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NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. 1. CONSTITUCIONALISMO: A Constituição Federal como nós a conhecemos hoje é uma invenção humana, é um produto cultural e histórico. A constituição não nos é dada pela natureza ela é construída por nós. É uma invenção humana, um produto da nossa cultura e da história. A constituição é um produto do que chamamos de constitucionalismo. Constitucionalismo é um movimento histórico, cultural, político e jurídico que deu ensejo ao surgimento da constituição tal qual ela existe hoje na nossa vida. Sentimento constitucional: entendimento que uma determinada sociedade (grupo social) tem sobre o que é constituição. O sentimento constitucional tem uma forte carga histórica e social. Esse sentimento constitucional está dentro de todos, todos tem dentro de si um entendimento (um conhecimento) individual do que é constituição. Para alguns esse sentimento (entendimento) inclui a percepção de que a constituição é um documento escrito (constituição formal), por vezes inclui a ideia de que a constituição implica impor limites ao poder do Estado e consequentemente dos governantes, funcionando como obstáculo a dominação suprema do Estado, podendo ainda incluir a ideia de que há direitos fundamentais ao direito do cidadão. Toda essa percepção e entendimento individuais são frutos do constitucionalismo. O constitucionalismo, assim como a constituição, pode assumir diversos significados (sentidos). São sentidos do constitucionalismo1: 1 André Ramos Tavares. Curso de direito constitucional, 4. ed., p. 1. Tais sentimentos também são conhecidos pela doutrina como acepções do Constitucionalismo Moderno. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. 1) movimento político-social historicamente remoto que objetivava principalmente limitar o poder arbitrário. Através desse movimento se vincula o constitucionalismo aos direitos fundamentais. 2) movimento de imposição de constituições escritas. Através desse movimento se vincula o constitucionalismo a ideia de constituição formal. 3) evolução histórico-constitucional de um determinado Estado. Movimento histórico que deu ensejo as 8 constituições formais no Brasil. 4) indicação dos propósitos mais latentes e atuais da função e da posição das constituições nas diversas sociedades. O constitucionalismo brasileiro aponta para o papel preponderante da constituição na formatação do estado democrático de direito. Há uma conexão íntima entre o constitucionalismo, a política, a sociologia, a história, os direitos fundamentais, etc. é o que alguns autores chamam de zona cinzenta entre o direito e a política. A constituição, fruto do Poder Constituinte, constitucionaliza (torna jurídica) decisões políticas. A política e o direito estão entrelaçados na constituição e consequentemente estão entrelaçados no exercício do Poder Constituinte. José Joaquim Gomes Canotilho defende que o constitucionalismo é uma teoria normativa da política, é algo que torna norma jurídica (norma jurídica suprema da mais elevada hierarquia) uma decisão política. Em síntese podemos dizer que o constitucionalismo é um movimento histórico-cultural de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à limitação do poder e à garantia dos direitos, que levou à adoção de constituições pela maioria dos Estados, especialmente no que concerne à constituição formal (escrita). NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Durante o constitucionalismo a constituição histórica se transforma em uma constituição moderna, escrita. Em toda sociedade há uma série de regras, escritas ou costumeiras, que organizam a vida social, que organizam o Estado. Sempre que houve Estado houve esse grupo de regras de organização do Estado e da sociedade. Mesmo que não se falasse em constituição. Esse conjunto de regras existia, mesmo que fossem regras ligadas a um poder divino. No constitucionalismo esse conjunto de regras se transforma na constituição em sentido moderno que é a essencialmente escrita (formal). • Elementos do conceito moderno de constituição: Para José Joaquim Gomes Canotilho: trata-se de um documento escrito (formal), trata-se de um documento que objetiva a garantia das liberdades (previsão de direitos fundamentais e garantia da participação política do povo – participação popular no parlamento) e é um documento que visa a limitação ao poder (instituição da separação de poderes). No que diz respeito a história da Europa a doutrina2 entende que a mesma pode ser dividida em quatro grandes "eras", quais sejam: Idade Antiga (até o século V, tomada do Império Romano do Ocidente pelos povos Bárbaros), Idade Média (século V até o final do século XV, com a queda de Constantinopla), Idade Moderna (de 1453 até 1789, Revolução Francesa) e Idade Contemporânea (de 1789 até os dias atuais). Canotilho3, por sua vez, estabelece, mais simplificadamente, apenas dois grandes movimentos constitucionais, quais sejam: o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno, entendendo este como sendo "... o movimento político, 2 Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado. 18 ed. p. 66-67. 3 J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., p. 52. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político". No que diz respeito a evolução histórica do Constitucionalismo a doutrina4 entende que o mesmo passou por fases, são consideradas fases do constitucionalismo: .1. Evolução Histórica: a) Constitucionalismo Antigo: Nessa fase não há uma constituição escrita, não se pode falar ainda na existência de uma constituição como documento jurídico, dotada de hierarquia e com conteúdo político. O que existe nessa fase são apenas elementos que influenciaram o surgimento do Constitucionalismo Moderno. Principais elementos influenciadores do Constitucionalismo Moderno: - Influência Judaico-Cristã: foi daqui que surgiu a ideia de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (imago dei). Por conta disto, o homem é o ápice da criação divina, sendo detentor de uma dignidade própria que o torna merecedor de um tratamento respeitoso. Foi nessa época que surgiu alguns dos valores máximos do cristianismo como "amar ao próximo como a si mesmo". A ideia de igualdade e de respeito ao ser humano foram valores morais que podemos extrair do Cristianismo e que influenciaramo surgimento dos Direitos Humanos e do Constitucionalismo Moderno. Outro aspecto vinculado ao povo judeu é o denominado controle de compatibilidade bíblica dos atos do governo por profetas, tal controle existia no sentido de que caso o Rei praticasse algum ato contrário, ou em discordância com as leis de Moisés, haveria uma 4 Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado. 18 ed. p. 67-79. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. pessoa divinamente inspirada (denominada O Profeta) para mostrar ao Rei e ao povo que aquele ato era contrário as leis divinas. Nessa época pode-se observar a existência de três elementos, quais sejam: o governo, o profeta e a lei (divina) que era superior, estando acima do governo e do profeta. O filósofo Karl Loewenstein5 afirma que estas são as raízes do que hoje se conhece por controle de constitucionalidade. - Influência da Grécia e de Roma: - Na Grécia visualizamos a ideia de Democracia Ateniense (Democracia Direta), onde se defendia que o homem não necessariamente deveria ser governado por forças da natureza ou por Deuses. O homem é, na visão da democracia ateniense, capaz de governar a si mesmo. Os Sofistas, por sua vez, defendem a relatividade da verdade que acaba por valorizar o indivíduo considerando a verdade do indivíduo. Defende-se o subjetivismo, o ponto de vista alheio, a contra-argumentação. Tais aspectos são bastante relevantes para a Democracia considerando que um dos elementos da basilares da democracia é o respeito à diferença. Nessa fase Protágoras6 eterniza a dignidade humana com a proeminente frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. Ou seja, o homem é o centro de todas as coisas, o ser ou não ser se define pelo homem. A presente ideia de que o homem é a medida de todas as coisas foi utilizada séculos mais tarde como fundamento ao surgimento do iluminismo. - Em Roma, por sua vez, visualizamos a Lex Regia (Lei Real), um instituto do Direito Romano para limitar o poder do imperador, que recebia seu poder do povo romano. Há 5 Foi um filósofo e político germânico, sendo uma das personalidades mais significativas para o Constitucionalismo no Século XX. Suas pesquisas e investigações aprofundadas sobre a tipologia de diferentes constituições teve grande impacto no pensamento constitucional ocidental. Ele estudou na sua cidade natal, Munique (Baviera), onde obteve a gradução de Doutor em Direito Público e Ciência Política. Quando o partido nazista de Adolf Hitler tomou o poder em 1933, ele se exilou nos Estados Unidos, país onde pode continuar seu trabalho sobre doutrina. 6 Foi um sofista da Grécia Antiga. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. também a Constitutio e os interditos. A Constitutio é o termo utilizado para designar a lei feita pelo Imperador no Baixo Império Romano já os Interditos representam a proteção de direitos individuais contra o arbítrio do Estado. Com o povo romano encontramos uma fase embrionária da instituição da separação dos poderes onde o poder era distribuído entre os cônsules, o senado e o povo. Identificou-se nessa fase uma espécie de constituição mista onde se separa as várias esferas sociais e se confere a cada esfera uma parcela do poder como uma forma de tentar equilibrar as esferas sociais. Karl Loewenstein7, analisando a Antiguidade Clássica identificou que entre os hebreus surgiu, timidamente, o constitucionalismo. Nessa época tínhamos um Estado teocrático8, e esse Estado viu serem implantadas limitações ao poder político quando se assegurou aos profetas a legitimidade para fiscalizar os atos governamentais que extrapolassem os limites bíblicos. O Estado criou limites ao poder político sendo tais limites representados pela lei do Senhor, a lei do Senhor era superior as leis comuns dos homens. Havia uma ideia de hierarquia das leis. A experiência das Cidades-Estados gregas ficou na história como um importante exemplo de democracia constitucional. Foi com o povo grego que tivemos os primeiros mecanismos de democracia direta, igualdade entre cidadãos, o seu povo ia pessoalmente deliberar na ágora, realizar discussões públicas e embates públicos. Apesar de excluir as mulheres, os escravos, os estrangeiros, etc. os mecanismos de democracia da Grécia são citados até os dias atuais como uma das experiências mais completas em termos de democracia direta. Em síntese: Embora nesse período não se possa falar da existência de uma constituição como documento jurídico, surgem diversas influências para a cultura ocidental. Dentre elas: 7 Karl Loewestein, Teoria de la Constitución, p. 154. 8 Etimologicamente, o conceito de teocracia (que forma o Estado teocrático) surgiu do grego, em que teo significa "deus" e cracia quer dizer "governo", ou seja, teocracia significa "Governo de Deus" ou "governo divino". NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. a) Influência judaico-cristã: de onde advém a ideia de que o homem é criado imago dei – ou seja, à imagem de Deus. Assim sendo, o homem é detentor de uma dignidade própria. Da máxima cristã “amar ao próximo como a si mesmo” surge um valor, de conteúdo moral, determinante para a formação dos direitos humanos e do próprio constitucionalismo. b) Influência grega: a democracia ateniense inaugura a noção de governo do homem pelo próprio homem (e não por deuses ou por forças externas). Na filosofia, destaca-se a figura de Protágoras, responsável pela frase “o homem é a medida de todas as coisas: das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”. O antropocentrismo contido em seus dizeres foi a base do Iluminismo, séculos mais tarde, na Europa. c) Influência romana: contribuiu para o próprio desenvolvimento do direito como um conjunto de leis (codex). b) Constitucionalismo Medieval (Idade Média): Os pactos são acordos firmados entre o Rei e os Nobres, em que os nobres decidem por apoiar o Rei. Esse apoio é fornecido através de armamentos bélicos, de recursos humanos e de recursos financeiros. Em contrapartida, o Rei reconhece aos Nobres um conjunto de direitos9, que acabavam por limitar o seu poder (poder do Rei). Tais limitações ficaram expressas em algum documento escrito. 9 Na prática os direitos reconhecidos não são estendidos para todos os súditos. Os direitos ficavam adstritos à nobreza e ao clero. Por conta disto, parte da doutrina entende que se tratavam, na verdade, de privilégios estamentais de uma categoria específica. O exemplo mais importante é a Magna Carta Libertatum. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDOEM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Tivemos dois marcos importantes na Idade Média, o marco inicial foi a Magna Carta de 121510 na Inglaterra, o marco final foram as primeiras constituições escritas (Americana de 1787 e Francesa de 1791). A Magna Carta é o marco inicial pois a Idade Média se caracterizou pelo absolutismo e pela negação de todos os princípios da Antiguidade Clássica. Na Idade Média o absolutismo era caracterizado pela ideia de que os governantes eram os representantes de Deus para nos governar e pela ausência completa de mecanismos participativos. Tínhamos a soberania do monarca, a soberania do rei, onde o rei podia tudo. Fala-se em ressurgimento do constitucionalismo com o surgimento dos primeiros documentos escritos. Nesse momento começa a se fazer distinção entre leis do reino e lei do rei e o poder absoluto do rei começa a ruir. A Magna Carta, apesar de ter sido inicialmente escrita em latim (e não em inglês) e apesar de a mesma conter direitos restritos, ela gerou um marco fundamental, não só na história da Inglaterra, mas também na evolução do Constitucionalismo Mundial. Diversos princípios da Magna Carta continuam em vigor até hoje na Inglaterra. Não apenas na Inglaterra, diversos princípios da Magna Carta influenciaram o Direito como um todo. A Carta Magna previu que "ninguém poderia ser processado e julgado, senão de acordo com a lei da terra" (The Law of The Land). Outro importante princípio constante da Magna Carta é que ninguém podia ser punido, senão na medida da gravidade da infração, ou seja, a Carta Magna de forma inicial instituiu uma ideia de proporcionalidade entre a infração praticada e a pena imposta. Não podemos deixar de citar que o principal motivador da Magna Carta foi o princípio do "No Taxation Without Representation" onde não há tributação sem representação. Ou seja, nenhum tributo poderia ser instituído sem 10 Foi um pacto celebrado entre o Rei João sem Terra e os Barões Ingleses. O Rei João sem Terra estava em guerra contra a França e não contava com o apoio dos Barões Ingleses, em face do aumento abusivo da tributação. Assim, para conseguir novamente o apoio da nobreza, o Rei acabou cedendo e reconhecendo que a nobreza tinha alguns direitos e que ele deveria os respeitar. Estes direitos ficaram escritos na Magna Carta Libertatum. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. a anterior aprovação dos representantes. Diante do exposto resta claro que a Magna Carta influenciou de sobremaneira a evolução do Constitucionalismo Mundial. Em síntese: Encontra-se no período medieval o fenômeno do pacto, que era o acordo feito entre o rei e os nobres em que, de um lado, os nobres forneciam apoio (financeiro, bélico e de recursos humanos) ao monarca, em troca do reconhecimento de certos direitos. Tratavam-se de direitos limitadores do poder do rei, que formariam a base das constituições modernas. Diversos foram os pactos firmados em toda a Europa medieval, mas o principal exemplo desse período é a Magna Carta da Inglaterra, de 1215. Três são os enunciados desse documento que influenciam o direito até os dias atuais, quais sejam: a) No taxation without representation (segundo o qual não se pode instituir tributo sem a aprovação pelos representantes do povo.); b) The law of the land (que significa que ninguém pode ser processado, julgado e condenado senão pela lei de sua terra, que previamente considere tal fato como uma infração. Destaque-se que o sistema inglês confere aos costumes força de lei11); e c) Correspondência entre pena e infração (que deu origem ao princípio mais tarde denominado de princípio da proporcionalidade). c) Constitucionalismo Moderno: É no constitucionalismo moderno que se passa a compreender a constituição como um documento jurídico, político e superior. Dois são os contextos em que se observa o nascimento dessa era do constitucionalismo: o da independência das Treze Colônias e o da Revolução Francesa. - Constitucionalismo Americano: 11 Nos EUA, a 5ª Emenda à Constituição dá outra interpretação a esse princípio, estatuindo que ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal (due process of law). NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Contratos de Colonização: Não são ainda uma Constituição, mas anteveem o fenômeno constitucional. Trata da formação de um documento escrito que estabelece regras fundamentais para determinada sociedade política. Dois exemplos são: Compact of Mayflower (datado de 1620 que foi um ato compromissório do período colonial, entre os imigrantes ingleses ("puritanos") que viajaram a bordo do navio Mayflower e fundaram a colônia de Plymouth em terras americanas) e o Fundamental Ordersof Connecticut (de 1639 que foi considerada por alguns como a primeira Constituição escrita na América do Norte. Teve forte influência puritana e estabeleceu regras de associação e convivência visando o bem estar comum e um corpo de representantes). Forais ou cartas de franquia: também são voltados para a proteção dos direitos individuais. Os forais ou cartas de franquia se diferenciam dos pactos por admitir a participação dos súditos no governo local (elemento político). Ambos, os pactos e os forais (cartas de franquia), representaram documentos marcantes durante a Idade Média pois buscavam resguardar direitos individuais ressaltando que se tratavam de direitos direcionados a determinados homens e não sob a perspectiva da universalidade. A Constituição dos EUA de 14/09/1787 é considerada a 1ª Constituição Moderna. No entanto, não se deve olvidar que a 1ª Declaração Moderna é a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776. Com a Constituição, os 13 Estados permanecem com autonomia política, porém, sem soberania, visto que há um governo central que é a União. Esta Constituição trata basicamente da organização política do Estado, e não traz uma declaração de direitos. A ausência de direitos somente foi resolvida dois anos depois através do conjunto das dez primeiras emendas à Constituição. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Bill of Rights: foi o conjunto das dez primeiras emendas à Constituição, aprovadas em 25/09/1789 e ratificadas em 15/12/1791. Cada emenda traz um pequeno conjunto de direitos individuais. Diferentemente do Brasil, as Emendas nos EUA somente entram em vigor depois de serem ratificadas pelos Estados Membros. Ademais, cumpre destacar que foram elaboradas, posteriormente, outras emendas tratando de direitos individuais. - Constitucionalismo Francês: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: Se faz necessário informar que é o mesmo momento histórico da Constituição dos EUA e da Bill of Rights. O artigo 16 da Declaração revela o espírito dessa fase inicial do constitucionalismo. Previu o referido artigo que: "Article 16 – Anysociety in whichno provisionismade for guaranteeingrightsor for theseparationofpowers, has no Constitution." O que significa dizer que para os franceses só há constituição se houver pelo menos uma Declaração de Direitos e a Separação de Poderes. Constituição Francesa de 03/09/1791: Apresenta como preâmbulo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Conclui-se que os EUA primeiro fizeram a Constituição para, posteriormente, através das dez Emendas, acrescentarem direitos, ao passo que a França primeiro fez uma Declaração de Direitos para depois fazer uma Constituição. Por conta disto, na França o que é perene é a Declaração de Direitos, enquanto nos EUA é a Constituição (que permanece em vigor até hoje). Por fim, julgamos importante mencionar que, tanto nos EUA quanto na França, o constitucionalismo se desenvolve como uma reação à opressão, a despeito dos contextos fáticos serem distintos. Nos EUA as treze colônias respondem a opressão da metrópole. A França, por sua vez, já era um Estado soberano, mas regido por uma Monarquia Absolutista, que massacrava o povo. Por conta disso, o povo responde a esta opressão da NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Monarquia, levando a ruptura da Monarquia com o consequente estabelecimento de um Estado de Direito. Dessa forma a intenção, tanto dos EUA quanto da França, era estabelecer um Estado cujos poderes eram limitados em favor do homem. Acepções do Constitucionalismo Moderno12: 1ª) Constitucionalismo como Movimento político-social: limitação do poder arbitrário, com a finalidade de proteger direitos individuais. 2ª) Constitucionalismo como Imposição de Cartas Constitucionais escritas. A primeira Constituição Moderna é a Americana e, a partir dela, é que surge o fenômeno Constituição Escrita. 3ª) Constitucionalismo como Indicação dos propósitos da sociedade. 4ª) Constitucionalismo como Evolução histórico-constitucional do Estado. Aspecto central do Constitucionalismo Moderno: Segundo J. J. Canotilho, é técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos (foco na liberdade do indivíduo). Nesse sentido, Constituição Moderna é a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. Princípios fundamentais do Constitucionalismo Moderno: - Supremacia da Constituição: a constituição é superior a todas as outras normas; - Efetividade das Normas Constitucionais: é a busca da aplicabilidade concreta das normas Constitucionais; 12 Também conhecido como fases do constitucionalismo. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. - Função Promocional das Constituições Modernas: as Constituições Modernas estabelecem um modelo de ser; - Soberania popular: o povo é o titular do poder; - Direitos fundamentais: deve-se ressaltar, no entanto, que esta expressão começou a ser utilizada apenas há aproximadamente 10 anos. Na época se falava em direitos do homem ou direitos individuais. - Postulado de governo limitado, do que deriva: o Princípio da Separação de Poderes (este princípio é entendido como limitação porque se trata de um Poder com funções exercidas por órgãos distintos, ou seja, a separação do Poder importa uma divisão funcional do poder. Objetiva evitar a concentração nas mãos de uma única pessoa) e o Princípio da Independência do Judiciário; princípio da Responsabilidade dos Governantes13 (é oposição à ideia da Monarquia Absolutista pautada na teoria da irresponsabilidade "The King can do no wrong"). - O Federalismo (adotado nos EUA) pode ser considerado mecanismo de divisão espacial do poder, com poder central e poderes locais, evitando a concentração. Ou seja, tanto na separação de poderes (divisão funcional) quanto no federalismo (divisão geográfica/espacial) há uma divisão do poder com a finalidade de evitar a concentração do poder. Legados do Constitucionalismo Moderno: Apesar das diferenças históricas entre o nascimento das constituições americana e francesa, o constitucionalismo moderno tem 13 A Constituição Brasileira de 1824, primeira constituição, consagrou uma Monarquia e aduziu que o Imperador era inviolável, não podendo ser responsabilizado, indo de encontro ao que o Constitucionalismo Moderno estava propugnando na época. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. como manifestação central a limitação do poder. Para Canotilho, “o constitucionalismo é técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. A limitação do poder se manifesta através de três figuras importantes: a. Declaração de Direitos Individuais: As declarações de direitos individuais conferem uma esfera de liberdade ao sujeito fora da ingerência estatal, limitando-a. São liberdades em relação às quais o Estado não tem domínio. b. Separação de Poderes : É uma divisão funcional do poder. O poder político é um só, mas se manifesta através de três funções; cada uma exercida, não exclusivamente, mas de forma predominante, por um conjunto de órgãos próprios. Evita-se, assim, a concentração de poder nas mãos de uma só pessoa ou órgão. c. Federalismo: É a forma de divisão espacial do poder. Cada Estado, sendo autônomo, exerce uma parcela do poder político. Além dos Estados, existe a União federal, que detém o poder central. Nem a União, nem os Estados, por si só, concentram todo o poder. Na França, são reconhecidos apenas os direitos individuais e a separação de poderes. A Declaração de Direitos de 1789, em seu artigo 16, estabelece tais requisitos como conditio sine qua non para a existência de uma constituição: “qualquer sociedade em que não haja uma declaração de direitos individuais e em que não haja separação de Poderes, não tem Constituição”. Em síntese: O modelo americano realizou o processo de independência das Treze Colônias americanas em relação à metrópole inglesa fazendo surgir a primeira constituição moderna que conhecemos. A Inglaterra havia estabelecido colônias de povoamento nas terras por ela conquistadas, diferente do modelo de exploração praticado pelas então potências Portugal e Espanha. Diversas revoluções internas impediam o Estado de se organizar politicamente, o que começou a mudar após a NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. declaração de direitos conhecida como Bill of Rights (1689) e a consolidação do Parlamento. Ocorre que a implantação tardia da exploração econômica em suas colônias encontrou grande resistência. Influenciados pelas ideias de Montesquieu (separação de poderes) e desejosos de romper completamente com o modelo político da Coroa, oscolonos obtiveram sua independência e estabeleceram uma república presidencialista14. Os 13 Estados, independentes e soberanos, inicialmente se reuniram numa confederação, mas em seguida formaram uma única federação soberana. Em resumo, durante o Constitucionalismo Moderno estabeleceu-se um Estado federativo, em oposição ao Estado unitário inglês; nele havia uma clara separação de poderes, com sistema de controle recíproco (checks and balances); e o chefe do Executivo seria eleito pelo povo, sendo o presidencialismo oposto ao modelo parlamentarista da Inglaterra. Modelos de Constitucionalismo: - Modelo Historicista (Constitucionalismo Inglês): Modelo em que não há a fixação de um texto constitucional único marcado por uma data (Petition of Rights, Habeas Corpus, Bill of Rights, Act of Settlement, etc.) o constitucionalismo inglês é marcado não por um único documento escrito, mas, sim, por vários documentos elaborados ao longo da sua história e também por costumes de natureza constitucional que não foram escritos. Nesse modelo, o binômio fundamental é a Liberdade e a Propriedade. Esses dois direitos são a força motriz que leva, por exemplo, os puritanos a saírem da Inglaterra para colonizar o novo mundo. Além disso, os direitos são entendidos, inicialmente, como privilégios estamentais, uma vez que não foram dados para todos os súditos, mas, sim, para a Nobreza. Ademais, há a regulação por meio de Contratos de Domínio (exemplo: Magna 14 O presidencialismo é, portanto, considerado uma invenção americana NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Carta). Por fim, no modelo inglês, fixa-se a soberania do Parlamento. O Constitucionalismo Inglês surgiu no final do séc. XVII e início do séc. XVIII. Em síntese: o Constitucionalismo Inglês revela a norma sendo pautado na desconfiança perante um poder constituinte, pois não há um poder constituinte que elabora uma constituição, visto que ela é elaborada ao longo da história. - Modelo Individualista (Constitucionalismo Francês): O constitucionalismo Francês foi formado por uma Ruptura Revolucionária (Revolução Francesa) com o Antigo Regime15. O constitucionalismo Francês é fundamentado nos Direitos Naturais dos Indivíduos; na Noção de Contrato Social onde os homens nascem no estado de natureza e de liberdade natural, mas, em prol de uma finalidade comum de proteção, estes homens livres concordam em viver dentro de uma sociedade, estabelecendo-se, para tanto, um contrato social em que a pessoa abre mão da sua liberdade individual para viver uma liberdade coletiva; na ideia de Poder Constituinte como poder originário da Nação; e na Assembleia Constituinte Francesa. Na França, diferente do que ocorreu nos EUA, já havia um Estado soberano. Teve lugar uma revolução clássica, em que o povo tomou o poder em face da opressão da monarquia absolutista e dos privilégios da aristocracia. O modelo de separação de poderes instituído também difere do americano: para o francês, o Legislativo, composto por representantes do povo, é a principal instituição que garante a liberdade individual e o exercício da democracia. Em contrapartida, o Judiciário (que então era composto predominantemente por membros da nobreza) não gozava de tanta confiança, especialmente no que tange ao poder de invalidar leis editadas pelo parlamento. Nesse sentido, a França não adota um controle judicial de constitucionalidade, mas sim político, a cargo do Conselho Constitucional. Esse controle é 15 O antigo regime era composto de um modelo de Monarquia Absolutista, com amplos privilégios para uma aristocracia enquanto que o povo, representado pelo 3º estado, era relegado a sua própria sorte. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. preventivo, exercido sobre os projetos de lei. O embate entre Constituição e lei, no Judiciário, leva sempre à prevalência da lei. Pode-se afirmar que a Constituição francesa, ao menos nesse primeiro momento, tem mais valor político (de declaração de valor) do que jurídico. Em síntese: o constitucionalismo Francês cria a norma e tem o poder constituinte como fórmula fractal (fruto de uma ruptura ou revolução) e projectante16. Marcos do modelo Francês: a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão17 (1789); a Constituição francesa (1791)18. - Modelo Estadualista (Constitucionalismo Americano): o modelo estadualista foi desenvolvido com base na desconfiança no Legislador tirano (representado pelo parlamento inglês). As colônias inglesas, inicialmente, viviam um grau relativo de liberdade em relação a metrópole. Enquanto a Inglaterra vivia uma crise interna, as colônias gozavam dessa liberdade relativa. Quando a crise da Inglaterra se resolve e o parlamento inglês adquire a força dominante, o parlamento resolve elaborar leis impondo maior carga tributária para enriquecer a metrópole. A democracia dualista vivida representa poucos momentos constitucionais com raras decisões do Povo (Poder Constituinte), as decisões do governo são mais frequentes. Observou-se o estabelecimento do controle judicial de constitucionalidade; do surgimento e formulação do sistema Checksand Balances que pregava a inexistência de um poder absoluto; buscou-se efetivar a implantação de uma filosofia garantística da constituição que visa a garantir um governo que existe em função do indivíduo. Cabe ressaltar que o modelo americano é diferente do modelo francês, uma vez que na França a assembleia 16 Expressões utilizadas por J. J. Canotilho. 17 No plano doutrinário, há quem desconsidere a Declaração da Virgínia, entendendo como a primeira declaração moderna de direitos a francesa de 1789. 18 Nos EUA, o caminho foi inverso: primeiro a Constituição, e apenas anos mais tarde, a declaração (Bill of Rights). NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. constituinte é composta por representantes eleitos pelo povo. A Convenção da Filadélfia, de forma contrária, não foi composta de indivíduos eleitos pelo povo, mas, sim, de indivíduos escolhidos pelos Estados como representantes dos Estados. Todavia, em face disto, eles se depararam com um problema teórico, qual seja: não eram representantes eleitos pelo povo. A solução foi afirmar que eles não eram eleitos pelo povo pois eles eram o povo, daí surge a fórmula do preâmbulo: “we the people”, que significa "nós o povo". Em síntese: o constitucionalismo Americano diz a norma e é pautado em um poder constituinte capaz de criar um corpo de normas superiores e invioláveis. Marcos do constitucionalismo americano: Declaração da Virgínia (1776); Declaração de Independência (1776); Constituição Americana (1787); e Dez primeiras Emendas (1791). Fases do Constitucionalismo: - Constitucionalismo liberal: sua fase inicial é marcada pelo predomínio da concepção individual. - ConstitucionalismoSocial: caracteriza-se pelo intervencionismo estatal para limitar o Poder Econômico. Assim, o Estado limita o poder econômico promovendo a igualdade prevendo e promovendo Direitos Sociais. Surge, então, o Estado Social de Direito. - Comparações entre o Constitucionalismo Social e Constitucionalismo Liberal: no constitucionalismo social há a intervenção do Estado na sociedade; fala-se na limitação do poder econômico, em direitos sociais e em Estado Social de Direito (Exemplos: a Constituição do México de 1917, a Constituição de Weimar de 1919, a Constituição Brasileira de 1934). Já no constitucionalismo liberal há o absenteísmo Estatal (Estado NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. mínimo); fala-se na limitação do poder político, em direitos individuais e em Estado Liberal de Direito. d) Constitucionalismo Contemporâneo: as constituições são amplas e analíticas (ex. CF/88). Há o chamado "Totalitarismo Constitucional”, totalitarismo estatal significa "tudo pelo Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado" (Mussolini). Assim, esta ideia trazida para a Constituição significa: "tudo pela Constituição, nada contra a Constituição e nada fora da Constituição". Por isso ela é tão detalhista. Há quem chame de ubiquidade constitucional. Há a previsão de temas acessórios, supérfluos e pormenores no texto constitucional. Exemplo na CF/88: "Art.242, § 2º ‐ O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.". Há a tentativa de equilibrar o livre mercado com o intervencionismo estatal (compromisso entre o liberalismo capitalista e o intervencionismo estatal). Isto fica muito evidente na CF/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui‐se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV ‐ os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;". Outro exemplo é quando a constituição prevê que caso não seja atendida a função social da propriedade, o Estado pode desapropriar. Tudo tem que estar na Constituição implantando assim a cultura do constitucionalismo exacerbado (Ex. constituição dirigente). A previsão de promessas irrealizáveis leva a perda da fé constitucional, ou do sentimento constitucional19 (Ex. Art.3º da CF/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I ‐ construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)"). Características do Constitucionalismo Contemporâneo: 19 Pablo Lucas Verdú, através de seu livro Livro O Sentimento Constitucional, aborda o Sentimento Constitucional como sendo a convicção interior que o povo tem a respeito da bondade e da justiça intrínsecas à Constituição. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. a. Existência de Constituições Detalhistas. Isso faz com que a Constituição se torne presente, na vida política e social, de forma muito mais intensa que no passado (fenômeno que é designado por alguns como ubiquidade constitucional). Adotando uma linha mais crítica, há também quem denomine esse fenômeno de totalitarismo constitucional. O totalitarismo, que é uma manifestação política do Estado, pode ser sintetizado na frase “tudo pelo Estado, tudo dentro do Estado, e nada contra o Estado”. O totalitarismo constitucional, nesse sentido, seria “tudo pela Constituição, tudo dentro da Constituição, e nada contra a Constituição”. b. Estabelecimento de objetivos a serem alcançados pelo Estado. O problema dessa característica é que o constitucionalismo contemporâneo alcança patamares quase utópicos, em especial no que tange aos objetivos de cunho social. Diz-se tratar de promessas irrealizáveis. Estas acarretam, para o povo, um sentimento de descrédito: o povo que não acredita na própria constituição deixa de lutar por ela. Em outras palavras, a existência de promessas irrealizáveis coloca em risco a efetividade da constituição. e) Constitucionalismo do Futuro20: São características do constitucionalismo do futuro (ou do Porvir): a veracidade (pautada na ausência de promessas irrealizáveis); a solidariedade dos povos; a continuidade (buscando a adaptação às novas exigências, sem perda das conquistas passadas); a participatividade (a participação popular nos negócios do Estado); a integracionalidade (buscando a integração entre o interno e o internacional - entidades supranacionais); a universalidade dos direitos humanos internacionais. f) Constitucionalismo Globalizado (ou Internacional): Trata-se do acento para os Direitos Humanos universais, plasmados em tratados internacionais. Ex.: a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (considerada o marco divisor na história dos Direitos Humanos internacionais); o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966; o 20 José Roberto Dromi. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; os Sistemas Regionais (Europeu, Americano e Africano). Nota-se que após a Declaração Universal há uma intensificação da internacionalização e do reconhecimento universal dos Direitos Humanos, o que forma a ideia de um Constitucionalismo Universal, baseado nos Direitos Humanos. Saliente-se, que toda a ideia de desenvolvimento do Constitucionalismo está sempre atrelada ao desenvolvimento dos direitos individuais/fundamentais/humanos. g) Neoconstitucionalismo: No neoconstitucionalismo preconiza-se a abertura da hermenêutica constitucional aos influxos da moralidade crítica. Ou seja, o direito deixa de ser pensado em um sistema fechado, dentro de si mesmo, abrindo-se para receber a influência da moralidade. Trata-se da moralidade crítica, concebida racionalmente e não de forma particularizada com predomínio de uma concepção religiosa ou política. Assim, o neoconstitucionalismo parte da ideia de que a Constituição não pode ser entendida ignorando aspectos externos ao direito, como os valores morais. Por outro lado, o positivismo concebe o direito de forma fechada, onde uma norma jurídica só pode ser avaliada em função de outra norma jurídica. Não se admite que uma norma seja avaliada a partir de valores morais, éticos, etc. No positivismo o intérprete jamais poderia dizer que uma norma é injusta, porquanto isto implicaria uma valoração da norma. Ademais, o intérprete somente verifica se a norma é compatível com a norma superior. Daí surge a famosa pirâmide21 de Kelsen. Mas o impedimento da valoração da norma chegou ao extremo na 2ª Guerra Mundial, com o Nazismo. Quando terminou a 2ª Guerra e os Nazistas foram levados a julgamento no Tribunal de Nuremberg, as suas defesas foram baseadas no dever de cumprimento de ordens, fundamentadas em lei e na Constituição. Como eles estavam agindo de acordo com a lei (em uma concepção estritamente 21Pirâmide normativa de Hans Kelsen. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. positivista) a conduta deles não seria reprovável. Porém, percebeu-se que, se o direito positivado não foi violado, alguma coisa além do direito foi, pois não seria possível admitir a validade de práticas que levaram a morte de milhões de pessoas. Assim, passa-se a reconhecer que há aspectos externos ao direito que não podem ser ignorados. Há a abertura do direito para a moral. Esta reaproximação do direito com a moral representa o retorno a algumas ideias de Kant22). Uma das ideias de Kant é que o Estado não é um fim em si mesmo (mas o homem é um fim em si mesmo) logo, o fim do Estado é o homem. Trazendo esta ideia para o Direito, o Direito não é um fim em si mesmo, logo a sua análise não pode ser esgotada apenas dentro do próprio Direito. Isso porque, na verdade, o fim do direito é o ser humano. Logo, a análise do Direito deve se dar pela perspectiva do ser humano. Assim, se o Direito posto viola os valores essenciais do ser humano, ele não é válido nem legítimo. Afinal, o ser humano é o fundamento teleológico do Direito, ou seja, o ser humano é ao mesmo tempo o ponto de partida e de chegada do Direito, o ser humano é a legitimação e o fim último do Direito. Isso se traduz no princípio da dignidade da pessoa humana. Esta reaproximação do direito com a moral caracteriza o pós-positivismo, que leva ao neoconstitucionalismo, em que a moral passa a ser considerada no direito, sobretudo através dos princípios. Isso enfatiza a moral, os princípios e a própria Constituição, porque, até este momento, a Constituição ficava relegada a um plano político-ideológico. Essa mudança de paradigma traz a Constituição para o centro efetivo do direito (plano jurídico-efetivo). Daí se afirmar que o Neoconstitucionalismo muda o paradigma em que a lei deixa de ser na prática a norma mais importante do dia a dia da sociedade e a Constituição passa a ser a norma mais importante. Dessa forma, caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa 22 Movimento conhecido como Virada Kantiana do Direito. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. a ocupar o centro de todo o sistema jurídico. Paulo Bonavides analisando o tema aduz que: "ontem, o Código Civil; hoje, a Constituição". Ou seja, até esta virada do neoconstitucionalismo, o Código Civil era o epicentro do direito. O marco filosófico é o pós-positivismo que considera direito positivado juntamente à concretização de valores. O neoconstitucionalismo procura realizar a interpretação e a aplicação das normas jurídicas por uma teoria de justiça. - Diversos doutrinadores abordam as características do neoconstitucionalismo, quais sejam: Para Luis Roberto Barroso são características do neoconstitucionalismo: o reconhecimento de força normativa à Constituição (a Constituição passa a ser o centro do direito, ou seja, ela se impõe); a expansão da jurisdição constitucional (órgãos responsáveis pela interpretação e pela efetivação da Constituição, notadamente por meio do controle de constitucionalidade); e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional (a busca de novos métodos de interpretação da Constituição). Segundo Humberto Ávila são características do neoconstitucionalismo: a existência de um número maior de princípios nos textos legais, ou seja, os princípios revelam valores, o que implica uma valorização dos princípios; o uso preferencial do método de ponderação, no lugar da simples subsunção; a justiça particular (individual, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto); o fortalecimento do Poder Judiciário; e a aplicação da Constituição em todas as situações, em detrimento da lei. Em síntese: O neoconstitucionalismo é a abertura constitucional aos influxos da moralidade crítica. Significa uma reaproximação entre direito e moral (porém, não se trata da moral cristã, judaica ou de qualquer modo ligada a um determinado grupo); e NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. sim da moralidade crítica, que é construída pela razão. Assim, por exemplo, a união homoafetiva, sob o viés da moralidade cristã, não é aceitável, mas, de acordo com a moralidade crítica, não se aceita a exclusão de proteção jurídica a um grupo por conta de suas escolhas sexuais. O neoconstitucionalismo caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa a ocupar o centro de todo o sistema jurídico. Paulo Bonavides é enfático ao dizer: “ontem, o Código Civil; hoje, a Constituição”. h) Transconstitucionalismo: Inicialmente, deve-se observar que a expressão "trans" significa passar por, ir além. Com efeito, há fatos, problemas jurídicos, que não ficam adstritos a uma única ordem jurídico-constitucional, ou seja, repercutem em mais de uma ordem ou instância distinta, o que pode levar a decisões distintas. Assim, por vezes, o mesmo problema que aconteceu no Brasil repercute também na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Ex. lei de anistia - foi considerada válida pelo STF, mas inválida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por ser contrária ao Pacto de São Jose da Costa Rica). Marcelo Neves conceitua o transconstitucionalismo como sendo "o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e limitação de poder que são discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas. Por exemplo, o comércio de pneus usados, que envolve questões ambientais e de liberdade econômica. Essas questões são (foram) discutidas ao mesmo tempo pela Organização Mundial do Comércio, pelo MERCOSUL e pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil. Ou seja, por 3 ordens distintas. O fato de a mesma questão de natureza constitucional ser enfrentada concomitantemente por diversas ordens leva ao que eu chamei de transconstitucionalismo”. “O transconstitucionalismo significa que ordens constitucionais NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. se deparam com problemas de ordens que não aderem aos critérios do constitucionalismo. Mas não é possível uma imposição unilateral. Tem que haver um diálogo constitucional. Como ordens diversas, com pontos de partida diversos, é possível dialogar sobre questões constitucionais comuns que afetam ao mesmo tempo ambas as ordens”. Ex. o caso de Caroline de Mônaco contra a Alemanha. O Tribunal Constitucional Alemão afirmou que figuras proeminentes23, diante da imprensa,não têm a mesma garantia de intimidade que o cidadão comum. A corte constitucional alemã decidiu que as fotos tiradas de Caroline de Mônaco por paparazzi, mesmo na esfera privada, não poderiam ser proibidas. Vetou apenas aquelas que atingiam os filhos dela, porque eram menores”. “O caso chegou ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, e o tribunal decidiu o contrário: não há liberdade de imprensa que atinja a intimidade da princesa, mesmo sendo ela uma figura pública. Neste caso, não há uma hierarquia entre os dois tribunais, mas o mesmo caso é tratado de maneira diversa. Como é que podemos, então, resolver essa questão se não houver uma pretensão de diálogo, de aprendizado recíproco? Ou seja, é preciso haver uma constante adequação recíproca e não a imposição de uma ordem sobre a outra”. “Esse tipo de conflito é comum na área esportiva. Um ciclista espanhol, diante do Tribunal Arbitral do Esporte, em Lausanne, defendeu seu direito de entrar na Justiça espanhola contra a decisão que o condenou por dopping. O laboratório credenciado pelo direito esportivo, que é o laboratório da Universidade da Califórnia, acusou dopping”. “O ciclista defendeu-se apresentando teste negativo realizado em um laboratório na Espanha. O Tribunal Arbitral não se interessou pelo resultado do laboratório espanhol. Pelo princípio da igualdade do esporte, todos os desportistas devem subordinar-se à mesma instância. Caso contrário, cada um recorreria ao seu país e não haveria critérios comuns”. A Existência de diversas instâncias decisórias caracteriza o 23 Altivas, altas, elevadas, salientes, etc. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. que se convencionou chamar de “proteção multinível dos direitos”. No Brasil temos como exemplo a lei de anistia. O STF considera a lei constitucional e, portanto, válida. A Corte Interamericana dos Direitos Humanos entende que a lei é inválida por violação a Tratado Internacional de Direitos Humanos. Proposta de Marcelo Neves24: “o caminho mais adequado em matéria de direitos humanos parece ser o ‘modelo de articulação’, ou melhor, de entrelaçamento transversal entre ordens jurídicas, de tal maneira que todas se apresentem capazes de reconstruírem-se permanentemente mediante o aprendizado com as experiências de ordens jurídicas interessadas concomitantemente na solução dos mesmos problemas jurídicos constitucionais de direitos fundamentais ou direitos humanos”. Em síntese: Fenômeno que atravessa e vai além do constitucionalismo. Para Marcelo Neves, que cunhou o termo, transconstitucionalismo é o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Certos problemas jurídicos repercutem em ordens jurídico-constitucionais diversas, gerando dificuldade de solução e de qual ordem deva prevalecer. Ex. a lei de anistia brasileira foi analisada pelo STF e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo sido considerada válida pelo primeiro e inválida pelo órgão internacional (o Pacto de São José da Costa Rica veda a impunidade dos violadores de direitos humanos). Não há, hoje, um único mecanismo para solucionar o problema. Normalmente, o sistema internacional é subsidiário ao interno, de forma que ele só atua quando o sistema interno falha. Também há o reconhecimento de litispendência entre organismos internacionais, como forma de evitar o bis in idem. Entre as diversas propostas existentes, Marcelo Neves propõe uma relação dialógica entre as 24 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009. p. 264. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. instâncias distintas. Marcelo Neves defende que os sistemas devem dialogar entre si para buscar soluções harmoniosas, evitando conflitos. i) Interconstitucionalismo: É Relação entre diversas constituições em um mesmo espaço político, havendo a concorrência, convergência, justaposição e conflitos de várias constituições e poderes constituintes. Existem duas redes de constituições que se comunicam, quais sejam: União e Estados-Membros e as Constituições de vários Estados soberanos (e aqui está o maior problema). Dentro de uma federação a solução para eventuais conflitos de normas se dá pelo critério de hierarquia, de modo que a Constituição Federal é hierarquicamente superior à Constituição Estadual. Logo, a Federal sempre prevalece sobre a Estadual. O problema surge na rede de Constituições de vários Estados soberanos, (Ex. União Europeia, onde não há solução pré-definida). Em síntese: É a existência de uma rede de Constituições coexistindo no mesmo espaço político. Dois são os casos em que isso pode acontecer: Numa federação, convivem a Constituição federal com as estaduais. Ex. o Estado do RJ sujeita-se à Constituição Federal e à sua Constituição estadual. Nesse contexto, a solução se dá no âmbito da hierarquia, prevalecendo a Constituição federal quando em conflito com a estadual. Numa organização supranacional, como é o caso do MERCOSUL e da União Europeia, coexistem as constituições dos diversos Estados nacionais que a compõem. Aqui também se propõe a relação dialógica entre os Estados, buscando-se uma solução harmoniosa. Significado da Constituição: há vários conceitos possíveis. A constituição é uma palavra plurívoca e assim como o constitucionalismo admite diversos significados. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. Em sentido comum, José Ramos Tavares definiu a constituição como sendo a particular maneira de ser de um estado. Para José Afonso da Silva a constituição é o simples modo de ser de um estado. Em sentido jurídico a constituição é a lei fundamental de um estado que organiza seus elementos essenciais. Canotilho disse que é o estatuto jurídico do político. Para José Afonso da Silva constituição é o “sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua atuação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.” Elementos constitutivos do estado: � Elemento humano (povo): quando define quem são os nacionais de um determinado estado; � Elemento físico ou geográfico (território): é nacional quem nasce em território brasileiro; e � Elemento político (soberania): quando regula as formas de aquisição e exercício do poder, inclusive dividindo o poder em face do território dando origem a coletividade regionais autônomas = estado membro. Concepções importantes acerca do que é constituição. E entendimento sobre o que é uma constituição pode variar conforme a concepção que se adote. As concepções podem ser: sociológica,política ou jurídica. NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. • Sociológica: tem como o seu principal nome o Ferdinand Lassalle, na sua obra a essência da constituição. A constituição escrita é apenas uma “folha de papel” a verdadeira constituição de um Estado é a soma dos fatores reais do poder. A constituição é basicamente a soma dos fatores reais do poder, significa que a sociedade (o poder) é dividido em vários atores (fatores) diferentes, são aqueles que exercem as múltiplas faces do poder. O poder pode ser político, econômico, religioso, etc. cada um desses atores/fatores está na arena política do dia a dia defendendo seus interesses. Todos os fatores reais do poder se ajustam e esse ajuste é a verdadeira constituição de um Estado. Se o que está escrito com o que decide a soma dos fatores reais de poder ótimo, porém se houver discordância entre ambos a constituição perderá seu valor, podendo ser "jogada fora" porque na colisão entre a constituição escrita e a soma dos fatores reais de poder, SEMPRE prevalece a soma dos fatores reais do poder. Ex. Artigo 192, §3º CF (redação anterior a EC 40/2003) tínhamos uma norma escrita que fixava como máximo a 12% ao ano a taxa de juros reais, acima disso seria configurado crime de usura. O poder econômico e político não concordavam. Nesse caso prevaleceu a soma dos fatores reais de poder. Esse dispositivo nunca foi aplicado e foi tido pelo STF não autoaplicável necessitando de uma lei e posteriormente ele foi retirado do ordenamento através da emenda constitucional 40/2003. Em síntese: Constituição para Lassalle é a soma dos fatores reais do poder. • Jurídica: tem como o seu principal nome Hans Kelsen. Kelsen descreveu na sua obra Teoria Pura do Direito o que entende por constituição. Kelsen entende que a constituição é um documento que possui supremacia hierárquica formal, constitui o fundamento de validade das demais normas jurídicas inferiores e é o documento que se trata de norma pura, puro dever-ser, dissociada de qualquer fundamento sociológico, político ou filosófico. A constituição não é descrita pelo seu conteúdo material e sim pelo NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. fato de ser um documento com supremacia formal que serve de fundamento de validade para todas as demais normas jurídicas e que constitui uma norma pura, um puro dever- ser. A teoria da constituição descreve a partir de Kelsen que direito e constituição devem ter como objeto as normas puras, tal como elas são e não como elas deveriam hipoteticamente ser. Trata-se de uma visão positivista da constituição. Não faz parte da ciência do direito analisar juízo de valor sob o ponto de vista do conteúdo material da constituição, não importa as questões relacionadas a justiça ou injustiça da ordem jurídica. Kelsen exclui do direito fundamentos sociológicos, políticos ou econômicos. Para Kelsen o parâmetro formal comum a todas as constituições independentemente do conteúdo material de cada uma delas é a sua supremacia hierárquica formal. Para Kelsen a constituição consubstancia um conjunto das normas mais importantes de um sistema e que servem de fundamento de validade a todas as demais normas jurídicas. Isso é comum a qualquer constituição. Para Kelsen a validade das normas jurídicas depende apenas dela ter sido produzida conforme o procedimento previsto no ordenamento. Uma norma jurídica vale porque é criada de uma forma predeterminada na constituição, qualquer conteúdo pode ser direito. O que importa é que a constituição determine as competências, poderes e fórmulas procedimentais para que, a partir desse conjunto, as normas inferiores sejam produzidas. A constituição formal para Kelsen é um documento escrito integrado portanto pelas normas que regem a elaboração das demais normas e por normas relativas a outros assuntos envolvendo o Estado. O resultado prático da constituição material pode ser democrático ou ditatorial, em qualquer caso continuará sendo constituição. A constituição ocupa o ápice da pirâmide normativa do direito positivo, todas as demais normas tem o seu fundamento de validade na constituição. Na pirâmide está em primeiro lugar a constituição (sentido jurídico-positivo) documento escrito que está no direito posto (posto pelo homem no direito escrito, no direito NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. formal). A lei vale se obedecer a constituição. O regulamento vale se obedecer a lei (o regulamento encontra seu fundamento de validade na lei e a lei encontra seu fundamento de validade na constituição). Tudo que está abaixo da constituição deve seguir o que preconiza a constituição. Diante de tal explanação surge o seguinte questionamento: O fundamento de validade do regulamento é a lei, o fundamento de validade da lei é a constituição e qual é o fundamento de validade da própria constituição no pensamento de Kelsen? O fundamento de validade da constituição é o que ele chama de norma hipotética fundamental. Ela é hipotética porque está fora do direito posto, do direito positivo. É fundamental porque é o fundamento último de validade da constituição e por consequência de todo o direito positivo. Seria aquilo que Kelsen chama de constituição em sentido lógico-jurídico. Lógico segundo o qual a constituição escrita existe, todos devemos cumprir a constituição escrita e as normas que são originadas da constituição escrita. Há um pressuposto lógico de que existe a constituição e as leis que decorrem da constituição. Sentidos da constituição: constituição em sentido jurídico-positivo (constituição) e constituição em sentido lógico-jurídico (que é a norma hipotética fundamental). A constituição em sentido lógico-jurídico não está no direito posto, é um pressuposto lógico, é o fundamento de validade da constituição escrita. Pela norma hipotética fundamental a constituição escrita (em sentido lógico-jurídico) existe no direito posto onde ela ocupa o grau mais elevado da pirâmide jurídica, devendo ser obedecida por todos. Essa constituição dá origem as leis, regulamentos, etc. Em síntese: Constituição para Kelsen, no sentido jurídico-positivo, é o documento escrito que está no direito posto. Constituição para Kelsen, no sentido lógico-jurídico, é a norma hipotética fundamental, que está fora do direito posto por ser um pressuposto lógico de NOTA DE AULA Nº 01 TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO TEMA: CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO ATENÇÃO: A PRESENTE NOTA DE AULA TEM POR INTUITO DIRECIONAR O ESTUDO DO ALUNO. RECOMENDA-SE A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO EM LIVROS DOUTRINÁRIOS E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. existência e de validade, pressuposto de que a constituição existe e de que deve ser obedecida. • Política:
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