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1 Historia do Direito Brasil Periodo Colonial

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0 
 
UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
HISTÓRIA DOS SISTEMAS JURÍDICOS CONTEMPORÂNEOS 
DIREITO BRASILEIRO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Gustavo Vieira 
1 
 
1. O PERÍODO COLONIAL 
1.1 A CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DA AMÉRICA PORTUGUESA. 
1.1.1. Antecedentes Históricos 
Em 476, quando caiu o Império Romano do Ocidente, a província romana da Hispânia, 
na Península Ibérica, era habitada principalmente por visigodos, já cristianizada. Em 
711 os muçulmanos liderados por Tarik atravessaram o estreito de Gibraltar e 
estabeleceram-se na região, à exceção do reino cristão das Astúrias ao norte. Durante o 
processo de Reconquista, (século VIII-XV), o Condado Portucalense foi atribuído a 
Henrique de Borgonha por Afonso VI, rei de Leão e Castela. O filho do conde, Afonso 
Henriques, vai proclamar o rompimento dos laços feudais iniciando-se a dinastia 
Borgonha (1140). A consolidação do poder real foi favorecida pela luta contra os 
mouros, tendo Portugal garantido sua integridade territorial já em 1249, com a 
conquista do Algarve. Pode-se dizer que “Portugal nasceu com uma espada na mão”. A 
constante mobilização militar facilitou a centralização do poder político em torno do rei 
que, para manter um exército permanente, necessitava manter um sistema tributário 
assentado em uma burocracia estatal organizada. É possível dizer, portanto, que 
Portugal é o primeiro Estado no sentido moderno do termo. 
Para Gilberto Freire, esse processo de formação do Estado português resultou em uma 
nobreza fraca, pressionada pelo clero e que precisou aliar-se com as classes médias 
como garantia de sobrevivência, se mesclando a população já impregnada se sangue 
mouro. A aliança favoreceu a ascendência das classes marítimas e comerciais, 
caracterizando um aburguesamento parcial gerador de antagonismos com o setor rural. 
A oscilação do poder real entre aquela nobreza enfraquecida, essa burguesia mercantil e 
o povo das cidades é indicativa da “constituição social vulcânica” de Portugal, na qual a 
cidade predominou sobre o campo e o príncipe se fez ‘o senhor da espada e das trocas’. 
De todo modo, o Antigo Regime português carrega ainda assim instituições formadas na 
Idade Média, de caráter feudal ou corporativo; na qual sobrevivem distinções de 
nascimento, estamentos, ordens e corporações. O Direito é dominado por privilégios e 
ausência de sistematicidade. A origem disso está, em primeiro lugar, na inexistência de 
um sistema exclusivamente legal-positivo. A tradição e o costume, portanto, têm um 
papel constitucional. No discurso da lei e da autoridade há predomínio do barroco, do 
gongórico, do espetáculo. O primeiro documento legal de relevância no Direito 
Português é a Lei das Sete Partidas (1325), a qual se inspira no direito romano e 
canônico com vistas a suplantar os costumes medievais, o chamado ‘direito velho’, 
assentado na justiça privada. A Lei das Sete Partidas assinala ainda a progressiva 
monopolização do uso legítimo da força, com criação dos cargos de juiz pelo rei. O 
crescente poder central leva ao surgimento da ‘nobreza togada’ (noblesse de robe). Os 
letrados, juristas oriundos das universidades, alcançam a condição de fidalgos. 
Com a morte de D. Fernando, último rei da dinastia Borgonha, abre-se uma crise 
sucessória, na qual a nobreza coloca-se favorável à incorporação a Castela e a 
burguesia, favorável à manutenção da independência. A Batalha de Aljubarrota 
consagra a vitória do estamento mercantil na chamada Revolução de Avis (1385) [os. 
Tratado de Windsor – ING]. Com a aclamação de D. João como novo rei de Portugal, é 
favorecida a expansão ultramarina lusitana, cujo marco simbólico é a Conquista de 
Ceuta (1415) e o protagonismo de D. Henrique, que teve o monopólio dos 
descobrimentos e seus benefícios. A Coroa passou cada vez mais a ser gerida como 
empresa econômica voltada para o mar. As elites dirigentes não consistiam em uma 
2 
 
classe economicamente definida, mas uma camada social, um estamento inserido na 
estrutura do Estado, no qual os membros têm a consciência de pertencer a um mesmo 
grupo político. O estamento representa um freio conservador, instrumentalizando ente 
estatal de modo a manter-se no poder. “No país, os cargos são para os homens, e não os 
homens para os cargos” – dizia um ditado da época. A Índia era vista uma grande vinha 
a que os funcionários acorreriam para suas abundantes vindimas. Ociosa e ostentatória, 
a nobreza nutria-se da economia dirigida pelo estamento. Onde havia comércio, 
estabelecia-se a burocracia; a corrupção grassava e o cargo nobilitava e enriquecia. Não 
por outra razão Manoel Bonfim vai enxergar no Estado português, “órgão de opressão” 
a serviço da metrópole, verdadeiro “parasita da Nação” 
Em sua expansão, os portugueses tomaram posse dos arquipélagos da Madeira, dos 
Açores e do Cabo Verde, mas tiveram de enfrentar as pretensões espanholas sobre as 
então chamadas Ilhas Afortunadas (Canárias). Da discórdia passou‑se à Guerra 
Peninsular (1475‑1479) e terminou com um impasse: os portugueses venceram no mar, 
e seus adversários, em terra. A paz foi restabelecida pelo mencionado Tratado de 
Alcáçovas-Toledo (1479), pelo qual o rei português abdicava de eventuais direitos ao 
trono de Castela e da soberania sobre as Canárias, em troca da exclusividade para 
Portugal, das terras descobertas ao sul desse arquipélago, garantindo as rotas da costa da 
Guiné. São as disposições contidas nesse tratado que D. João II faz questão de lembrar a 
Colombo quando do retorno deste sua primeira viagem às Américas. No mesmo ano, o 
aragonês Rodrigo Bórgia publica a Inter Caetera (1493). 
Por meio da ‘bula de partição’, o Alexandre VI distinguiu as possessões da Espanha das 
de Portugal, traçando a divisa pelo meridiano que passa 100 léguas a oeste dos Açores e 
Cabo Verde – divisão considerada insatisfatória por Portugal. A Espanha, com sérios 
problemas na Itália e apenas recentemente unificada, não queria correr os riscos de uma 
nova guerra com Portugal. Resolveu transigir com o adversário tradicional e chegou a 
um acordo que a deixava em posição menos vantajosa do que aquela prevista pela bula 
da partição. As negociações foram completadas com a celebração do Tratado de 
Tordesilhas (1494) de “Capitulação da Partição do Mar Oceano”. Ratificado pela Santa 
Sé em 1506, pela bula Ea quae pro bono pacis, seu parágrafo essencial dividia as 
possessões ibéricas no Atlântico pelo meridiano que passa 370 léguas a oeste do 
arquipélago do Cabo Verde: as terras a leste seriam de Portugal; a oeste, da Espanha. 
Mesmo reconhecendo que foi concebido exclusivamente para o Atlântico, não há 
dúvida de que o Tratado era impreciso, pois: 
1. Primeiro, porque fala em léguas, sem especificar o tipo de légua, sabendo‑se 
que havia vários no século XV. 
2. Depois, porque não indica a partir de qual ilha do arquipélago do Cabo Verde 
deveria iniciar‑se a contagem das 370 léguas; ora, da ilha mais ocidental à mais 
oriental, a diferença é de três graus de longitude, cerca de 330 km de extensão. 
3. [Ademais], não se conhecia o processo de calcular longitudes com exatidão, que 
só seria descoberto, aliás, mais de duzentos anos depois, já no século XVIII. 
Apesar das imprecisões, o Tratado de Tordesilhas é considerado por Capistrano de 
Abreu como “a peça mais importante da nossa história diplomática”; “o primeiro ato 
relevante da diplomacia moderna, porque negociando entre Estados, e não, como era 
normal na Idade Média, decidido pelo Papa” (Paulo Roberto de Almeida). Jaime 
Cortesão lembra, com razão, que os negociadores portugueses já em 1494 não 
acreditavamno que os espanhóis tinham encontrado um caminho mais curto para o 
Oriente. Se o fizessem, não teriam assinado o Tratado, pois que isso significaria “o 
3 
 
absurdo de que o monarca [português] tivesse desistido do projeto tão longamente 
ambicionado e amadurecido, verdadeiro fulcro da política nacional, de alcançar o 
Oriente e monopolizar seu comércio”. 
Só anos depois de sua assinatura, com o estabelecimento dos portugueses e espanhóis 
no Oriente, é que o antimeridiano de Tordesilhas passou a ser considerado também o 
divisor das terras nas “Índias”, região que, durante o século XVI, tem muito mais 
importância para Portugal do que o Brasil. Em 1529, pela chamada Escritura de 
Saragoca, estabeleceu‑se que Carlos V cedia a D. João III, por 350 mil ducados, os 
direitos que pretendia ter sobre as Molucas. 
Um tema de discussão na historiografia portuguesa é a origem do chamado “Plano da 
Índia”, isto é, quando começaram os portugueses a pensar em chegar ao Oriente, pelo 
contorno do continente africano. Se é verdade que na época de D. Henrique já se 
pensava em chegar ao reino do mítico Preste João (a Etiópia), contornando pelo sul a 
área árabe do norte da África; só após a viagem de Bartolomeu Dias estava, entretanto, 
apontado com clareza o caminho marítimo para o Oriente. Mas, entre o fim dessa 
viagem, em 1488, e o começo da de Vasco da Gama, em 1497, passaram‑se nove anos, 
um período excessivamente longo nessa época de frenesi descobridor. Por que tão 
grande demora? O campo é aberto para debates. É esse lapso, aliás, um dos argumentos 
básicos dos historiadores que defendem a chamada “política do sigilo”, como Jaime 
Cortesão: navegações teriam continuado, mas não foram colocadas nos anais – assim 
como não há registros lusos da presença de Colombo na Corte. 
Discussão similar ocorre quanto à intencionalidade ou não da chegada dos portugueses 
ao litoral brasileiro, bem como acerca do possível conhecimento de terras na região, 
tendo em vista as exigências lusas quanto ao limite de 370 léguas previsto em 
Tordesilhas. Os navegantes pré-cabralianos a serviço da Espanha não sabiam com 
precisão aonde tinham chegado; apenas verificaram que havia terras ao sul do mundo 
caribenho de Colombo. Entre os portugueses há um famoso explorador dos mares em 
relação ao qual há certa base documental para a atribuição de prioridade: Duarte 
Pacheco Pereira. Para Max Guedes, contudo, “não importa quem chegou antes, foi 
Cabral quem fundou o Brasil”; pois todas as possíveis navegações pré-cabralianas são 
meras “passagens” pela costa – algo bem diferente da “estadia” de uma da frota de treze 
navios, durante dez dias, com vários desembarques. 
Se não é provado que os portugueses sabiam que realmente existiam terras onde Cabral 
encontrou o Brasil, é muito provável que pelo menos desconfiasse disso. Os indícios são 
vários: por que lutar tanto para ter uma larga parcela do Atlântico, em 1494, quando 
negociaram Tordesilhas? Afinal, para fazer a “volta larga” não era necessário tanto mar. 
Vasco da Gama reparou, quando fazia essa volta, que havia sinais de terra a oeste; 
navegantes espanhóis já haviam chegado à costa norte do Brasil, o que indicava a 
probabilidade de terras ao sul. Um novo argumento em prol da intencionalidade foi 
trazido recentemente pelo almirante Max Justo Guedes, que acredita com ele provar 
que, ao chegar a Porto Seguro, a frota cabraliense navegava para o noroeste, o que só 
seria aceitável numa viagem à Índia se se quisesse encontrar terras por ali. Esse 
historiador naval voou de helicóptero à altura do cesto da gávea das caravelas e 
verificou, então, que a descrição do monte Pascoal feita por Pero Vaz de Caminha só é 
possível se os navios da frota cabraliense estivessem velejando nessa direção. 
Pedro Álvares Cabral não passa à história como grande navegador, passa como 
mistério. Aos 32 anos, sem experiência no mar ou na terra que explicasse a escolha, 
aparece como comandante da maior frota até então aprestada por Portugal, liderando 
4 
 
capitães do renome de um Bartolomeu Dias ou de um Nicolau Coelho; terminada a 
viagem, desaparece totalmente dos anais. Por que, não se sabe. Uma explicação possível 
é que teria sido escolhido por sua posição na nobreza: afinal, mais que capitão, era o 
primeiro Embaixador que D. Manuel enviava às Índias; e condenado ao ostracismo 
porque a viagem não foi bem sucedida comercial e militarmente, além da perda de 
muitos homens e navios. 
O que se sabe ao certo é que a descoberta do Brasil foi fato secundário na época; apenas 
no século seguinte, com a ruína do império português na Índia e com o auge da 
produção de açúcar do Nordeste, a colônia passa a ter importância, que cresceria ainda 
mais no século XVIII, com a exploração aurífera das “minas gerais”. Inicialmente, a 
escassez de voluntários dispostos a desbravar o território desconhecido obrigou a Coroa 
a estabelecer medidas coercitivas como o recrutamento forçado de colonos, a criação da 
pena de degredo para o Brasil, além da concessão do direito de couto e homizio [abrigo 
e proteção]. A distância de Portugal e as precárias condições de vida na colônia 
representavam, por si só, uma grave punição. Nesse período [1500-1530], a primeira 
atividade econômica realizada na colônia fora a extração de Pau-Brasil associado ao 
escambo e à mão de obra indígena – representando até então apenas 2,5% das rendas da 
Coroa (as Índias 25%). As primeiras tentativas de exploração do litoral brasileiro se 
basearam no sistema de feitorias, adotado na África, sendo a exploração daquele 
produto arrendada (estanco) a Fernão de Loronha. 
1.1.2. O Empreendimento Colonial e o Mercantilismo 
O Sistema de Capitanias Hereditárias se estabelece a partir da expedição de Martin 
Afonso de Souza (1530) que funda a vila de São Vicente e constrói o engenho de São 
Jorge, o primeiro do Brasil. Os poderes exercidos pelos capitães donatários (nenhum da 
grande nobreza, ainda às voltas das índias) decorriam dos seguintes documentos: 
 Carta de Doação, meio pelo qual a Coroa pelo qual fazia a concessão de uma 
capitania a um donatário estabelecia seus limites geográficos e proibia o 
comércio das suas terras, aceitando a transferência territorial apenas por 
hereditariedade. 
 Carta de Foral, meio pelo qual o capitão donatário detinha os tradicionais 
poderes majestáticos de Justiça (inclusive quanto à aplicação da pena de morte, 
sem direito a recurso, exceto se o réu fosse fidalgo); Guerra (incluindo a 
escravização dos índios) e Fazenda (arrecadação tributária). 
 Os donatários poderiam ainda fundar vilas e conceder sesmarias, extensões de 
terras virgens, em face de sesmeiros que em tese deveriam cultivá-las por ao 
menos cinco anos e pagar tributos à Coroa. Doar terras de modo hereditário aos 
fidalgos do reino mantinha a tradição que vinha desde a Reconquista moura 
Com exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco, o modelo fracassou, 
retornando seu controle ao Estado português. Esse quadro, associado à crise no 
comércio com as Índias, as derrotas lusas no Marrocos e a exploração de metais 
preciosos na América hispânica levaram Portugal alterar sua política quanto ao Brasil. 
Desse modo, houve a criação de um Governo-Geral com a vinda de Tomé de Souza 
(1549), que trouxe consigo o Regimento que lhe dava sustentação jurídica, com a 
criação dos cargos de Ouvidor-Mor (justiça), Capitão-Mor (segurança) e Provedor-Mor 
(arrecadação); e representantes da Igreja, para criar o primeiro bispado no Brasil. 
Vinham com o Governador-Geral os primeiros jesuítas, entre os quais, Manoel da 
Nóbrega. Não obstante os esforços de centralização administrativa na cidade de 
5 
 
Salvador, a ligação com as demais regiões da colôniaera precária. Segundo Nóbrega, 
em São Vicente, “é mais fácil vir de Lisboa recado do que da Bahia”. 
O empreendimento colonial, bem como a própria sustentação do aparato burocrático do 
Estado absolutista vai exigir recursos que muito além do que obtido pela Coroa através 
da renda das terras, de matriz medieval. Para fazer frente a essa necessidade de recursos, 
os países europeus passam a adotar práticas mercantilistas. Não sendo uma teoria 
econômica como o liberalismo e sem se constituir em uma escola teórica, o 
mercantilismo não é abstrato. É empírico e, por isso mesmo, pouco homogêneo, 
propiciando distintas estratégias de arrecadação. O famoso Colbert, ministro do rei 
francês buscou criativamente aumentar as rendas de seu soberano estimulando 
manufaturas de luxo. Outros menos criativos – ou mais pragmáticos – recorriam à 
tributação pura e simples, como o cameralismo austríaco. Os ingleses e holandeses 
investiram na criação de companhias de comércio. 
Os reis de Portugal e Espanha, sobretudo em virtude do pioneirismo na expansão 
marítima, priorizaram desde cedo o colonialismo como forma de acumular recursos. 
Nesse quadro, as colônias deveriam contribuir para a autossuficiência da Metrópole, 
transformando-se em áreas reservadas de cada potência colonizadora, na concorrência 
internacional com as demais. Seu eixo básico consistiu no “exclusivo metropolitano”, 
ou seja, na exclusividade do comércio externo da colônia em favor da Metrópole. 
Ilmar Mattos cunhou uma boa metáfora para ilustrar a relação da metrópole com a 
Colônia: tratava-se de uma moeda. Não é um pacto, tampouco uma sucessão de ciclos. 
A moeda colonial tem dois lados: em um deles, há os interesses da metrópole; no outro, 
estão os interesses dos colonos. Um não existe sem o outro O monopólio do comércio 
era a liga, o metal no qual era cunhada a “moeda colonial” e se expressava em diversos 
níveis. A Revolução Comercial dos séculos XV-XVII marca um período de transição 
entre o feudalismo e o capitalismo industrial, desenvolvido por meio da acumulação de 
capital, em especial reservas de outro e prata (metalismo). 
Caio Prado, em ‘Formação do Brasil Contemporâneo’ (1933), insere o Brasil, sua 
descoberta e colonização, no grande movimento encetado pelo capital mercantil, uma 
vasta empresa de exploração do que é encontrado e comercializável, de modo a atender 
os interesses europeus de consumo, sem maiores preocupações de se construir uma 
sociedade unitária e integrada. Esse condicionamento exterior, que faz do Brasil uma 
“feitoria da Europa”, que se transformará em condição fundamental para o crescimento 
econômico da própria do Velho Mundo. Darcy Ribeiro denomina Portugal e suas 
possessões de "Império Mercantil Salvacionista", esse segundo aspecto ilustrado no 
‘Sermão dos Bons Anos’ de Padre Antônio Vieira, segundo o qual Portugal consistiria, 
com a graça de Cristo, no ‘Quinto Império’ (o anteriores teriam sido o Assírio, o Persa, 
o Grego e o Romano) a espalhar a mensagem de Deus na Terra. 
1.1.3. A Sociedade Colonial e a Escravidão 
Nesse quadro, Caio Prado insere o Brasil, sua descoberta e colonização, no grande 
movimento encetado pelo capital mercantil, uma vasta empresa de exploração do que é 
encontrado e comercializável, de modo a atender os interesses europeus de consumo, 
sem maiores preocupações de se construir uma sociedade unitária e integrada. Esse 
condicionamento exterior, que faz do Brasil uma “feitoria da Europa”. Essa ‘feitoria’ 
vai florescer inicialmente na faixa litorânea do NE, região na qual se desenvolve a 
empresa açucareira trazida da na Ilha Madeira. Ainda nos termos de Caio Prado, o 
modelo de exploração baseou-se na ‘plantation’: grande propriedade monocultora, 
votada à exportação, visando atender à acumulação de riqueza na Metrópole. Esse 
6 
 
modelo se sustentava na imposição do trabalho compulsório – a escravidão – única 
forma de evitar, devido à larga extensão de terras disponíveis, a disseminação de 
pequenas propriedades. O trabalhador precisava ser obrigado a trabalhar, pois, se livre, 
cultivaria a própria terra ou as terras abandonadas e abundantes do sertão. 
A opção pela mão de obra escravo do negro africano em detrimento da indígena decorre 
de uma série de fatores: 
 Geopolítico. Segundo Caio Prado, se os colonos viam no indígena um 
trabalhador aproveitável; a metrópole via um povoador para a imensa área que 
tinha de ocupar, muito além de sua capacidade populacional. 
 Cultural. Alguns apontam que a cultura destes era incompatível com o trabalho 
intensivo, ao passo que os africanos estariam familiarizados com o trabalho na 
lavoura; outros, a maior possibilidade de resistência, pelo conhecimento do 
território e seus recursos, ao passo que os africanos se encontravam 
desenraizados. 
 Demográfico. Parece ser mais determinante. Os engenhos brasileiros 
funcionaram ao longo de décadas com mão de obra indígena e aos poucos o 
tráfico negreiro se tornou alternativa para o desaparecimento gradual dos índios 
e para a crescente dificuldade em obtê-los. É interessante esse ponto em que a 
procura diversifica o tipo de oferta. Em suma, o desaparecimento progressivo 
dos índios – genocídio causado por escravização, epidemias, destruição de seu 
modo de vida e ecossistema –, concomitante à crescente necessidade de mão de 
obra por parte dos colonos, estimulou o tráfico africano. 
 Econômico. O tráfico foi também imensamente vantajoso para a metrópole, que 
o tributava, e também para os padres. A igreja justificava ideologicamente a 
manutenção da reserva de mão de obra indígena. Os índios, livres da 
escravização por parte dos colonos, eram monopolizados, sobretudo pelos 
jesuítas. Para Alfredo Felner, como os jesuítas eram donos dos sobas, podiam 
vender escravos com lucros astronômicos, daí conivência com o tráfico negreiro 
e intransigência em relação à escravidão indígena. 
O fato é que o trabalho compulsório africano foi, aos poucos, substituindo o trabalho 
indígena. A escravidão africana era justificada pela Igreja a partir de uma concepção 
neoescolástica de liberdade, que pode ser encontrada no ‘Sermão XIV do Rosário’ de 
Padre Antônio Vieira. De acordo com o jesuíta português, “o pecado, e não o cativeiro 
temporal, que caracteriza essencialmente a escravidão”. Essa condição, “que pode 
parecer desterro, cativeiro, desgraça e não é senão milagre, grande milagre”, pois “desde 
que o índio ou negro foram escravizados e receberam o batismo, entraram para o grêmio 
da humanidade cristã”. 
A partir de 1570, a Coroa passa a incentivar a exploração de mão-de-obra negra, ao 
passo que visa proteger as comunidades indígenas, muitas delas reduzidas a Missões 
Jesuíticas. Essas medidas foram em larga medida inócuas fora das regiões de produção 
açucareira que tinham aporte econômico para adquirir escravos africanos. Em outras 
áreas, justificava-se o apresamento indígena pela ideia de “guerra justa”, resposta a 
supostas agressões ou de combate à antropofagia. De todo modo, entre meados do 
século XVI ao século XIX, cerca de quatro milhões de africanos foram trazidos ao 
Brasil, em especial para o Rio de Janeiro e Salvador. 
A escravidão negra não foi, contudo, pacífica, como demonstra a existência de 
quilombos como demonstra a existência por quase de cem anos de Palmares – derrotado 
em 1695. Puniam-se violentamente os que não soubessem o seu lugar. Acomodação era 
7 
 
sobrevivência. O tronco e o pelourinho eram os lugares do castigo público. Serviam de 
exemplo recorrente e pedagogicamente eficiente de submissão. O escravo rebelde, que 
sofria as mais variadas sevícias até que seu espírito, sua resistência, irremediavelmente 
alquebrada, não pudesse mais planejar ou rebeliões. 
Nesse contexto,a sociedade colonial se organizava de modo estratificado, distinguindo-
se colonizadores, colonos e colonizados, como bem descreve Ilmar Mattos. 
O colonizador é agente direto ou indireto dos interesses da metrópole. Comerciantes, 
funcionários da Coroa, padres e bispos – não existia separação entre Estado e Igreja; 
esta era um braço do Estado português – eram todos agentes do exclusivo metropolitano 
em suas expressões religiosas, políticas ou comerciais. Tal distinção, entretanto, nunca 
foi tão rígida como a que ocorria na América espanhola entre criollos e peninsulares, os 
chapetones. Muitos agentes da Coroa e grandes comerciantes eram nascidos no Brasil, 
tendo estudado na Universidade de Coimbra e/ou se tornado cortesãos em Lisboa – haja 
vista Alexandre de Gusmão, secretário particular de D. João V, negociador do Tratado 
de Madri, e Azeredo Coutinho, bispo de Pernambuco, fundador do Seminário de 
Olinda, inquisidor do reino em Lisboa. Não estava fechado aos brasileiros talentosos, 
[portanto], o cursus honorum da burocracia portuguesa. Essa distinção com a América 
espanhola é explicada por Sérgio Buarque de Holanda devido a escassez de gente em 
Portugal, sobretudo alfabetizada. Na Colônia, entretanto, não eram infrequentes as 
tensões entre os colonos e os colonizadores, em torno do questionamento não dos 
pressupostos, mas da aplicação do exclusivo metropolitano. 
Quem são os colonos? Os colonos eram os senhores da colônia. Tais senhores eram 
detentores do monopólio sobre os meios de produção: o engenho, a terra e o escravo. Os 
senhores eram ciosos de sua pretensa “nobreza” e ressentiam-se da posição subordinada 
e defendiam seu status dificultando como podiam a expressão política dos comerciantes 
nas cidades coloniais, o que gerou enfrentamentos conhecidos. Na Guerra dos Mascates 
(1684) os grandes comerciantes que buscavam em Portugal a elevação de Recife à 
condição de Vila viram seu pelourinho derrubado pelos grandes senhores de Olinda. O 
episódio, tratado pelo embaixador Evaldo Cabral em “A fronda dos mazombos”, inverte 
no título do livro a zombaria aos comerciantes ao usar a expressão que caracterizou a 
rebelião da nobreza francesa contra Luís XIV, associada à “mazombice” mestiça desses 
pretensos aristocratas. Esses “homens bons” se relacionavam entre si em um mundo em 
que a hierarquia era clara para todos e cada um sabia qual era o seu lugar. 
Dentre os colonos, quase todos estão abaixo do senhor de engenho, “título a que muitos 
aspiram e que poucos podem possuir”, segundo Antonil. O senhor de engenho 
subordina a “cana obrigada” de outros senhores que, sem engenho, não têm outra 
escolha senão recorrer a ele para beneficiar sua produção. A instalação de um engenho 
constituía um empreendimento considerável, dependente da concessão de créditos, que 
vinham da Coroa, ordens religiosas, mas especialmente a burguesia flamenga. 
Os senhores de engenho tinham um considerável poder político, econômico e social, 
constituindo uma aristocracia colonial, mas não uma nobreza hereditária, vez que o rei 
concedia títulos por serviços prestados ou mediante pagamentos. O mercado oscilava, 
de modo que os engenhos foram mais permanentes que seus senhores. Entre senhores e 
escravos ficavam os libertos e trabalhadores livres. 
Os grandes proprietários de açúcar se dividiam em “lavradores de cana” e “senhores de 
engenho”, estes últimos com maior poder econômico e prestígio social. O senhor de 
terras explorado pelo senhor de engenho que o extorque está acima, por sua vez do 
colono que só possui escravos, mas tem de alugá-los, por não ter terras. Este, por sua 
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vez, se sente feliz por não estar na desdita do idoso ou da idosa que só tem um escravo 
para chamar de seu, escravo que o sustenta com sua jornada de aluguel e que foi 
comprado com o esforço de uma vida de trabalho. 
Cabem ainda algumas palavras sobre os colonizados. São os homens obrigados ao 
trabalho, fossem escravos ou libertos, brancos pobres ou mestiços. Tais indivíduos na 
base da pirâmide. Aos brancos pobres, restava-lhes apenas a alegria de não ser escravo. 
Não tinham “donos”, apenas um senhor. Não eram açoitados, apesar de poderem ser 
objeto de conscrição compulsória em caso de guerra; sua situação ainda era um pouco 
melhor que mulatos e ingênuos (filhos livres de ex-escravos), pois a estes havia o risco 
de serem arbitrariamente reduzidos à escravidão. Quanto aos negros forros ou libertos, 
essa possibilidade era ainda mais cristalizada, pois a alforria poderia ser revogada pelo 
ex-proprietário em caso de suposta ‘ingratidão’. 
Se escravo, preferia ter a felicidade de viverem em cidades. Os escravos urbanos se 
consolavam com a oportunidade de terem alguma chance de montar pecúlio, ser 
“escravo de ganho”, inviável no ambiente rural da senzala. Melhor que a senzala era ao 
menos viver na Casa Grande, como domésticos. Eram dispensados de trabalhar no eito. 
Mas mesmo na senzala havia diferenciação. Os escravos ladinos tinham nascido no 
Brasil ou pelo menos falavam português. Com isso conseguiam privilégios, vantagens, 
impossíveis para os que não conseguiam se comunicar, diferentemente dos recém-
chegados da África, chamados pretos boçais. Tinham a pior das fortunas na colônia. 
Na primeira parte da tetralogia ‘Introdução à História da Sociedade Patriarcal no 
Brasil’, ‘Casa Grande e Senzala’ (1933), Gilberto Freire aponta como condicionantes 
fundamentais das relações existentes na colônia: 
(a) A monocultura latifundiária do açúcar, modelo econômico do qual resulta uma 
dominação patriarcal sobre a família, escravos, agregados e homens livres; e 
(b) A escassez de mulheres brancas, da qual resulta a possibilidade de 
“confraternização entre vencedores e vencidos”, operando como corretor da 
distância entre casa grande, mata tropical e senzala, agindo no sentido de 
‘democratização social’ do Brasil. 
A conformação da sociedade brasileira, (a) patriarcal e (b) miscigenada decorreria da 
plasticidade lusitana, “povo indefinido entre Europa e África”, cujo dualismo permite 
um “bambo equilíbrio de antagonismos”. A mobilidade, miscibilidade e 
aclimatabilidade do português fazem desse, nos termos do lusotropicalismo de Gilberto 
Freire, o colonizador por excelência. 
A tese do autor pernambbucano em prol da existência de uma suposta ‘democracia 
racial’ no Brasil é objeto de crítica contundente, ao estabelecer uma ponte imaginária 
entre miscigenação biológica e aceitação social. Ademais, como assinala Sérgio 
Buarque, é uma impropriedade aplicar a forma de estruturação social do NE a todas as 
regiões do país. Apesar da pertinência das críticas, em seu tempo, ‘Casa Grande & 
Senzala’ foi uma obra inovadora. Ao destacar o papel civilizador da cultura africana no 
Brasil, contrapunha-se às teorias racistas até então dominantes na explicação da 
sociedade brasileira. Caio Prado, por exemplo, chega a dizer que a formação da 
sociedade brasileira seria fruto da mescla de “dois sentimentos tirânicos”, a luxúria e a 
cobiça, associadas na cofluência de três raças: ‘pretos boçais’, ‘índios apáticos’ e 
‘brancos degenerados’ (sic). Em sentido contrário, Freire defende que são justamente as 
regiões de maior mestiçagem que se apresentam mais fecundas de grandes homens, 
“pela sabedoria da contemporização, pelo senso de oportunidade e de equilíbrio”. O 
autor pernambucano considera que aspectos como a suposta indolência da população 
9 
 
nacional derivam de aspectos socioculturais e não étnico-raciais: a disseminação da 
monocultura canavieira em detrimento da subsistência agrícola levava a um quadro de 
subnutrição crônica, depauperadora da energia econômica na colônia. 
No entanto, essa perspectiva, ainda era minoritária quando da publicação de Casa 
Grande eSenzala. O crítico literário Sílvio Romero, por exemplo, considerava o povo 
brasileiro como ‘semibárbaro’, defendendo o branqueamento da população como 
solução para o “defeito de formação” étnica nacional. Essa ideologia racista será objeto 
de ferrenha crítica por parte de Manuel Bonfim em ‘América Latina males de origem’ 
(1905). Para Bonfim, o racismo nada mais seria do que um “sofisma abjeto do egoísmo 
humano, hipocraticamente mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado à 
exploração dos fracos”. A valorização dos arianos louros pelos antropólogos racistas se 
baseava na confusão entre “parentesco idiomático” e “filiação de sangue”, 
transformando a noção linguística em descabida categoria étnica. Alberto Torres 
também se coloca contra às doutrinas do branqueamento, considerando que nenhum 
grupo humano tem predisposição espontânea para ser superior ou inferior, sendo suas 
possibilidades de desenvolvimento dependentes inteiramente das condições ambientais, 
oportunidades de trabalho e aprendizado intelectual. 
Por sua vez, Sérgio Buarque em “Raízes do Brasil” (1936) busca analisar as origens 
coloniais da sociedade brasileira a partir de cinco dicotomias. 
[1] Disposição de conduta: 
 Ética do Aventureiro: refletida na ânsia de prosperidade imediata e a qualquer 
custo, como demonstra o caráter perdulário da colonização ibérica. 
 Ética do Trabalhador: preocupada com soluções previdentes e de longo prazo 
para realização do desiderato colonizador além Pirineus. 
[2] Ocupação territorial: 
 Semeador português: a América portuguesa “cuidou menos de construir, 
planejar ou plantar alicerces, do que feitorizar uma riqueza fácil e quase ao 
alcance da mão”, sempre nostálgico do Reino, a cultivar a terra no litoral, a 
mercadejar nos portos, arranhando a praia como um caranguejo. 
 Ladrilhador espanhol: as Índias de Castela, por meio “da construção de grandes 
núcleos de povoação estáveis”, tentou com a “linha reta”, “retificar a fantasia 
caprichosa da paisagem agreste” e assim “assegurar o predomínio militar, 
político e econômico sobre as terras conquistadas”. 
[3] Vida societária: 
 Cordialidade: herança lusitana em que se busca sociabilidade familiar, vínculos 
emotivos, alguma relação de intimidade, junto às autoridades, de modo a obter 
tratamento diferenciado, favores especiais. 
 Civilidade: o agir de acordo com normas de conduta impessoais, de forma 
polida, sem distinções ou privilégios de qualquer natureza, traço característico 
da colonização europeia além Pirineus. 
[4] Relação com o Estado: 
 Patrimonialismo burocrático: a coisa pública é tratada pelos agentes do Estado 
como se bem privado fosse, destinado a satisfazer interesses pessoais. 
10 
 
 Despersonalização democrática: as funções do Estado são exercidas em vista do 
interesse público objetivo, e respeito à sociedade e não a um particular. 
[5] Visão das Américas: 
 Realismo Pedestre: fosse pela experiência ultramarina acumulada, fosse pela 
persistência do fascínio oriental, Portugal adota um tom monocórdio, quase 
burocrático, sobre a descrição das novas terras brasileiras. 
 Imaginação Delirante: na Espanha, narrativas edenizadoras comunicavam 
elementos bíblicos com reminiscências helenísticas e ambições metropolitanas, 
como a fonte da juventude, o “País da Canela” ou a lenda do ‘El Dourado’ 
Para Sérgio Buarque, a família patriarcal foi o elo social por meio do qual a [1] ‘Ética 
do Aventureiro’, a [2] ocupação territorial do ‘Semeador Português’, a [3] vida 
societária pautada pela ‘Cordialidade’ e o [4] ‘Patrimonialismo Burocrático’ 
imprimiram sua marca na sociedade brasileira. Nessa “célula orgânica da sociedade 
colonial”, nos termos de Caio Prado, o pátrio poder é quase ilimitado. Estende-se, para 
usar a terminologia de Oliveira Viana, não só ao ‘Clã Parental’ (aos parentes de 
sangue), mas também ao ‘Clã Feudal’ (agregados, escravos e plantações,) mantendo-se 
quase imune às pressões ou restrições de fora. O latifúndio era um organismo que tendia 
à autarquia, predominando na organização social, sendo as cidades um mero “apêndice 
rural, puro reflexo do campo”, na expressão de Caio Prado. 
1.1.4. A Civilização do Açúcar 
A partir da década de 1580, o Brasil, colônia portuguesa, tornou-se o principal produtor 
mundial de açúcar, posição que manteve até a segunda metade do século XVII. A 
instalação do complexo açucareiro também demandou atividades de abastecimento 
alimentar. Dessas, destaca-se a criação de gado bovino. Enquanto a cana ocupava as 
terras férteis do litoral, a pecuária bovina expandia-se em duas frentes para o interior: a 
região do rio São Francisco e o eixo que se abria no sentido Olinda-Piauí, chamados, 
respectivamente, de sertão de dentro e sertão de fora – provendo o que Nelson Werneck 
Sodré, chamou de “expansão horizontal” do território brasileiro. Outra atividade 
complementar à açucareira, porém pouco estudada, foi a do extrativismo de lenha para 
utilização no beneficiamento da cana-de-açúcar nas fornalhas, que levou à devastação 
da mata atlântica. 
Na chamada “civilização do açúcar” não era infrequente a presença de mão de obra de 
homens livres ou libertos nas atividades intermediárias ou complementares às da 
produção do açúcar, como artesanato e as demais funções técnicas e administrativas. 
Mesmo os escravos tinham, em grande parte dos engenhos, direito a uma lavoura 
própria, a chamada “brecha camponesa”, onde cuidavam de gêneros para sua 
subsistência ou para o pequeno comércio. Esse dia “livre” de trabalho, usado para 
cuidar de sua roça, trazia também vantagens para os senhores, que diminuíam os custos 
de manutenção de seu plantel. 
Embora seja incorreto se falar em ciclos econômicos, pode-se identificar, quanto ao 
açúcar, uma “conjuntura de expansão” entre 1570 e 1620, devido ao aumento da 
demanda e ausência de concorrência. A situação se inverte com a Guerra dos Trinta 
Anos, as Invasões Holandesas e a concorrência com a produção açucareira nas Antilhas. 
As invasões holandesas foram o maior conflito político-militar da colônia; uma luta 
pelo açúcar, sustentada pelo açúcar (Evaldo Cabral). Sua ocorrência decorre em larga 
medida do advento da União Ibérica. A União Ibérica (1580-1640) foi fruto de uma 
crise dinástica no trono português, causada pelo desaparecimento de D. Sebastião, da 
11 
 
dinastia de Avis, na batalha de Algacer-Quibin (1578). Seu tio assumiu o poder 
(Cardeal D. Henrique), mas morreu dois anos depois sem deixar herdeiros. Assim, 
Felipe II da Dinastia dos Habsburgo, que estava no poder na Espanha, assumiu o trono 
português, como Felipe I. Começava o período de “1 rei 2 coroas”. Assim, a União não 
era uma conquista, mantendo-se certa liberdade por parte de Portugal. 
Com a União Ibérica, os espanhóis aumentaram o rigor do exclusivo metropolitano 
sobre o comércio realizado no Brasil, impedindo que empresas mercantis de outras 
nações aportassem nas principais praças brasileiras. Os holandeses, em luta pela 
independência em relação a Madri e que transportavam, na ocasião, boa parte da 
produção açucareira de Pernambuco foram os mais prejudicados com o fechamento dos 
portos comandado pelos espanhóis. Desse modo, houve investida flamenga nas 
possessões portuguesas na África e, com a criação da Companhia das Índias Ocidentais, 
a ocupação de Salvador em 1624. 
Afastada a invasão pela Jornada dos Vassalos [que vai levar à ‘Guerra das Tintas’ entre 
cronistas lusitanos e hispânicos quanto a seu protagonismo, sintomático da busca de 
afirmação dos fidalgos portugueses no Reino Unido] no ano seguinte, os holandeses 
promovem nova investida, agora contra Olinda, dessa vez consolidando seu poder entre 
1630 – 1654. Além da produção açucareira, os holandeses tomaram dosportugueses o 
lucrativo negócio do tráfico negreiro com a conquista de Luanda (Angola) e de São 
Tomé em 1641 que, na ocasião, eram as principais praças fornecedoras de escravos da 
África. Essa dupla conquista produziu repercussões imediatas na formação sócio-
espacial na América Portuguesa. Com a dificuldade no abastecimento de escravos 
negros, as bandeiras paulistas tiveram nas invasões holandesas o estímulo e as 
justificativas para continuarem a captura de ‘negros da terra’ para o trabalho escravo, 
chegando a atingir e destruir inúmeras reduções jesuíticas na bacia do Paraná. 
A gestão de Nassau é considerada o apogeu do domínio holandês na região. Seu retorno 
coincide com o incremento da resistência, que vai culminar na derrota flamenga em 
Guararapes. 
Para Varnhagen, as chamadas “guerras do açúcar” serviram de elemento catalisador de 
aglutinação das três raças, representados nas figuras de Vidal de Negreiros (branca), 
Filipe Camarão (índia) e Henrique Dias (negra). 
Entrementes, diante da contínua perda de autonomia administrativa, emerge em 
Portugal o movimento chamado de Restauração Nacional. Tal movimento iniciou-se 
com a aclamação de D. João IV, em 1640, e concluiu-se em 1668, com o 
reconhecimento da nova dinastia (Casa de Bragança) pelo Papa. 
O fim da União Ibérica, a guerra com a Inglaterra e os interesses na exploração do sal 
português em Setúbal contribuiu para a celebração da paz entre Lisboa e Amsterdã pela 
Convenção de Haia (1661). Esse tratado significou a “recompra” daqueles territórios 
por parte de Portugal [servindo também, nos termos de Magnoli, como tratado de 
limites com a Guiana Holandesa, estabelecidos na Serra do Tucumaque – RV] . 
O conflito luso-holandês irá contribuir à aproximação entre Portugal e Inglaterra. No 
mesmo ano em que foi celebrado o Tratado de Haia, os dois países firmam uma série de 
acordos por meio dos quais Lisboa faz grandes concessões comerciais a Londres em 
troca de proteção diplomático-militar. A consequência mais grave do conflito, porém, 
foi a quebra do monopólio do açúcar brasileiro no mercado internacional, que passou a 
ser produzido também nas Antilhas holandesas, reduzindo significativamente a 
rentabilidade da empresa açucareira no NE brasileiro. 
12 
 
A primeira medida importante tomada para superar os obstáculos oriundos dos eventos 
geopolíticos da primeira metade do século XVII, foi a adoção de postura política mais 
centralizadora com a criação do Conselho Ultramarino, em 1642, substituindo a antiga 
Casa da Índia e o Conselho das Índias (espanhol). Coube ao Conselho Ultramarino, a 
orientação política, econômica e tributária da América Portuguesa. Uma de suas ações 
imediatas foi a criação da Companhia do Comércio, em 1649, inscrita nas lógicas do 
exclusivo mercantil de sustentação de amplos privilégios do comércio entre a Metrópole 
e a Colônia. Mediante contrato público o rei concedia uma carta patente, ou seja, uma 
autorização, para que particulares ingressassem no monopólio régio, desde que se 
organizassem na forma de companhia e pagassem certas companhias à Coroa. Recebiam 
privilégios como responsabilidade limitada e autonomia jurisdicional e legal. Assim, no 
Antigo Regime, o direito régio a tributação, mas não sua arrecadação; a cobrança é 
deferida a particulares ou comunidades (como uma paróquia, uma freguesia) que 
contratam, por meio de lances em um leilão. São os chamados ‘contratadores de 
rendas’, lançadores ou financistas da Coroa. O Leviatã – como sugere Hespanha – está 
atado; o rei, com discurso de poder absoluto aparente, é chantageado pelos que podem 
fazê-lo crescer e funcionar. 
1.1.5 O Ouro das Minas Gerais 
De certo modo, ao prenunciar o afluxo de gente que inevitavelmente se seguiria, os 
paulistas adiaram tanto quanto possível a anunciação da descoberta de ouro em 1695 na 
região que se chamava, na época, Sabarabuçu. Sendo inevitável o anúncio, este foi 
muito bem negociado com a coroa. O perdão a Borba Gato por crimes cometidos, os 
cargos oferecidos aos notáveis de São Vicente, as garantias da Coroa de que os 
sertanistas permaneceriam no controle da região são alguns exemplos que dão conta da 
negociação em jogo. A Coroa não tinha como ter acesso ao ouro sem os bandeirantes, e 
esse controle privado sobre as zonas mineradoras permaneceria na mão dos paulistas 
por mais de uma década. Grassava a criminalidade, inevitável em face dos preços 
extorsivos dos víveres. Duas causas estruturais explicam a crescente tensão na zona 
mineradora que se seguiu entre os paulistas e os emboabas. 
1. Uma delas é simplesmente demográfica. Os estrangeiros, ou seja, os ‘não 
paulistas’ – chamados pejorativamente por estes, de emboabas, em pouco tempo, 
já eram em número muito maior que os vicentinos. Era natural que não 
tardassem a recusar a hegemonia política dos paulistas e as vantagens 
econômicas daí advindas. 
2. Outro elemento é o econômico. A mineração favoreceu a disseminação 
acelerada da escravidão africana. Os grandes traficantes estavam em Recife, em 
Salvador e no Rio de Janeiro, de onde provinham as lideranças emboabas. A 
evolução da mineração, com a chegada de técnicas usadas em Potosí, 
maximizou a demanda pelo uso intensivo da mão de obra africana, sobretudo os 
muito valorizados “pretos de Mina”, e já estavam mais familiarizados com a 
mineração; Os fluxos de comércio negreiro, muito lucrativos e necessários, 
estavam fora do alcance dos paulistas. Em pouco tempo, o número de escravos e 
de mulatos na região já superava a Bahia. 
A formação de duas facções antagônicas levou rapidamente a enfrentamentos, na maior 
parte das vezes, desfavoráveis aos paulistas. Estes foram progressivamente desarmados, 
humilhados e expulsos de diversas regiões das Minas Gerais, por grupos de emboabas 
armados. A chegada de um novo governador à zona deflagrada de conflito encerrou a 
Guerra dos Emboabas. A Coroa parecia mais interessada em pacificar a região do que 
punir ou julgar quem quer que fosse. Com vistas a criar um aparato burocrático que 
13 
 
viabilizasse a administração da região, o Reino vai adotar as seguintes medidas, 
especialmente através do Regimento das Minas (1702): 
 Criação da Capitania das Minas Gerais (e elevação da Vila de São Paulo à 
categoria de Cidade) com uma administração subordinada diretamente a Lisboa, 
completamente desligada do Governo-Geral da colônia, contando com Juntas de 
Julgamento e Regimento de Dragões. 
 Regulamentação das datas (lotes de terras na zona mineradora), sucedendo-se 
diferentes modos de tributação do ouro: (a) inicialmente o quinto (‘dos 
infernos’), a ser cobrado pelas Casas de Fundição; (b) posteriormente substituído 
pela capitação, por quantidade de escravos, sugerido por Alexandre de Gusmão; 
e posteriormente estipulando-se uma quantia fixa anual por território, a (c) finta, 
que chegou a 100 arrobas em 1750, com possibilidade de ‘derrama’. De modo a 
evitar o contrabando foi proibida exportação ou circulação de ouro em pó. 
 Controle demográfico de acesso à região, com a criação de Centros de Inspeção 
policiados, os chamados ‘Registros’ nos caminhos para SP, RJ, BA e PE com 
cotas de ingresso de escravos e proibição de acesso de ordens religiosas (santos 
de pau oco). Apenas era lícito transitar por determinadas estradas reais, passando 
a ser taxado tanto o ingresso de pessoas (direito de passagem) como de produtos 
(direito de entrada) com destino à região. 
Em a ‘A idade do ouro do Brasil – dores do crescimento de uma sociedade colonial 
[1695 – 1750]’, Charles Ralph Boxer elenca quatro consequências da descoberta das 
Minas Gerais [RV]: 
1. O ouro promoverá um fenômeno demográfico da maior importância, com a 
migração espontânea de Portugal,pela primeira vez na história da colônia, e 
deslocamento das reservas de escravos da região açucareira em decadência. De 
300 mil habitantes estimados em 1690, a colônia passara a cerca de 3 milhões no 
final do século XVIII, fluxo que acaba por impor o português como língua em 
substituição ao tupi. Facilitava o acesso às lavras o fato do ouro das Minas 
Gerais ser predominantemente de aluvião (encontrado à beira de rios), de fácil 
prospecção. 
2. A sociedade que até então ocupava a colônia portuguesa na América 
(predominantemente latifundiária, estamentária e rural) passou por mudanças 
inauditas. Houve um processo acelerado de urbanização, aumentando e muito a 
importância e a população de outros núcleos preexistentes, como o Rio de 
Janeiro (porto de escoamento e futura capital - 1763) e Sorocaba (importante 
centro de pecuária, para abastecimento e transporte [tropa de mulas – o rebanho 
muar vinha do RS]). Com a presença de diversos pequenos negociantes e 
prestadores de serviços, entre os quais se contava crescente número de negros 
libertos – a ascensão na escala social havia sido maleabilizada. A cidade passara 
a concentrar pessoas como jamais o fizera na colônia, tornando-se o centro das 
atividades sociais, substituindo o campo/fazenda nessa função. 
3. A mineração engendra o deslocamento do centro dinâmico da economia colonial 
para a região aurífera. Segundo Celso Furtado, a influência desse deslocamento 
estende-se até o mais remoto Sul: a produção de mulas para o transporte, seu 
itinerário pela então comarca do Paraná, criando economias de manutenção e 
trânsito da mercadoria transportadora até a região do ouro. Forma-se então uma 
extensa área de subsistência, as bases econômicas do hinterland mineiro e do 
CO. A extração aurífera será uma atividade de baixa capitalização, com elevada 
14 
 
lucratividade e altíssima mobilidade espacial, durante seu curto período de 50 
anos. A economia nas Minas também vai contribuir para articular o comércio 
intracolonial. 
4. Os recursos auferidos com a mineração brasileira servirão para compensar a 
deficitária balança comercial de Portugal em face da Inglaterra, especialmente 
após a celebração do Tratado de Panos e Vinhos de Methuen (1703), bem como 
sustentar os gastos da Corte, em obras como o convento de Mafra e a 
reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1750. No século XVIII, o Brasil foi 
o maior produtor mundial de ouro, com cerca de 40% do volume total produzido 
entre 1701 e 1800, com produção estimada entre 800 e 900 tonelada. 
Ao contrário da Guerra dos Emboabas, quando pouco mais de dez anos depois eclodiu a 
Revolta de Vila Rica (1720), a autoridade real foi impiedosa e o Conde de Assumar fez 
executar Filipe dos Santos, líder dos faiscadores revoltosos, e esquartejá-lo para servir 
como exemplo. 
Portugal, deveras, cioso de suas riquezas, ordena o sequestro régio e posterior 
destruição da obra do jesuíta italiano André João Antonil, “Cultura e Opulência do 
Brasil” na qual narra as enormes fortunas derivadas da exploração do ouro, do açúcar e 
do tabaco no território colonial. 
1.1.6. Pombal e o Paradoxo do Iluminismo 
O ano de 1750 trouxe, como balizador, muitas transformações para Portugal e sua 
Colônia. Foi o ano da: (a) assinatura do Tratado de Madri; (b) da morte de D. João V; e 
(c) da chegada ao poder de D. José, que dará cada vez mais poderes ao ministro 
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Conde de Oeiras e depois Marquês de Pombal. O 
Marquês era um crítico feroz do acordo celebrado por Gusmão, tendo chegado a dizer, 
já em 1751, que a Coroa havia trocado um grande território, que ia do rio da Prata ao rio 
Ibicuí, por “sete miseráveis aldeias de índios”. 
A leitura de Pombal não parece a mais adequada, todavia. Portugal tinha apenas o 
controle de Sacramento, de certo modo na extensão da visão espanhola do Tratado de 
Utrecht: o perímetro de “um tiro de canhão”. E controle, assim mesmo não absoluto, 
pois esta – isolada dos núcleos portugueses da costa atlântica – era indefensável, se os 
espanhóis de Buenos Aires, Montevidéu ou Maldonado estivessem realmente dispostos 
a tomá-la. Não podia haver mais dúvidas sobre a importância que os espanhóis davam a 
Colônia, tanto pela potencialidade de se transformar em ponta de lança de uma possível 
ocupação portuguesa do território hoje uruguaio e quem sabe até de Buenos Aires, 
quanto pela realidade de ser porto de contrabando da prata andina. Nas palavras 
expressivas de Alexandre de Gusmão, Colônia não era mais do que “um presídio 
encravado no domínio da Espanha”. 
Francisco Falcon, em seu clássico sobre A época pombalina, avalia o período de 1750 a 
1777 no duplo diapasão Ilustração e mercantilismo. O historiador Kenneth Maxwell 
segue a mesma trilha ao apelidar Pombal de “o paradoxo do iluminismo”. Os estudos de 
Hobsbawm sobre o “absolutismo ilustrado” extraem uma causalidade econômica: a 
necessidade de modernizar e de racionalizar o aparato estatal de reinos atrasados em 
face à prosperidade britânica que vivia a Revolução Industrial incipiente. Os ingleses 
estavam, aos poucos, transformando os demais estados europeus em economias 
periféricas e o despotismo esclarecido era a tentativa destes reinos de escapar disso. 
Tratava-se, sim, de uma contradição aparente: utilizar os métodos ilustrados para dotar 
de mais racionalidade e eficiência a estrutura do Estado absolutista, fortalecendo-o. 
15 
 
As reformas iluministas se desdobram nos campos do: 
 Direito. 
o Edição do Alvará de (1751), no qual há o fortalecimento da jurisdição 
estatal em detrimento da nobreza, o que possibilitará a eliminação dos 
rivais mais fortes da casa real: os Távoras. 
o Edição da Lei da Boa Razão (1769), na qual há deferência às leis pátrias 
e pelos ‘estilos da Corte’ (Casa de Suplicação), devendo o direito 
românico e canônico, passarem pelo crivo jusnaturalista. 
 Religião 
o Limitação do poder da inquisição, questionamento ao ultramontanismo. 
o Expulsão dos jesuítas (1759), cujo pretexto foi o envolvimento de um 
inaciano na conspiração para assassinar D. José. Outros autores 
enfatizam a oposição da Companhia ao Tratado de Madri, evidenciada 
pelas Guerras Guaraníticas, mas essa posição é controversa, dado que 
Pombal o revogou em tratativas com a Coroa espanhola apenas em 1761. 
 Ensino 
o Criação do “subsídio literário”, para custear a educação colonial, tendo 
em vista a expulsão dos jesuítas, embora permanecesse a Colônia sem o 
direito de ter universidades na América espanhola. 
o Reforma universitária coimbrã (1772), José Murilo de Carvalho 
argumenta que o pombalismo e suas concepções arraigadas ao modelo de 
gestão do Estado disseminado pelo ensino de direito em Coimbra 
tiveram grande impacto no Brasil. A geração coimbrã que participou da 
Independência do Brasil, do Primeiro Reinado e do período regencial 
tinha em comum uma homogeneidade de pensamento, ilustrada, porém 
estatista, legado inequívoco do pombalismo. Para Carvalho, a própria 
unidade territorial e a resiliência sui generis do regime monárquico na 
América portuguesa se deve à transmigração institucional do espírito 
pombalino – iluminista, mas não revolucionário – para as faculdades de 
direito de São Paulo e Olinda. 
 Economia 
o Abolição da escravidão africana em Portugal (1761) e da escravidão 
indígena, no Brasil, onde incentivou casamentos mistos e impôs o 
português como língua fraca na colônia em detrimento da então língua 
geral, o tupi. 
o Pombal tentou tornar mais eficaz a administração portuguesa ainda nos 
quadros de um mercantilismo clássico, criando, por exemplo, as 
Companhias de Comércio do Maranhão e Grão-Pará e da Paraíba e 
Pernambuco. 
Falcon ressalta que omaior sucesso da obra pombalina, foi o direcionamento crescente 
para a secularização da sociedade. Do ponto de vista econômico, não conseguiu mais do 
que fortalecer uma burguesia já existente, sem ser capaz de criar um estamento burguês 
ou industrial ou financeiro, muito menos de superar a dependência da Inglaterra. O 
significado mais amplo do período pombalino para a América portuguesa foi o 
esgarçamento das tensões entre a metrópole e aquela parte do Império que superava de 
longe tanto econômica quanto demograficamente a metrópole. Os estímulos sociais, 
políticos e ideológicos da ilustração pombalina confluíram concomitantemente com o 
arrocho e o arbítrio da mão pesada do fisco português para acelerar o declínio do antigo 
sistema colonial na América. 
16

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