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O silêncio

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O SILÊNCIO
Elcio Mascarenhas
 
O desafio de traduzir os intrigantes enigmas que o silêncio apresentava foi a mola mestra desta 
presente monografia. Ao longo do constante aprendizado do ofício da psicanálise, deparei com 
situações diversas nas quais o silêncio serviu como importante bússola nas descobertas do material 
inconsciente.
Ao ser traduzido em palavras as sensações que os silêncios despertavam na hora analítica, um vasto 
campo de trabalho se abria, revelando a existência de tantas outras coisas que não haviam adquirido 
ainda representação, um corpo através de palavras e que só haviam sido percebidas pela presciente 
sensação, tantas vezes incomoda, de algo oculto em sua luta por vir.
Nesta vida moderna, onde as informações e constantes solicitações impõem aos nossos dias um 
ritmo e uma velocidade estonteantes, o silêncio passou a ter um valor secundário, até mesmo 
desnecessário ao nosso cotidiano. Em contrapartida, adquiriu um valor de ideal ao se tornar 
sinônimo de paz e tranqüilidade em tempos tão conturbados.
Assim, o silêncio vai tomando formas definidas, por vezes procurado, outras temido e evitado, 
dependendo das inúmeras formas como foi vivido outrora e novamente experimentado no processo 
analítico. Neste convite ao silêncio não está em questão o precioso valor da palavra, mas sim, a 
proposta de desbravamento deste novo espaço repleto de surpreendentes sensações e sentidos.
"Passo agora a responder à sua pergunta sobre a gênese dos meus heterônimos. Vou ver se consigo 
responder-lhe completamente. Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterônimos é o 
fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais 
propriamente, um histero-neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim 
fenômenos da abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro de seus sintomas. 
Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante 
para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos- felizmente para mim e para os 
outros- mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e 
de contato com os outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse 
mulher- na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas- cada poema de 
Álvaro de Campos( o mais histericamente histérico de mim ) seria um alarme para a vizinhança. 
Mas sou homem- e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo 
acaba em silêncio e poesia..."
(Fernando Pessoa)
 
O SILÊNCIO
 
( Fragmento de sessão )
Após um longo discurso sobre como foi seu dia, problemas de trabalho e as dificuldades do seu 
cotidiano, Maria, 33 anos, faz uma pausa e olha em minha direção procurando um retorno mas só 
encontrou o meu silêncio da escuta, começou a se mexer na poltrona, visivelmente num crescente 
incomodo que tornava o estar em silêncio fisicamente insuportável.
M: Este seu silêncio me perturba.
T: Te perturba, como assim?
M: Não gosto de pessoas em silêncio, não sei o que elas estão pensando, o que estão sentindo, faz-
me lembrar a minha mãe, a gente nunca sabia o que se passava com ela, se estava bem ou não, 
quando fazia algo não dava para saber se ela aprovara ou não, ficava sempre em dúvida de tudo.
A partir deste ponto todo seu discurso se modificou, esta preciosa associação revelava mais do que 
uma mãe silenciosa, trazia a tona um modelo identificatório do qual ela tentava a todo custo se 
desvencilhar. Seus estados depressivos que tanto a perturbava e que faziam contraponto com seu 
jeito vivaz e altivo de encarar a vida, passaram a ter um novo sentido agora norteado pelo 
questionamento de como assumir confortavelmente sua condição de mulher se o protótipo feminino 
se mostrava silenciosamente indecifrável.
Silêncio! ( ... )
Esta é a proposta que faço a todos a partir deste instante, um convite a descoberta dos múltiplos 
sentidos que o silêncio pode ter, a sentir em si mesmos o valor que há no estado de silêncio, suas 
formas, seus enigmas e suas possíveis traduções. Espero que esta busca pelo sentido do silêncio seja 
surpreendente e passe a dar outros caminhos no exercício das descobertas da psicanálise, mas, para 
isso, faz-se necessário que o silêncio adquira uma representação própria, um sentido particular e 
contingente.
Esta tentativa de encontrar este estado e descobrir a infinidade de sensações que ele proporciona 
não é algo tão simples, para tanto, é preciso se deixar levar pelo silêncio em forma e sentido, 
procurar entender o que está contido nele e encontrar, em sua essência, seu real valor.
Tarefa difícil de se fazer pois a própria vida insiste em ser ruidosa, barulhos que pipocam a instantes 
repentinos, imagens em constante mutação, murmúrios vindos da existência de vida fora e ecos da 
vida interna, mas, mesmo assim, tentem evitá-los e alcançar o silêncio.
Procurem o lugar mais quieto em si e fechem os olhos, rememorem e sintam a sensação dum 
mergulho no mar, aos poucos se percebe que seu próprio corpo possui som e movimento num 
mundo de imagens projetadas no espaço abstrato do pensamento, mas, insistam um pouco mais na 
tarefa de se estar em silêncio, desliguem-se das percepções e procurem o vazio, o nada, o não 
existir, o próprio estado de Nirvana, onde o corpo e o cosmos se confundem numa mesma 
existência. Percebam esta dimensão onde não há diferença para qualquer coisa, apenas puro nada 
que flui e a sensação de pertencer a um todo por ser coisa nenhuma.
Assim seja, talvez, que possamos entender o sentido do silêncio para cada um de nós, se 
embarcarmos nessa viagem interna às profundezas da alma, mas, como pensar os tantos sentidos 
que o silêncio pode ter quando surge vindo do outro?
Este distanciamento que nos é imposto na realidade e impossibilita o contato com o outro em seu 
mundo se torna, também, os exatos momentos onde se quebram as possibilidades de manutenção 
das relações, possibilitando ao silêncio se fazer sentido com sua força desnorteadora. Podemos 
observar como o silêncio faz parte de nossa rotina, seja quando nos recolhemos em nós mesmos ou 
vivido no retraimento do outro.
Esses silêncios se apresentam por si mesmos, podendo ser experimentados de forma efêmera ou 
com certa constância no nosso dia a dia, criando distâncias, lacunas de tempo e espaço em nossos 
relacionamentos, do mesmo modo que provocam quebras à lógica da comunicação, abrindo-se o 
distanciamento necessário à separação das coisas em diversos planos, ou seja, a real possibilidade 
de existência para além e/ou aquém da palavra compartilhada, assim, delimita-se um campo 
privilegiado para ser preenchido com as cores da fantasia que cada um pode ter em relação ao que 
se passa no interior do outro, fantasias estas profundamente marcadas pelo desejado e pelo temido.
Prosseguindo nesta jornada ao silêncio, sugiro uma interessante bússola contida neste trecho em que 
Freud nos descreve como validar as experiências do ofício do saber psicanalítico no conhecimento 
do Inconsciente: "A psicanálise exige apenas que também apliquemos esse processo de inferência a 
nós mesmos - procedimento a que, na verdade, não estamos por natureza inclinados. Se o fizermos, 
deveremos dizer: todos os atos e manifestações que noto em mim mesmo e que não sei como ligar 
ao resto de minha vida mental, devem ser explicados por uma vida mental atribuída a outrem; 
devem ser explicados por uma vida mental atribuída a essa outra pessoa. Além disso, a experiência 
mostra que compreendemos muito bem como interpretar em outras pessoas ( isto é, como encaixar 
em sua cadeia de eventos mentais) os mesmos atos que nos recusamos a aceitar como mentais em 
nós mesmos. Aqui, evidentemente, algum impedimento especial desvia nossas investigações de 
nosso próprio eu, impedindoque obtenhamos dele um conhecimento real."
É nesse limite entre o Eu e o Outro que o silêncio adquire corpo, nas relações que se estabelecem 
também se deixam aparecer os distanciamento e os vazios, os lugares onde as palavras faltam, a 
ausência de contato. Nestes momentos percebidos quando todas as coisas se calam no mundo 
exterior e ainda não se apercebeu dos outros sons, quando algo se interrompe deixando em seu lugar 
um vazio contido na experiência de perda dos referenciais, é neste nada percebido que se toma 
como um ponto de mutação, um ponto precisamente marcado pelo silêncio nos campos do tempo e 
do espaço.
Não é por acaso que no oficio da psicanálise o silêncio ocupe um lugar de destaque, a hora analítica 
por ser o lugar privilegiado donde todos os silêncios podem ser observados se presta como exemplo 
singular.
A posição do analista que se presta a escutar o que ainda não foi compreendido é de vital 
importância para que o processo se desenvolva. Ao se estar no silêncio da escuta se cria uma 
superfície de contado com o silêncio do funcionar Inconsciente, é como o abrir lentamente das 
cortinas que separam o público do espetáculo, momentos onde se compartilham cenas repletas pela 
fantasia e a imaginação.
Portanto, o encontro que a hora analítica proporciona se abre num espaço de trabalho que privilegia 
o estabelecimento de relações entre o Eu e o Outro, conforme havia dito anteriormente. É neste 
estar onde pessoas se encontram pelos mais diversos motivos e passam a revelar suas histórias 
baseadas na vivência com o Outro que se configura o lugar onde também vamos encontrar as falhas 
no manejo das relações, as palavras que não conseguem ser ditas, os lapsos de tempo e do espaço e, 
também, as lacunas deixadas pelos silêncios que fragmentam este momento criado para ser um 
palco de estranhas tragédias gregas, tablado propício para novas montagens particulares dos 
destinos de Édipo, Narciso e tantos outros.
Este ambiente que permite construir e reconstituir a outra temporalidade do Inconsciente se presta 
como uma impressionante tela cinematográfica em seu poder dimensional, é como estar no lugar 
propício para se aperceber atos e palavras que dão vida a imagens e sentidos, nos transportando pelo 
campos supremos da memória, da fantasia e do desejo, porém, agora, o fato de serem 
experimentados sob uma outra perspectiva de tempo atual, revela novas facetas, provocando ao 
fundo, a constante necessidade de entender novas linguagens para traduzir em última instância esse 
sofrer de quê não se sabe.
Freud ao estabelecer as bases do tratamento analítico teve como ponto de partida a situação 
desafiadora do se estar com alguém, neste lugar de encontro do Eu - Outro é onde a transferência se 
estabelece e se faz possível compreender as diversas formas de relação do ser com o mundo, com 
seus momentos de intensidade e apaziguamento, reflexos da luta constantemente travada entre Eros 
e Tanatos.
O silêncio em Freud se torna em alguns momentos uma das máximas expressões da resistência, 
podemos assim dizer, algo que marca o impedimento do livre curso das associações deixando em 
seu lugar o distanciamento, suas falhas e vazios. Alertando sempre para as armadilhas e os perigos 
desta jornada e ofertando pistas ao longo de sua obra, Freud nos refere: "Se acompanharmos agora 
um complexo patogênico desde a sua representação no consciente( seja ele óbvio, sob a forma de 
sintoma, ou algo inteiramente indiscernível ) até sua raiz no inconsciente, logo ingressaremos numa 
região em que a resistência se faz sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em 
conta e aparecer como uma conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação."
É ao se deparar com este silêncio que se impõe que surgem as questões, não com o silêncio do 
estado de espírito que se procura ser alcançado na paz almejada pela tensão zero, não há como 
encontrar uma vontade embutida neste desejo, portanto, não há quietude, ao se firmar apenas como 
vazio percebido em sua intensidade é que este silêncio alardeia impossibilidades e incertezas, 
revelando a frágil e tênue fronteira entre a terra do saber consciente da existência das coisas em si e 
do mar de tamanha imensidão que o estar inconsciente se apresenta.
O silêncio ao ser concebido como resistência nos mostra as dificuldades enfrentadas nos caminhos 
das buscas de qualquer dos sentidos possíveis, pois, são estas mesmas resistências, os mecanismos 
básicos que impedem o eclodir desordenado dos processos inconscientes, através de obstáculos 
diversos que se impõem ao acesso fácil dos conteúdos latentes.
Mas, o que dizer sobre as resistências que se apresentam na impossibilidade de se estar em silêncio, 
das histórias contadas emendadas umas as outras, significadas por palavras que de tantas, já não 
fazem mais sentido, apenas coisas ditas para preencher uma sensação de vazio que insiste em restar 
ao fundo.
Pedro, 17 anos, mostra-se sempre falante em nossos encontros, durante todo o tempo conta 
histórias, acontecimentos, planos, em nenhum momento há espaço para o silêncio, cada segundo é 
preenchido por palavras. Sua capacidade para estabelecer conversas é impressionante e seu tom 
sempre alegre mesmo ao tratar de assuntos difíceis, o ajuda a não se sentir jamais sozinho, quando 
só, preenche o vazio com o som de um 'walkman' em um volume ensurdecedor.
Havia um silêncio relatado, a vivência de um vazio sentido na perda de seu suposto pai aos 6 anos, 
num lugar marcado pela espera de um retorno do pai, uma dor crescente e constante a medida que o 
tempo passava. Pedro evitava a todo momento o silêncio que lhe trazia toda a experiência desta dor.
Nesta ausência de silêncio, o quê chama a atenção é o estado de sempre estar em alerta que se posta 
o aparelho psíquico. Ao evitar o silêncio, tenta-se distanciar do estranho, do desconhecido, procura-
se não se sentir indefeso frente ao imperativo da realidade, se tenta proteger do sofrer das 
conseqüências do inesperado e, assim, como todo um princípio de defesa, envolve-se num ciclo 
vicioso, repetitivo, constante, onde a fuga impossível só leva ao distanciamento da possibilidade de 
se entregar a descoberta de novas emoções e sentidos.
No silêncio é que se cria o eco, onde se abrem espaços para outras dimensões e profundidades dos 
sentidos, na ausência das palavras que o silêncio marca é o sentir que se altera.
Este oculto que não se revela facilmente se faz próprio do estar inconsciente do aparelho psíquico, 
afinal, Freud sempre nos demonstrou que esse intrincado dinamismo entre as instâncias se processa 
em maior proporção sob a égide inconsciente, deixando como inabalável crença e única certeza 
consciente a de se estar vivo no mundo, com todas as implicações que isto, por si só, acarreta.
Seguindo ainda suas pistas: " O inconsciente, ou seja, 'o reprimido', não oferece resistência alguma 
aos esforços do tratamento. Na verdade, ele próprio não se esforça por outra coisa que não seja 
irromper através da pressão que sobre ele pesa, e abrir seu caminho à consciência ou a uma 
descarga por meio de alguma ação real. A resistência durante o tratamento origina-se dos mesmos 
estratos e sistemas mais elevados da mente que originalmente provocaram a repressão."
A partir deste enquadre, torna-se intrigante percebermos como algo constantemente ativo em sua 
luta diária de submissão à realidade vai adquirindo seus limites, contornos estes, por sua vez, 
impostos de fora para dentro como ordem natural. Assim, observar como este algo vai sendo 
colorido pausada e continuamente com prazeres e dores e se revelando em atos e palavras, nos faz 
crer que, nesta batalha ruidosa diária, alguns destes silêncios resultam do abafamento destes 
movimentos constantes e se tornariam expressões elementares de ecos das resistências.
Entretanto, se podermos transcender a noção de silênciocomo resistência e passar a considerá-lo 
como sendo apenas uma de suas características, o silêncio pode ganhar a força própria de um 
substantivo, marcando com especial precisão este buraco negro encravado no psiquismo que é o 
Inconsciente.
Assim, denotando o silêncio como uma força que impera e se faz sentir presente, é possível nos 
aproximar do funcionamento do aparelho psíquico pelo conceito de pulsão em sua matriz 
energética, numa equação igualitária onde o resultado se deixa transparecer primordialmente por 
sua intensidade.
A pulsão de morte é silenciosa nos anuncia Freud, nos remetendo a novos desafios. Esta força de 
intensidade perturbadora traz o sentido da morte para o primeiro plano, encontramos o silêncio na 
morte concreta, isto é um fato e, talvez, não haja silêncio mais expressivo, mas, será que o silêncio 
se resume a este estado de morte, seja ela concreta ou simbólica, um árido espaço onde a vida não 
consegue se expressar, este estado das coisas sem qualquer energia ou possibilidades? Creio que só 
o sentir da densidade do silêncio que vem do outro, serve para iniciar a resposta a esta pergunta com 
o benefício da dúvida.
Neste retorno ao inorgânico característico da pulsão de morte por si, podemos pensar que já está 
embutido um silêncio, afinal, que sinal de vida pode advir do inanimado, que possibilidades de 
relação podem acontecer na presença do nada? Além do mais, fala a favor da existência de um 
estado primitivo onde o silêncio se fazia imperador e que veio a ser perturbado pela existência da 
própria força pulsional, nos permitindo aproximar o silêncio como o próprio Inconsciente.
Ao revelar das pulsões, apresenta-se um jogo contínuo de construção e destruição, ligações e 
rupturas que permitem a este algo ser perceptível primariamente pela sua força. O princípio de 
prazer revelado como forma primordial de funcionamento e o silêncio do inorgânico ao qual tenta 
ser o destino da pulsão nos remete ao niilismo que encontramos por diversas vezes contido nas 
entrelinhas de seus escritos.
Como não deixar de supor que a essência do silêncio seja este 'algo - coisa nenhuma', perturbado 
constantemente pela desordenada força de vida que insiste e persiste no seu caminho particular de 
extinção em sua própria descarga.
Neste caos energético, Eros cria e da sentido as palavras, Tanatos cria e dimensiona a ausência e, 
pela mesma lógica que se representa a relação conteúdo - continente, um não existe sem o outro. 
Assim, o lugar de onde o silêncio ganha a sua força, nas interrupções das palavras, é, justamente, o 
mesmo onde sua presença se faz sentir de maneira quase concreta.
A idéia de se falar sobre este tema se constituía para mim, em princípio, num paradoxo. Ao tomar o 
silêncio como perspectiva, eu me colocava na posição de tentar traduzir esse limite entre o cerne da 
linguagem e o vazio quando a palavra cria o silêncio, mas parecia que ao fazê-lo deixava suas 
características incompletas e a sua importância se tornava relativa.
O silêncio é para ser sentido, parece-me a conclusão por demais óbvia, transformando-se numa 
outra linguagem que se processa sem o intermédio da palavra, capaz de provocar as mais 
surpreendentes sensações e reações intersubjetivas que, por sua vez, irão depender de suas 
características e de sua força motriz no momento em que se apresenta.
O silêncio pode ser tranqüilo, inquieto, apaziguador, confortável ou opressivo, discreto ou 
espalhafatoso, compartilhado ou distanciador, até mesmo tão denso que parece ser possível tocá-lo, 
ganhando uma forma que desafia a própria percepção, mas de todo e qualquer jeito, há algo sempre 
embutido no silêncio, um algo oculto por não saber ou não poder como se expressar.
Quando comecei a construir este tema, paralelamente uma imagem insistia em se firmar, uma figura 
que foi ganhando corpo e forma a medida que prosseguia o pensar sobre o silêncio, a imagem de 
um muro que se posta em frente, a sensação de estar diante de uma barreira de pedras que limita um 
espaço. Esta representação passou a ser, para mim, um enigma do silêncio, as associações que se 
possibilitaram a partir deste instante foram de caráter e importância ímpares.
Pensei em se tratar do silêncio das pedras, a própria frieza do inorgânico que não produz som ou 
movimento, que apenas é o que se apresenta e mais nada, seria este o sentido de silêncio, um não sei 
quê indecifrável, indizível, apenas o nada ou coisa nenhuma?
Porém, há algo de inquietante nesta associação entre o silêncio e o muro e isto talvez esteja 
embutido primordialmente em suas funções. O muro é construído para ser um limite, um marco que 
impede a visão do que está para além dele, protegendo ao mesmo tempo que aprisiona seu conteúdo 
lhe dando uma forma ao ser seu continente. Assim, também, podemos pensar o silêncio, como um 
muro invisível que limita o imperceptível lugar onde as palavras não tem forma mas que, ao mesmo 
tempo, é o marco do nascimento da própria linguagem, uma barreira que torna impossível de se ver 
seu conteúdo mas de onde é possível acessar a essência do ser humano.
No verbete sobre o silêncio vamos encontrar definições tais como um estado de quem se cala, 
privação de falar, interrupção de ruído, calada, sossego, calma, paz, sigilo, segredo, etc.
Dentre todos esses sentidos, o contraponto entre silêncio e linguagem se faz inevitável e é onde se 
processa todo o fascínio deste tema. O silêncio pensado como negativo da palavra pode conter em si 
uma nova expressão a ser decifrada, como um código desconhecido que se faz presente sem 
delongas pelo simples fato de ainda não ter sido representado e por isso se achar inteiro e 
verdadeiro em sua obscuridade.
Sem pretensão de entrar pelos meandros da teoria lacaniana, a máxima de que o 'Inconsciente é 
estruturado como linguagem', nos possibilita inferir que em sua base, o Inconsciente é o próprio 
silêncio ou, simplesmente, o local oculto de onde ele advém, um lugar possível de ser pensado a 
partir do vazio, do nada, da ausência e, não é tentador definir tão bem o silêncio com estas formas?
O Inconsciente, nesta concepção, poderia se constituir no lugar do puro silêncio, donde se torna 
possível poder ganhar uma voz, uma forma, um estado, um sentido representacional ao ser 
capturado pelas palavras, pedras preciosas para a construção deste muro que dá forma e sentido ao 
que surge sob formas de percepção. As sensações de vazio podem ser assim, decodificadas e 
traduzidas pela linguagem, tornando-se compreensível o por quê das coisas a partir de uma lógica 
de pensamento.
As palavras se tornam então o principal veículo de tradução deste algo, pois, são a única forma de 
dar continente ao vazio e são, dentre tantos outros motivos, possibilidades de compartilhar as 
relações com um outro que as recebe, matéria-prima preciosa para o ofício psicanalítico. 
Transformar o 'Inconsciente em consciente' seria o mesmo que dizer traduzir em palavras, inscrever 
símbolos, cogitar possibilidades diante daquilo que as relações entre Eu - Outro podem estabelecer.
Desde o início, a psicanálise se propôs a ser um meio de acesso as camadas mais profundas do 
funcionamento mental. O método catártico, a ab-reação e principalmente a regra fundamental de 
associação livre, terminaram por firmar a palavra como o meio mais eficaz para a compreensão da 
estrutura e do delicado jogo intra-psíquico entre as instâncias.
Nas buscas para explicitar os conflitos, as parcerias, as dissonâncias e concordâncias da atividade 
mental, as palavras possibilitam um sentido transformador para este dinâmico e abstrato universo 
paralelo que atua tantas vezes em silêncio, motivado por razões ocultas e obscuras que resguardam 
em si o efeito surpresa, por vezes, convenhamos, tão perturbador.
Mas se nessa jornada pela compreensão do funcionamento mental pelo uso da palavra já é por si só 
muito complexa, porque olhar para o silêncio?
Uma possibilidade de resposta seria pelo fato de que o silêncio se torna em muitos momentos a 
única forma de apresentação do Inconsciente. As lacunas do discurso, a palavra que insiste em não 
ser lembrada, os vazios entre os pensamentos ou simplesmente o estado de quietude que a hora 
analítica pode proporcionar são fontes inesgotáveis de puro material inconsciente.
Na nossa prática clínica o silêncio se faz sentir em variados momentos e com os mais diversos 
significados, pensá-lo como referencial do Inconsciente é precioso, é o próprio espaço vazio que 
abre possibilidades do novo e da mudança.
O estado de silêncio que o analista assume na relação transferencial vai além das regras da 
neutralidade. Neste espaço da escuta se abre a disponibilidade para acolher todo esse vasto material 
de extrema importância no processo de construção da demanda analítica e, para isso, se faz preciso 
abrir todos os sentidos que só o silêncio, em alguns momentos, pode acessar.
O ofício da psicanálise, seja no trato com crianças ou adultos, se realiza no campo direto desta 
intersubjetividade, na esfera das experiências compartilhadas que a hora analítica constrói e desfaz 
em seu dinamismo.
O estar no silêncio da escuta possibilita ao analista emprestar seu corpo para a encarnação dos 
dizeres inconscientes que existem de forma indefinida. Não há como ignorar a importância do 
silêncio em uma análise, seja ele embutido no puro movimento pulsional do brincar infantil, oculto 
no jogo associativo das palavras ou, simplesmente, na vivência compartilhada de um nada por vir.
Como nos refere J.D. Nasio: " Assim, quando numa sessão de análise o psicanalista compreende 
que deve calar-se, ele realiza não somente uma intervenção técnica adequada mas testemunha a 
existência de um outro lugar bem diferente do consultório analítico, onde um outro silêncio reina. 
Saber não dizer nada quando a ocasião o exige é, em definitivo, uma maneira de lembrar, ou ainda 
melhor, de mostrar o silêncio da psique. Calar-se quando necessário significa portanto: o 
inconsciente é antes de tudo um 'discurso sem palavras'."
A partir deste ponto, deixarei cada um seguir em frente na sugestão de busca pessoal pelos sentidos 
do silêncio. Estas construções teóricas que tiveram como base a experiência da hora analítica, 
demonstraram para mim, que o silêncio reserva possibilidades múltiplas de significações.
Porém, antes da partida, compartilho uma última experiência nesta longa jornada nos sentidos do 
silêncio. João, 9 anos, gosta de jogar bola, arredio a conversas e a qualquer tipo de contato, sua 
agressividade e sua postura desafiadora incomodava a todos. Seus pais haviam perdido os 
referenciais para impor limites, tornaram-se indefesos frente aos constantes desafios de suas 
autoridades.
As diversas mudanças de cidade, o nascimento de um irmão há dois anos e os longas ausências de 
seu pai, solidificaram sentimentos ambivalentes, a intensidade do seu sentir se fazia expressar por 
ódios explosivos ou contatos timidamente experimentados por toques sutis.
No silêncio do brincar de bola, repetitivo, constante, onde amor e ódio se representavam numa 
batalha por gols, só havia espaço para a vitória não importando de qual maneira iria ser conseguida, 
recordei uma fábula ouvida na infância quando fui tomado de sobressalto pela frase que grita e 
denuncia: "O REI ESTÁ NÚ".
João era a voz na multidão que via o rei passar vestindo apenas a sua coroa, esta reveladora frase 
que quebra o silêncio imposto à percepção, representa a inocência infantil que não havia se iludido 
pela imposição da autoridade real, tornando possível perceber como algo que já havia, mas que, por 
algum motivo estava dissimulado, existia colocado fora do campo perceptivo. Ao exercer sua 
agressividade de forma desenfreada, João colocava em xeque a autoridade de uma figura paterna 
ausente e inexpressiva.
Como nesta história de contos de fadas, a roupa nova do rei se torna o engodo que o Eu tem que 
administrar em benefício de sua própria integridade. Há algo permanente que parece possuir 
autonomia e destino próprio, a saber, a falta que marca o homem no campo do desejo e da 
necessidade.
Traduzir os silêncios passa a ser, também, legitimar essas faltas imperativas no homem, 
compartilhar os silêncios torna a experiência da falta possível de ser decodificada. É, como se, no 
nada que a falta encerra, pudéssemos degustar dos sabores contidos no banquete dos signos que as 
palavras oferecem e, assim, criar possibilidades de trocas, fartas de sensações e sentidos, capazes de 
configurar relações inteiras.
Como nos diz Fernando Pessoa, um mestre em criar e traduzir silêncios pelas palavras:
" O mistério das cousas? Sei lá o que é o mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa."
OBRAS CITADAS
Freud, S.: Edição Standard Brasileira, Editora Imago.
 A dinâmica da transferência (1912).
O Inconsciente (1915).
Além do princípio de prazer (1920).
Nasio, J.D.: O silêncio em Psicanálise, Papirus Editora (1989).
Pessoa, Fernando.:
- Poesias de Álvaro de Campos, Ed. Martins Fontes (1993).
- Poemas completos de Alberto Caeiro, Editorial Presença (1994).

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