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Guimarães, 2012

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1
Guimarães, D. S. (2012). Desdobramentos de um possível diálogo entre psicologia 
cultural e antropologia americanista. In: Vichietti, S. M. P (Org.). Psicologia Social e 
Imaginário. Leituras Introdutórias (pp. 153-167). São Paulo: Zagodoni.
Desdobramentos de um possível diálogo entre psicologia cultural e 
antropologia americanista
Danilo Silva Guimarães (Instituto de Psicologia - Universidade de São Paulo)
No presente capítulo apresentarei um conjunto de proposições oriundas de uma 
pesquisa realizada no campo de investigação do construtivismo semiótico-cultural em 
psicologia a respeito das relações eu–outro mundo. Em estudos preliminares trabalhei com a 
noção de perspectiva, que, para a presente abordagem em psicologia, supõe um 
posicionamento na experiência vivida, viabilizando determinada visão dos outros e das coisas, 
em detrimento de outras visões. Procurei confrontar esta noção com discussões em torno da 
noção de perspectiva oriundas da antropologia, mais especificamente, focalizando a teoria do 
perspectivismo ameríndio, cujas bases constitutivas estão assentadas em estudos de etnologia 
americanista.
Por um lado, o Construtivismo Semiótico–Cultural em psicologia focaliza especialmente 
os processos de desenvolvimento individual, nos quais as interações eu–outro, que se 
desdobram e que, ao mesmo tempo, formam o espaço cultural de ação simbólica, têm um 
papel primordial. Nesses processos, a busca por entendimento mútuo e compartilhamento de 
experiências pelos interlocutores pode possibilitar a emergência de novidade quanto à 
compreensão dos conteúdos da conversação, assim como quanto à posição relativa dos 
interlocutores no diálogo (Simão, 2005; 2008). O Construtivismo Semiótico-Cultural, como um 
fazer psicológico culturalmente imerso, também se relaciona dialogicamente com outros 
fazeres acadêmico-científicos, tais quais a etnologia e a antropologia. Essas disciplinas, ao se 
voltarem fundamentalmente para o estudo da cultura, provocam tensões neste campo de 
investigações psicológicas, que se vê às voltas com o projeto de entender “o complexo quadro 
de condições culturais que caracterizam o ser humano como criador” (Boesch, 1997).
O Perspectivismo Ameríndio em antropologia, por sua vez, é uma abordagem 
contemporânea que emergiu de desafios enfrentados pela etnografia na tentativa de 
estabelecer comparações transculturais entre sociedades segmentadas das Américas, África, 
Ásia e Oceania. Como resultado, o Perspectivismo Ameríndio propõe experimentos em que o 
pesquisador busca pensar “como se” fosse alguém pertencente ao grupo estudado. Em termos 
teórico-metodológicos, isso significa não apenas levar em conta a nativo como sujeito 
simbólico, mas legitimar seu discurso em face do discurso produzido pelo pesquisador (Viveiros 
de Castro, 2002), o que viabilizaria a compreensão de problemas e soluções originais 
característicos de cada cultura.
A promoção de um diálogo confrontador entre construtivismo semiótico–cultural em 
psicologia e o perspectivismo ameríndio em antropologia, sobre suas respectivas noções de 
perspectiva nos permitiu apreender que no construtivismo semiótico–cultural, a noção de 
Djalma Francisco Costa Lisboa de freitas
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perspectiva toca questões como a da multiplicidade de posicionamentos pessoais em face de 
objetos culturais (Marková, 2003/2006); a alteridade do outro que tem uma trajetória de vida 
singular, internalizando referências significativas no processo de construção de conhecimento 
(Simão e Valsiner, 2007); o cruzamento de olhares entre eu e outro a partir de e para suas 
corporeidades; a noção de ação simbólica de Boesch (1991); a articulação entre os planos 
intersubjetivo e intrassubjetivo da experiência humana. Na abordagem do perspectivismo 
ameríndio, por sua vez, a questão da fabricação do corpo no seio do convívio social é central 
para o entendimento do processo de construção de identidades e alteridades.
Como resultado deste diálogo confrontador, encontramos aproximações e afastamentos 
entre as duas noções de perspectiva postas em foco, especialmente no que se refere à 
questão da multiplicidade de entendimentos pessoais em relação a um objeto – presente na 
abordagem psicológica – e a questão do estatuto da realidade (ao invés de entendimentos 
sobre a realidade), que tem um papel importante na abordagem antropológica.
Construtivismo semiótico-cultural e a compreensão psicológica de 
relações eu-outro-mundo
Uma das formas de se conhecer o outro se vincula a processos empáticos, no qual um 
sujeito seria capaz de vivenciar em si uma experiência semelhante à de outrem (cf. Boesch, 
1991). A ideia de colocar-se no lugar do outro, agindo e pensando “como se” fosse ele ou 
“como se” as coisas pudessem ser diferentes do que são no presente momento, também se 
desdobra em proposições de Valsiner (cf. 2007), que a fundamenta a partir de Baldwin. James 
Baldwin (1906) cunhou o termo sembling, do inglês semblance, para definir um procedimento 
ficcional, experiencial e seletivo que estaria na gênese da reflexividade. A noção de sembling 
diz respeito a um processo de imitação do objeto de conhecimento de modo a apreender suas 
características. Essa imitação supõe um entrelaçamento da liberdade criativa do conhecedor 
que se esforça para corresponder ao objeto visado. Há, nesse processo, forte articulação das 
noções de imaginação e de percepção, dada a opacidade do corpo de outrem e o 
distanciamento de suas referências intrassubjetivas em relação ao eu. 
A diferença entre imaginação e percepção tem como fundo uma diferença entre o que o 
sujeito constitui para si como valor real—o que se percebe como sendo agora—e valor visado 
(virtualidade possível); essas noções são caras à teoria da ação simbólica de Boesch (1991). O 
psicólogo cultural propõe que o agir intencional / simbólico do ser humano se dirige ao mundo 
segundo referências de como o mundo é objetivamente, de modo a se alcançar novos sentidos 
e possibilidades de ação diante de uma dada circunstância almejada pelo sujeito. A 
imaginação, para Boesch (1991), é um processo que acompanha a ação, auxiliando no 
planejamento.
As dualidades percepção-imaginação; valor real e valor visado compreendem uma 
dimensão de disjunção temporal: o que é (valor real) se remete ao reconhecimento da 
experiência por meio de uma estruturação já constituída sobre a realidade. Valsiner (2007) 
opera com essas duas dimensões da experiência fenomenológica (o já estruturado e o 
possível) através das noções de “como É” e “como SE”. Ao focalizar o campo perceptivo, tem-
se a experiência do mundo “como ele é”, de acordo a nossa apreensão fundada em limites e 
possibilidades simbólicas de abarcamento da exterioridade. Ao focalizar o campo imaginativo, 
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tem-se a construção de hipóteses, manipulação de diferentes possibilidades, “como se” a 
realidade pudesse ser diferente de tal comoela se apresenta. 
No construtivismo semiótico – cultural, a superação das lacunas na relação eu - outro, 
passado e futuro, se daria por meio do uso de recursos simbólicos. Os recursos simbólicos, na 
concepção de Zittoun, Duveen, Gillespe, Invision, & Psaltis (2003), são como que instrumentos 
utilizados para se agir sobre ou a partir do mundo físico, do mundo social e da realidade 
psíquica. O seu uso é orientado para o futuro e pode ocorrer em diferentes níveis de 
reflexividade. Esses autores compreendem que através do uso dos recursos simbólicos, na 
relação eu - outro, os sujeitos podem construir os objetivos das ações. Eles são um tipo 
especial de baliza (cf. Valsiner, 1998) de que o sujeito constrói e lança mão para resolver 
tensões geradas por diferenças entre o que se percebe como ‘sendo agora’ e o alvo da ação, 
pautado pelo desejo de algo a vir a ser. 
Os recursos simbólicos atuam para reorganizar o caos e a incerteza da situação 
presente, tal como ela se apresenta a cada sujeito em sua relação com o mundo–aí incluído o 
outro–sugerindo possíveis ações, gerando novos problemas e novos recursos simbólicos. Cabe 
ressaltar que o uso dos recursos simbólicos ocorre na interação com o outro numa duração 
temporal. No processo de tentativa de integração entre as percepções e as imaginações do eu 
e do outro, estes dispositivos semióticos suportam a reorganização: são internalizados, 
modificando entendimentos de experiências e disponibilizando um reajuste a partir de novas 
experiências (Zittoun, D \uveen, Gillespe, Invision, & Psaltis, 2003; Zittoun, 2006).
Os recursos simbólicos produzidos e externalizados ficam vinculados à pessoa que os 
produziu, tornando-se veículos que, dentre outras características, identificam quem o produtor 
é. Desse modo, o outro apercebe, momentaneamente, a identidade do interlocutor, que se vê, 
por isso, engajado em uma constante negociação da sua própria identidade coconstruída. Os 
significados produzidos por alguém necessariamente excedem o produtor, gerando 
dissonâncias em relação às compreensões do recurso simbólico em questão, e a pessoa tem 
que lutar para ter o controle daquilo que ela mesma produziu. Esse excedente de sentido, que 
provoca também inquietação (Simão, 2003), exige ações reparatórias que se dão por meio do 
uso, modificação e criação de novos recursos simbólicos.
O olhar para outrem, portanto, guarda lacunas e desafios: seja porque outrem tem um 
percurso histórico diferente, que é em alguma medida desconhecido, seja porque internalizou 
as experiências vividas de modo seletivo, realizando diálogos internos que continuamente 
transformam a experiência. Por outro lado, e principalmente, tomar outrem como sujeito implica 
considerá-lo agente. Essa consideração enseja um horizonte de possibilidades no qual habitam 
desejos, projetos, aspirações autorreferidas e autoavaliadas. Os desejos e aspirações, 
contudo, nem sempre são dirigidos a uma aproximação em relação a outrem. A interdição 
básica do acesso que um sujeito tem em relação à experiência do outro instaura, 
simultaneamente, um jogo de poder no qual o objeto de disputa é o próprio potencial de ação 
de cada sujeito.
Sujeito, pessoa e indivíduo no perspectivismo ameríndio
Diversos trabalhos etnográficos e reflexões antropológicas tem apontado que a noção 
de pessoa é ricamente elaborada pelas populações ameríndias, tomando o corpo como 
referência simbólica central (cf. Seeger, da Matta & Viveiros de Castro, 1979). Adornos e 
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Usar como recurso argumentativo de que o mêtodo cientifico pode ser experimentado, tanto pelo pesquisador, quanto pelo pesquisado, como um recurso simbolico para resolver as tensoes geradas entre o plano cientifico- fazer cientifico-dados coletados. Enfim o que espero, o que acontece e o que devo relatar considerando a preservação cientifica e a aceitação da ciencia. 
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Aqui se referimos principalmente ao que pode ocorrer na pesquisa experimental frente ao olhar do participante sobre o pesquisador e seus colegas de pesquisa.
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pinturas corporais tornam objetivos para o sujeito e para os outros com quem convive a 
configuração singular que este fez no contato com as múltiplas agências que encontra ao longo 
da vida. Prescrições alimentares, pinturas corporais entre outros procedimentos de intervenção 
corporal constituem maneiras apropriadas para lidar com a internalização e externalização da 
alteridade.
A vida social, em grande medida, constitui-se em torno de maneiras de se objetivar as 
capacidades pessoais em um processo de representação de potenciais de ação. Desse modo:
Os sujeitos, tanto quanto os objetos, são vistos como resultantes de processos de objetivação: o 
sujeito se constitui ou reconhece a si mesmo nos objetos que produz, e se conhece objetivamente 
quando consegue se ver 'de fora', como um 'isso' (Viveiros de Castro, 2002/2006, p. 358).
O corpo “é o instrumento fundamental de expressão do sujeito e ao mesmo tempo o 
objeto por excelência, aquilo que se dá a ver a outrem” (Viveiros de Castro, 2002/2006, p. 388). 
O corpo-sujeito se mantém heterogêneo, como uma articulação que reflete em si a pluralidade 
do contexto social (cf. Lima, 2005). Lima adota para o entendimento da pessoa ameríndia a 
noção de fractalidade, elaborada por Wagner (1991) para a compreensão da pessoa entre os 
Melanésios. A noção de pessoa fractal diz respeito ao engendramento das pessoas, umas nas 
outras, de tal modo que esta é uma entidade dividida, atravessada pela heterogeneidade de 
infinitas agências (cf. Strathern, 1991).
No contexto americanista, a singularidade do vivente é composta pelas polaridades 
corpo-alma, eu-outro, consanguinidade-afinidade articuladas em tensão constante:
Todo ser a que se atribui um ponto de vista será então sujeito, espírito; ou melhor, ali onde estiver 
o ponto de vista, também estará a posição de sujeito. Enquanto nossa cosmologia construcionista 
pode ser resumida na fórmula saussureana: o ponto de vista cria o objeto - o sujeito sendo a 
condição originária fixa de onde emana o ponto de vista -, o perspectivismo ameríndio procede 
segundo o princípio de que o ponto de vista cria o sujeito; será sujeito quem se encontrar ativado 
ou 'agenciado' peIo ponto de vista (Viveiros de Castro, 2002/2006, pp. 372-373).
A esse respeito, as formulações do perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro (cf. 
2007) encontram as tradições filosóficas de Leibniz e Nietzsche, discutidas por Deleuze, que 
recusa a ideia da existência de um sujeito a priori (mais próxima às concepções kantianas) e 
busca explorar as condições para emergência do sujeito a partir da possibilidade do vivente 
assumir um ponto de vista. 
A antropologia estrutural, por sua vez, esteve fortemente vinculada a uma psicologia 
também estrutural, como discute Jahoda (1982) a respeito do enraizamento psicológico da 
antropologia de Lévi-Strauss. Para o antropólogo, os determinantes do fenômeno social só 
poderiam ser descobertos a partir da redução dos dados complexos a estruturas elementares, 
que seriam, em última instância, localizados em mentes individuais.Os fenômenos sociais 
seriam compreendidos como sistemas de ideias objetivados e as estruturas subjacentes a 
esses sistemas seriam inconscientes “resultados de processos binários e combinatórios 
biologicamente determinados, que organiza todo fenômeno biológico, mental e cultural” 
(Jahoda, 1982, p. 214).
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A noção de ponto de vista abrange, obviamente, desde a criação das hipoteses pelo pesquisador e a relacão estabelecida entre ele, o objeto e os participantes de modo dialogico.
5
Sendo o dialogo entre psicologia e antropologia profícuo do ponto de vista estruturalista, 
poderiam essas áreas dialogarem no que diz respeito aos perspectivismos? Suponho que a 
resposta a essa questão é afirmativa. 
Reflexões sobre diferentes perspectivas em interação
Discutirei, a seguir, uma curta entrevista concedida por Davi Kopenawa, líder Ianomâmi, 
à Folha de São Paulo, na direção de apresentar aspectos que considero relevantes na direção 
do diálogo entre construtivismo semiótico-cultural e perspectivismo ameríndio.
12/05/2010 - 09h24
"A ciência não é um deus que sabe tudo", diz líder ianomâmi
O líder ianomâmi Davi Kopenawa disse estar "muito contente" com a notícia de que as mais de 
2.000 amostras de sangue de seu povo, que desde 1967 repousam em centros de pesquisa dos 
Estados Unidos, serão devolvidas à tribo. Conforme a Folha adiantou no último domingo, há um 
acordo sendo finalizado entre cinco universidades e o governo brasileiro para a devolução, que 
ainda não tem data.
Da Alemanha, onde está para assistir a uma ópera que tem seu povo como protagonista, o líder 
indígena respondeu por e-mail, por intermédio do antropólogo Bruce Albert, a perguntas feitas 
pela reportagem. 
Folha - Como o sr. recebeu a notícia de que as universidades aceitaram devolver o sangue?
Davi Kopenawa Yanomami - Foi uma luta de dez anos. Agora, fiquei muito contente que os 
brancos acabaram entendendo a importância desse retorno.
Folha - O sangue foi coletado nos anos 1960, mas só nesta última década os ianomâmis 
começaram a se esforçar para tê-lo de volta. Por quê?
Kopenawa - O sangue foi tirado do nosso povo quando eu era menino. Os cientistas não 
explicaram nada direito. Só deram presentes, panelas, facas, anzóis e falaram que era para coisa 
de saúde. Depois todo mundo esqueceu. Ninguém pensou que o sangue seria guardado nas 
geladeiras deles, como se fosse comida! Só em 2000 que eu soube que esse sangue estava ainda 
guardado e sendo usado para pesquisa. Aí me lembrei da minha infância, e os velhos também se 
lembraram de que nosso sangue foi tirado. Todo mundo ficou muito triste de saber que esse 
sangue nosso e de nossos parentes mortos ainda estava guardado.
Folha - Napoleon Chagnon e James Neel agiram errado com vocês?
Kopenawa - Eu acho que estavam muito errados, porque eles pensaram que os ianomâmis podem 
ser tratados como crianças e não têm pensamento próprio. Não dá para fazer pesquisa com povos 
indígenas sem explicação. Pesquisa que interessa à gente é para melhorar nossa saúde. Não dá 
para pesquisar e deixar a gente depois morrer de doenças. Um tempo depois que esses cientistas 
foram embora, em 1967, morreu quase todo o meu povo do Toototobi de sarampo.
Folha - Por que o sangue será jogado no rio quando ele voltar?
Kopenawa - Vamos entregar esse sangue do povo ianomâmi ao rio porque o nosso criador, 
Omama, pescou sua mulher, nossa mãe, no rio no primeiro tempo. Mas não gosto da palavra 
"jogar", não vamos jogar o sangue dos nossos antigos; vamos devolver para as águas.
6
Folha - Os cientistas dizem que, sem poderem estudar o sangue e o DNA de vocês, informações 
que podem ser preciosas para toda a humanidade se perderão para sempre. Como o sr. reage a 
essa crítica?
Kopenawa - A ciência não é um deus que sabe tudo para todos os povos. Se querem pesquisar o 
sangue do povo deles, eles podem. Quem decide se pesquisas são boas para nosso povo somos 
nós, ianomâmis.
Selecionei, neste momento, três dimensões da entrevista que se desdobram em 
implicações para a compreensão da noção de perspectiva no construtivismo semiótico-cultural: 
em primeiro lugar, a presença de desentendimentos no diálogo com a alteridade; em segundo 
lugar, a evidência de diferentes concepções de natureza; e em terceiro lugar, uma questão 
vinculada à temporalidade: a contemporaneidade do encontro/diálogo entre o entrevistador e o 
entrevistado, considerando a entrevista datada em maio de 2010, e a emergência de velhas 
questões que envolvem a história da relação entre "brancos" e "índios".
I - A questão do desentendimento
A questão do desentendimento aparece com bastante clareza, por exemplo, no trecho 
em que entrevistador concebe a ação dos índios como "jogar o sangue nas águas" e, então, 
Davi Kopenawa, responde "(...) não gosto da palavra "jogar", não vamos jogar o sangue dos 
nossos antigos; vamos devolver para as águas". Essa passagem expressa uma diferença de 
olhares entre aquele que vê de fora e concebe o evento de uma maneira específica—“jogar nas 
águas”—daquele que vê de dentro e o concede de outra maneira—“devolver para as águas”. 
Essa diferença de pontos de vista que leva a produção de impasses no diálogo, 
desentendimentos e equívocos.
A produção de equívocos não é uma execção no encontro entre brancos e índios. Uma 
evidência disso está na pluralidade de nomes atribuídos cada diferente comunidade indígena. 
Os diversos nomes remontam ao contato com os estrangeiros que visavam à identificação dos 
povos, de modo a compreender suas diferenças, provocando, contudo, uma série de enganos 
e desentendimentos. Muitos desses casos foram percebidos desde o século XV, quando 
portugueses, franceses e nativos estavam em conflito na costa brasileira. Por exemplo, os 
nomes que os jesuítas portugueses concediam aos seus aliados indígenas “variam de uma 
crônica a outra de tal modo que pouco é sabido sobre o critério de divisão desses povos” 
(Sztutman, 2005, p. 137). Os ameríndios, por sua vez, pareciam estar acostumados com o 
fenômeno de nomeação externa e seus enganos inevitáveis. Este tema foi desenvolvido em 
diversos mitos sobre o encontro com os brancos, como o que segue:
A primeira vez que o branco viu um índio ele não tinha roupas e estava brincando com morcego. 
(…) O branco perguntou para o índio quem ele era e ele, não entendendo português, respondeu na 
língua: estou matando [brincando com] morcego. Agente chama morcego kaxi. Assim o branco 
deu o nome: “você e sua tribo são Kaxinawa (kaxi-nawa)” (Lindemberg Monte, 1984, apud 
Lagrou, 2007, p. 182).
Há no diálogo narrado, uma lacuna entre a questão endereçada (quem é você) e a 
resposta dada, como um esforço de atender às expectativas do outro (estou fazendo isto). A 
7
respeito deste excerto Kaxinawa1, Lagrou (2007) afirma que se não houvesse um problema de 
comunicação, o estrangeiro teria chamado seu interlocutor de huni kuin (humano verdadeiro), 
que é a maneira como uma pessoa que fala a língua Pano se autodesigna.
É comum, no entanto, que o etnônimo, que identifica um grupo de pessoas como um 
povo, venha de fora (do estrangeiro). O olhar exterior do estrangeiro, por sua vez, não lhe 
permite construir uma nomeação neutra. Esta é feita segundo impressões ou características 
aparentes observadas. Cada grupo, no entanto, identifica a si mesmo com uma expressão que 
significa “seresverdadeiramente humanos” (cf. Lagrou, 2007; Lima, 1996, 1999; Viveiros de 
Castro, 1996, 2002/2006). Este tipo de etnocentrismo—por considerarem-se humanos 
verdadeiros em oposição aos outros seres—é, segundo Lévi-Strauss (1965/1984), uma 
característica básica de todas as culturas.
De acordo com Viveiros de Castro, antropólogo, pesquisador do Museu Nacional (Rio 
de Janeiro), um dos proponentes da teoria do perspectivismo ameríndio, o equívoco é inerente 
ao processo de se tornar uma cultura inteligível à outra: 
[...] O equívoco não é algo que impede a relação, mas o que a funda e motiva: a diferença de 
perspectiva. Traduzir é presumir que um equívoco sempre existe, é comunicar a partir da 
diferença, ao invés de silenciar o Outro presumindo univocalidade—uma similaridade essencial
—entre o que o Outro e nós estamos dizendo (Viveiros de Castro, 2004, s. n.).
O campo interétnico de negociação portanto se apresenta como marcado por olhares 
estrangeiros que se cruzam e exigem adaptações criativas de modo a estabelecer um controle 
mínimo sobre os equívocos inevitáveis:
[...] seria simplista considerar a gênese das etnicidades contemporâneas na Amazônia sob a luz de 
uma teatralidade alienada ou cínica. Ela revela, longe disso, todo um processo político-cultural de 
adaptação criativa que gera as condições de possibilidade de um campo de negociação interétnica 
em que o discurso colonial possa ser contornado ou subvertido. A intertextualidade cultural do 
contato nutre-se tanto dessa etnopolítica discursiva quanto das formas retóricas (negativas ou 
positivas) pelas quais os brancos constroem “os índios”. Porém, ela não se limita apenas às 
imagens recíprocas de índios e brancos. A autodefinição de cada protagonista alimenta-se não só 
da representação que constrói do outro, mas também da representação que este outro faz dele: a 
auto-representação dos atores interétnicos constrói-se na encruzilhada da imagem que eles têm do 
outro e da sua própria imagem espelhada no outro (Albert, 2002, p. 241).
Nesse jogo de representações do outro, auto-representações, e espelhamentos de si no 
outro entram também as questões da vinculação das populações ameríndias a uma 
perspectiva de preservação da natureza, no imaginário de populações não indígenas e no 
discurso ambientalista contemporâneo, que nos leva ao segundo ponto que selecionado da 
entrevista.
II - Diferentes concepções de Natureza
1 Grupo pertencente à família linguística Pano, que habita a floresta Amazônica nas regiões entre os 
Andes (leste peruano), o estado do Acre e sul do estado do Amazonas Pano é uma família linguística 
falada por diversos grupos amazônicos, tais quais, o Kaxinawa, Sharanawa, Mastanawa, Yaminawa, 
entre outros nawa (fonte: Instituto Socioambiental).
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8
O antropólogo Tim Ingold (2000), afirma que nas sociedades ocidentais modernas 
natureza é o termo comumente empregado pelo homem para designar a região do ambiente 
em que este não habita. Na mesma direção, o antropólogo Bruce Albert aponta que 
"Exploração ou preservação da Natureza remetem ao mesmo pressuposto de uma Natureza-
objeto, reificada como instância separada da sociedade e a ela subjugada. Ora, nada mais estranho 
que esta separação e este antropocentrismo para as cosmologias das sociedades amazônicas, que 
fazem do universo uma totalidade social regida por um complexo sistema de intercâmbios 
simbólicos entre sujeitos humanos e não-humanos, sistema no qual o xamanismo é a pedra de 
toque". (p. 257).
Nessa direção, Davi Kopenawa, o mesmo líder Ianomami da entrevista supracitada, 
afirmou em outra ocasião:
"Nós, nós não usamos a palavra "meio ambiente". Dizemos apenas que queremos proteger a 
floresta inteira. "Meio ambiente" é a palavra de outra gente, é uma palavra dos brancos. O que 
vocês chamam de "meio ambiente" é o que resta do que vocês destruíram" (p. 259).
Na concepção ameríndia, vemos uma perspectiva inverte a noção de natureza objeto, 
ou seja, de natureza como o espaço inabitado pelo homem. Ao contrário, a relação com o 
ambiente supõe uma totalidade indivisível: homem e natureza são, ao mesmo tempo, sujeito e 
objeto. Para muitas ciências modernas, o distanciamento em relação ao objeto é o que permite 
investigá-lo em seu estado natural, tornando viável “o” conhecimento objetivo. 
“para nós, explicar é reduzir a intencionalidade do conhecido. Para eles, explicar é intensificar a 
intencionalidade do conhecido, ou seja, determinar o objeto do conhecimento como um sujeito 
[...] Existem ganhos e perdas em subjetivar. Essas são escolhas culturais básicas. (Viveiros de 
Castro, p. 488).
A maneira de subjetivar a natureza praticada pelos diversos povos ameríndios é 
historicamente conhecida como animismo. Este foi o nome dado a concepção de que a relação 
social estaria na base da relação do sujeito com o mundo—ou seja, muitos seres humanos e 
não humanos são concebidos como dotadas de propriedades subjetivas e de consciência. A 
ontologia animista, considerada característica do pensamento ameríndio, em oposição ao 
naturalismo das tradições europeias, tem sido discutida contemporaneamente no corpo teórico 
do perspectivismo ameríndio em antropologia. Viveiros de Castro (2006) propõe que os 
ameríndios não apenas concebem o cosmos como habitado por muitos seres dotados de 
intencionalidade e consciência. O perspectivismo ameríndio também supõe que essas 
diferentes subjetividades concebem a si mesmas como seres humanos e possuem, 
analogamente, a forma corporal humana. Nós não as enxergamos como humanas, contudo, 
porque nosso ponto de vista é exterior e, consequentemente, equivocado. 
As diferenças corporais, portanto, não implicam negação da subjetividade do corpo 
percebido, mas a concepção de que diferentes corpos possuem diferentes correlativos 
objetivos para os mesmos termos. Assim, a expressão "a ciência não é um Deus que sabe tudo 
para todos os povos" indica uma abordagem em relação ao conhecimento que prescinde da 
suposição, ainda que implícita, de existência de um ponto de vista transcendental sobre uma 
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realidade impessoal. “Não há realidade independentemente de um sujeito" (p. 31), diz a 
etnóloga Tânia Lima a respeito do perspectivismo dos Yudjá.
A questão dos desentendimentos que abordamos acima, não dizem apenas respeito a 
uma tensão entre diferentes pontos de vista ou representações acerca de um objeto. O sangue, 
que para os cientistas, é um produto da natureza orgânica dos corpos humanos, passível de 
ser estudado como um objeto científico impessoal, não é concebido da mesma maneira pelos 
yanomamis. Ou melhor, ao usarem a mesma palavra "sangue", os falantes parecem se referir a 
coisas bastante diferentes, desde suas experiências particulares, ou seja, os modos de 
perceber, sentir e agir não encontram correspondência num caso e no outro.
Uma vez que os conceitos produzem equívocos aos endereçarem diferentes objetos 
para diferentes perspectivas, a experiência do corpo-sujeito com o mundo é determinante na 
fixação de um ponto de vista. A “realidade” de uma perspectiva, portanto, não é um ponto de 
vista relativo de uma realidade, negociável a partir de outra perspectiva, como supõe o 
relativismo cultural. 
A antropologia comparada de Latour (1994) aponta que o relativismo cultural se baseia 
em um dos grandes e problemáticos divisores da sociedade moderna, a dicotomia natureza-
cultura, que, por sua vez, se deve ao suposto afastamento do homem em relação à natureza 
através do artifício da cultura. Questões subjacentesà entrevista de Davi Kopenawa à Folha de 
São Paulo expressam um problema vivido contemporaneamente pelas ciências humanas. 
Questões estas que nos remetem também aos primeiros encontros entre europeus e 
ameríndios.
III. Contemporaneidade e temporalidade cíclica
As raízes do questionamento sobre como os povos autóctones da América constroem 
conhecimento sobre si mesmos, os outros e o ambiente em que vivem nos remete ao encontro 
entre europeus e os habitantes da terra desde o início da colonização (século XVI). Os 
europeus não estavam certos da condição de humanidade dos nativos, questão que à época 
se traduzia em saber se os índios tinham ou não alma (Lévi-Strauss, 1952, 1965/1984, Viveiros 
de Castro, 1996; 2002/2006). Por outro lado, os ameríndios procuraram verificar a 
sobrenaturalidade dos brancos através de uma longa observação para saber se os corpos 
destes se decompunham após a morte. 
Apesar da ignorância de cada grupo sobre o outro e de ambos se considerarem 
humanos (etnocentrismo), cada grupo criou diferentes hipóteses sobre o outro, a partir das 
quais desenvolveu diferentes procedimentos para a construção de algum conhecimento da 
alteridade. Assim, o oposto do que seria um diálogo, no sentido dialógico do termo, aconteceu, 
por exemplo, no momento do encontro entre índios e europeus há cerca de 500 anos atrás, 
como expressa a anedota que o antropólogo Lévi-Strauss relatou em alguns textos:
“Nas Grandes Antilhas, alguns anos após a descoberta da América, enquanto os espanhóis 
enviavam comissões de inquérito para investigar se os indígenas tinham ou não uma alma, estes 
se dedicavam a afogar os brancos que aprisionavam, a fim de verificar, por uma demorada 
observação, se seus cadáveres eram ou não sujeitos à putrefação” (Lévi-Strauss, 1952, p. 12).
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Para Lévi-Strauss, a anedota evidencia que os ameríndios são seres humanos, uma 
vez que eles distinguem natureza e cultura, caracterizando a si mesmos como seres humanos, 
assumindo, portanto, uma postura etnocêntrica característica de todas as culturas. De outro 
modo, Viveiros de Castro (2002/2006) afirma que a anedota demonstra que os ameríndios não 
opõem natureza e culturas da mesma forma que os europeus o fazem. Apesar de ambos, 
ameríndios e europeus, serem ignorantes a respeito do outro e se considerarem legítimos 
“humanos”, cada coletivo criou diferentes hipóteses com as quais desenvolveram diferentes 
procedimentos para construírem conhecimento a respeito do outro.
Essa anedota, portanto, parece caracterizar que os modos de subjetivação na cultura 
européia tendiam a produzir pessoas que tomam a objetividade do outro como um dado 
inquestionável (com certeza os índios eram entes corporificados); entretanto sua subjetividade 
era questionável (não se sabiam se eles possuíam ou não alma). Diferentemente, os modos de 
subjetivação na cultura ameríndia levariam as pessoas desses grupos a tomarem a 
subjetividade como um dado inquestionável: com certeza os europeus eram “espíritos”, restava 
saber se também eram de “carne e osso”, como os viventes. 
Uma vez que para as cosmovisões ameríndias todo ser tem, potencialmente, alma2, o 
que caracteriza a humanidade de um ser é a fabricação de um corpo caracteristicamente 
humano, ou seja, ao mesmo tempo singular e inteligível aos seus convíveres. Sendo o corpo a 
variável que caracteriza a humanidade do homem, este demanda uma série de operações 
simbólicas para sua singularização e pertença social.
A anedota das Antilhas, portanto, caracteriza dois modos culturalmente distintos de 
conceber a realidade, que, de certo modo interditavam a possibilidade de diálogo, no sentido 
dialógico do termo, entre os diferentes. Ao menos do ponto de vista dos europeus no século 
XVI, não pareceria legítimo estabelecer um diálogo com seres que não fossem dotados de 
alma. É possível, no entanto, que esse diálogo venha a acontecer hoje em dia? Ailton Krenak 
(jornalista, cacique de aldeia no norte de minas gerais) afirma que:
Os fatos e a história recente dos últimos 500 anos têm indicado que o tempo desse encontro entre 
nossas culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. Não houve um encontro entre 
culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data e num tempo 
demarcado que pudéssemos chamar de 1500 ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato 
desde sempre (Krenak, 1998, p. 45).
Nessa expressão fica claro que embora o tempo cronológico tenha evidentemente 
passado de maneira irreversível desde a chegada dos primeiros europeus ao novo continente, 
há algo que permanece a cada novo encontro com a cultura do outro. O encontro com a 
alteridade permite a reatualização de uma possível abertura para aquilo do outro que nos 
excede, de modo que, nessas ocasiões, pouco podemos nos valer daquilo que já temos 
sedimentado em nossa história. Em outras palavras: a cada novo encontro com pessoas e 
culturas diferentes da nossa, nos deparamos com a originalidade de quem e do que 
2Utilizo, nesse momento, a noção de alma, em português, para me referir à dimensão agentiva potencial 
de todo ser, desde diversas cosmovisões ameríndias que nomeiam essa propriedade de maneiras 
distintas, como a noção de karawa entre os Wari’ (cf. Vilaça, 1992); de yuxin, entre os Kaxinawa (cf. 
Lagrou, 2007); de nhe’ë, entre os Mbya (cf. Pissolato, 2007), dentre inúmeras outras.
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desconhecemos. Estes encontros e reencontros, no presente, demandam ações que podem 
reatualizar, por exemplo, a opressão sofrida pelos povos indígenas ao longo dos últimos 
séculos ou viabilizar a construção de novas formas de convívio, menos devastadoras.
Quando a data de 1500 é vista como marco, as pessoas podem achar que deviam demarcar esse 
tempo e comemorar ou debaterem de uma maneira demarcada de tempo o evento de nossos 
encontros. Os nossos encontros, eles ocorrem todos os dias e vão continuar acontecendo, eu tenho 
certeza, até o terceiro milênio, e quem sabe além desse horizonte. Nós estamos tendo a 
oportunidade de reconhecer isso, de reconhecer que existe um roteiro de um encontro que se dá 
sempre, nos dá sempre a oportunidade de reconhecer o Outro, de reconhecer na diversidade e na 
riqueza da cultura de cada um de nossos povos o verdadeiro patrimônio que nós temos, depois 
vêm os outros recursos, o território, as florestas, os rios, as riquezas naturais, as nossas 
tecnologias e a nossa capacidade de articular desenvolvimento, respeito pela natureza e 
principalmente educação para a liberdade (Krenak, 1998, pp. 46-47).
A concepção de temporalidade apresentada por Ailton Krenak nesses excertos nos 
remete à noção de mito para as populações ameríndias. Lévi-Strauss e Eribon (1990) 
apontaram que se perguntássemos a um índio o que é um mito, a resposta provavelmente 
seria que este é “uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram 
diferentes”. A narrativa mítica, contudo, não se volta exatamente para a demarcação de 
correspondências históricas nos termos de uma descrição cronológica de eventos. Concebe-se 
que a esfera do mito pode ser acessada, por exemplo, na experiência do xamã, do sonho e da 
embriaguez. O xamã é supostamente capaz de entrar em contato com a indiferenciação dos 
seres que precederia o começo do mundo e que subjaz todo acontecimento.
Diferenciação e indiferenciação, portanto, coexistiriam como formas dese habitar a 
existência, a trajetória entre um e outro é descrita pelas narrativas mitológicas. Assim, o mito 
seria uma narrativa que não fala sobre o momento passado nem sobre o momento futuro, ela 
expressa uma configuração relacional entre os seres. Os mitos, ao comportarem a dinâmica do 
dois e do um, elaboram o próprio intervalo da diferenciação em que o caos, o amalgama 
existencial, pode vir a ganhar sentido com a separação dos elementos. Entretanto, nem todos 
os devires oriundos do amalgama caótico se atualizam, o “fluxo mítico continua a rugir 
surdamente por debaixo das descontinuidades aparentes entre os tipos e as espécies” 
(Viveiros de Castro, 2006, p. 324). De modo similar, cada encontro com a alteridade atualiza 
processos que subjazem todo e qualquer encontro: "nosso encontro, ele pode começar agora, 
pode começar daqui a um ano, daqui a dez anos, e ele ocorre o tempo todo" (Krenak, 1998, p. 
48). Essas colocações apontam para uma compreensão processual dos encontros humanos 
nos quais os sentidos da experiência poderiam ser reinaugurados a cada oportunidade de 
abertura ou fechamento em relação à alteridade.
Considerações finais
No âmbito da psicologia cultural, algumas propostas teórico-metodológicas para a 
prática profissional e para a pesquisa vêm sendo desenvolvidas sob o rótulo construtivismo 
semiótico-cultural. Nesse campo de trabalho e estudo consideramos que o ser humano nasce e 
se desenvolve na cultura, transformando-a e transformando-se nela. Há aí um processo de 
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mútua constituição pessoal e cultural que estabelece tensões e demanda reconfigurações 
ensejadas nas trajetórias de vida dos participantes ativos em diversos campos sociais. A esse 
processo bidirecional e tensional, chamamos de dialógico (Bakhtin, 1992; Marková, 2006; 
Rommetveit, 1992). O construtivismo semiótico-cultural, como um fazer psicológico 
culturalmente imerso, também se relaciona dialogicamente com outros fazeres acadêmico-
científicos, tais quais a etnologia e a antropologia.
Como ponto de partida para abordar três aspectos a respeito das relações eu-outro-
mundo, marcadas por diferentes perspectivas em tensão, utilizei uma entrevista de Davi 
Kopenawa (2010) ao jornal Folha de São Paulo. O primeiro diz respeito aos desentendimentos 
inevitáveis ao se perceber a alteridade (cf. Rommetveit, 1992; Marková, 2006). 
Desentendimentos que podem gerar inquietações uma vez que ponto de vista daquele que 
enxerga o outro desde o exterior não se identifica com o ponto de vista daquele que está na 
posição de sujeito. Haveria aí uma descontinuidade dada pela diferença corporal a despeito de 
uma continuidade essencial, dada pelo fato que, para si mesmo, cada um é sujeito.
Em segundo lugar, discutimos que uma certa concepção de que a realidade—tanto 
aquilo que concebemos como naturalmente dado ou como produto cultural—é socialmente 
construída. Nesse sentido, nos aproximamos da fenomenologia sociológica de Berger e 
Luckmann (1974), enfatizando, contudo, que o fundo sobre o qual os sujeitos constroem suas 
concepções de sujeito e objeto é entendido como essencialmente nebuloso e indefinido 
(Valsiner, 2007). Os encontros entre pessoas se dariam em um plano de imanência afetivo cujo 
sentido emerge como um produto tardio de uma busca por estabilização de formas semióticas 
partilháveis por aqueles que optam por uma vivência em comum. A noção construtivista de 
sujeito ativo, afetivo-cognitivo como núcleo do processo cultural (Valsiner, 1999; Duran, 2004) 
em diálogo com o perspectivismo ameríndio em antropologia, nos aponta para o lugar o corpo 
como referência simbólica central nos processos de constituição de identidades e alteridades. 
Finalmente concebemos que o processo de estabilização de determinadas formas 
semióticas estáveis ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que circunscreve, restringe e 
baliza (Valsiner, 1998) um campo de possibilidades de apreensão da realidade, ou seja, uma 
perspectiva, pode se abrir para novos encontros. O encontro enseja, portanto, um aspecto 
temporal linear, caracterizado pela sedimentação de estruturas em construção ao longo de 
trajetórias irreversíveis (Valsiner, 2001), e um aspecto temporal cíclico ou recursivo, pela 
recorrente demanda por abertura à experiência com o outro e consequente ressignificação 
daquilo que já vinha sendo construído. Ressignificação que tanto pode caminhar no sentido da 
produção de convergências entre os conviveres, como pode resultar em divergências, 
confrontos e afastamentos.
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	Desdobramentos de um possível diálogo entre psicologia cultural e antropologia americanista
	Construtivismo semiótico-cultural e a compreensão psicológica de relações eu-outro-mundo
	Sujeito, pessoa e indivíduo no perspectivismo ameríndio
	Reflexões sobre diferentes perspectivas em interação
	I - A questão do desentendimento
	II - Diferentes concepções de Natureza
	III. Contemporaneidade e temporalidade cíclica
	Considerações finais
	Referências

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