno aprofundamento em determinados temas. O processo, assim, fica sob as considerações do segmento que chama à discussão, como a SMS/POA, a SSMA, CLIS e outros segmentos. GONZAGA (1996) ressalta que o processo decisório deve implicar numa construção coletiva acerca do exercício do poder, necessitando transferir conhecimento e informação adequada para a tomada de decisão. Sugere ainda que este processo decisório deve converter-se no centro da problemática da participação como ação coletiva, que agrega concepções, atitudes e comportamentos dos decisores que norteiam o processo resultando na vontade coletiva. Caso contrário, o processo decisório tende a uma amplitude de participação restrita, como na CSC/MO, visto que a maioria das decisões são tomadas pela equipe técnica da IMM, pois os participantes das reuniões têm informações parciais e imprecisas. O processo de comunicação no CSC/Mo caracteriza-se por haver pouca interação e comunicação dirigida à realização dos objetivos. Este tipo de comunicação é tratado por LIKERT (1975) no sistema benevolente. Os técnicos sempre iniciam a direção do fluxo de informação, entendido aqui que o início do processo acontece sempre a partir da cúpula. Fato este observado entre os membros da CSC/MO onde o desconhecimento, a falta de informação ou a informação equivocada sobre a situação de saúde e recursos destinados. Por outro lado, entre os técnicos de saúde há o reforço do discurso, pois são encarregados de orientar e dar as informações no momento que ocorrem as reuniões da CSC/MO. Em si tratando do CMS/POA observou-se que o fluxo de informações é iniciado por diversos segmentos, caracterizando-o como ampla. Neste sentido, há uma organização adequada para o relato de comunicações, partindo desde a representação dos conselhos localizados nos bairros aos convites feitos ao CMS/POA pelas mais diversas instituições da cidade, incluindo-se Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 14 nesses relatos a Secretaria Municipal de Saúde. No repasse de informações, quando não aceitas pelos conselheiros, via de regra, as mesmas são discutidas no sentido de buscar a fonte precisa. Desta forma, a responsabilidade e precisão caracterizam o processo de modo geral. Quanto a influência/interação entre os membros da CSC/MO, esse indicador caracterizou que há uma pequena interação, sendo relatado pelos membros a dificuldade para a realização do trabalho em equipe (LIKERT, 1975). Essa caracterização é confirmada pela recente da saída do país de um regime ditatorial, onde os habitantes refugiavam-se em suas residências. Vale a pena insistir que todos indicadores analisados na CSC/MO há de se considerar que o movimento participativo na saúde encontra-se em estágio inicial onde a população carece em geral de suficiente potencial organizativo, pois apesar das dificuldades ainda assim, são os grupos com menores recursos, os grupos mais vulneráveis que têm a iniciativa de participar do processo (GALEANO, 2000). Uma rede de influência/interação é eficiente quando estiver munida tanto de uma estrutura adequada quanto de uma liderança que geralmente exibe um relacionamento de apoio para o grupo (LIKERT, 1975). Aqui portanto, fica à cargo de equipe técnica decidir sobre as questões de saúde, confirmando o papel profissional técnico apresentado em WEBER (1944). Quanto ao CMS/POA observa-se que amplitude média implica dizer que existe pequena interação, pouca influência e cooperação no trabalho em equipe. LIKERT(1975) coloca que os membros de instâncias mais inferiores raramente influenciam nas metas, métodos e atividades, ou seja, os participantes têm um grau menor de influência sobre essas metas e atividades da organização. O último indicador a ser analisado apresenta as metas de desempenho e treinamento que as organizações em destaque buscam alcançar, bem como se os participantes dessas organizações recebem treinamentos e quem financia essas atividades. No caso do CMS/POA, a amplitude tende a ser aberta, pois há a intenção de atingir um elevado nível de metas de desempenho. Para que isso ocorra há muitas vezes atividades de capacitação dos conselheiros através dos órgãos oficiais. O indicador em tela está intrinsecamente ligado às deliberações da Conferência Municipal de Saúde que compõe o Plano Municipal de Saúde. Por sua vez, é a expressão maior da população acerca das diretrizes de saúde para o município. Quanto ao CSC/MO a tipologia de participação tende a ser restrita, visto que poucos participantes são capacitados pelos técnicos, não havendo um trabalhoeducativo sistematizado. A amplitude com tendências restritas compromete o nível de metas de desempenho, uma vez que as decisões e as iniciativas por parte dos participantes se restringem em atividades pontuais de apoio à equipe técnica de saúde. Finalmente deve-se lembrar que a Comissão de Saúde em Montevidéu é organizada pelo Conselho de Moradores – órgão consultivo do governo local de caráter social – que prioriza e planeja a implementação das atividades programadas para o âmbito de sua atuação. Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 15 CONCLUSÕES: A avaliação sobre a tipologia de participação nas duas organizações (RIFKIN et alli, 1989 ; DEMO, 1996, LIKERT, 1975) concluiu que a tendência do CMS/POA é aberta. Esse resultado se deve à tipologia dos indicadores como a avaliação de necessidades, liderança, mobilização de recursos, processo decisório, comunicação e metas de desempenho e treinamento. Na CSC/MO a tipologia de participação é restrita. Os resultados se devem a partir de entrevistas em profundidade analisadas sob os princípios da análise de conteúdo (BARDIN, 1977 e GRAWITZ, 1975) que apontaram essa tipologia nos indicadores avaliação de necessidades, processo decisório, influência/interação e metas de desempenho e treinamento. O CMS/POA encontra-se em estágio participativo mais desenvolvido (tipologia aberta) e a CSC/MO em estágio inicial (tipologia restrita). De acordo com ARNSTEIN (1969) nos estágios iniciais caracterizam-se pela manipulação e a terapia, isto é, a não- participação. Esses estágios não possibilitam às pessoas a participação no planejamento ou na condução dos programas e sequer no processo decisório, mas permitem aos detentores do poder tutelar os participantes. Quando se trata de tipo participativo mais desenvolvido os representantes de grupos de interesses participam ativamente do processo de decisão, consultam informações precisas, promovem debates acerca das demandas, buscando articulação entre as opiniões do grupo participante. Neste caso ainda, a tipologia aberta tende a exigir da organização o aprendizado de uma liderança mais complexa e de certas técnicas de interação para se chegar à tipologia de participação ampla. Tratar de uma organização no estágio de participação ampla considera-se que todos os processos ocorram de forma mais eficiente. Segundo LIKERT & LIKERT (1979:17) quando uma organização muda para o sistema participativo, melhora o desempenho, reduzem-se os custos e aumenta a satisfação e o bem-estar de seus membros (...) apresentando processos mais efetivos (...). Em decorrência o Estado estaria adotando o modelo de máquina eficaz, tornando-se Estado-gestor (BRESSER PEREIRA, 1996) que por princípio está a vontade gestora da sociedade. Ocorre ainda a apropriação do projeto de participação que convoca a comunidade a fazer parte da política pública de saúde através da Lei 8142/1990. De fato, a comunidade participante do CMS/POA o adotou como projeto próprio, de forma que tornou-se uma construção organizada da emancipação social (DEMO, 1996). Em contrapartida, a tipologia de participação restrita – o caso da CSC/MO – apresenta um perfil de organização seriamente deficiente, através do qual não ocorre uma comunicação eficiente e ainda assim não há consciência de responsabilidade entre todos afim de assegurar a efetiva implementação das decisões. O ponto chave de todo o resultado nesta análise encontra-se na forma como a organização foi implantada e no estilo de liderança adotado. Observa-se que a CSC/MO é caracterizada pela ausência de liderança comunitária, implicando em dizer que todo o processo fica comprometido pois não ocorre articulação e nem o estímulo de participação no processo decisório. Tudo isso impede o avanço no cumprimento de metas de desempenho pois não há projeto próprio visando a resolução dos problemas locais de saúde. Entende-se que a liderança estimula os outros membros a trabalhar em grupo, promove o intercâmbio de opiniões Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 16 ou idéias no espaço público de tal forma que assegura a influência na deliberação da política pública. Entretanto, um autêntico espaço público não é automaticamente assegurado senão com base em alguns pré-requisitos. Dentre eles (NEDER, 1996) o de constituir a vontade de um grupo em fundar algo novo, um ato político fundador cuja transparência seja assumida como condição prévia de sucesso dos interesses envolvidos. Não é exclusivamente por ser coletivo que se define o espaço público. Tal ação é pública, de forma complementar e necessária, pela qualidade da ação política do grupo, e dos interesses envolvidos. Por fim, entende-se que nos dois casos analisados, o processo de descentralização que as duas cidades vivenciam é fato estimulador de criação de espaços de mobilização, apesar das dificuldades e limitações da participação. Estas dificuldades são entendidas como a interrupção de processos, falta de novas lideranças, não controle dos recursos, interferência da opinião técnica e apresentação de projetos que não se ajustam às demandas. Fatos no cotidiano dessas comunidades que puderam complementar esta reflexão e a construção desta alternativa metodológica. BIBLIOGRAFIA ABELLA, Alicia Sosa. Salud y Municipio de Montevideo . In: La Salud de Todos: desde el proyecto a la accion – la experiencia de Montevideo. Red. n° 5, Programa URB-AL, Montevideo: DOC, febrero, 2003. ANDERSON, Perry. 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O que é marcante no debate atual, todavia, é que o instituto tem adquirido outros contornos, especialmente em países como o Brasil, que passaram por um processo de redemocratização e, conseqüentemente, estão consolidando os pilares de um novo pacto social, orientado para a valorização da dignidade humana e o fortalecimento dos vínculos de solidariedade. Esse contexto repercute na exigência de um modelo de organização estatal que seja não apenas transparente e aberto à participação dos cidadãos, mas também promotor de um sentido coletivo de cidadania. Os primeiros registros históricos da ouvidoria pública remontam aos fins do século XVIII e início do XIX, na Suécia, quando a figura do supremo representante do rei, cuja atribuição era vigiar a execução das ordens e leis emanadas do monarca, foi transmutada para a de mandatário do parlamento, com a nova função de controlar em nome próprio a administração e a justiça (GOMES, 2000b). Ressalte-se, contudo, que a positivação legal do instituto do ombudsman se deu mais precisamente na Constituição sueca em 5 de junho de 1809. Ao longo do século XX, diversos outros países instituíram a figura do ombudsman, seguindo os passos da Suécia, especialmente após as reformas administrativas ocorridas nesse país em 1915 e em 1967, que resultaram em um modelo no qual as atribuições eram repartidas entre três ombudsmen – um responsável por questões ligadas ao bem-estar do administrado, um ligado aos assuntos judiciários e militares e um ligado às matérias cíveis. Na América Latina, a implantação das ouvidorias públicas se deu bem mais tardiamente. Assim, registra-se o aparecimento do instituto em Porto Rico em 1977, na Guatemala em 1985, no México em 1990, em El Salvador e na Colômbia em 1991, na Costa Rica, no Paraguai e em Honduras em 1992, no Peru e na Argentina em 1993, na Bolívia em 1994, na Nicarágua em 1995, na Venezuela em 1997 e no Equador em 1998 (SILVA, 2006). E nem poderia ser diferente, na medida em que a ouvidoria pública pressupõe plenitude de direitos civis e políticos em um ambiente democrático, o que só pôde ser verificado nos países do subcontinente a partir das duas últimas décadas do século XX. Gomes (2000b) noticia que, no Brasil, a primeira iniciativa voltada para a criação de algo próximo de uma ouvidoria pública data de 1823, sendo anterior, pois, à Constituição do Império. Esse projeto estabelecia, na estrutura do Império, um “juízo do povo”. Entretanto, o tema só começou a ser efetivamente discutido a partir do terceiro quartel do século XX, quando, em 1961, por meio do Decreto nº 50.533, pretendeu-se a criação de um instituto assemelhado ao do ombudsman. Todavia, o decreto foi revogado antes mesmo de ter sido posto em prática. Na década seguinte, por meio do Decreto-Lei nº 200, de 1967, foi criado o cargo de ombudsman na Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 20 Comissão de Valores Mobiliários, o qual, novamente, nem chegou a ser preenchido. Ao longo da década de 1970 foram produzidos diversos textos defendendo a criação e a efetiva implantação do instituto, mas o cenário político não dava margem a inovações dessa natureza, orientadas à participação e ao controle social da administração pública pelos cidadãos. No decurso da década de 1980, concomitantemente ao início do processo de redemocratização do país e na esteira da crise de legitimidade política vivida pelo regime militar, surgem alguns movimentos reivindicando participação social no poder público, como as organizações de bairro e o próprio movimento sindical. Entre as medidas que então começam a ser propostas e que se relacionam mais estritamente ao instituto do ombudsman, figuravam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 78, que pleiteava a criação de uma procuradoria- geral do povo para defender os direitos fundamentais dos cidadãos; a proposta do senador Luiz Cavalcanti; o projeto dos deputados Ney Lopes e Jonathan Nunes; e o projeto do senador Marco Maciel que preconizavam a criação de um cargo nos moldes clássicos de ombudsman, mas foram rejeitados. Em um cenário socioeconômico conturbado e carente de legitimação, é criado o primeiro cargo de ouvidor geral público do Brasil – ainda que a eficácia da iniciativa não tenha sido verificada de pronto – por meio do Decreto nº 92.700, de maio de 1986, que instituiu o cargo de ouvidor geral da Previdência Social, (1) a quem seriam destinadas “as informações, queixas e denúncias dos usuários do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, cabendo-lhe zelar pela boa administração dos serviços previdenciários e sugerir medidas com esse objetivo” (Art. 2º). Por fim, destaca-se também a criação, pelo Decreto nº 93.714, de 15 de dezembro de 1986, de um instituto para “a defesa de direitos do cidadão contra abusos, erros e omissões na Administração Federal”. Entretanto, esse instituto foi criado na contramão de toda a experiência internacional sobre o tema, deixando de observar, entre outros, os princípios da “unipessoalidade” e da publicidade, bem como de disciplinar as regras de elegibilidade para o cargo ou os limites de atuação do ouvidor. O processo de redemocratização culmina com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que instituiu um novo paradigma democrático,tendo como fundamentos: a dignidade da pessoa humana (Art. 1o, inciso III), a cidadania (Art. 1º, inciso, II) e o pluralismo político (Art. 1º, inciso V); e como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, inciso I) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (Artigo 3º, inciso IV). Sob este novo modelo, a Constituição consagrou, em seu Art. 37, os princípios da impessoalidade e da publicidade nos atos emanados da administração pública e previu, no § 3º do mesmo Art. 27, a edição de lei ordinária para tratar especificamente das reclamações dos cidadãos “relativas à prestação de serviços públicos”. Além disso, a Constituição ampliou sensivelmente as formas de controle e participação social (GOMES, 2000b, p. 76). Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 21 Vê-se, com isso, que a experiência constituinte no país estabeleceu condições para o enfrentamento de questões que, anos mais tarde, passariam a ser centrais nas sociedades ocidentais. Na onda de debates sobre reforma do Estado desencadeada nos anos 1990, por exemplo, Giddens (2001, p. 80 et. seq.) afirmou que parte dos esforços deveria se dirigir ao enfrentamento da “crise da democracia” que, na leitura do autor, decorria de ela “não ser suficientemente democrática”. A partir desta reflexão, Giddens propôs um novo modelo para o Estado, baseado nas seguintes características: descentralização, dupla democratização, renovação da esfera pública e participação direta e ativa dos cidadãos. Na visão do autor, a descentralização de poder havia se tornado um imperativo frente à “demanda por autonomia individual e a emergência de uma cidadania reflexiva”. Todavia, prosseguia, ela deveria ocorrer no âmbito de um processo de “dupla democratização”, entendida “no sentido da delegação de poder de cima para baixo, mas também uma delegação de poder para cima”, de modo a reafirmar a autoridade do Estado para que ele pudesse reagir “às influências que, de outro modo, o flanqueiam por completo” (GIDDENS, 2001, p. 82). A renovação da esfera pública, por sua vez, seria alcançada com maiores níveis de transparência e eficiência administrativa. Por fim, o autor destacava a importância do desenvolvimento de novos mecanismos de democracia direta, assim, como do fortalecimento dos já existentes, pelos quais o governo poderia “restabelecer contato mais direto com os cidadãos, e os cidadãos com o governo”. Embora as ouvidorias públicas dialoguem bastante com o último aspecto da leitura de Giddens, o fato é que na realidade de países como o Brasil, que enfrentaram processos de redemocratização, essas instituições podem ainda contribuir para a própria consolidação de um sentido coletivo de cidadania, a partir da reconstrução da confiança e do respeito entre os cidadãos e entre estes e o Estado. As ouvidorias públicas se tornaram realidade no Brasil após a CF/88, existindo hoje um total de 1.057 dessas instituições, conforme tabela 1. Em 2010, as ouvidorias públicas de órgãos e entidades do Poder Executivo Federal totalizaram 165 contra 40 em 2002, representando um aumento de 313% oito anos, conforme dados da Ouvidoria Geral da União, tabela 2. Com o notável processo de difusão dessas instituições, já se alcançou certo consenso acerca do conceito e das características e atribuições principais de uma ouvidoria. Hoje, entende- se por ouvidoria um instrumento que visa à concretização dos preceitos constitucionais que regem a administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, a fim de que tais preceitos se tornem, na prática, “eixos norteadores da prestação de serviços públicos” (LYRA, 2004b, p. 144). Além desse objetivo primeiro, são atribuições principais de uma ouvidoria pública: “indução de mudança, reparação do dano, acesso à administração e promoção da democracia”. Além destas, e em caráter mais amplo, há consenso de que “a ouvidoria pública busca atuar como mediador entre o Estado e a sociedade, não sendo apenas um canal inerte entre o cidadão e a administração pública”, mas tendo também por competência a valorização e a defesa dos direitos humanos à promoção da ética e da inclusão social (BRASIL, 2009b). Em Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 22 decorrência da sua função e de seus objetivos, a ouvidoria pública é caracterizada pela “unipessoalidade”,(2) magistratura da persuasão, desvinculação do poder institucional, desvinculação política e mandato a atribuições específicas” (LYRA, 2004b, p. 128 et. seq.). Assim, o impasse atual não mais diz respeito à instituição das ouvidorias e/ou à determinação de suas funções, mas sim à sua operacionalização. Este texto tem por objetivo analisar algumas questões consideradas sensíveis nesse processo, incluindo: inclusão e controle social, promoção da ética, perfil do ouvidor público, efetividade dos serviços das ouvidorias públicas e autonomia dessas instituições. A OUVIDORIA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO E CONTROLE SOCIAL Embora inclusão seja um termo muito amplo, pode-se dizer que a promoção de políticas públicas inclusivas tem como eixo norteador a melhoria das condições de vida para a população, a partir de medidas que visam à equalização das relações sociais, bem como à consolidação de valores democráticos e à ampliação da cidadania. Ao longo de sua história democrática recente, o Brasil vem produzindo diversas experiências inclusivas, todas elas legatárias dos princípios participativos inscritos na Constituição Federal de 1988. Lyra (2004a, p. 119-121) destaca quatro dessas experiências como principais: i) as consultas populares previstas na CF/88, (3) quais sejam, referendo, plebiscito e iniciativa popular de lei; ii) o orçamento participativo; (4) iii) os Conselhos Gestores e de Fiscalização de Políticas Públicas; (5) e iv) as ouvidorias, as quais não foram expressamente previstas na Constituição, mas correspondem à mais bem acabada expressão do princípio da participação do usuário na administração pública, introduzido expressamente no texto constitucional pela reforma administrativa (Emenda Constitucional no 19/1998) (6). Os instrumentos de consulta popular permitem que os cidadãos expressem diretamente seus anseios e suas posições em relação a temas que afetam o interesse coletivo. O orçamento participativo, que se tornou mundialmente conhecido a partir da experiência de Porto Alegre, permite que os cidadãos opinem sobre o uso e destino de parcela substancial do orçamento público, de acordo com suas necessidades e prioridades. Os conselhos gestores e fiscalizadores de políticas públicas, como o da saúde, da criança, da adolescência, de assistência social, do meio ambiente, entre tantos outros, operam pela mudança da cultura política, ao introduzir mecanismos de participação na gestão pública (LYRA, 2004b, p. 121). As ouvidorias públicas vêm se transformando em instrumento inovador de gestão e, principalmente, em uma ferramenta de controle social e de atendimento aos usuários dos serviços públicos. Gradativamente, os ouvidores têm visto acrescentar à sua função inicial do ombudsman o papel de mediador entre a organização e a sociedade. Nessa trajetória, as ouvidorias públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da inclusão, tendo em vista que a sua atuação busca a um só tempo influir na qualidade da prestação dos serviços públicos e equalizar as relações entre cidadão e administração pública. Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas 23 Na atual modelagem organizacional da administração pública, é comum que se atribua às ouvidorias o papel prioritário de
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