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3GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 O passo final é continuar estudando atualidades, pois as provas exigem alunos cada vez mais antenados com os principais fatos que ocorrem no Brasil e no mundo. Além disso, é preciso conhecer em detalhes o seu processo seletivo – o Enem, por exemplo, é bem diferente dos demais vestibulares. arrow COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ O GE ENEM e o GE Fuvest são ver- dadeiros “manuais de instrução”, que mantêm você atualizado sobre todos os segredos dos dois maiores vestibulares do país. Também não dá para perder a próxima edição do GE Atualidades, que será lançada em agosto, trazendo novos fatos do noticiário que ainda podem cair nas provas dos processos seletivos do final do ano. Um plano para os seus estudos Este GUIA DO ESTUDANTE ATUALIDADES oferece uma ajuda e tanto para as provas, mas é claro que um único guia não abrange toda a preparação necessária para o Enem e os demais vestibulares. É por isso que o GUIA DO ESTUDANTE tem uma série de publicações que, juntas, fornecem um material completo para um ótimo plano de estudos. O roteiro a seguir é uma sugestão de como você pode tirar melhor proveito de nossos guias, seguindo uma trilha segura para o sucesso nas provas. O primeiro passo para todo vestibulando é escolher com clareza a carreira e a universidade onde pretende estudar. Conhecendo o grau de dificuldade do processo seletivo e as matérias que têm peso maior na hora da prova, fica bem mais fácil planejar os seus estudos para obter bons resultados. arrow COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ O GE PROFISSÕES traz todos os cursos superiores existentes no Brasil, explica em detalhes as carac- terísticas de mais de 260 carreiras e ainda indica as instituições que oferecem os cursos de melhor qualidade, de acordo com o ranking de estrelas do GUIA DO ESTUDANTE e com a avaliação oficial do MEC. Para começar os estudos, nada melhor do que revisar os pontos mais importantes das principais matérias do Ensino Médio. Você pode re- passar todas as matérias ou focar apenas em algumas delas. Além de rever os conteúdos, é fundamental fazer muito exercício para praticar. arrow COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ Nós produzimos todos os anos um guia para cada matéria do Ensino Médio: GE MATEMÁTICA, História, Geografia, Português, Redação, Biologia, Química e Física. Todos reúnem os temas que mais caem nas provas, trazem muitas questões de vestibulares para fazer e têm uma linguagem fácil de entender, permitindo que você estude sozinho. Os guias ficam um ano nas bancas – com exceção do ATUALIDADES, que é semestral. Você pode comprá-los também nas lojas on-line das livrarias Saraiva e Cultura. FOTO: STRINGER/REUTERS 1 Decida o que vai prestar 2 Revise as matérias-chave 3 Mantenha-se atualizado FALE COM A GENTE: Av. das Nações Unidas, 7221, 18º andar, CEP 05425-902, São Paulo/SP, ou email para: guiadoestudante.abril@atleitor.com.br CALENDÁRIO GE 2016 Veja quando são lançadas as nossas publicações MÊS PUBLICAÇÃO Janeiro Fevereiro GE HISTÓRIA Março GE ATUALIDADES 1 Abril GE GEOGRAFIA GE QUÍMICA Maio GE PORTUGUÊS GE BIOLOGIA Junho GE ENEM GE FUVEST Julho GE REDAÇÃO Agosto GE ATUALIDADES 2 Setembro GE MATEMÁTICA GE FÍSICA Outubro GE PROFISSÕES Novembro Dezembro APRESENTAÇÃO ATUALIDADES VESTIBULAR + ENEM / Ed.23 / 1º SEMESTRE 2016 SUMÁRIO 6 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 ESTANTE 8 Dicas culturais Sugestões de filmes, histórias em quadrinhos e fotografias que complementam reportagens desta edição PONTO DE VISTA 16 Retrospectiva/Perspectiva Veja o que os principais semanários destacaram em seu balanço de 2015 e o que se espera para 2016 18 Crise política Como os jornais noticiaram o vazamento de denúncias do senador Delcídio do Amaral (PT) contra o governo DESTRINCHANDO 20 Olimpíadas no Brasil Veja com gráficos e mapas o que os jogos olímpicos têm a ver com história, geopolítica, desenvolvimento socioeconômico e urbanização DOSSIÊ ESTADO ISLÂMICO 26 A ameaça terrorista O avanço do extremismo jihadista desafia a segurança internacional e desestabiliza o Oriente Médio 28 Por dentro do Estado Islâmico Como o grupo conquistou territórios e se tornou a organização extremista mais poderosa do mundo 32 A guerra civil devasta a Síria Entenda o conflito, veja como ele fortaleceu o Estado Islâmico e de que forma interfere na intrincada geopolítica do Oriente Médio 38 Cobiça internacional acirra conflitos O histórico da desastrosa ingerência ocidental no Oriente Médio e como isso afeta as relações entre os países da região 42 A imensidão do mundo muçulmano A história da religião INTERNACIONAL 46 União Europeia O drama humano e político dos milhares de refugiados que chegam ao Velho Continente 54 Rússia A potência intervém na Guerra da Síria e volta a se contrapor militarmente ao Ocidente 58 Turquia Cresce a tensão política e religiosa no país 62 Guerra Civil Espanhola Há 80 anos começava o sangrento conflito que antecipou a II Guerra Mundial 64 América Latina Eleitores mudam os rumos políticos na Argentina e na Venezuela, parceiros do Brasil no continente 70 África O continente que depende das exportações de matérias- primas e é afetado pela queda internacional dos preços 76 Ártico O degelo provocado pelo aquecimento global abre novas rotas mercantes e frentes de extração de petróleo e gás do subsolo BRASIL 78 Impeachment Entenda como é esse processo legal que ameaça o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff 84 Corrupção no Congresso Deputados e senadores sob pressão 88 Ditadura militar Manifestantes pedem a volta dos militares 92 Reforma política O Supremo Tribunal Federal (STF) proíbe a doação de empresas privadas aos partidos nas campanhas eleitorais ECONOMIA 94 Crise econômica Ajuste fiscal do governo tenta equilibrar as contas, mas provoca recessão e desemprego 100 Plano Cruzado O fracasso do primeiro grande plano para tentar frear a inflação congelando os preços. 102 Agropecuária A exportação de alimentos fortalece o agronegócio 108 Matriz de energia O impacto da queda internacional dos preços do petróleo na economia dos países e de empresas como a Petrobras 114 Globalização EUA anunciam o Transpacífico, o maior acordo global de livre-comércio já criado QUESTÕES SOCIAIS 120 Gênero Avanços e lutas das mulheres por seus direitos 126 Urbanização Os desafios crescentes das grandes metrópoles 132 Demografia A China decide flexibilizar a política de filho único 136 Papa Francisco Um líder progressista e ativo na diplomacia 140 IDH O desenvolvimento humano avança no Brasil CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE 144 Aquecimento global Entenda o acordo de todos os países na COP-21, que substituirá o Protocolo de Kyoto 150 Desastre ambiental As questões levantadas e as consequências do rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG) 154 Chernobyl Há 30 anos ocorria o maior acidente nuclear da história 156 Doenças O vírus zika e a microcefalia assustam o Brasil e o mundo 162 Marte A Nasa encontra água no planeta vermelho SIMULADO 164 Teste 37 questões dos vestibulares sobre temas desta edição PENSADORES 178 Zygmunt Bauman O sociólogo que discute a sociedade líquida MAR E LAMA Na foz do Rio Doce, a lama que vazou em Mariana (MG) encontra o mar em Linhares (ES), em novembro de 2015 FABIO BRAGA/FOLHAPRESS FILMES E QUADRINHOS NOS FALAM DO MUNDO ATUAL E SEUS DRAMAS CONTEMPORÂNEOS ESTANTE 8 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 É possível abordar um tema tão grave quanto a situação dos imigrantes na Europa de forma leve e descontraída? O filme francês Samba mostra que sim. Dirigido por Oliver Nakache e Eric Toledano, os mesmos da comédia de sucesso Into- cáveis, a obra tem a rara qualidade de equilibrar drama e comédia – além de generosas doses de romance – sem desviar o foco do tema principal: a vida de um migrante na França. O protagonista do filme é Samba Cis- sé, um senegalês que mora ilegalmente em Paris há dez anos. Ele sobrevive de pequenos bicos e subempregos, en- quanto tenta obter um visto de per- manência legal no país. Ao ser preso Samba aborda a situação dos migrantes na França com leveza e descontração Sem perder a ternura FILMES pelo serviço migratório, Samba recebe a ajuda de uma ONG que auxilia os imigrantes ilegais na França. Uma das voluntárias é Alice, uma executiva afas- tada do trabalho por estresse. Quando Samba sai da prisão, recebe a ordem para deixar o país, mas ele decide ficar na França e é ajudado por Alice para permanecer em Paris. Ao acompanhar as agruras de Samba na capital francesa, testemunhamos com um olhar privilegiado as compli- cadas situações às quais os imigrantes ilegais são submetidos para conseguir permanecer – e sobreviver – na Europa. Samba vive de favor com um tio, que conseguiu o principal objeto de desejo dos imigrantes – um visto de residência DI VU LG AÇ ÃO 9GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Em Dheepan – O Refúgio, um homem, uma mulher e uma criança do Sri Lanka tentam se adaptar à vida na França A realidade nua e crua dos refugiados permanente. Sem isso, Samba se vira para conseguir documentos falsos e po- der se candidatar a alguma vaga de tra- balho. E mesmo quando arruma alguns bicos, são trabalhos precários, que vão desde separador de lixo a limpador de janelas nos arranha-céus parisienses. O filme também não deixa de ex- plorar o sentimento de exclusão pelo qual passam os imigrantes nas grandes cidades europeias. Ao seguir os passos de Samba pelas ruas parisienses acom- panhamos a sua tensão ao dobrar cada esquina diante da possibilidade de ser pego novamente pela polícia. Já no vagão do metrô, Samba é alvo de olha- res desconfiados dos franceses, o que denuncia algumas atitudes xenófobas, ainda que veladas. No entanto, na maior parte do filme, essa carga dramática passa por um fil- tro cômico e romântico que suaviza a tensão vivida pelo protagonista. Em boa medida, o mérito dessa fórmula está na forma como o roteiro conduz a interação de Samba com outros personagens. As situações compartilhadas entre Sam- ba e Wilson, um imigrante “brasileiro”, rendem boas risadas. Já a atração mútua entre o protagonista e Alice, a voluntária da ONG, confere ao filme uma leveza, ainda que abuse um pouco do clichê romântico “os opostos se atraem”. Ao tratar da complexa situação dos imigrantes na Europa e da difícil inte- gração em uma sociedade pouco afeita à aceitação de estrangeiros vindos da África, o filme toca em uma ferida mui- to exposta no continente. Pelo tema, bastante atual, o filme já seria uma boa dica para quem vai prestar o vestibular. Ao conseguir fazer a crítica social sem soar excessivamente sisudo ou panfle- tário além da conta, o filme torna-se ainda mais atraente. SAMBA Direção | Oliver Nakache e Eric Toledano Ano | 2014 A vida dos refugiados na Euro-pa vem sendo explorada com muita frequência pela cine- matografia francesa nos últimos anos. Além de Samba, outro filme recente que aborda o tema com bastante pro- priedade é Dheepan – O Refúgio. Mas se o primeiro aposta em uma narrativa mais leve e descontraída, o segundo prefere uma dramatização mais nua e crua da situação dos migrantes. O protagonista do filme é Dheepan, um membro do grupo Tigres de Libertação da Pátria Tâmil, uma milícia do Sri Lanka que, entre 1983 e 2009, enfrentou as tro- pas do governo em uma luta separatista no norte e no leste do país. Quando a guerra termina com a derrota de seu grupo, ele se une a uma mulher desco- nhecida e uma criança órfã, fingindo constituir uma família para tentar um visto de permanência na França. Ao chegar em Paris, os três passam a viver juntos, como uma verdadeira família. Dheepan consegue um trabalho como zelador de um conjunto habitacio- nal no subúrbio da capital francesa. O condomínio é barra-pesada, dominado por gangues de tráfico de drogas. A mu- lher passa a cuidar de um idoso doente, onde também vive um traficante que acaba de sair da prisão. Enquanto isso, a garota tenta se integrar entre os colegas na escola e aprender o novo idioma. A trama se desenvolve em torno desse falso núcleo familiar. A tentativa dos dois adultos que mal se conhecem em se adaptar a uma difícil convivência e tentar ajudar na criação de uma garota órfã confere um desafio a mais na vida desses refugiados. Além disso, o fato de os três viverem na periferia em meio à violenta disputa entre traficantes torna a situação ainda mais extrema. Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2015, Dheepan tem como principal mérito equilibrar a delicadeza do drama familiar desses refugiados com a crueza da guerra entre as gangues. Sob um registro que muitas vezes beira o documental, o filme é um ótimo com- plemento ao extrovertido Samba como estudo da crise migratória na Europa. DHEEPAN – O REFÚGIO Direção | Jacques Audiard Ano | 2015 DI VU LG AÇ ÃO ESTANTE 10 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 QUADRINHOS A ditadura em traços críticos Duas obras com fatos e horrores da ditadura militar, em charges e quadrinhos A s histórias reais de estudantes, militantes políticos, guerri-lheiros e líderes rurais e in- dígenas presos, torturados e mortos por agentes e militares da ditadura (1964-1985) ganham no livro Notas de um Tempo Silenciado uma narrativa jornalística em quadrinhos, com texto e desenhos de Robson Vilalba. São 13 histórias curtas, reconstruídas após um extenso trabalho do autor em entrevistas com sobreviventes, amigos e familiares das vítimas, autores de biografias, historiadores e pesquisas para conseguir, inclusive, fotos para desenhos realistas dessas pessoas. As primeiras oito histórias reportadas por Vilalba foram originalmente publi- cadas na série Pátria Armada Brasil, no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba. Elas receberam o prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos 2014, organizado pelo Sindicato dos Jorna- listas do Estado de São Paulo. Para este livro, porém, o autor acres- centou outras cinco produções, com destaque para o avanço agressivo dos militares sobre as terras indígenas, a criação de um presídio para indígenas e de uma guarda rural indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai) treinada para torturar líderes dos ín- dios. Um capítulo final (Salvadores da Pátria) resgata o histórico dos golpes como uma herança maldita dos mili- tares, iniciada com a Proclamação da República até chegar ao golpe de 1964, e sua influência do positivismo. A obra é enriquecida com uma repor- tagem sobre a eclosão do movimento negro Black Music nos anos de 1970 no Rio de Janeiro e a repressão a alguns de seus expoentes, além de inúmeros de- poimentos sobre cada história revelada, entre os quais o da psiquiatra Maria Rita Kehl, que integrou a Comissão Nacional da Verdade. Já o arquiteto e artista plástico Luiz Gê aborda o tema com bastante ironia em seu livro Ah, Como Era Boa a Di- tadura. A obra traz charges publicadas pelo no jornal Folha de S.Paulo a partir de 1981, sobre fatos políticos, econômi- cos e sociais do último governo militar, o do general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Luiz Gê explora fatos como a explosão da dívida externa, a derroca- da econômica e a chamada estagflação (estagnação econômica simultânea a desemprego com taxas de inflação es- tratosféricas) – resultado da submissão dos militares à imposição de políticas recessivas pelo Fundo Monetário Inter- nacional (FMI) –, as armações políticas que impediram a volta de eleições dire- tas para a Presidência já em 1985 e os personagens políticos daqueles anos. Textos introdutórios no livro, e na abertura de cada ano, situam o leitor mais jovem sobre fatos e aspectos do período para ajudar a entender a ironia das charges. Além de um texto conclu- sivo, Luiz Gê agrega uma galeria dos principais personagens, em que revela seu talento para fazer caricaturas. NOTAS DE UM TEMPO SILENCIADO Autor Robson Vilalba Editora BesouroBox, 103 páginas AH, COMO ERA BOA A DITADURA Autor Luiz Gê Editora Quadrinhos na Cia. (Companhia das Letras), 288 páginas. ESTANTE QUADRINHOS 12 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 RE PR O DU ÇÃ O O polêmico Irã em foco HQs belas e emocionantes abordam a opressão sofrida pelo povo iraniano O Irã é um dos protagonistas do cenário global, sobretudo des-de a Revolução Islâmica de 1979. Sua importância econômica vem do fato de que possui uma das maiores reservas mundiais de petróleo. Politica- mente, o país é um dos líderes do mun- do islâmico, em tensão com os Estados Unidos e os países ocidentais há mais de três décadas. Em anos recentes, vive em constante tensão interna e externa. Esse cenário convulsionado é o pano de fundo de duas excelentes histórias em quadrinhos feitas por iranianos que ganharam destaque mundial. Persépolis, a autobiografia em qua- drinhos de Marjane Satrapi, narra a his- tória do país dos anos 1970 até a década de 1990, passando pela Revolução de 1979 – que derrubou a ditadura pró- EUA do xá Reza Pahlevi e implantou a atual república islâmica. Na narrati- va de Satrapi, publicada no Brasil em 2007, é como se o povo iraniano tivesse pulado da frigideira para o fogo. Marjane tinha 10 anos quando se viu obrigada a usar véu e a estudar em uma sala de aula só de meninas. Era o resultado do Estado religioso erguido no país, com sua atmosfera sufocante e autoritária. Persépolis aborda, com hu- mor leve e irônico, o dia a dia opressivo dos iranianos, convivendo com tortu- ras, assassinatos, pressão nas escolas e a guerra contra o Iraque (1980-1988). O impacto da obra lhe conferiu re- percussão mundial e muitas premia- ções. Persépolis foi escolhida a melhor história em quadrinhos de 2004 na Feira de Frankfurt. Sua versão cine- matográfica venceu o prêmio do júri no Festival de Cannes de 2007. Mais recentemente, os leitores brasi- leiros puderam ver O Paraíso de Zahra, publicado em 2011, cujos autores são anônimos, com pseudônimos de Amir e Khalil. Trata-se de um retrato can- dente da sociedade iraniana, em um momento recente: o Movimento Verde, em 2009, em que milhares de pesso- as tomaram a Praça da Liberdade, em Teerã, acusando de fraude as eleições que reconduziram o então presidente Mahmoud Ahmadinejad ao cargo. Mais de 70 pessoas foram mortas pela polícia e 4 mil foram presas. A história começa com o desapareci- mento do estudante Mehdi Alavi, de 19 anos, nos protestos. Sua mãe, Zahra, e seu irmão, Hassan, vão à praça e ficam sabendo da violenta repressão. Come- çam então uma angustiante busca, que se estende por semanas, pelos labirin- tos de hospitais, repartições públicas e prisões – em busca de Mehdi. É uma viagem pelas entranhas do regime che- fiado pelos aiatolás. O Paraíso de Zahra é uma obra em quadrinhos prodigiosa, magnifica- mente desenhada, que fala muito da realidade do Irã, complementando a história de turbulências e instabilida- des retratada em Persépolis. Juntas, as publicações atuam como registro da luta permanente pela liberdade em um país marcado pela opressão. box PERSÉPOLIS AUTOR Marjane Satrapi EDITORA Companhia das Letras, 352 páginas O PARAÍSO DE ZAHRA AUTOR Amir & Khalil EDITORA Leya, 272 páginas ESTANTE 14 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 FOTOGRAFIA Em 2015, mais de 1 milhão de migrantes e refugiados che-garam à Europa cruzando as águas do Mar Mediterrâneo. Outros 3,5 mil não conseguiram fazer a travessia e morreram afogados na tentativa de chegar ao Velho Continente. Mais da metade dos migrantes vêm da Síria, fugindo da brutal guerra civil que de- vasta o país desde 2011. Mas esses números, ainda que im- portantes e alarmantes, são incapazes de revelar o drama particular dessas pessoas que deixam tudo para trás e se arriscam em viagens perigosas para tentar reconstruir suas vidas. Em con- traposição, as imagens, muito mais que indicadores e estatísticas, conseguem revelar o lado humano da crise dos refugiados e tentam nos aproximar da dura realidade vivida por eles. Desde 1955, a Fundação World Press Photo (WPP) realiza uma premiação internacional para escolher as melho- res fotos jornalísticas do ano. A imagem que você vê acima é a grande vencedora deste ano na premiação da WPP. Ela mostra um homem passando um bebê para outra pessoa por baixo de uma cerca de arame farpado. A imagem foi registrada pelo fotógra- fo australiano Warren Richardson no dia 28 de agosto de 2015, na fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Os dois paí- ses fazem parte da rota que milhares de migrantes vindos do Oriente Mé- Imagens que revelam o lado humano dos problemas globais Fotos premiadas no World Press Photo de 2016 mostram o sofrimento de quem é obrigado a fugir de guerras e perseguições dio tentaram cruzar, cujo destino final era a Alemanha. Segundo Richardson, que acampou com os refugiados, essas pessoas tentavam chegar à Hungria antes que a cerca de segurança esti- vesse concluída. O que mais impressiona na foto é a força que a imagem em preto e bran- co transmite, mesmo com poucos ele- mentos. No rosto do homem é possível perceber a tensão e a ansiedade do mo- mento. O bebê nos remete ao sofrimento das crianças que são obrigadas a deixar seus lares sem entender direito por quê. Por fim, a cerca de arame farpado tem o poder de simbolizar as restrições a que os refugiados são submetidos e as barreiras que precisam superar. ESTANTE 15GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Imagens de desespero A imigração é um assunto que tem apa- recido com frequência nos vestibulares, e a leitura e a intepretação de fotos como a vencedora do concurso da WPP podem ajudar bastante no estudo de atualidades. Na premiação de 2016, tiveram bas- tante destaque as imagens da guerra civil na Síria e a fuga dos refugiados das áreas de conflito. A foto acima, do fotógrafo sírio Abd Doumany, mostra uma garota ferida em um bombardeio realizado pelo governo da Síria. Ao lado, a imagem captada pelo russo Sergey Ponomarev revela a situação dos mi- grantes que se amontoam em pequenas embarcações para chegar à Grécia. Mas a premiação da WPP não ficou restrita ao tema dos refugiados. Outras imagens vencedoras abordam grandes desafios do mundo contemporâneo, como o aquecimento global, a epidemia de ebola, a violência contra a mulher e a exploração do trabalho infantil. No site da WPP, você pode confe- rir todos os premiados desta edição: http://www.worldpressphoto.org/ collection/photo/2016. box A ROTA ATÉ A EUROPA Na guerra entre o regime sírio, rebeldes e extremistas, a população fica no meio de um violento fogo cruzado. Acima, a imagem mostra uma garota síria ferida em bombardeio das forças do governo, em tratamento em um hospital improvisado na cidade de Douma. Muitas pessoas não suportam a situação e decidem abandonar o país, como mostra a imagem abaixo de uma pequena embarcação chegando à vila de Skala, na Ilha de Lesbos, na Grécia. Já a foto premiada, na página ao lado, revela os obstáculos que os refugiados recém- chegados à Europa são submetidos para conseguir recomeçar suas vidas. FO TO S: D IV U LG AÇ ÃO W O RL D PR ES S PH O TO 2 01 6 PONTO DE VISTA 16 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 UM MESMO FATO PODE SER NOTICIADO DE MANEIRAS VARIADAS POR DIFERENTES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO arrow istoé Chama atenção a ausência de uma grande imagem ou de um forte texto na capa, em que predomina, simplesmente, a cor branca. Essa falta logo se explica pela pequena chamada que aparece, discreta, abaixo do nome da revista: “2016 não pode passar em branco. Faça um ano melhor!”. Assim torna-se clara a relação da capa branca com a primeira parte da frase, que faz referência à Perspectiva 2016. Nessa seção são apresentadas cinco reportagens sobre alguns dos eventos do ano que se inicia, como os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro e as eleições nos Estados Unidos, que poderão, segundo a revista, “construir um ano melhor”. Nessa frase, assim como ocorre nas outras três revistas, há uma crítica ao ano que passou. Mas diferentemente de Carta Capital e de Veja, há uma conclamação direta para se fazer um ano melhor. Entre os outros semanários, a IstoÉ é a única a trazer tanto uma perspectiva de 2016 como uma retrospectiva de 2015. Os fatos do ano que passou são chamados numa tarja na parte superior da revista (Retrospectiva 2015), com pequenas ima- gens de pessoas que protagonizaram alguns desses aconteci- mentos – como Dilma, Eduardo Cunha, ativista de movimenos feministas e Mineirinho, o atual campeão mundial de surfe. arrow veja Uma foto em primeiro plano do rosto do juiz Sergio Moro, res- ponsável pelas investigações da operação Lava Jato. Ele aparece sério e com um olhar assertivo. A imagem ganha ainda maior destaque devido ao fundo escuro. Essa foi a escolha de Veja para ilustrar a sua Retrospectiva 2015. Abaixo da foto, a chamada principal afirma: “Ele salvou o ano!”. A manchete sugere que 2015 foi ruim, mas teve um grande e único fato positivo (que salvou o ano) – daí a publicação da foto única na capa e o fato de a reportagem sobre o juiz, na retrospectiva, ter nove páginas, enquanto todas as demais receberam duas páginas. Na sequência da manchete vem o texto, que confirma a intenção do semanário de valorizar a atuação do juiz: “Veja pesquisou 300 sentenças que Sergio Moro lavrou nos últimos quinze anos e descobriu as raízes da determinação e eficiência do juiz que deu ao Brasil a primeira esperança real de vencer a corrupção”. A frase, além de enaltecer Moro – referindo-se a sua deter- minação e eficiência e como sendo a primeira esperança real de vencer a corrupção –, também expressa a ideia de que isso seria incontestável, pois foi resultado de um exaustivo trabalho jornalístico que levou em consideração 300 sentenças. 17GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Como as principais revistas semanais do país fizeram um balanço de 2015 e apresentaram as expectativas para o ano novo Retrospectiva e perspectivas para 2016 A operação Lava-Jato e a atuação do juiz Sergio Moro, a crise política do go- verno Dilma, a questão dos refugiados, as manifestações feministas, a tragédia ambiental em Mariana e o avanço do zika vírus, entre outros acontecimentos que marcaram 2015, estiveram na pauta dos semanários. E o olhar para o futuro ficou por conta de buscar soluções para questões como a crise econômica, o crescimento do desemprego e os em- bates nas redes sociais. O fato As edições de final de ano das quatro principais revistas se-manais brasileiras – Carta Ca- pital, Época, IstoÉ e Veja – trouxeram, como de costume, uma retrospectiva do ano que passou, com os fatos e os personagens que ganharam destaque no período e as perspectivas para o ano que se inicia nas diferentes áreas, como política, economia, cultura e sociedade. arrow carta capital Com um fundo rosa e cheia de emojis – as carinhas e os ícones divertidos para trocas de mensagens – a revista opta por tratar com humor e ironia o ano que passou. A manchete “Rir para Não Chorar”, no centro da capa, traz a ideia de que 2015 foi marcado por acontecimentos ruins. Reforça esse pensamento a frase que complementa o título principal “Memórias e imagens de um ano que nem devia ter começado. E 2016? Bem, 2016...”. Ou seja, o ano trouxe tantos acontecimentos indesejados que seria melhor que nem tivesse existido. O semanário demonstra ter a mesma expectativa (de más notícias) em relação a 2016 ao se referir ao novo ano com uma interjeição (bem) e reticências... Completa o sentido humorístico a presença dos emojis que fazem referência a alguns acontecimentos do ano, como os fatos que envolveram a presidente Dilma Rousseff (bonequinha com os dentes à mostra e a faixa presidencial), os panelaços (ícone da panela), os atentados terroristas (bomba), a tragédia de Mariana (onda marrom) e a crise dos refugiados (boneco no barquinho). Ganha destaque a escolha do ícone na chamada superior onde se anuncia a edição especial, mais uma vez trazendo de forma bem-humorada a ideia de um ano negativo. arrow época Ao contrário dos outros três semanários, a Época não faz uma retrospectiva de 2015. A revista investe numa edição especial dedicada a discutir ideias e assuntos que estarão na agenda da sociedade brasileira em 2016, como a crise econômica, a Operação Lava Jato e as polêmicas nas redes sociais. Usando cores fortes, como vermelho em contraste com o amarelo, o que causa uma sensação de urgência, usa o título “Guia de Sobrevivência” para se referir ao novo ano. A expressão é grafada em grandes letras, que ocupam boa parte da capa. O ano 2016 aparece em preto, ao fundo. A ideia de apresentar um guia de sobrevivência é trazer ao leitor um manual de como comportar-se ou agir perante as situações que estão por vir (note todos os verbos no futuro): “O custo de vida vai subir, o desemprego vai aumentar, o japo- nês da Federal [em referência ao agente Newton Ishii, chefe do Núcleo de Operações da Polícia Federal em Curitiba] vai acordar os poderosos e os brasileiros continuarão a brigar nas redes sociais”, diz o texto que complementa o título. A chamada termina com a frase “Saiba como vencer a difí- cil batalha do novo ano”, comprovando a necessidade de um manual frente à um cenário complexo. PONTO DE VISTA 18 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 arrow folha de s.paulo A Folha trouxe a manchete relacionada ao fato – “Ex-líder do governo liga Dilma e Lula à Lava Jato, e oposição pede renúncia” – para a parte superior da sua capa. Ao contrário do Estadão e do Globo, não colocou o nome do senador Delcídio no título (mas apenas no texto abaixo da manchete) e preferiu usar a expressão “ex-líder do governo”, mostrando que a delação vem do próprio ex-aliado da presidente Dilma. A manchete também destacou o efeito provocado nos partidos de oposição, que mencionaram incluir a delação no pedido de impeachment. O jornal reproduziu as acusações contra Dilma (“tentou interferir três vezes na operação com ajuda de José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça) e Lula (“Delcídio intermediou, a pedido de Lula, propina ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró para tentar evitar a sua delação”), citou algumas consequências da declaração (como a subida da Bolsa e a queda do dólar) e incluiu que “devem dar força a protestos anti-Dilma”. Chama atenção a articulação das duas fotos presentes na capa: a do rosto parcial da presidente Dilma em primeiro plano (em que aparecem apenas seus olhos e nariz) e a que mostra somente os lábios costurados de um refugiado iraniano, que vem um pouco abaixo, formando uma unidade. A Folha noticiou a queda no PIB na parte inferior da página, mas com um certo destaque, e afirmou que é o “pior resultado desde 1990”. Não houve menção à notícia sobre Eduardo Cunha – a capa do dia anterior já havia adiantado que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal havia votado pela abertura da ação penal. Como os três principais diários do país repercutiram a suposta revelação de que Dilma e Lula interferiram na Lava Jato IstoÉ divulga delação de senador O fato Em 3 de março de 2016, a revista IstoÉ publicou reportagem em que afirma que teve acesso ao termo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) ao Ministé- rio Público Federal. Ele acusa a presiden- te Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras e na tentativa de impedir as investigações da Operação Lava Jato. Ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral foi preso em novembro de 2015, ele mesmo acusa- do de interferir na Lava Jato. Segundo a IstoÉ, em de fevereiro de 2016, quando passou a cumprir prisão domiciliar, ele teria feito o acordo de delação premiada, em que o acusado conta o que sabe e, em troca, recebe benefícios, como redução da pena. O senador emitiu nota dizendo que não reconhece a autenticidade dos documentos divulgados pela revista. No mesmo dia, o resultado do PIB em 2015 e a votação de ação penal contra o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também foram notícias. PONTO DE VISTA 19GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 arrow o estado de s. paulo A cobertura do jornal sobre a suposta delação de Delcídio – que também mereceu a manchete principal e o maior espaço na capa – parece ser mais focada na atuação do ex-presidente Lula do que na da própria presidente Dilma. A manchete é se- melhante à da Folha, que traz o nome de ambos, mas, no texto da capa, é citada apenas uma acusação contra a presidente Dilma (“acompanhou o processo de compra da refinaria de Pasadena”), enquanto sobre o ex-presidente são citadas duas (“atuou para evitar a delação de Nestor Cerveró e intermediou pagamentos à família do ex-diretor da Petrobras em troca do silêncio dele” e “trabalhou para frear as investigações da CPI do Carf sobre a suposta compra de MPs”). A foto de Dilma – única imagem da capa – sugere certa fragilidade da presidente, ao mostrá-la abraçando o ex-ministro da Justiça na cerimônia de transferência de cargos. Além do texto que acompanha a notícia principal, outras duas chamadas repercutem a delação e ampliam a cobertura: “Planalto critica ‘vazamentos como arma política’” e “Oposição reforça pedido de renúncia”. Assim como O Globo, o Estado também traz na capa a infor- mação que Delcídio não confirmou a autenticidade dos docu- mentos da reportagem da revista IstoÉ – a Folha só menciona esse fato na reportagem interna. O jornal ainda destaca na capa a queda de 3,8% do PIB e o resultado final da votação do STF (“Supremo, por unanimida- de, instala ação contra Cunha”), embora tivesse antecipado o fato – assim como a Folha e o Globo – na edição do dia anterior. arrow o globo No jornal carioca, a delação de Delcídio também ganhou espa- ço nobre, ocupando cerca de três quartos da página. Uma foto de Dilma em primeiro plano, com um olhar triste, mostrava, ao fundo, o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que cum- primentava um colega ao se despedir do cargo. A ideia que Dilma está só foi reforçada pela forte manchete “Delação de Delcídio põe Dilma no centro da Lava-Jato”. Diferentemente da Folha e do Estado, o Globo não colocou o nome do ex-presidente Lula no título; apenas o mencionou abaixo, nas subchamadas. O resumo da reportagem na capa focou nas acusações do delator contra Dilma: que a pedido dela “negociou o voto de um ministro do STJ para tentar soltar os empresários Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo” e que “ela sabia das irregulari- dades na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA”. Com- pletam o conjunto de informações sobre a delação fotos das personalidades envolvidas, como Delcídio, Dilma e Lula, e um pequeno resumo da atuação do senador e das acusações que recaem sobre a presidente e o ex-presidente. A notícia sobre Eduardo Cunha veio logo abaixo do conjunto de informações sobre a delação de Delcídio, com o título “Por unanimidade, Cunha vira réu no Supremo”. Já o recuo do PIB (“Brasil a caminho de outra década perdida”) contou com a publicação de indicadores negativos (recessão histórica, queda dos investimentos, tombo na indústria), reforçando “o pior resultado desde o confisco de Collor” e as projeções feitas (novo tombo de 4% este ano e recessão como a da década de 80). 74 2 2 1 32 22 1 1 17 1817 12 8 910 532 3 4 2 2730252822292718211871711 18 15 13 5 4 33 212 3 2 2 2 2 22 21 1 1 1 1 7269 59 49 37 4644 2928 22 12 24 14 AustráliaFinlândiaReino UnidoAlemanhaEUAHolandaFrançaBélgica Não houve Olimpíada Não houve OlimpíadaSuéciaReino UnidoEUAFranceGrécia 1956195219481936 1940 19441932192819241920191619121908190419001896 MelbourneHelsinkiLondresBerlimLos AngelesAmsterdãParisAntuérpiaEstocolmoLondresSt. LouisParisAtenas NÚMERO DE PAÍSES PARTICIPANTES POR CONTINENTE E EDIÇÃO DOS JOGOS* 1920 Invadida pelos alemães na I Guerra Mundial, a Bélgica dá o troco nos Jogos de 1920, na Antuérpia: exige a exclusão de Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia – países derrotados no conflito. 1932 No auge da crise econômica mundial que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, a Europa corta todos os gastos. Os comitês que conseguem ir a Los Angeles levam 600 atletas, 1.600 a menos do que em Amsterdã. 1936 Com Adolf Hitler fazendo propaganda nazista com os Jogos, os alemães lideram o ranking de medalhas. Mas nenhum de seus atletas ganha mais ouros do que o afro-americano Jesse Owens, com quatro vitórias no atletismo. 1948 Burma e Ceilão (atuais Mianmar e Sri Lanka), recém-libertos do domínio britânico, e a Coreia do Sul, liberta do Japão, são alguns dos estreantes nos Jogos de Londres. Derrotadas na II Guerra Mundial, Alemanha e Japão não participam do evento. 1952 Os movimentos nacionais nas colônias da África ganham corpo a partir dos anos 1950 – o que se reflete no aumento de africanos nos Jogos seguintes. Em 1952, a União Soviética (URSS) estreia nos Jogos, e a disputa com os Estados Unidos pela hegemonia mundial passa a ser travada também no esporte. O MUNDO DOS IMPÉRIOS – 1900 No início dos Jogos da era moderna, o mundo era dominado pelas potências imperialistas. A principal era o Reino Unido, que mantinha colônias em todos os continentes. Muitas dessas potências obrigavam atletas de outras nações a defendê-las, como armênios que tiveram que competir como turcos, e coreanos forçados a usar nomes japoneses. Grã-Bretanha França Alemanha Itália Holanda Portugal Espanha Japão Bélgica Principais impérios e suas colônias II GUERRA MUNDIAL 1939-1945 I GUERRA MUNDIAL 1914-1918 Europa América Oceania Ásia África AS CIDADES-SEDE POR CONTINENTE Ásia 3 Oceania 2 África 0 Américas 7 Europa 16 * As instituições nacionais que participam dos Jogos são classificadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como Comitês Olímpicos Nacionais – aqui tratadas genericamente como países. 20 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 NO ESTUDO E NO DIA A DIA, GRÁFICOS, MAPAS E TABELAS TRAZEM MUITAS INFORMAÇÕES DESTRINCHANDO 53535253 52 45 42 41 21 6 29 24 21 12 4142424242 39 37 36 15 333232 2219 4949484848403428283233322931 4442444343 34 35 28 14 17 2421 1918 1717151412 11 11 7 2 433 23 204 54 41 50 43 17 205**204201200197 169 159 140 80 92 121 112 93 83 Reino UnidoChinaGréciaAustráliaEUAEspanhaCoreiaEUARússiaCanadáAlemanhaMéxicoJapãoItália 20122008200420001996199219881984198019761972196819641960 Londres Brasil 2016 RioPequimAtenasSydneyAtlantaBarcelonaSeulLos AngelesMoscouMontrealMuniqueMéxico DF TóquioRoma 1972 O grupo terrorista palestino Setembro Negro ataca a delegação de Israel na vila olímpica, onde mata dois e faz nove reféns. Na tentativa de resgate, os reféns, cinco terroristas, um policial e um piloto morrem. 1976 22 países africanos deixam os Jogos em protesto contra a Nova Zelândia, cujo time de rugbi fez uma turnê de jogos pela África do Sul, “furando” o embargo a eventos esportivos sob o regime do apartheid. 1980-1984 Devido à invasão do Afeganistão pela URSS, os EUA lideram um boicote de 66 nações nos Jogos de Moscou. A URSS responde na Olimpíada seguinte, em Los Angeles, liderando o boicote do bloco socialista. 1996 Com o desmembramento da URSS em novos países e a adesão de mais países africanos ao COI, os Jogos de Atlanta batem recorde de participantes. A Palestina faz sua estreia olímpica. 2016 Dois países farão a estreia olímpica no Rio de Janeiro: o Sudão do Sul, que emancipou-se do Sudão em 2011; e o Kosovo, que declarou a independência da Sérvia em 2008, mas ainda não obteve reconhecimento da ONU. Além dos kosovares, outras 13 nações que a ONU não reconhece como países também estão com viagem marcada para o Rio, como Palestina e Taiwan. Até a cerimônia de abertura, o único ausente entre os 206 membros do COI será o Kuwait, suspenso pela interferência do governo no comitê do país. O PLANETA DIVIDIDO NA GUERRA FRIA – 1947-1991 A polarização da Guerra Fria não ficou restrita à esfera política. EUA e URSS também tentaram mostrar a superioridade de seus regimes nos esportes. Durante o período, era comum acompanhar qual bloco tinha mais medalhas – o capitalista ou o socialista. Mesmo entre os países não alinhados, poderia haver inclinações socialistas ou capitalistas dependendo do momento histórico. EUA e aliados Alinhados com os EUA URSS e aliados Países não alinhados Alinhados com a URSSEUA URSS ** Previsão do Comitê Olímpico Internacional. 21GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Mais que um evento esportivo Veja o que as Olimpíadas têm a ver com a geopolítica, o desenvolvimento social e econômico e a urbanização por Wiliam Taciro e Multi/SP Os Jogos Olímpicos que os aristo-cratas europeus criaram no final do século XIX era um festival atlético com repercussões modestas. Mas, perto da I Guerra Mundial, os Jo- gos já eram explorados em um âmbito que extrapolava a performance esportiva. Ver compatriotas desfilarem com sua bandeira pela primeira vez numa ceri- mônia olímpica tornou-se um momento de celebração histórica em mais de cem países que conquistaram a independên- cia nesse tempo. O bom desempenho no ranking de medalhas passou a ser visto como uma demonstração de poder e or- gulho nacional, refletindo, muitas vezes as conquistas sociais e econômicas do país. Ser anfitrião dos Jogos virou uma oportunidade para países promoverem reformas urbanísticas na cidade-sede e lustrarem a imagem internacional. Acompanhe abaixo a evolução no número de participantes e como os comitês olímpicos e os Jogos se tor- naram parte importante da geopolítica internacional. Fontes: COI e Banco Mundial ANAMORFOSE: O MAPA DISTORCIDO Este mapa é diferente daqueles planisférios a que você está acostumado. Trata-se de uma anamorfose – uma representação cartográfica que distorce o tamanho e o traçado dos países para reforçar o efeito comparativo a respeito do tema apresentado. Neste caso, o mapa mostra como seria o mundo se a área dos países fosse proporcional ao número de medalhas ganhas na história dos Jogos. Nº de países Nº de medalhas IDH Muito elevado Sem IDH estimado*Elevado Médio Baixo 49 1856 37 44 10.311 783.601 240 200 Países com IDH baixo A maioria das nações com baixo IDH nunca ganhou nem um bronze. Já Quênia, Etiópia e Nigéria somam juntas 154 medalhas – 90% em corridas de média e longa distância, que não exigem altos investimentos dos atletas. Países com IDH elevado Os seis maiores medalhistas entre os países do IDH elevado são socialistas e ex-socialistas. O Brasil é o sétimo. Países com IDH muito elevado Mais de 2/3 das medalhas de todos os Jogos Modernos estão neste grupo, assim como 13 dos 14 países que competiram nos Jogos de 1896. Brasil O Brasil tem o quinto maior território do planeta, mas, no mundo olímpico, ele parece 80% menor. Cuba A ilha de Cuba parece só um pontinho no planeta, mas o cartograma revela sua dimensão de gigante nos esportes olímpicos. IDH VERSUS MEDALHAS Classificação no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e medalhas por país Estados Unidos Os norte-americanos dominam os Jogos da Era Moderna. Neste mapa, apesar de ter a quarta extensão territorial do planeta, sua área é a que ocupa o maior espaço, refletindo suas conquistas olímpicas. O PLANISFÉRIO REAL Para ter uma ideia do quão distorcidas foram as regiões do cartograma das medalhas, compare-o com este outro mapa, onde a área dos países é proporcional aos seus territórios reais. Área por país (projeção equirretangular) Brasil Quênia Austrália Índia Cuba Europa Estados Unidos 1º ESTADOS UNIDOS 2.404 MEDALHAS 19º CUBA 208 27º BRASIL 108 22 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 DESTRINCHANDO O dinheiro dá as cartas no planeta olímpico Como a força do capital e dos investimentos sociais afastam os países mais pobres das conquistas e limitam o pódio olímpico a uma pequena elite esportiva – e financeira O lema “O importante não é vencer, mas competir” surgiu nas Olimpíadas de Londres, em 1908, popularizado pelo barão de Coubertin. E para a maioria das nações, principalmente aquelas que não estão no grupo dos desenvolvidos, o papel nos Jogos fica restrito mesmo à competição. Obs.: As medalhas das Alemanhas Oriental e Ocidental foram contabilizadas para a Alemanha, as medalhas da URSS e do time unificado de 1992 foram contabilizadas para a Rússia, as medalhas da Australásia foram contabilizadas para a Austrália, as medalhas da Iugoslávia e Tchecoslováquia não foram contabilizadas para nenhum país. Mesma quantidade de medalhas Grécia e Brasil empatam no número de medalhas, embora o PIB grego seja um décimo do brasileiro. E Cuba, com um terço do PIB grego, tem quase o dobro de medalhas. PIB VERSUS MEDALHAS Este gráfico de dispersão mostra uma clara relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e o desempenho olímpico. Os pontos localizados no canto direito superior representam os países com elevado PIB e muitas medalhas – caso de EUA, China e Alemanha. Note como são pontos em tons de azul, o que sinaliza um Índice de Desenvolvimen- to Humano (IDH) elevado. Já no canto esquerdo inferior ficam os países com poucas medalhas e PIB baixo, como as nações africanas. São também as nações com IDH baixo, indicados pela cor vermelha. Na mesma faixa do PIB Veja a variação no desempenho olímpico de países no mesmo patamar de PIB, como Índia, Brasil, Canadá, Itália e Rússia – quanto mais alto, mais medalhas. 10 100 1.000 2.000 1 5 50 500 2 N º D E M ED AL H AS 20 200 PIB – US$ bilhões 10.0001.000100101 EUA Alemanha Canadá Índia Itália Rússia China Brasil Cuba Grécia Quênia O Quênia é o país africano com mais medalhas (86). O resultado destoa do restante da África, que praticamente some do mapa. Rússia e China Mesmo com bons desempe- nhos olímpicos, Rússia e China aparecem em dimensões reduzidas neste mapa. Isso acontece porque esse grande número de medalhas ainda é desproporcional ao gigantismo de seus territórios. Europa As limitadas dimensões de França, Reino Unido, Alemanha e Itália ganham volume neste mapa, devido ao fato de serem potências olímpicas. Austrália Note como as dimensões territoriais da Austrália são bem proporcionais à sua importância no quadro de medalhas – por isso ela não parece muito distorcida neste mapa. Índia Apesar da multidão de talentos esportivos que se podem esperar de populações tão grandes como da Índia e sudeste asiático, essas nações têm muitas outras prioridades antes de preparar campeões olímpicos. 2º RÚSSIA 1.526 9º CHINA 473 10º AUSTRÁLIA 468 4º REINO UNIDO 779 5º FRANÇA 671 3º ALEMANHA 1.296 7º SUÉCIA 483 6º ITÁLIA 549 8º HUNGRIA 476 47º ÍNDIA 26 31º QUÊNIA 86 Muito alto Classificação do IDH Alto Médio Baixo 23GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Os altos investimentos em educação, o incentivo à prática esportiva para as crianças e as boas condições de vida para a população acabam tendo refle- xos diretos no quadro de medalhas. Na maioria das vezes, os países me- nos desenvolvidos acabam dependendo do talento e do esforço individual dos Isso porque o pódio costuma ser uma área limitada a uma elite esportiva que, não por coincidência, também são os países mais ricos. Entre as cinco nações que mais ganharam medalhas na história, quatro estão no G-7 (grupo dos países mais ricos do mundo): Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. atletas ou de bons desempenhos pon- tuais em determinadas modalidades. Portanto, é possível aprender muito so- bre o cenário global analisando as Olim- píadas. Nos mapas e gráficos a seguir, você confere como o poder do dinheiro e dos investimentos sociais são deter- minantes para a performance olímpica. REMOÇÕES DE 2009 A 2015 22 MIL FAMÍLIAS Favela com remoção Minha Casa Minha Vida Clusters Olímpicos (conjunto de locais de competição) Porto Maravilha Principais estradas Ferrovias Metrô BRT VLT Escala 0 5 km Região central concentra os empregos Só no Centro estão 25% dos postos de trabalho formais da cidade, e a maioria dos outros fica no entorno. Antes, a grande parte dos removidos vivia e trabalhava na vizinhança. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro Deslocamentos para o trabalho Estoque de vagas de trabalho por bairro Centro Barra Guaratiba Campo Grande Bangu Campo Grande Guaratiba Bangu Copacabana Deodoro RIO DE JANEIRO REMOÇÕES E REASSENTAMENTOS NO RIO As obras de preparação do Rio para a Copa Fifa 2014 e os Jogos Olímpicos começaram quase ao mesmo tempo, em 2009. Veja como elas afetaram a população carioca: Mais longe do centro Os fios mais claros no mapa mostram de onde os moradores foram removidos e para onde eles foram encaminhados. Observe como ficaram mais longe da região central e das obras das instalações olímpicas. Recompensa distante Os despejados recebem uma indenização ou um imóvel do programa de habitação Minha Casa Minha Vida. A indenização, feita a partir da avaliação material das perdas, geralmente é irrisória, dada a pobreza e situação irregular da maioria das comunidades removidas. Fonte: Autoridade Pública Olímpica, Comitê Olímpico Brasileiro, ESPN Brasil e Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro PRINCIPAIS FLUXOS DE TRABALHADORES As setas mostram o movimento diário de trabalhadores para seus empregos, dominado por moradores das periferias e cidades vizinhas. A maioria das remoções segue o sentido contrário. Agora, esses moradores chegam a passar mais de quatro horas por dia indo e voltando do emprego. 4 MIL FAMÍLIAS foram removidas para dar lugar a obras vinculadas ao projeto Cidade Olímpica, inclusive o Porto Maravilha. Cerca de 2,5 mil famílias foram tiradas de comunidades no caminho dos BRTs e outras obras ligadas a mobilidade. No começo do ano, o despejo de outras 2 mil ainda era incerto. 18 MIL FAMÍLIAS removidas não teriam conexão com os Jogos, segundo a prefeitura, por viverem em áreas de risco ou proteção ambiental. Já o Comitê Popular contesta os motivos alegados para muitas remoções, que serviriam principalmente para beneficiar investimentos imobiliários e turísticos. 24 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 DESTRINCHANDO O outro lado do legado olímpico As obras de infraestrutura e a construção das arenas olímpicas no Rio provocam a remoção de milhares de pessoas para bairros distantes, longe dos locais de trabalho P ara justificar os investimentos bilionários que um megaeven-to como a Olimpíada exige, os responsáveis pela realização dos Jogos costumam usar um termo à exaustão: o tal “legado olímpico”. De acordo com esse raciocínio, as obras para promover uma Olimpíada podem custar caro, mas DEODORO BARRA COPACABANA MARACANÃ R$ 24,6 BILHÕES TOTAL INVESTIDO NO PROJETO OLÍMPICO R$ 39 BILHÕES Centro Aeroporto Internacional Tom Jobim Baía de Guanabara Ponte Rio-Niterói Lagoa Rodrigo de Freitas CopacabanaIpanema São Conrado Lagoa da Tijuca Ilha do Governador Vigário Geral RIO DE JANEIRO Parque Olímpico Maracanã Pão de AçúcarCristo Redentor Porto Maravilha A revitalização da zona portuária no centro histórico, inspirada em projetos como o de Puerto Madero, em Buenos Aires, quer atrair turistas e investidores internacionais. MEGARREMOÇÕES OLÍMPICAS Desde Seul, mais de 2 milhões de pessoas tiveram as casas demolidas para dar lugar a “legados olímpicos” Barcelona 1992 624 famílias desapropriadas e alta no custo da moradia expulsou outros milhares Seul 1988 720 mil pessoas despejadas, a maioria sem realocação nem indenização Pequim 2008 1,5 milhão de pessoas são removidas pelo governo. Ativistas e advogados que defendem moradores são presos Sydney 2000 Não houve remoções forçadas, mas milhares foram expulsas pela alta nos custos da região Atlanta 1996 6 mil pessoas removidas e 30 mil se mudam pela alta do custo de vida provocada pela valorização da área Fonte: UN Habitat Obras do legado Metade disso vai para obras de transporte. Para o Porto Maravilha, menina dos olhos da Cidade Olímpica, quase R$ 8 bi. 7,4 BILHÕES Comitê Olímpico Operação do evento, serviços de alimentacão, hospedagem, transporte, tecnologia da informação, para atletas, funcionários e voluntários. 7,07 BILHÕES Instalações esportivas (total) 5,68 BILHÕES Barra 830 MILHÕES Deodoro 70 MILHÕES Copacabana 90 MILHÕES Maracanã 400 MILHÕES Outros gastos (geradores, arquibancadas temporárias etc.) Atenas 2004 2,7 mil pessoas da etnia roma, um dos povos conhecidos como ciganos, são removidas Londres 2012 450 pessoas dos povos roma e irlandês nômade são removidas para a construção do Parque Olímpico 25GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Mas há um outro lado nessa história. Os Jogos de Seul, em 1988, por exemplo, são celebrados por transformar a capital sul-coreana em uma moderna metrópole, mas a organização demoliu o lar de 720 mil pessoas. Segundo a ONU, foi uma das mais violentas políticas de remoções já realizadas no mundo. deixam para a cidade-sede uma série de benesses em termos de infraestrutu- ra que compensam qualquer impacto econômico, social e ambiental. Os Jo- gos de Barcelona, em 1992, são sempre lembrados como um exemplo de como a realização da Olimpíada trouxe me- lhorias urbanísticas para a cidade-sede. Mesmo assim, expulsões em massa tornaram-se rotina durante as obras que precedem os Jogos. Ainda que a maioria das remoções se dê em acor- do com leis locais, elas são notórias por afetar principalmente pobres e minorias. Veja como o Rio está sendo impactado por essa política. box 26 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 BRUTALIDADE Cristão etíopes são conduzidos por membros do Estado Islâmico antes de serem decapitados, na Líbia LEI DO TERROR Militante do Estado Islâmico conhecido como "Jihadi John", em vídeo que mostra a execução de um refém AFP PHOTO / HO / SITE INTELLIGENCE GROUP 27GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Conhecido pelos métodos brutais, o Estado Islâmico amplia a sua atuação ao organizar atentados na França e em outros países. Saiba por que o avanço do grupo extremista desafia a segurança mundial e desestabiliza o Oriente Médio por Cláudio Soares / Infográfico Multi/SP 28 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 DOSSIÊ ESTADO ISLÂMICO O grupo extremista mais poderoso do planeta mantém uma vasta rede de recrutamento e de financiamento para as suas operações. Entenda como funciona a organização noite de 13 de novem- bro de 2015, uma sex- ta-feira, não será es- quecida em Paris tão cedo. Surpreendidas quando se divertiam em uma região de bares e restaurantes, dezenas de pessoas sofreram um ataque brutal, o mais mortífero na capital fran- cesa desde a II Guerra Mundial (1939- 1945). Em ação coordenada, terroristas posteriormente identificados como integrantes do grupo Estado Islâmico (EI) atiraram a esmo ou se explodiram, provocando a morte de 130 pessoas, a maioria na casa de shows Bataclan. Disparos atingiram outras vítimas em mais quatro locais. Além das mortes, pelo menos 352 pessoas ficaram feridas. Em declaração oficial, o EI reivindicou a autoria da ação. Para analistas, trata-se de uma retaliação contra o papel desem- penhado pela França nos ataques aéreos na Síria e no Iraque, países nos quais o EI ocupa vastos territórios. A França é a mais constante aliada dos Estados Unidos (EUA) na guerra contra o grupo. Não foi a única ação do EI no período. A facção assumiu também a autoria do atentado a bomba que derrubou um avião russo da companhia Metrojet, em 31 de outubro, no Egito, causando a morte das 224 pessoas a bordo. Em Beirute, no Líbano, um ataque com homens-bomba, em 12 de novembro, matou 44 pessoas, em outra iniciativa do grupo. Nos EUA, em 2 de dezembro, um casal, supostamente vinculado ao EI, atacou a tiros um centro de trata- mento de pessoas com deficiência, na Califórnia, matando 14 pessoas. O EI realizou, diretamente ou por intermédio de grupos associados, outros ataques na Tunísia, na Nigéria, na Turquia e na Indonésia. Esses atentados marcam uma mudança na estratégia da organização, que agora amplia o seu raio de ação, an- teriormente limitado ao Oriente Médio. A Guerra ao Terror Com um vasto território que abrange áreas do Iraque e da Síria, um enorme poder de mobilização e uma eficiente ca- pacidade operacional, o EI é considerado a organização extremista mais poderosa e bem-sucedida da história. Sua ascensão está diretamente associada à política de “Guerra ao Terror” implementada pelo então presidente norte-americano Geor- ge W. Bush (2001-2009) como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 cometidos pela Al Qaeda, a rede terroris- ta de Osama Bin Laden (veja mais sobre as intervenções ocidentais na pág. 38). A ocupação do Iraque como parte da ofensiva dos EUA contra o terrorismo, entre 2003 e 2011, teve como um dos principais efeitos colaterais o surgimento de um movimento local contra a invasão norte-americana. Nesse contexto, surgi- ram diversas milícias que contestavam a presença das tropas dos EUA. Uma delas era a Al Qaeda do Iraque (AQI ou Isil, em inglês), uma filial da rede de Bin Laden. Criada em 2004, essa organização daria origem ao poderoso grupo que conhe- cemos hoje como Estado Islâmico (veja linha do tempo na pág. ao lado). Imposição do califado Nos anos seguintes à criação da AQI, o caos no Iraque e na Síria foi um terreno propício ao avanço do grupo: enquanto no Iraque há uma sucessão de disputas políticas e conflitos sectários (entre su- nitas e xiitas), a Síria vive desde 2011 um confronto entre grupos rebeldes, apoiados pelas potências ocidentais, e o regime do ditador Bashar al-Assad. Aproveitando o vácuo de poder e de segurança nessas regiões, a organização foi ganhando força, com frequentes fu- sões e trocas de nome nesse percurso. O ano de 2014 representou um marco na expansão do grupo. Em junho, o líder da organização Abu Bakr al-Baghdadi proclamou a criação de um califado nos territórios ocupados sob a alcunha de Es- 29GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 Em pouco mais de dez anos, uma milícia que lutava contra a ocupação dos Estados Unidos no Iraque conquistou territórios e tornou-se a mais influente organização terrorista Mar Mediterrâneo Golfo Pérsico ISRAEL LÍBANO CHIPRE Mosul Albu Kamal Qaim Palmira Raqqa Kirkuk Homs Jerusalém Hama Latakia Aleppo Khmeimim Akrotiri Irbil Rio Tigre Rio Eufrates Muwaffaq Salti Incirlik Bagdá Damasco AmãTel Aviv Beirute 100 km IRÃ TURQUIA JORDÂNIAEGITO ARÁBIA SAUDITA KUWAIT IRAQUE SÍRIA Tikrit Ramadi Al Asad Habbaniyah Diyarbakir Deir al-Zawr Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra, Departamento de Defesa dos EUA, The Guardian, Folha de S.Paulo 2016 A organização terrorista domina vastas áreas no coração do Oriente Médio e desestabiliza a região. O governo do ditador sírio Bashar al-Assad tem o apoio militar da Rússia para combater os grupos rebeldes e manter-se no poder. Já os EUA lideram uma coalizão militar que bombardeia bases do Estado Islâmico Regiões controladas Principais cidades controladas O ESTADO ISLÂMICO NO IRAQUE E SÍRIA FORÇAS CONTRA O EI Atacadas pelo EI Curdos Regime sírio Rebeldes contra o governo sírio Bases da coalizão liderada pelos EUA Base russa 2003 EUA e Reino Unido invadem o Iraque e derrubam o ditador Saddam Hussein 2004 Um dos grupos que lutam contra a ocupação do Iraque, dirigido por Abu Musab al-Zarqawi, se vincula à rede Al Qaeda de Osama bin Laden, adotando o nome de Al Qaeda no Iraque (AQI) 2011 Saída das tropas norte-americanas do Iraque. Rebeldes na Síria, com o apoio das potências ocidentais, começam a luta para depor o presidente Bashar al-Assad. O EII se desloca para o território sírio, onde se fortalece, e também combate Al-Assad. No Iraque, opõe-se ao governo de maioria xiita e começa a impor sua influência em regiões do norte do país, próximo à fronteira síria 2013 O grupo amplia sua atuação na Síria, adota o nome de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) e passa a contestar a liderança da Al Qaeda 2015 Em maio, o EI ocupa as cidades de Ramadi (Iraque) e de Palmira (Síria). Em novembro, realiza atentados em Paris que causam 130 mortes. O Exército iraquiano anuncia em dezembro a retomada de Ramadi, em operação concluída em janeiro de 2016 2014 Já desvinculado da Al Qaeda, o EIIL ocupa Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, em junho. No mesmo mês, declara o estabelecimento de um califado, chamado de Estado Islâmico (EI), que abrange áreas sob seu controle no Iraque e na Síria, e tem sua suposta capital na cidade síria de Raqqa. Al-Baghdadi autodeclara–se o califa. A partir de setembro, uma coalizão internacional, liderada pelos EUA, inicia intensos bombardeios aéreos contra as posições do EI 2006 Com a morte de Al-Zarqawi, atingido por bombas norte-ame- ricanas, a AQI é quase dizimada, mas ressurge como Estado Islâmico do Iraque (EII). Seus principais líderes são Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Baghdadi 2010 Após as mortes de Al-Masri e Al-Baghdadi, o EII se reorganiza sob a direção de Abu Bakr al-Baghdadi. No Iraque, cresce a insatisfação dos sunitas contra o governo xiita Países onde o EI declarou províncias do califado Ataques inspirados pelo EI Ataques ligados diretamente ao EI OS ATAQUES DO EI PELO MUNDO 30 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 DOSSIÊ ESTADO ISLÂMICO tado Islâmico e se autodenominou o cali- fa (um líder espiritual investido de poder político). O califado é uma referência aos antigos impérios islâmicos surgidos após a morte do profeta Maomé – o último califado foi o Império Otomano, dissol- vido em 1920. No entanto, este suposto califado carece de legitimidade mesmo dentro do mundo árabe-muçulmano. Recrutamento de voluntários A força do EI vem principalmente de sua capacidade militar e operacional. O número de integrantes do EI é de difícil verificação. As estimativas mais aceitas indicam que o grupo aglutina no mínimo 35 mil combatentes. Mas há avaliações que chegam a 100 mil mili- tantes. No Iraque, o EI absorveu mem- bros do antigo Exército de Saddam Hussein, desmantelado após a deposi- ção do ditador, em 2003. Além disso, a população sunita passou a ser cada vez mais discriminada pelo governo pró- xiita, o que levou muitos a aderir ao grupo fundamentalista. Mas o que mais impressiona é a ca- pacidade do EI em atrair voluntários de todas as partes do mundo, inclusive do Ocidente. Muçulmanos que vivem em países da Europa, desiludidos com a segregação e a falta de oportunidades, aceitam engrossar as fileiras do EI com a promessa de salvação. Utilizando tecno- logias de comunicação que vão de vídeos no YouTube a revistas online, o grupo manipula o discurso religioso para incitar o ódio e atingir seus objetivos políticos. O Estado Islâmico possui um Exército de pelo menos 35 mil combatentes, vindos de mais de 80 países BRUTALIDADE Cristãos etíopes são conduzidos por membros do Estado Islâmico antes de serem decapitados, na Líbia Acredita-se que os membros estrangeiros (fora da Síria e do Iraque) seriam prove- nientes de mais de 80 países. Como estratégia de guerra, o EI pro- move execuções e amputações em massa, às vezes contra comunidades inteiras, e mortes coletivas, por crucificação, decapitação e enforcamento. Essa im- posição pelo terror visa a atemorizar todos aqueles que o grupo classifica como infiéis (minorias étnicas e religiosas e ocidentais) ou apóstatas (muçulmanos que teriam renegado a religião). Como um grupo de orientação sunita, seus ata- ques atingem principalmente os xiitas. As raízes doutrinárias do EI, em sua cruzada contra os infiéis, podem ser en- contradas no wahabismo e no salafismo, movimentos sunitas ultraconservadores e radicais difundidos pela Arábia Sau- dita (leia mais na pág. 42). Mas a orga- nização não é movida apenas pelo ódio religioso. Com a instituição do califado, o grupo pretende criar uma nova ordem política no Oriente Médio e, a partir da conquista de novos territórios, um Estado genuinamente islâmico e uma sociedade livre dos costumes ocidentais. A gestão do “governo” O EI controla um território de aproxi- madamente 100 mil quilômetros quadra- dos, área pouco maior que a de Portugal. Nesses domínios, onde vivem entre 8 e 10 milhões de pessoas, o grupo assumiu o controle de bases militares, bancos, hidrelétricas, campos de petróleo e gal- pões de alimentos, além de instaurar um governo próprio, com ministérios, cortes islâmicas e aparato de segurança. Atua, assim, como se fosse um verdadeiro Estado, impondo a sua caótica ordem. A venda de petróleo extraído dos territórios que ocupa é uma das prin- cipais fontes de financiamento da orga- nização. O contrabando do óleo para a Turquia – onde é vendido a preços bem abaixo dos de mercado – proporciona uma renda estimada entre 1 e 3 milhões de dólares por dia. Outras formas de obter recursos são: a doação de indivíduos e instituições, principalmente da Arábia Saudita e do Catar, recompensas por estrangeiros sequestrados, o tráfico de milhares de objetos arqueológicos e antiguida- AP P H O TO 31GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 EI, DAESH, ISIL OU ISIS? NOME É MOTIVO DE POLÊMICA O uso do nome Estado Islâmico (EI) para designar o grupo fundamentalista é objeto de discussão entre especialistas e governos que estão empenhados em combatê-lo. Como se trata de um grupo terrorista, e não de um verdadeiro Estado, muitos dizem que chamá-lo pela denominação que ele próprio se atribuiu seria legitimá-lo. Além disso, a vinculação islâmica é repudiada pela ampla maioria dos muçulmanos, que não se reconhecem nas ações do grupo. Muitos governos, como o da França, utilizam o nome Daesh, que vem da contração de um de seus nomes anteriores (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) em árabe: Al-Dawla al-Islamiya fil Iraq wa'al-Sham. O termo, rejeitado pelo EI, é utilizado por inimigos do grupo porque o som lembra a palavra árabe que significa “destruidor”. Seu uso seria uma forma de desqualificar a organização. Autoridades norte-americanas costumam usar a sigla Isil, equivalente em inglês do mesmo nome anterior, mas o próprio presidente Barack Obama e o secretário de Esta- do, John Kerry, já se referiram ao grupo pelo termo pejorativo Daesh. Existe, ainda, o termo Isis – uma tradução alternativa que significa Estado Islâmico do Iraque e da Síria. APARATO MIDIÁTICO EXPANDE ALCANCE DO ESTADO ISLÂMICO Diogo Bercito – Em Madri A mensagem, citando normas do sé- culo 7º, pode parecer medieval. Mas o meio utilizado para divulgá-la é de uma modernidade tamanha. A facção terrorista Estado Islâmico (EI) utiliza uma complexa estrutura de comu- nicação nas mídias sociais para divulgar seus vídeos de decapitação e destruição de patrimônio histórico na Síria e no Iraque (...). Um relatório apresentado à ONU pe- lo pesquisador espanhol Javier Lesaca estima, por exemplo, que o EI tenha pu- blicado mais de 920 campanhas audio- visuais em 22 meses, com o trabalho de 33 diferentes produtoras. A estética, segundo Lesaca, é familiar ao público ocidental. Das gravações de execuções, quase metade foi inspirada em filmes como Jogos Vorazes e jogos eletrônicos como Call of Duty. O EI tem forte presença em dezenas de plataformas virtuais. Seus militantes es- tão no Facebook, no Twitter, no Telegram, no WhatsApp e em aplicativos desenvol- vidos pelos próprios terroristas. (...) Governos e empresas de comunicação caçam esses terroristas on-line, mas o esforço necessário é hercúleo. (...) Folha de S.Paulo, 31/1/2016 SAIU NA IMPRENSA des históricas, a exploração de outros recursos naturais, como o fosfato, e a cobrança de impostos e taxas das populações submetidas a seu domínio. A expansão do poder do EI levou vá- rias facções fundamentalistas a declarar lealdade ao califado. Estima-se que se- jam atualmente pelo menos 30 grupos, de quase 20 diferentes países. O grupo nigeriano Boko Haram, considerado um dos mais violentos do mundo em 2015, foi um dos que juraram lealdade ao EI. Mudança de estratégia Analistas avaliam que os atentados do final de 2015 marcam uma mudança de posição importante do EI. Desde que surgiu, o EI buscava atrair combaten- tes num território que conquistou, no Oriente Médio, e chamar os islâmicos de todo o mundo a jurar obediência a seu califado. Ao organizar ou apoiar ações terroristas no Egito, no Líbano, na França e nos EUA, o grupo passou a também projetar-se para fora da Síria e do Iraque, tendo como alvo alguns dos principais países que desenvolvem ações contra a organização. Os atentados mais recentes indicam que vários desses militantes do EI foram enviados de volta a seus países de origem, para organizar atos terroristas. Toda a ação dos atentados de Paris teria sido organizada por integrantes do grupo que moravam na França ou na Bélgica. O EI também começa a se expandir na ocupação de outros territórios. Em 2015, o grupo chegou até a Líbia, no norte da África. Como na Síria e no Iraque, o grupo aproveitou-se da fragilidade do Estado líbio, onde há disputas entre dois governos distintos. Estima-se que o EI tenha pelo menos 1,5 mil combatentes na região em torno da cidade de Sirte. A resposta do ocidente O avanço do EI, principalmente após a proclamação do califado em 2014, le- vou os EUA a comandar uma coalizão formada por cerca de 40 nações para realizar bombardeios aéreos contra bases da organização terrorista. Os ataques, que começaram em setembro de 2014, produziram resultados limitados e foram intensificados após os ataques em Paris. Entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, o Exército iraquiano retomou a cidade de Ramadi, que havia sido cap- turada em maio pelo EI. Ramadi fica a 100 quilômetros da capital, Bagdá. Os bombardeios da coalizão também fizeram o EI perder territórios na Síria e no Iraque. Embora tenha sido um avanço na luta contra o grupo, analistas avaliam que será muito mais difícil a recuperação de cidades maiores, como Raqqa (Síria), Mosul e Faluja (Iraque). O objetivo imediato dos EUA não é extinguir o EI, mas contê-lo, reduzindo o espaço geográfico sob seu controle. Um esmagamento completo do grupo é considerado praticamente impossível sem uma grande intervenção em solo, que é de difícil execução, tanto militar quanto politicamente. Após as fracas- sadas intervenções no Afeganistão e no Iraque, realizadas durante a Guerra ao Terror na década passada, a política ex- terna de Obama tem sido pautada pela cautela quando se trata de intervenções militares em outros países. Outro problema é o impasse em torno da coalizão organizada pelos EUA para combater o EI, já que é difícil separar essa iniciativa da situação da guerra ci- vil na Síria, em que há divergências en- tre os vários atores. Tanto EUA quanto União Europeia, Rússia e os principais aliados dos países ocidentais no Oriente Médio, como Arábia Saudita e Turquia, participam formalmente da luta contra o EI. Na Síria, entretanto, onde boa parte dos combates efetivos se desen- volve, os interesses são diferentes. E esse impasse tem sido fundamental para o fortalecimento do grupo extremista. 32 GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 DOSSIÊ ESTADO ISLÂMICO Mais de 250 mil pessoas já morreram nesse conflito que resultou no fortalecimento do Estado Islâmico e alterou o equilíbrio de forças no Oriente Médio arço de 2011. Um gru- po de crianças em Da- raa, no sul da Síria, é preso pela polícia por pichar frases críticas ao governo. Inconfor- madas, centenas de pessoas saem às ruas da cidade para protestar contra as res- trições à liberdade promovidas pelo go- verno do ditador Bashar al-Assad. Assim como em outros países do Oriente Médio e do norte da África, a Síria mergulha na onda de manifestações conhecida como Primavera Árabe (veja boxe na pág. 37). Mas a manifestação pacífica em Daraa é violentamente reprimida. As forças de segurança abrem fogo contra a multidão e matam dezenas de pessoas. A reação desproporcional do governo estimula novas revoltas. Algumas semanas depois, mais de 100 cidades na Síria são palco de protestos regulares. As tropas do governo não cedem e respondem com violên- cia, o que leva a oposição a se organizar em diversos grupos armados para lutar contra Assad. É o início da guerra civil. Corta para março de 2016. Passados cinco anos, a Síria é uma terra arrasada. O conflito é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a maior crise humanitária deste século. Os números falam por si só. Pelo menos 250 mil pes- soas morreram. Entre os sobreviventes, 6,5 milhões de pessoas foram obrigadas a mudar-se para outras regiões do país, e outros 4,5 milhões abandonaram a Síria. Com a economia em frangalhos, quase 70% dos sírios que permaneceram agora vivem abaixo da linha de pobreza. As forças no conflito A população síria encontra-se no meio de um fogo cruzado que envolve diferentes grupos. Veja a seguir as prin- cipais forças envolvidas no conflito: GOVERNO SÍRIO E ALIADOS De um lado do conflito está o regime sírio, liderado por Bashar al-Assad. Desde 1970, a família Assad comanda no país um brutal regime de partido único. Apesar de serem alauí- tas (uma seita muçulmana do ramo xiita), os Assad mantinham um governo laico, que separava a religião do Estado. Com o início dos protestos, os sunitas tomaram a frente na oposição ao regime, o que deu ao conflito contornos sectários. Apesar de não apoiarem o ditador, cristãos, xiitas e até parte da elite sunita preferem ver Assad no poder diante da possibilidade de ter um país tomado pelos extremistas. Quanto às alianças externas, Assad conta com o apoio do Irã e do grupo liba- nês Hezbollah, formando um “eixo xiita” no Oriente Médio. O termo se refere a uma aliança política que reúne países e organizações cujos líderes são adeptos dessa corrente do islamismo. O grupo se opõe a Israel e disputa a hegemonia no Oriente Médio com as monarquias sunitas, lideradas pela Arábia Saudita. O principal aliado fora da região é a Rús- sia, que mantém uma antiga parceria com a Síria, sustentada pela base naval que os russos controlam em Tartus, no litoral sírio. Tanto o apoio do Hezbollah e das milícias iranianas quanto os bom- bardeios mais recentes realizados pelas forças russas têm sido fundamentais para a sobrevivência do regime de Assad. GRUPOS REBELDES Umas das primeiras forças a mergulhar na guerra foram os grupos sunitas que lutam para derrubar a ditadura de Assad. Entre os chamados “rebeldes moderados”, que recebem esse nome por não serem adeptos do radi- calismo islâmico, a maior expressão é o Exército Livre da Síria (ELS). A organi- zação conta com o respaldo das potências ocidentais, lideradas pela Europa e EUA. Também recebem apoio da Turquia e da Arábia Saudita, principais inimigos de Assad na região. É por isso que a guerra na Síria, além de ser uma disputa interna de poder, reflete a rivalidade entre dois países-chave no Oriente Médio: Irã e Arábia Saudita (veja mais adiante). 33GE ATUALIDADES | 1º semestre 2016 MA IOR IA D OS S ÍRIOS F UGIU PARA PAÍSES PRÓXIMOS A atual instabilidade no Oriente Médio é fruto de antigas rivalidades e intervenções externas. Veja como se posicionam os principais atores regionais SÍRIA O regime de Bashar al-Assad passou a ser combatido em 2011 por grupos rebeldes armados, sustentados por EUA, Arábia Saudita e Catar. Para se defender, o governo sírio conta com o apoio do Irã e do grupo libanês Hezbollah, além da Rússia. Numa situação de caos criada pelo conflito, o EI ocupou metade do território sírio. Os curdos, etnia que habita o norte do país e luta por um estado independente, ajudam indiretamente Assad, ao combater os rebeldes e o EI TURQUIA Integra a coalizão internacional contra o EI, mas sua preocupação central é evitar a ascensão dos curdos, que estão presentes em seu território e em outros países da região e que lutam pela criação de um Estado próprio. Por isso, o regime turco fez vistas grossas à passagem de jihadistas por suas fronteiras em direção às regiões controladas pelo EI, já que o grupo combate os curdos. Antigo aliado sírio, a Turquia foi um dos primeiros países a voltar-se contra Bashar al-Assad assim que começaram as revoltas na Síria, em 2011 ISRAEL Desde sua criação, em 1948, o país vive um conflito com os árabes palestinos que ocupavam a região. Fortemente financiado e armado pelos
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