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INTOXICAÇÃO ALIMENTAR ESTAFILOCÓCICA 1 INTRODUÇÃO A intoxicação alimentar estafilocócica é tida como uma enfermidade de moderada severidade e extensão limitada. A sua incidência, em diferentes países, varia principalmente com hábitos alimentares locais. Embora, quando comparada com outras enfermidades de origem alimentar que também envolvem alterações de ordem intestinal, a intoxicação pela enterotoxina do S. aureus se mostre mais branda (síndrome clínica menos severa), os custos à sociedade, em casos da doença, são bastante significativos (TODD, 1978). Intoxicação de origem alimentar, provavelmente determinada pelo Staphylococcus, foi reportada já desde o início do século XIX: Na França, OLLIVER (1830) se reporta a um surto de "envenenamento alimentar", envolvendo o consumo de carne e descreve que os sintomas eram similares a outros casos que envolveram o consumo de embutidos, bacon, presuntos e, em particular, queijos. Em estudos retrospectivos dos casos foi verificado que o quadro clínico era semelhante àquele provocado pela enterotoxina do S. aureus. A dificuldade em compreender a natureza dos compostos que determinavam o quadro de intoxicação, levou SELMI (1872) a atribuir a enfermidade a compostos originários de processos proteolíticos que ocorriam em alimentos estocados e denominou os produtos de "ptomaines" ou "alcalóides animal" ptoma= carcaça (Grego) Em 1880 o cirurgião Escocês Alexander Ogston, publicou dados de suas observações os quais concluíam que um “grupamento em forma de cocos” era a causa de numerosos casos de doenças piogênicas no homem. Subseqüentemente, ele nomeou o microrganismo de “staphylococcus”, nome derivado do Grego “staphyle”, significando cacho de uva e “coccus”, significando grão ou baga (OGSTON, 1882). Em uma série de experimentos clássicos ele verificou que, quando o pus continha o microrganismo e este era isolado, cultivado e inoculado em ratos, os animais desenvolviam a mesma sintomatologia observada no paciente do qual foi obtido o pus. Em seguida Ogston verificou que o tratamento do pus pelo calor ou com fenol, impedia a reprodução do quadro. ROSENBACH (1884) foi, provavelmente, o primeiro cientista a obter o crescimento do Staphylococcus em cultura pura e estudar suas características em laboratório. Esse pesquisador considerou que o microrganismo que extraiu de pus era idêntico ao encontrado por Ogston, denominando-o de gênero Staphylococcus. Rosenbach verificou ainda a existência de dois tipos de colônias, brancas e amarelas em meio sólido e os nomeou de Staphylococcus pyogenes aureus os produtores de colônias amarelas e Staphylococcus pyogenes albus os de colônias brancas. A utilização de três nomes foi logo deixada de lado, em vista da confusão que causava entre taxonomistas. Preocupando-se com o estudo de intoxicações de origem alimentar, BRIEGER (1885) tentou elucidar o modo de formação das toxinas e estabeleceu o Staphylococcus aureus como o provável produtor. DOLMAN (1943) e DACK (1947) sugerem que muitos surtos atribuídos aos "ptomaines" podiam muito bem terem sido determinados pela enterotoxina do S. aureus. Segundo BAIRD-PARKER (1990) a primeira citação do envolvimento do Staphylococcus com intoxicação alimentar foi, provavelmente, de Vaughan e Sternberg, citados por DACK (1949), que em 1884 descrevem a investigação de um grande surto ocorrido em Michigan, onde o alimento envolvido foi queijo contaminado com o microrganismo. O papel etiológico do S. aureus em intoxicação alimentar foi pela primeira vez conclusivamente demonstrado por STERNBERG (1885) nos EUA. Mais tarde DENYS (1894), OWEN (1907) também nos EUA e BARBER (1914) nas Filipinas, confirmaram as observações de Sternberg. Este último reproduziu em si mesmo os sinais e sintomas, ao consumir leite incubado, originário de uma vaca com mastite estafilocócica. A toxina foi identificada por DACK e cols. (1930), produzida por um microrganismo isolado a partir de creme que recheava um bolo, incriminado em surto, quando servido no Natal em Chicago. Voluntários humanos e, mais tarde, gatos jovens, foram utilizados em estudos que estabeleceram a relação entre a enterotoxicidade do alimento e o microrganismo dele isolado. SURGALLA e cols. (1953) desenvolveram um teste com macacos, que avaliava a resposta emética, a partir da alimentação dos animais com extratos ou culturas. Com isso obtiveram resultados mais consistentes que aqueles obtidos com humanos e gatos. (Histórico extraído de BAIRD-PARKER, 1990 e MOSSEL & van NETTEN, 1990) 2 ASPECTOS GERAIS Pertencente à Família Micrococcaceae, Gênero Staphylococcus, o S. aureus se caracteriza pela sua morfologia em forma de cocos, se apresentando em agrupamentos semelhantes a cachos de uva, aos pares ou em cadeias curtas devido a sua característica de se dividir em diversos planos. É um microrganismo Gram +, imóvel, aeróbio ou anaeróbio facultativo, sendo que seu crescimento é mais rápido e abundante em condições de aerobiose. Algumas cepas podem se apresentar pigmentadas, com coloração amarelada, sendo este um fator que depende também das condições de crescimento. É um microrganismo fermentativo e proteolítico, porém, alcança números que produzem a toxina em quantidade suficiente para desencadear a gastroenterite sem alterar o aspecto, odor e sabor do alimento. O S. aureus é capaz de produzir mais de 34 diferentes proteínas extracelulares, muitas das quais contribuem com sua patogenicidade ou determinam sua virulência. Uma única cepa pode não produzir todas as exoproteínas mas, em culturas puras, elas podem produzir um número bastante significativo. Como resultado a patogenicidade desse microrganismo é difícil de ser determinada com precisão, porque todos os fatores responsáveis pela virulência e a interação entre eles não são completamente conhecidos (ARBUTHNOTT e cols., 1990). Outro ponto de dificuldade no estabelecimento da patogenicidade é a impossibilidade de avaliar individualmente a ação dos fatores de virulência. Tabela - Fatores de virulência extracelulares produzidos pelo S. aureus. Toxinas Exoenzimas Toxinas que provocam danos em membranas: alfa-toxina Coagulase beta-toxina Estafiloquinase gama-toxina Proteases delta-toxina Fosfolipase Toxina epidermolítica Lipase Toxina da síndrome do choque tóxico DNAse Enterotoxinas (8 tipos) Hialuronidase Exotoxina piogênica Fosfatase ARBUTHNOTT e cols. (1990) A estafilococose no homem engloba uma gama bastante variável de manifestações clínicas que dependem basicamente: - das propriedades da cepa de S. aureus - do local ou sítio da infecção - e do grau de comprometimento das defesas naturais do indivíduo (sistema imunitário) (ARBUTHNOTT e cols., 1990) Papel da alfa-toxina na patogênese Desde a sua identificação, efetuada por BURNET (1929), a alfa-toxina é considerada como o primeiro fator determinante de patogenicidade. Ela é uma toxina letal, necrosante e citolítica para uma variedade bastante grande de células, tendo sua ação principal na membrana, formando poros. Além dessas outras ações atribuídas a ela incluem paralisia da musculatura lisa e esquelética, alterações em vasos sangüíneos e efeitos tóxicos a nível do sistema nervoso central. Papel da toxina epidermolítica (ET) na patogenese Papel da toxina da "Síndrome do Choque Tóxico" (TSST-1) na patogenese A síndrome do choque tóxico (TSST) emergiu como uma "nova" doença em 1980 nos EUA. Foi algo que chamou a atenção pelo fato de atingir mulheres jovens, aparentemente saudáveis, que se mostravam repentinamente enfermas, com múltiplos sintomas. Durante julho de 1980mais de 120 casos foram registrados pelos Centros de Controle de Doenças (CDC-EUA) (ARBUTHNOTT e cols., 1990). A doença era caracterizada por febre alta, dor de cabeça e pelo aparecimento de uma cor avermelhada por todo o corpo. Usualmente esses sintomas vinham acompanhado por inflamação na garganta, diarréia aquosa, vômitos e queda de pressão. Descamação das áreas afetadas, particularmente pés e mãos, ocorriam durante a fase de recuperação. A sintomatologia da doença já havia sido descrita dois anos antes por TODDY e cols. (1978), que corretamente identificaram o S. aureus como o agente responsável. A maioria dos casos reportados em 1980 ocorreram com mulheres jovens e parecia haver uma estreita relação com a menstruação. O uso de absorventes emerge como um importante fator de risco (An., 1980). A preocupação com a associação da TSST com problemas menstruais e uso de absorventes, dificultou a descoberta da existência de casos não associados à menstruação. Hoje se sabe que a TSST acomete tanto mulheres como homens, como conseqüência de infecções cutâneas, abortos ou infecções pós-operatórias. Correntemente a TSS não-menstrual acomete de 40-50% dos casos reportados. No Brasil, LOPES e cols. (1997) estudando 215 mulheres quanto à presença de portadoras de Staphylococcus aureus no conduto nasal e/ou trato vaginal, encontraram 79 colonizadas pela microrganismo. Destas, 13 demonstraram estar colonizadas pelo S. aureus produtor da toxina da síndrome do choque tóxico. Somente duas entre 49 mulheres cujos soros foram examinados quanto a presença de anticorpos para a TSST, não tinham ou apresentavam títulos muito baixos. Segundo os autores, o percentual de mulheres colonizadas pode ser considerado baixo, quando comparado ao encontrado em países desenvolvidos, e pode ser um fator que contribua para a baixa incidência de TSST no Brasil. 3 ENTEROTOXINAS As enterotoxinas estafilocócicas são proteínas de composição simples, com peso molecular relativamente baixo (26-34.000 Da), cuja cadeia apresenta uma quantidade significativa de lisina, tirosina, ac. aspartico e ac. glutâmico (BAIRD-PARKER, 1990). Antigenicamente, oito enterotoxinas de origem estafilocócica são reconhecidas: A, B, C1, C2, C3, D, E e a H, a última a ser descrita por SU & WONG (1995). A composição em aminoácidos das toxinas A, D e E são similares, o mesmo ocorrendo com as B e C. Estes dois grupos de enterotoxinas são produzidos por dois diferentes caminhos: - A produção das enterotoxinas dos tipos B e C é controlada por plasmídio e ocorre principalmente no final da fase estacionária da curva de crescimento. - As enterotoxinas dos tipos A, D e E são controladas por cromossomos e a produção ocorre durante toda a fase logarítmica de crescimento. Diferenças entre as toxinas podem ser verificadas também quanto à sua formação. As dos tipos A e D podem ser formadas em condições ambientais bem mais adversas (como pH, aw e Eh não tão favoráveis) do que as necessárias para a formação dos tipos B e C., embora, em condições ideais, estas últimas são produzidas em níveis bem mais significativos (BAIRD-PARKER, 1990). A maioria das intoxicações são provocadas pelas enterotoxinas dos tipos A e D, principalmente a A, e isto é explicado pelo fato das condições intrínsecas dos alimentos nem sempre serem as ideais (BAIRD-PARKER, 1990). Embora a biosintese destas toxinas seja afetada pelos parâmetros intrínsecos e extrínsecos, elas apresentam algumas propriedades em comum, sendo que a principal delas é a termoestabilidade. Em temperaturas de 120oC por 10 minutos ou 100oC por 2 horas ocorrem reduções significativas na concentração da enterotoxina. Mas, estes níveis de temperatura e tempo são difíceis de serem atingidos nos aquecimentos mais comuns (domésticos). Tabela - Principais propriedades das enterotoxinas estafilocócicas - A-E. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- Peso molecular 26 - 29 x 10o Da Ponto isoelétrico 7,0 - 8,6 Aminoácidos principais lisina, ac. aspártico,ac. glutâmico, tirosina Em A e B tb. metionina Resistência a enzimas Pepsina (pH>2),tripsina Dose mínima tóxica macacos (intragástrica) > 0,5 ug/Kg homem 0,1 a 1,0 ug/Kg --------------------------------------------------------------------------------------------------------- MOSSEL & van NETTEN (1990) As enterotoxinas estafilocócicas têm a característica de não provocarem acúmulo de líquidos como outras o fazem quando inoculadas em íleo ligado. Existem evidências de que elas atuem a nível de neuroreceptores no trato intestinal, gerando um impulso nervoso que através do nervo vago chega no centro do vômito, localizado na camada sub-cortical do cérebro. Assim são determinadas as reações de vômito e diarréia (IANDOLO, 1989). Dado a este tipo de ação, alguns autores a consideram como uma neurotoxina (STEPHEN & PIETROWSKI, 1981). 4 ORIGEM E DETECÇÃO DO AGENTE CADEIA EPIDEMIOLÓGICA DA INTOXICAÇÃO ALIMENTAR ESTAFILOCÓCICA Staphylococcus aureus Susceptíveis Ar Água Fezes Esgotos Alimentos homem e animais Reservatório Natural Infecções com sintomas Infecções sem sintomas furúnculo pele abcessos garganta septicemias saliva mastite (bovinos) nariz mãos glândula mamária Alimentos: carne e derivados Manipuladores aves, ovos, leite e derivados pescado, verduras, Multiplicação doces, etc. Enterotoxina Consumidor Intoxicação No homem a fonte mais importante é a nasal. É estimado que entre 10 e 40% da população humana seja portadora de Staphylococcus aureus, em números superiores a 103/ swabb. Segundo SOARES e cols. (1993) cerca de 10 a 15% das pessoas normais da comunidade extra-hospitalar são portadores de Staphylococcus aureus na nasofaringe. Estes microrganismos também podem ser encontrados em várias outras regiões do corpo, entre elas as mãos. Os portadores assintomáticos que manipulam alimentos podem albergar representantesda espécie S. aureus enterotoxigênicas desempenhando, desta forma, o papel de vetor na intoxicação alimentar. PEREIRA e cols. (1994) verificando a presença de portadores entre manipuladores de alimentos em uma cozinha industrial de Belo Horizonte encontraram: 32(58,2%) portadores, destes 17(30,9%) com cepas enterotoxigênicas. 8 nasais, 9 na cavidade orofaringea e sete no leito subungueal. O aparecimento de intoxicação estafilocócica após a ingestão de um alimento indica a ocorrência de dois erros básicos durante a sua preparação. O primeiro é a contaminação com o S. aureus e o segundo é a existência de condições que permitam a sua proliferação. Tabela - Principais mecanismos que determinam riscos de intoxicação de origem alimentar nos EUA. % %* Situação 1: Contaminação - Alimentos naturalmente contaminados e inadequadamente aquecidos 47 - Recontaminação a partir de fontes humanas 32 - Recontaminação a partir do ambiente 15 94 Situação 2: Colonização - Refrigeração lenta após o tratamento térmico 48 - Estocagem muito longa antes do uso 34 - Refrigeração inadequada 18 100 * Porcentagem de freqüência verificada em estudo retrospectivo de surtos envolvendo alimentos (MOSSEL, 1988) Sob o ponto de vista da enfermidade somente aqueles Staphylococcus que produzem uma ou mais enterotoxinas são de interesse. A proporção de S. aureus enterotoxigênicos varia consideravelmente entre os nichos (Tab. a seguir). Tabela - Incidência de S. aureus enterotoxigênicos, isolados a partir de diferentes fontes. ORIGEM ENTEROTOXINA DETERMINADA % DE CEPAS POSITIVAS REFERÊNCIA Humana A e B 76 - 100 REALI (1982) 51 MELCONIAN e cols. (1982) A, B, C, D e E NIELSEN (1985) A, B e C 25 ANDRADE & ZELANTE (1989) A - D CARMO e cols. (1996) A, B, C e D 86 ALBUSTAN e cols. (1996) Aviária A, B, C e D 25 HARVEY e cols. (1978) - 57 GIBBS e cols. (1978) Diferentes alimentos de origem animal A,B, C, D e E 26 - 62 WIENEKE (1974) A, B, C, D e E MELCONIAN e cols. (1983) A, B, C, D e E EWALD (1982) A, B, C, D e E ISIGIDI e cols. (1992) Embutidos A e B 29 REALI (1982) Refeições servidas em aviões A, B, C, D e E 51 EWALD & CHRISTENSEN (1987) Leite ovino - 49 GUTIERREZ e cols. (1982) Leite bovino A e B 52 REALI (1982) C 16 SCHOCKEN-ITURRINO e cols. (1986) B NADER FILHO e cols. (1988) Abcessos em animais de açougue A, B, C, D e E 74 MENES e cols. (1984) Alimentos envolvidos em surtos A, B, C e D 94 WIENEKE (1974) A 100 ROSADO e cols. (1989) A 72 CARMO e cols. (1990) A CERQUERIA CAMPOS e cols. (1993) A, B e D 93 SABIONI e cols. (1994) A, B e C CARMO e cols. (1995) D e H 100 PEREIRA e cols. (1996) A OLSON e cols. (1997) Relação entre enterotoxina e - coagulase - termonuclease Geralmente não é possível, de forma rotineira, a detecção de enterotoxinas. Assim, já foi proposto o uso do teste da coagulase e, mais recentemente da termonuclease, como características bioquímicas que pudessem marcar a patogenicidade. Muitos estudos mostraram que essas enzimas são produzidas tanto por cepas enterotoxigênicas como não enterotoxigênicas, inclusive por outras espécies (BRIECKIRIDGE & BERGDOLL, 1971; NOLETO & BERGDOLL, 1982; ALIU & BERGDOLL, 1988; BAUTISTA e cols. (1988). Entre essas cepas são incluídas: � S. hyicus com cepas tanto coagulase + como - . Isolado de pele de suíno, pele e leite de bovinos (ADESIYUN e cols., 1986; ALIU & BERGDOLL, 1988). � S. intermedius algumas cepas produzem enterotoxina; são coagulase +, mas diferem do S. aureus por não metabolizarem o manitol em condições de anaerobiose. Isolado de carnívoros: cães e raposa. (EVANS, 1948; MOSSEL, 1962; HIROOKA e cols. 1988). � S. delphini isolado de golfinhos (VARALDO e cols., 1988). Segundo MOSSEL (1983) inegavelmente a maioria dos S. aureus isolados de alimentos de boa qualidade não são produtores de enterotoxina. O nível de presença desse microrganismo indica padrão higiênico. 5 FATORES QUE INFLUENCIAM A MULTIPLICAÇÃO E A PRODUÇÃO DE ENTEROTOXINA PELO Staphylococcus aureus. (Determinantes ecológicos) Dado à elevada ocorrência do Staphylococcus aureus no homem e nos animais, é muito difícil de ser evitada a contaminação dos alimentos. Praticas de higiene, adotadas em todos os níveis, são as medidas mais eficazes, se não para acabar com as possíveis fontes de contaminação, pelo menos para diminuir ao máximo a sua extensão. Neste sentido, para o controle da enterotoxicose deve-se contar, de forma efetiva, com medidas que inibam o seu crescimento. Tendo em vista a dificuldade de ser estabelecida a relação entre o crescimento do microrganismo e a produção de enterotoxina, algumas linhas gerais são preconizadas: � em um dado alimento, a temperatura ótima de produção de enterotoxina está sempre alguns graus acima da de crescimento; � alterações de temperatura e de outros fatores afetam muito mais a síntese da enterotoxina do que o crescimento. Várias são as informações sobre os fatores que afetam a sobrevivência e a multiplicação do S. aureus em alimentos. Na tabela a seguir são listados os mais importantes fatores intrínsecos e extrínsecos. Tabela - Valores limites dos fatores intrínsecos e extrínsecos, que afetam o crescimento e a produção de enterotoxina pelo S. aureus. Aerobiose Anaerobiose oC aw pH oC aw pH Crescimento 7 - 46 0,83 4,0 7 - 46 0,90 4,6 Produção de enterotoxina 10 - 45 0,84 4,0 10 - 45 0,90 5,3 SCHEUSNER e cols. (1973); EWALD & NOTERMANS (1988) Quanto ao comportamento do S. aureus em presença de NaCl, é sabido que o microrganismo é um halotolerante que em meios artificiais cresce com até 20% de concentração. Em muitos alimentos ocorre a inibição do crescimento com 5 a 7% de NaCl - interagem outros fatores. A produção de enterotoxina pelo S. aureus pode ser evitada com o controle rigoroso da temperatura (MOSSEL & van NETTEN, 1990): a multiplicação e produção de enterotoxinas são completamente inibidas em temperaturas inferiores a 7oC. Entretanto, essas temperaturas baixas não são levadas a rigor na conservação de alimentos a nível de varejo (incluindo restaurantes) sendo, em decorrência disso, registrado o maior número de surtos de intoxicação de origem alimentar por descuidos a esse nível. Ação de aditivos e conservantes: - nitrito: pouca ou quase nenhuma ação apresenta; - sorbato de K: não tem efeito. Outros antioxidantes têm certa atividade sobre o S. aureus, mas em concentrações bastante elevadas. Fatores implícitos também limitam o crescimento dos estafilococos em alimentos. Segundo MOSSEL & van NETTEN (1990), é muito bem estabelecido que o Staphylococcus aureus é muito sensível à competição com os agentes comuns de deterioração como Pseudomonas e Lactobacillus. DELAZARI e cols. (1977), verificaram também inibição ao Staphylococcus aureus, pela ação de Lactobacillus, Leuconostoc, Pseudomonas e estreptococos em lingüiça. Mesmo nas amostras inoculadas a população de S. aureus não ultrapassou a 105 UFC/grama, tendo em vista o numero elevado dos demais microrganismos. Os autores sugerem que, em vista das condições em que são preparados, os embutidos dificilmente podem constituir veículos da intoxicação estafilocócica. O crescimento da população dos principais microrganismos deteriorantes, representados na tabela a seguir, produz rapidamente sinais de deterioração, representados por alterações na cor, odor, sabor e consistência.Esses sinais aparecem muito antes da população do S. aureus atingir um número suficiente de microrganismos capaz de produzir a toxina em concentração que leve à intoxicação. Alimentos com aw inferiores a 0,95 (presença de NaCl), onde muitos daqueles deteriorantes não se desenvolvem, e alimentos contaminados pelo S. aureus após tratamento térmico, são ideais para o desenvolvimento, quando a temperatura de armazenamento for favorável. Alguns pesquisadores já demonstraram que os alimentos com reduzida atividade de água, como os produtos cárneos e doces utilizados como recheio, são os mais comumente envolvidos em surtos de intoxicação (BRYAN, 1976; GENIGEORGES, 1989). Apesar do S. aureus ser fermentativo e proteolítico ele se multiplica, produz as enterotoxinas em concentrações suficientes para desencadear a intoxicação, sem chegar a produzir odor e sabor desagradáveis no alimento nem alterar o seu aspecto. Tabela - Gênero ou espécie de alguns microrganismos deteriorantes, que apresentam antagonismo ao S. aureus. Acinetobacter Lactobacillus Aeromonas Pseudomonas Bacillus Staphylococcus epidermidis Enterobactérias Streptococcus Enterococcus 6 ALIMENTOS ASSOCIADOS A SURTOS Alimento de risco é aquele em que esta presente a enterotoxina não necessariamente a célula bacteriana. Uma grande diversidade de alimentos pode ser enquadrada como potencialmente predispostos a determinar surtos de intoxicação, mas, os mais propensos são aqueles submetidos a manipulações e refrigerados de forma inadequada após a sua preparação. Alimentos já associados: - carne bovina, de aves e subprodutos como: presunto; roast bife etc. - leite e sub-produtos como queijos e fermentados: O S. aureus pode crescer no início do processo e sua ausência ou seu no reduzido no final não é indicativo de segurança. - doces recheados 7 SINTOMAS DA INTOXICAÇÃO E TRATAMENTO A susceptibilidade frente a intoxicação estafilocócica varia de indivíduo para indivíduo, de tal forma que em um grupo de pessoas que tenham consumido um alimento contaminado pode haver aqueles que não apresentem sintomas. A base desta afirmação não é bem esclarecida, muito embora uma exposição à enterotoxina confira certo grau de tolerância. O período de incubação varia de 1 a 7 horas, em média de 2 a 4 horas, o que já é uma diferença para outras intoxicações e infecções, que têm períodos de incubação relativamente superiores. Sintomas mais comuns: náuseas, vômito, dor de cabeça, fraqueza e, menos freqüentemente, diarréia. A temperatura comumente está abaixo do normal. Os sintomas persistem não mais que 24 horas e em casos severos pode ocorrer desidratação, culminando com choque. Não há tratamento específico e na maioria das vezes é desnecessário. Nos casos mais severos pode existir a necessidade de rehidratação. 8 DIAGNÓSTICO Pode ser clínico e/ou laboratorial: - Laboratorial: 1 - isolamento do agente no alimento, produção e detecção da enterotoxina (Ans. de laboratório - gatos e macacos e Provas de difusão em gel ou Elisa, para identificar os diferentes tipos de toxina. 2 - detecção da enterotoxina no alimento: consiste na extração (homogeneização com tampão e posterior centrifugação/remover grandes partículas), purificação e concentração (pur.- col. Cromatográfica - carboxymetil celulose; conc. - diálise e outros métodos). A detecção em si pode ser feito utilizando-se animais ou métodos sorológicos. 9 CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O SURGIMENTO DE UM SURTO - que o alimento contenha Staphylococcus aureus produtores de enterotoxina; - que apresente condições intrínsecas (pH, aw, Eh, composição) favoráveis ao crescimento do agente e produção da enterotoxina; - que o tempo e temperatura de elaboração e/ou armazenamento sejam favoráveis ao desenvolvimento; - que o alimento contendo a enterotoxina seja consumido. 10 MEDIDAS PREVENTIVAS - evitar a contaminação pelo Staphylococcus aureus (matéria prima, manipulação, etc.); - eliminar os estafilococos possivelmente presentes (tratamento térmico); - impedir o seu desenvolvimento conservando: alimentos frios em temperatura < 10oC ou < 5oC alimentos quentes em temperatura > 60oC ou > 65oC 11 ALGUNS SURTOS DESCRITOS NA LITERATURA, EM PARTICULAR NO BRASIL ROSADO e cols. (1989) relatam um surto ocorrido no bairro de Laranjeiras, RJ, onde o Staphylococcus aureus presente em carne de peru defumada, adquirida em uma confeitaria, provocou a intoxicação em quatro pessoas de uma mesma família. A população de S. aureus na carne defumada estava em 4,0x107 UFC/g e as cepas testadas foram produtoras de enterotoxina do tipo A. CARMO & BERGDOLL (1990) descrevem o estudo de 18 surtos ocorridos em Belo Horizonte/MG, onde os alimentos envolvidos foram queijos Minas e bolo recheado. Um deles acometeu 60 pessoas. As populações de S. aureus variaram de 104 a 108 UFC/grama e em 14 dos isolamentos efetuados foram detectados linhagens enterotoxigênicas. Enterotoxinas A e B foram concomitantemente identificadas em 12 surtos e a A isoladamente em um, o mesmo ocorrendo com a B. CERQUEIRA CAMPOS e cols. (1993), investigaram seis surtos de doenças de origem alimentar ocorridos em São Paulo. Os alimentos incriminados foram : - bolo recheado com creme - 4 surtos / em um deles 200 pessoas foram envolvidas, em uma festa. 56 apresentaram sintomas e 11 foram internadas em hospitais; - nhoque - 1 surto / 7 pessoas envolvidas - sorvete - 1 surto (sorvete caseiro preparado com iogurte) Os autores encontraram populações de S. aureus nesses produtos (com exceção do sorvete) que variavam de 107 a 109 UFC/grama. Os estafilococos isolados mostraram-se produtores de enterotoxina A e todas as amostras dos alimentos analisados continham a mesma enterotoxina. SABIONI e cols. (1994) descrevem um surto ocorrido no ano de 1992 na cidade de Ouro Preto, MG, que acometeu 11 pessoas, com três internações, envolvendo o queijo Minas, produzido em uma propriedade rural e comercializado sem refrigeração, como o veículo do agente. As contagens de Staphylococcus aureus no produto variou de 105 a 108 UFC/grama, sendo que dentre 16 cepas testadas, 93,75% delas eram produtoras das enterotoxinas dos tipos A, B ou D. PASSOS & KUAYE (1995) relatam um surto de intoxicação alimentar ocorrido em março de 1994 na cidade de Santa Barbara D’Oeste/SP. O alimento envolvido foi bolo recheado, contaminado com Staphylococcus aureus ao nível de 2,9x109 UFC/grama. Baseado no inquérito epidemiológico realizado e na elevada contaminação, os autores concluíram que o Staphylococcus aureus foi o microrganismo patogênico responsável pelo surto. Segundo os autores ainda, os fatores que, possivelmente, contribuíram para a ocorrência do surto foram higiene inadequada dos manipuladores e manutenção do alimento à temperatura ambiente por longo intervalo de tempo. PEREIRA e cols. (1995) descrevem um surto que acometeu 7 membros de uma mesma família no Estado de Minas Gerais. Os sintomas de vomito e diarréia começaram a aparecer após 4 horas da ingestão de um queijo frescal. A população de Staphylococcus aureus no queijo estava em 2,9x108 UFC/grama, sendo formada por cepas produtoras de enterotoxina. CARMO e cols. (1995) estudaram oito surtos de toxinfecção ocorridos em Belo Horizonte nos anos de 1991 e 1992. Em um dos surtos várias pessoas foram acometidas e dentre estas, 38 foram hospitalizadas. Os alimentos envolvidos foram queijo tipo Minas Frescal, bolo recheado, um prato a base de arroz e outro a base de carne. A contagem de S. aureus variou entre 106 e 108 UFC/ grama de alimento. As enterotoxinas produzidas foram do tipo A em um dos surtos, A e B em quatro surtos, enterotoxinas A, B e C em um surto e enterotoxinasA e C em outro. A enterotoxina do tipo A foi detectada através do método de Elisa em três dos quatro alimentos envolvidos nos surtos. PEREIRA e cols. (1996) relatam uma surto ocorrido em um família, onde 4 membros apresentaram os sintomas da intoxicação estafilocócica após a ingestão de um queijo tipo Minas Frescal. O queijo revelou uma população de Staphylococcus aureus de 2,9 x 108 UFC/grama, com cepas produtoras das enterotoxinas D e H. CARMO e cols. (1996) descrevem um surto ocorrido na cidade de Brasília, que acometeu 285 pessoas, apresentado como sintomas diarréia, vômito, febre, cólica intestinal e dores de cabeça, em um período de 6 a 15 horas após a ingestão de maionese em um restaurante. Salmonella enteritidis e Staphylococcus aureus foram isolados a partir do alimento. Segundo os autores os sintomas observados são típicos de salmonelose, bem como de intoxicação estafilocócica, exceção da febre que é mais comum na primeira e do período de incubação que é mais curto na segunda. O S. aureus deve ter tido sua origem das mãos dos manipuladores, enquanto que a salmonela dos ovos utilizados no preparo da maionese. Segundo os autores ainda, a contagem elevada de S. aureus no alimento foi suficiente para produzir enterotoxina, porém os sintomas devem ter sido brandos, porque uma pequena quantidade do alimento deve ter sido consumida. Devido à presença de S. aureus no alimento, os manipuladores foram submetidos a exame microbiológico e contatou-se que, dentre estes, vários eram portadores de S. aureus enterotoxigênicos. OLSON e cols. (1997) descrevem um surto ocorrido no estado do Novo México, onde o alimento incriminado foi um prato típico à base de carne, servido em restaurante. 23 pessoas dentre as 110 que ingeriram o alimento (taxa de ataque de 23%) apresentaram os sintomas típicos da intoxicação estafilocócica. As amostras apresentavam população superior a 106 UFC/grama. Avaliando o processo de elaboração da carne verificou-se que um dos recipientes contendo o produto elaborado, permaneceu por 4 horas à temperatura ambiente antes de ser colocado sob refrigeração, o que permitiu a multiplicação bacteriana e a produção de enterotoxina. ESQUEMA BIOQUÍMICO SIMPLIFICADO PARA A DIFERENCIAÇÃO DO Staphylococcus aureus DAS DEMAIS ESPÉCIES COAGULASE POSITIVO. COAGULASE TERMONUCLEASE FERMENTAÇÃO DO MANITOL (anaer.) PRODUÇÃO DE ACETOÍNA (VP) S. aureus + + + + S. intermedius + + - - S. hyicus + (11 a 89%) + (11 a 89%) - - S. delphini + - - - 12 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ADAMS, B.W. & MEAD, G.C. Incidence and properties of Staphylococcus aureus associated with turkeys during processing and further processing operations. Journal of Hygiene, Cambridge, v.91, p.479-490, 1983. ADESIYUN, A.A., RAJI, I., YOBE, V. Enterotoxigenicity of Staphylococcus aureus from anterior nares of dinning hall workers. Journal of food Protection, v.49, p.955-957, 1986. 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