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Os Hunos e a pressão no Império Romano

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Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
PARA QUE CHORASSEM LÁGRIMAS DE SANGUE. PODER 
RÉGIO E ALTERIDADE ENTRE ÁTILA E OS GERMANOS 
 (SÉC. V) 
Otávio Luiz Vieira Pinto (Universidade Federal do Paraná – UFPR) 1 
 
Resumo 
O presente artigo objetiva estabelecer uma nova possibilidade de análise historiográfica 
no que se refere ao estudo dos hunos na Antiguidade Tardia. A partir de criteriosa 
leitura de bibliografia e documentação primária, notamos uma forte influência por parte 
desse povo asiático na configuração política e cultural das Monarquias Romano-
Germanas que se assentam no ocidente romano a partir do século V, servindo como 
“anti-modelo”, ou seja, elemento de alteridade pelo qual as aristocracias germanas iriam 
buscar fazer oposição e, assim, definir o que, neste momento, era legítimo e civilizado. 
 
Palavras-chave: Hunos; Átila; Monarquias Romano-Germanas; Etnogênese; 
Antiguidade Tardia. 
 
Abstract 
The present article aims to establish a new possibility of historiographical analysis in 
relation to the study of the Huns in Late Antiquity. From a careful reading of literature 
and primary documents, we note a strong influence on the part of this Asiatic people in 
the political and cultural setting of Germanic Kingdoms that emerge in the roman west 
in the fifth century, serving as "anti-model", i.e., an element of otherness by which the 
Germanic aristocracies would seek to oppose and thus define what, at this point, what 
was legitimate and civilized. 
 
Key-words: Huns; Attila; Germanic Kingdoms; Ethnogenesis; Late Antiquity 
 
*** 
 
I. “Barbarização”: o fim do Imperium Romanorum? 
 
Muito já se falou sobre o declínio e a queda do Império Romano. Estudiosos 
indagaram-se sobre os fatores que fizeram cair a grande Roma: desde Edward Gibbon, 
arquitetou-se a idéia de que as incursões de povos germanos causaram a desestruturação 
política, a partir de uma “barbarização” da moral e dos costumes civilizados i. Perpetua-
se assim, na historiografia, uma visão simplista de se encarar este período da 
 
1
 Mestrando em História pela Universidade Federal do Paraná, sob orientação do Prof. Dr. Renan 
Frighetto. Bolsista CAPES e membro discente do Núcleo de Estudos Mediterrânicos (NEMED). Realiza 
pesquisa na área de História Tardo Antiga, em especial no que tange aos ostrogodos e sua relação com 
um Império Romano Tardio. E-mail para contato: rocha.pombo@hotmail.com. 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
Antiguidade Tardia, traçando causas simples para o fim político do Império, como num 
processo linear de causa e conseqüência. 
Alguns pesquisadores, porém, tem tentado contornar este cenário. Walter 
Goffart, ainda que tenha recebido diversas criticas à sua teoria, propõe uma paulatina 
desestruturação da política romana a partir de um sistema que mesclava acomodações 
de grupos estrangeiros e uma tributação excessiva, não condizente com a realidade 
tardo-imperial ii. Peter Heather, atualmente um dos mais prolíferos pesquisadores deste 
período, procura traçar um esquema mais complexo, que não encontra uma causa única 
para o fatídico 476, mas assiste a emergência de um novo contexto social, nascido de 
relação profunda entre culturas e práticas romanas, germânicas e cristãs. iii
 
 
Ter noção deste debate é fundamental, uma vez que, neste trabalho, nossa 
proposta é notar justamente as relações entre romanos, germanos e hunos, sem que, para 
isso, simplifiquemos nossa análise ou generalizemos as perspectivas. Dentro de uma 
idéia de etnogênese 
iv
, propomo-nos a delinear as práticas políticas, culturais e sociais 
que advém deste contato, que mescla uma força imperial, moral e legitimadora na figura 
dos romanos; uma força crescente e prática, na figura dos germanos; e uma vicissitude 
de poder ante este contexto, simbolizada nos hunos. v 
 
II. Hunos, romanos e germanos: contatos e relações 
 
Já no século IV, a relação entre romanos e “bárbaros” deveria ser repensada. Era 
inegável a presença de uma aristocracia germana já atuante em algumas esferas da 
administração de Roma – situação que fica clara quando notamos o discurso propagado 
pelos círculos pagãos, descontentes com o descaso em relação aos antigos costumes, ao 
mos maiorum vi. Neste sentido, alguns grupos étnicos, como os visigodos, passam a ter 
outra definição: passam a ser foederati, ligados oficialmente ao Império por meio de 
acordos e diplomacias vii . Ainda assim, uma série de agrupamentos menores 
permanecia à margem deste poder imperial, enxergando-o como uma distante aura de 
“civilidade”, enquanto estes próprios continuariam imersos em sua própria “barbárie”. 
A percepção de si próprio viii, aqui, passa a sofrer uma série de mudanças: se, na tradição 
clássica, a idéia de civilizado e bárbaro era, ainda que atrelada ao aspecto político, 
baseada num claro distanciamento cultural, num momento em que separar o “romano” 
do “germano” é cada vez mais difícil, a civilização e a barbárie passam a estar atreladas 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
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a outros elementos de coesão cultural, como o cristianismo ix
 
(que pode, de alguma 
forma, estender a universalidade imperial romana para diversas etnias – vai-se, 
paulatinamente, da “romanidade” para a cristandade), e este elemento contribui, 
também, para a legitimação política. Dessa forma, o exercício político esta ligado à 
idéia de civilização e barbárie, e suas definições sofrem mudanças na mesma medida 
em que sofrem estes conceitos. 
 
III. A Confederação Huna: diplomacia huno-germânica 
 
Ainda no século IV, godos precipitam-se sobre os limites da Moésia, numa 
movimentação que provavelmente seria, se não motivada, incentivada pelo avanço de 
um grupo nômade vindo das estepes. Por volta do fim do século IV, este grupo passa 
para a história sob a designação de huni x: 
 
Porém, a semente e a origem de toda a ruína [...] nós descobrimos ser esta. O 
povo dos Hunos, mas pouco se sabe dos relatos antigos; vivendo além do 
mar da Meótica, próximo ao oceano de gelo, excedem todos os graus de 
selvageria. [...] não se submetem a qualquer mando real, mas são contentes 
com o governo desordenado de seus homens importantes, e guiados por eles, 
forçam seu caminho através de qualquer obstáculo. 
xi
 
 
A partir desta rede de movimentação, a historiografia tradicional passou a ver o 
elemento huno como catalisador de um processo de “invasões” dentro do Imperium 
Romanorum. Ainda que esta imagem de pressões sucessivas, iniciada com os hunos no 
oriente e culminada com a batalha de Adrianópolis, em 378, seja questionada 
atualmente, é inegável que, já aí, temos um sistema de relações entre hunos e germanos, 
num molde ainda pouco desenvolvido, baseado provavelmente em razias e saques xii
 
, 
evidenciando o aspecto tribal tanto dos godos como dos hunos – isto é, mesmo com a 
existência de um líder a frente destes grupos, o poder era desenvolvido dentro de 
sistema próprio, sem a necessidade de uma legitimação aos moldes romanos, baseada 
nos preceitos da ciuilitas xiii
 
. 
No decorrer do século V, as tribos hunas passam a estruturar mais e mais seu 
esquema político e, ainda que não o façam de forma institucionalizada,logo emergem 
quatro líderes principais: Oebarsio, Mundzuk, Octar e Rugilas. Este esquema, que se 
 
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assemelha a uma tetrarquia, aos moldes de Diocleciano, provavelmente era uma 
tentativa de estabilizar as crises internas e aproximar as tribos hunas de um mesmo 
centro de poder; esta idéia pode torna-se ainda mais tangível quando notamos que, após 
a morte de Rugilas, seus sobrinhos Átila e Bleda (filhos de Mundzuk) assumem a 
liderança do grupo, e a mudança de uma “tetrarquia” para uma “diarquia” evidencia o 
crescente controle destes líderes – de fato, o aumento nos ataques à pars orientalis e na 
tributação exigida por Átila e Bleda revela que, neste momento, os hunos já se 
estabeleciam como um núcleo de poder digno da atenção imperial. 
É quando Átila reina sozinho, porém, a partir de 444 (ou 445) xiv, que as relações 
entre esta tríade de poder – hunos, romanos e germanos – se acirram e ganham aspectos 
mais ideológicos, preocupados com sua legitimação frente a este contexto que, 
dominado ainda pela força moral e cultura romana, esta imerso numa realidade que 
pressupunha uma coesão civilizada a partir da οἰκουµένη (o equivalente grego da 
ciuilitas) xv
 
. Essa necessidade de justificação do poder nos termos clássicos greco-
romanos evidencia uma intenção (e, em casos mais práticos, mesmo uma tentativa) de 
pertença, de integração neste universo considerado civilizado. Neste século V, portanto, 
com a presença e a prática efetiva de novos poderes (hunos e germanos, além dos 
romanos), temos uma “estética política”xvi
 
própria, baseada na definição social, política 
e cultural do grupo em questão, e que fica evidenciada quando analisamos seus 
esquemas de relações e a polarização destes poderes. O contato que aqui intentamos 
analisar é, fundamentalmente, parte de uma representação política do que se pretendia 
de uma “sociedade ideal”. xvii
 
 
Durante o período de Átila, configura-se uma força político-militar que se 
convencionou chamar de “Confederação Huna”. Esta “Confederação” representava, 
antes de mais nada, uma afirmação do poder de Átila a partir de uma coesão inédita 
entre todas as tribos hunas xviii. Numa segunda instância, porém, esse agrupamento 
liderado pelo rei huno tornava-se mais e mais um núcleo de poder estabelecido e 
realmente fundamentando, de forma que o historiador Herwig Wolfram considera-o 
uma “alternativa de poder” xix, ou seja, uma vicissitude política e militar diante da 
universalidade imperial, e a ela caberia agregar os agrupamentos germanos – a estes, 
por sua vez, dois poderes se apresentariam, portanto, no Ocidente: o Império Romano e 
a alternativa do “Império” huno. A “Confederação” era, de certa forma, uma espécie de 
 
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plataforma política que Átila intentava estabelecer para elevar-se como um centro de 
poder que sobrepujaria romanos e teria sob seu mando, germanos. 
Assim, ainda que não houvesse uma verdadeira coesão administrativa e política 
sobre os diversos “grupos” bárbaros xx, Átila procurou uma unidade com as aristocracias 
germanas, e submeteu sobre seu mando séqüitos vândalos, burgúndios, turíngios, 
hérulos, ostrogodos, gépidas, lombardos, entre outros xxi. Houve, então, no período de 
Átila, uma polarização de poder: ele pretendia centrar o comando em sua imagem a 
partir do mando exercido sobre uma sorte de grupos germanos. Os hunos, bárbaros do 
leste, selvagens até mesmo para os olhos dos não-romanos, passavam a procurar sua 
elevação pela guerra, mas também pela diplomacia. 
Talvez uma das melhores formas de se compreender a presença desta relação 
entre hunos e germanos seja notar a indelével caracterização de Átila na tradição destes 
últimos; a atuação huna no nascedouro desta Europa Tardo-Antiga ganha ecos 
medievais, e cantares bastante posteriores lembram os feitos deste momento: tem-se o 
Atli da Völsungasaga na literatura islandesa, o Ezele (Etzel) da Nibelungenlied, na 
tradição germânica, o Attila de Waltharius, no mundo aquitano-visigodo e o Ætla de 
Waldere, no ambiente anglo-saxão 
xxii
. Todo este corpus literário conta com a presença 
de Átila de forma substancial, retratando-o como um rei extremamente rico e poderoso, 
mas que perece sob a mão pesada dos reinos romano-germanos, mais civilizados – seja 
pelo cristianismo ou pela herança romana – que os hunos, em sua perspectiva. 
Esta perspectiva, inclusive, fundamenta o outro lado de nossa análise: o ponto de 
vista germano de sua relação com os hunos. A partir dessa ressonância literária (ou 
mesmo de fontes como Isidoro de Sevilha xxiii), podemos inferir que os hunos foram 
tomados, na perspectiva germana, não apenas como uma vicissitude de poder, mas, 
principalmente a posteriori, como a ameaça que exaltou o valor e a força de reinos que 
estavam por nascer, e viram sua autonomia ameaçada por uma universalidade menos 
“civilizada” que aquela exercida pelo Imperium Romanorum, ou seja, o estabelecimento 
de um centro de poder huno, alheio à legitimação fornecida pela idéia de ciuilitas, 
representaria, na tradição oral e num processo que a historiografia alemã chama de 
selbsverständigungprozess 
xxiv
, uma verdadeira ameaça à monarquias que pretendiam-
se, justamente, civilizadas e herdeiras da bagagem romana – a “Confederação huna” 
seria, assim, uma espécie de “anti-império”, logo, poder nocivo para o verdadeira 
império e para aqueles que ideológicamente o seguiam. 
 
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Assim como o imperium romanorum e, posteriormente, as monarquias romano-
germanas tiveram sua base ideológica fundamentada, basicamente, na perspectiva da 
civilidade, este “anti-império”, esta “Confederação” huna não se deteve na legitimação 
tradicional e clássica: seu poder baseava-se na praticidade e abrangência de seu mando, 
que não necessitou, em seu desenvolvimento, de uma justificativa teórica ou da 
manutenção de uma ideologia – ainda que Átila esteja envolto, em fontes posteriores 
como Jordanes, em lendas e construções mitológicas (como aquela que afirma ter 
possuído este a Espada de Marte e, por isso, tornava-se um vencedor em todas as 
guerras) xxv, a coesão conseguida entre hunos e também sobre germanos parece ser 
suficiente, aos olhos do rei dos hunos, para que este possa ser elevado ao nível de um 
imperator. 
Porém, ainda que o contato huno-germano tenha este caráter fundamentalmente 
delicado, baseado por um lado na relação hierárquica entre seus reis, e por outro, na 
imagem elaborada na tradição monárquica germana que apresenta o poder huno como 
uma ameaça aos sistemas políticos civilizados, não podemos ignorar as influências 
mútuas que os três pólos de poder do século V causaram entre si, e que transcendem os 
âmbitos políticos: os nomes Átila, Bleda, Rugilas ou Mundzuk, por exemplo, são 
germanos (ou germanizados). 
xxvi
 
 
IV. O “Império” de Átila: entre a civilização e a barbárie 
 
Numa certa medida, estabelecer a idéia de um “Império” huno como uma 
vicissitude ao lado do Império Romano significa estabelecer uma idéia historiográfica 
ambiciosa: quando dizemos que os hunos, sob a égide de Átila, constituíram uma 
Confederação que se pretendia um Império inferimos que opróprio Átila pretendia 
inserir-se num mundo Civilizado ou, mais ainda, forjar ao redor de si mesmo uma aura 
de ciuilitas. 
Obviamente, a palavra imperium, ou a expressão imperium hunnorum não estão 
presente nas fontes, e Átila é sempre denominado como rex, e nunca como imperator 
xxvii. Portanto, o uso do termo “Império” é de nossa responsabilidade. Átila olhava para 
o imperator romano e, como aponta Prisco, via um igual: 
 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
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Então que no momento do brinde, quando os bárbaros exaltavam Átila e 
não o Imperador, Vigilas disse que não se devia comparar um Deus com 
um homem, intentando dizer que Átila era um homem, e Teodósio era um 
Deus. 
xxviii
 
 
Assim, Átila pretendia inserir-se neste contexto de civilização, mas não buscou a 
legitimação necessariamente de uma bagagem clássica, mas baseou-se muito mais no 
poder meteórico que adquiriu não apenas entre as tribos hunas, mas principalmente 
entre os germanos. Assim, apontamos o imperium da mesma forma que Wolfram aponta 
a “alternativa”: não houve, por parte dos hunos, uma intenção de destruição de Roma, 
mas de elevação pessoal de Átila ao trono mais alto. Não à toa, ele arquiteta um 
casamento com a irmã do imperator, Honória, e exige, como dote, meio império, a pars 
occidentalis . 
xxix
 
A relação entre hunos e germanos, neste contexto, representa, portanto, a 
constituição deste poder que, de tão abrangente, poderia ser uma alternativa inclusive à 
universalidade romana. Na mesma medida em que Roma negociava, mais e mais, de 
forma institucional com os germanos, Átila procurava se estabelecer como um chefe 
político e militar com poderes também institucionais para lidar com estes – faltava-lhe, 
porém, a justificativa e a legitimação que a efemeridade de seu comando não permitiu 
ser elaborada; a mesma legitimação que a teoria política dos reinos romano-germanos 
procurou construir: a idéia de civilização e barbárie. Assim, afirmamos que Átila 
procurava essa inserção na civilidade (ou a criação de uma própria civilidade) porque 
lhe faltava justamente a institucionalização de seu poder sob sua Confederação; 
institucionalização aos moldes romanos, ao molde da idéia de uma imitatio imperii. Tais 
pretensões hunas, porém, provavelmente não se baseariam somente numa mimesis da 
tradição imperial romana, visto que, como afirmamos, a bagagem clássica não foi o 
ponto pelo qual Átila procurou a legitimação de seu poder: Roma não seria, portanto, 
um exemplo teórico e moral, mas forneceria, para o rei huno, uma perspectiva muito 
mais prática e eficiente, uma perspectiva que postulava para o civilizado não 
necessariamente a tradição, mas o poder. Átila miraria não à glória das letras e da 
tradição, mas a glória de um Império que dominara o mundo ocidental. 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
Fontes: 
AMMIANO MARCELINO. Res Gestae. New York: Loeb Classics, 1988. 
 
ISIDORO DE SEVILHA. Las historias de los godos, vandalos y suevos de Isidoro de 
Sevilla. ALONSO, Cristóbal Rodríguez (Edit.). León: Centro de Estudios e 
investigación “San Isidoro”. Arquicho Historico diocesano. Kaja de Ahorros y Monte 
de Piedade de León, 1975. 
 
PRISCO DE PÂNIO. Fragmenta. Trad. Fritz Bornmann. Florença: Le Monnier, 1979. 
 
 
Bibliografia consultada: 
BURY. J. B.. The Invasion of Europe by the Barbarians: A Series of Lectures. 1928. 
Distribuido pela Northvegr e A. Odhinssen em CD-ROOM. 
 
CAMERON, Averil. The Mediterranean World in Late Antiquity. Londres; 
NovaIorque: Routledge, 2001. 
 
FONTANA, Josep. “A Invenção do Progresso”. In: A História dos Homens. Bauru: 
EDUSC, 2004. 
 
FRIESINGER, Herwig; POHL, Walter; WOLFRAM, Herwig (org.). Typen der 
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1990. 
 
FRIGHETTO, Renan. “Algumas considerações: o poder político na Antiguidade 
Clássica e na Antiguidade Tardia”. In: Revista Stylos - Instituto de Estudios 
Grecolatinos Francisco de Novoa, vol. 13, Buenos Aires, 2004. 
 
GALK, Andreas. Ethnogenese und Kulturwandel – Der Versuch einer 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
Begriffsklärung. Munique: Grin, 2008 
 
GIBBON, Edward. The Decline and Fall of the Roman Empire. Londres: Penguin 
Books, 1982. 
 
GOFFART, Walter. Barbarians and Romans: A.D. 418-584. Nova Jersei: Princeton 
University Press, 1980. 
 
HEATHER, Peter. The Fall of the Roman Empire: a New History of Rome and the 
Barbarians. Oxford, Nova Iorque: Oxford University Press, 2007. 
 
______________. The Goths. Oxford: Blackwell Publishes, 2002. 
 
HIDALGO DE LA VEGA, María José. “Algunas reflexiones sobre los limites del 
olkoumene en el Imperio Romano”. In: Gerión, vol. 23, nº.1, Madri, 2005. 
 
HOPPENBROUWERS, Peter. “Such Stuff as People are Made on: Ethnogenesis and 
the Construction of Natiohood in Medieval Europe”, in: The Medieval History 
Journal. Londres: Sage Publications, v.9, n.2. 2006. 
 
MAENCHEN-HELFEN, Otto J. The World of the Huns: Studies in their History and 
Culture. Berkeley: University of California Press, 1973. 
 
MAN, John. Átila o Huno: o rei bárbaro que desafiou Roma. Rio de Janeiro: Ediouro, 
2006. 
 
MUSSET, Lucien. The Germanic Invasions: The making of Europe – 400-600 A.D.. 
New York: Barnes & Nobles Books, 1975. 
 
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. “Idéias morais e políticas dos romanos”. In: 
Estudos de História da Cultura Clássica. II volume – Cultura Romana. Lisboa: 
Fundação Calouste Gulbekian, 2002. 
 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
 
 
PINTO, Otávio Luiz Vieira. “Do Flagelo à Majestade: a representação de Átila nas 
tradições germânicas”. In: Atas da VII Semana de Estudos Medievais. Edição 
Especial. Rio de Janeiro: Programa de Estudos Medievais, 2008. 
 
POHL, Walter. “Conceptions of Ethnicity in Early Medieval Studies”. In: Debating the 
Middle Ages: Issues and Readings. edited by Lester K. Little and Barbara H. 
Rosenwein. Oxford: Blackwell Publishers, 1998. 
 
WENSKUS, Reinhardt. Stammesbildung und Verfassung: Das Werden der 
frühmittelalterlichen gentes. Ndr. Stuttgart 1977. 
 
WOLFRAM, Herwig. The Roman Empire and its Germanic People. California: 
University of California press, 1997. 
 
i
 Para a obra de Gibbon, cf. GIBBON, Edward. The Decline and Fall of the Roman Empire. Londres: 
Penguin Books, 1982. Para a sua teoria historiográfica/filosófica de Progresso e Declínio, cf. FONTANA, 
Josep. “A Invenção do Progresso”. In: A História dos Homens. Bauru: EDUSC, 2004, pp. 143 – 170. 
 
ii
 Para um sólido estudo de Goffart acerca de sua visão sobre o assentamento e a acomodação germana na 
Antiguidade Tardia, cf. GOFFART, Walter. Barbarians and Romans: A.D. 418-584. Nova Jersei: 
Princeton University Press, 1980. 
 
iii
 Entre uma série de artigos e trabalhos específicos, destacamos uma obra que, com caráter mais amplo e 
geral, tende a versar sobre a questão da desestruturação política de Roma e as migrações germanas comoum todo, cf. HEATHER, Peter. The Fall of the Roman Empire: a New History of Rome and the 
Barbarians. Oxford, Nova Iorque: Oxford University Press, 2007. 
 
iv
 O processo de Etnogênese, como proposto por Reinhardt Wenskus na segunda metade do século XX, 
propõe que a identidade de um grupo (aqui entendida como etnicidade), na Antiguidade Tardia, é um 
fator cultura e ideológico, e não racial. Assim, as aristocracias (Traditionskern, ou seja, “Núcleos de 
Tradição”), detentoras de uma suposta tradição ancestral, criavam mecanismos identitários para se 
estabelecer politicamente de uma forma legitimada perante outros grupos. Etnogênese, dessa forma, é o 
estudo dessas construções identitárias a partir dos próprios termos em que os círculos que as gestam as 
concebem, ou seja, a partir do auto-conhecimento e da alteridade. Cf. WENSKUS, Reinhardt. 
Stammesbildung und Verfassung: Das Werden der frühmittelalterlichen gentes. Ndr. Stuttgart 1977; 
GALK, Andreas. Ethnogenese und Kulturwandel – Der Versuch einer Begriffsklärung. Munique: Grin, 
2008; FRIESINGER, Herwig; POHL, Walter; WOLFRAM, Herwig (org.). Typen der Ethnogenese 
unter besonderer Berücksichtung der Bayern. 2 Vol. Viena: VÖAM, 1990. 
 
v
 Vicissitude de poder, aqui, retoma a idéia de Herwig Wolfram, que afirma ser a “Confederação” huna 
uma alternativa de poder frente ao imperium romanorum: os pequenos grupos germanos poderiam, se 
desejassem adentrar o contexto político do século V, filiar-se aos romanos ou aos hunos que, no período 
de Átila, representavam uma força coesa e cada vez mais estruturada. Cf. WOLFRAM, Herwig. The 
Roman Empire and its Germanic People. California: University of California press, 1997. 
 
 
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Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
 
vi
 Nos séculos IV e V, principalmente, os costumes ancestrais (e legitimadores), o mos maiorum, era 
simbolizado pelos círculos pagãos, que, fundamentalmente, representavam o grupo senatorial e 
postulavam para si a herança do passado glorioso de Roma, glória essa cada vez mais deturpada por 
bárbaros e cristãos. Cf. POHLMANN, Janira Feliciano. “A defesa do mos maiorum em tempos de 
fortalecimento do cristianismo: o caso de Symmachus (século IV)”. Texto apresentado no “III Ciclo 
Internacional de Estudos Antigos e Medievais e X Ciclo de Estudo Antigos e Medievais” na UNESP 
– Assis/SP, maio 2008. Artigo a ser publicado. 
 
vii
 HEATHER, Peter. The Goths. Oxford: Blackwell Publishes, 2002, pp. 130-138. Acerca das relações 
políticas, cf. FRIGHETTO, Renan. “Algumas considerações: o poder político na Antiguidade Clássica e 
na Antiguidade Tardia”. In: Revista Stylos - Instituto de Estudios Grecolatinos Francisco de Novoa, vol. 
13, Buenos Aires, 2004. 
 
viii
 Aqui, referimo-nos à “percepção de si próprio” como uma construção teórica e ideológica decorrente 
do discurso de uma determinada elite, responsável pela administração e pela legitimação da base política. 
 
ix
 Cf. PINTO, Otávio Luiz Vieira & & POHLMANN, Janira Feliciano. Bárbaros, hereges e pagãos: uma 
análise das definições sócio-religiosas nos séculos IV e V. Artigo inédito. 
 
x
 Amm.marc. Res Gestae. XXXI, II 1 – 12. 
 
xi
 “totius autem sementem exitii et cladum originem diuersarum [...] hanc comperimus causam. Hunorum 
gens monumentis ueteribus leuiter nota, ultra paludes Maeoticas glacialem oceanum accolens, omnem 
modum feritatis excedit. [...] aguntur autem nulla seueritate regali, sed tumultuário primatum ductu 
contenti, perrumpunt quicquid inciderit.”. Idem, XXXI, II 1 & 7. Tradução livre. 
 
xii
 Para uma descrição sucinta e geral da entrada dos hunos nos limites do imperium romanorum e sua 
relação com a onda de invasões, ver: MUSSET, Lucien. The Germanic Invasions: The making of 
Europe – 400-600 A.D.. New York: Barnes & Nobles Books, 1975, pp. 30 – 33. 
 
xiii
 A ciuilitas era, fundamentalmente, o círculo de civilização, ou seja, o ambiente moral e social daqueles 
que detinham a humanitas (semelhante à idéia de παιδεια grega, ou seja, dizia respeito à formação 
intelectual, política, à tradição e caracterizava, portanto, o homem civilizado). Cf. PEREIRA, Maria 
Helena da Rocha. “Idéias morais e políticas dos romanos”. In: Estudos de História da Cultura Clássica. 
II volume – Cultura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2002. 
 
xiv
 Maenchen-helfen nota uma série de divergências na data da morte de Bleda e das campanhas contra a 
pars orientalis, que, de historiador para historiador, variam entre 442 e 447. MAENCHEN-HELFEN, 
Otto J. The World of the Huns: Studies in their History and Culture. Berkeley: University of California 
Press, 1973, pp. 112 – 118. 
 
xv
 A οἰκουµένη, a principio, seria o mundo habitado. Este aspecto universal, porém, acaba ganhando 
contornos de civilização e, assim, passa a definir não apenas o mundo habitado, mas o mundo civilizado. 
Para uma ótima análise deste conceito universal, cf. HIDALGO DE LA VEGA, María José. “Algunas 
reflexiones sobre los limites del olkoumene en el Imperio Romano”. In: Gerión, vol. 23, nº.1, Madri, 
2005, pp. 271-285. 
 
xvi
 Chamamos de “estética política” a construção e a conseqüente interpretação da representação de uma 
realidade (no caso, política), partindo de discursos de um determinado grupo. O uso desta denominação, 
de nossa parte, é inspirado nos métodos de Kulturgeschichte e Kulturwissenschaft – uma kultur, ou seja, 
uma concepção de cultura que fundamenta também segmentos políticos, econômicos e sociais. 
 
xvii
 A instabilidade política da Antiguidade Tardia forçou uma série de autores a elaborar teorias e 
ideologias que legitimassem e buscassem uma harmonia social, visando a estabilidade administrativa e o 
bem comum. Um bom exemplo são as sententiae, de Isidoro de Sevilha, que eram, fundamentalmente, 
conselhos para um corpo régio e nobiliárquico. 
 
 
 Revista Litteris - Ciências Humanas - História Novembro de 2010 Número 6 
 
 
Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983- 7429 
 
 
 
xviii
 MAN, John. Átila o Huno: o rei bárbaro que desafiou Roma. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, pp. 130-
132. 
 
xix
 Cf. WOLFRAM, Herwig. Op. cit.. 
 
xx
 POHL, Walter. “Conceptions of Ethnicity in Early Medieval Studies”. In: Debating the Middle Ages: 
Issues and Readings. edited by Lester K. Little and Barbara H. Rosenwein. Oxford: Blackwell Publishers, 
1998, p.16. 
 
xxi
 HEATHER, Peter. Op. cit.(The fall of the Roman...), p. 523 
 
xxii
 A representação de Átila nos cantares e lendas de tradição germana pode ser encontrado em um 
trabalho de nossa autoria, cf. PINTO, Otávio Luiz Vieira. “Do Flagelo à Majestade: a representação de 
Átila nas tradições germânicas”. In: Atas da VII Semana de Estudos Medievais. Edição Especial. Rio 
de Janeiro: Programa de Estudos Medievais, 2008, pp. 132 – 138. 
 
xxiii
 Referimo-nos aqui a historia gothorum, de Isidoro de Sevilha, onde o bispo faz uma referência aos 
hunos como parte constituinte dos primórdios da história goda. Isid. de Sev. Historia Gothorum. 27. 
 
xxiv
 Cf. HOPPENBROUWERS, Peter. “Such Stuff as People are Made on: Ethnogenesis and the 
Construction of Natiohood in Medieval Europe”, in: The Medieval History Journal. Londres: Sage 
Publications, v.9, n.2. 2006. 
 
xxv
 Jord. Getica. 
 
xxvi
 BURY. J. B.. The Invasionof Europe by the Barbarians: A Series of Lectures. 1928. Distribuido 
pela Northvegr e A. Odhinssen em CD-ROOM, p. 70. 
 
xxvii
 Prosp. Aquí. Epitoma chronicon. 1367.; Hyd. Chronicon. XXVIII.II, 740-750.; Greg Tours. 
Historiae. IV, 29.; Jord. Getica. XXIV, 122.; Prud. Contra Symmachus. II, 808. 
 
xxviii
 Prisc. Fragmenta. VIII, 28. Tradução livre. 
 
xxix
 MAN, John. Op. cit., pp. 190-191.

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