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,.., A REA AO REP LICANA " E A CRISE POLITICA 1. Introdução omou-se comum nAS últimas dé cadas a crítica severa à história política e à chamada história éuénemerv tielle, caracterizada pela narmção dos eventos. Mais recentemente têm surgi do trabalhos que não só recuperam o papel da história política, como pro põem uma revisão do emprego da nar rativa histórica e novas formAS de enfo que para o estudo dos acontecimentos políticos. Neffla linha, Peter Burke pu blicou um artigo em que discute o renas cimento da nal"lutiva histórica e o rela· ciona com a "crescente desconfiança frente às explicações estruturais, que em muitos casos têm se caracterizado por um reducionismo e um determinis mo em suas análises",1 Por outro lado, muitos estudiosos consideram atual mente que a escrita da história tem sido empobrecida pelo abandono da nal mti- DOS ANOS 20 Marieta de Moraes Ferreira va, e apontam o desenvolvimento de novas fOI'IIiAS de nalT8tiva capazes de recuperar a relação entre os aconteci mentos e as estruturas. A proposta é construir urna narrativa densa o bas tante para lidar não apenas com a se qüência dos acontecimentos, e das in tenções conscientes dos atores envolVi. d06 nesses acontecimentos, mas tam bém com as estruturas, as instituições, os modos de pensar. Os historiadores franceses Serge Berstein e Odile Rudele, em seu recém publicado livro Le modele républicain, 2 ao discutir novos modelos de anãlise para o estudo da cultura política france sa, chamam a atenção para a importân cia dos eventos políticos e indicam alter nativas de enfoque inovadoras. A focali zação de eventos particulares pode ser fundamenta! não pelo que eles expres· sam em si mesmos, mas pelo que podem revelar da cultura política em que estão inseridos. O acontecimento pode ser as- Nota:. Este texto roi opf'C6Cnl.udo no Seminário "'CenlÍri08 de 22", realizado pelo CPDOC em 19 e 20 de novembro de 1992 no Fundação Getíllio Vargas. E8tudo. Históricos. Rio de Janeiro, yol. 6, n. lI, 1993, P. 9·23. 10 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1003/11 tudado como um papel heliográfico que revela as estruturas e pode se constituir num evento criador (éuénement malr� ce).3 Assim, detel"nlinados eventos são chaves, mobiliza dores, simbólicos, na medida em que pel"mitem captar o com portamento e a cultura política de um sistema no seu todo oude alguIl.!? de seus segmentos sociais específicos.4 Minha proposta aqui é estudar a &>ação Repu blicana de acordo com esta diretriz. A sucessão presidencial de 1922 ,..,. vestiu-ee de um caráter peculiar, já que pela primeira vez o confronto entre os grandes estados e 08 estados interme diários se colocou claramente numa dis puta sucessória, revelando as tensões regionais interoligárquicas e desnudan do as contradições do federalismo brasi leiro. Esse confronto assumiu sua for ma plena através da formação da Re ação Republicana, em junho de 1921, movimento que lançou a candidatura dissidente de Nilo Peçanha em oposição à candidatura oficial de Artur Bernar des. Enquanto Bernardes contava com o apoio de Minas Gerais, São Paulo e pequenos estados, em torno da &>ação Republicana uniram-se Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Distrito Federal, tentando construir um eixo alternativo de poder. Evento político chave, a Reação Re publicana pode nos permitir captar a cultura política e o comportamento, as aspirações e demandas dos diferentes segmentos do sistema político brasileiro na República Velha. O estabelecimento da política dos governadoles havia ins taurado no país uma cultura política que se consolidou, congelando a compe tição, neutralizando as oposições e do mesticando os conflitos políticos.5 A Re ação Republicana representou exata mente um momento de contestação des se sistema, inaugurando um ciclo de questionamentos da ordem vigente. A década de 1920 foi um período de profundas transformações na socieda de brasileira, na medida em que então se manifestaram uma crise intra-oli gárqUiC8, uma demanda de maior par ticipação dos setores urbanos, uma in satisfação dos segmentos militares. Desenvolveram-se também novas for mas de pensamento e elaboração cul tural. Oanode 1922, em especial, aglu tinou uma sucessão de enventos que mudaram de forma significativa o pa norama político e cultural do país. A Semana de Arte Moderna, a criação do Partido Comunista do Brasil, o movi mento tenentista, a criação do Centro Dom Vital, a comemoração do Cente nário da Independência e a própria sucessão presidencial de 1922 foram indicadores importantes dos novos ventos que sopravam, colocando em questão os padrões culturais e políticos da Primeira República. A década de 1920em geral,e muitos dos acontecimentos acima citados, têm sido objeto de estudos aprofundados e consistentes. Até hoje, entretanto, a Reação Republicana náo foi alvo de nenhum estudo específico. As inter pretações a seu respeito aparecem in seridas em obras voltadas para temas mais gerais, ocorrendo assim uma la cuna historiográfica que deve ser su prida. Procuraremos trazer aqui a nos sa contribuição. 2 - Interpretações sobre o sistema político oligárquico na Primeira República e a Reação Republicana Os cronístas contemporâneos que es creveram sobre a sucessão presidencial de 1922 atribuem a cisão política que deu origem à Reação Republicana à dis puta pela indicação do candidato a vice- A REAÇÃO REPUBUCANA E A CRISE POLlTICA DOS ANOS 20 1 1 presidente da República na chapa ofi ciai enca beçada por Artur Bernardes.6 Para eles, o motor da crise política teria sido a impoesibilidade de acordo entre Bahia, Pernambuco e secundariamente Rio de Janeiro, que pleiteavam a indi cação do vice-presidente, e a frustração desses estados diante da escolha de 11m representante do Maranhão. Ma ;a recentemente foram apresen· tados novoe subsídios para o estudo da Reação Republicana. Boris Fausto, ao analisar a problemática econômico-fi nanceira da Primeira República, levan tou argumentos que encaminham a dis cussão no sentido de explicar a cisão como produto de divergências mais pro fundas. A Reação Republicana revela ria na verdade uma intensificação das dissidências int.eroligárquicas provoca da por aqueles setores que não estavam diretamente ligados à cafeicultura e se mostravam insatisfeitos com a política de desvalorização cambial e de endivi damento externo destinada a garantir a telCéira valorização do café. O conflito refletiria assim, basicamente, o enfren tamento de interesses opostos no tel"l e no econômico, diretamente ligados à terceira política de valorização do café, em debate em 1921.7 Urna terceira proposta de interpreta ção localiza na Reação Republicana o primeiro ensaio de populismo no país, e enfatiza o papel das camadas urbanas cariocas e das 81188 articulações com Nilo Paçanha, visto como um percursor das lideranças populistas8 Em primeiro lugar, a despeito da existência de inúmeras divergências que dividiam a elite política dominante quanto à implementação de medidas de defesa da cafeicultura, 9 este não pode ser considerado um fator deter minante para a ocorrência da cisão política e o surgimento da Reação Re publicana. O comportamento das ban cadas dos estados de segunda grande- za por ocasião da discllssão na Câmara Federal, a partir de 1920, dos projetos de defesa do café não demonstrou cla ramente uma posição coesa contrária às propostas encaminhadas pelo eixo Minas-São Paulo. Se, em relação à bancada pernambucana, foram explí citas as críticas às propostas emissio-. tas I ' - d ,- 10 nlB para a va orl.zaçao o cale, o mesmo não pode ser dito em relação às demais bancadas.Os baianos não se manifestaram em praticamente ne nhuma discussão acerca do tema, en quanto a bancada gaúcha, liderada por Otávio Rocha, numa posição concilia tória, propôs a transfo/"lllação do proje to de defesa permanente da produção do café num projeto de defesa da pro dução nacional. Em seus diversos dis cursos, diferentemente doe pernambu canos, 05 gaúchos não combateram o tratamento especial dado ao café dian te doe demais gêneros, voltando suas críticas mais para as prátiCAS emissio nistas embutidas no projeto de valori zação.l1 A bancada fluminense, por sua vez, caracterizada por urna atusção inex pressiva nesses debates, seguiu a orien tação de Nilo Paçanha e acompanhou a posição dos gaúchos, que acabaram por ver aprovada (ainda que com restriçÔe8 de Pernambuco) a transfo/"lnação do projeto de criação do Instituto de Defesa do Café no do Instituto de Defesa da Produção Nacional, destinado a susten tar também a produção da bOI I acha, do cacau, do algodão, do fumo, do açúcar, do mate e de produtos pecuários.12 A JX>Stura inexpressiva dos fluminenses nessas discU8SÔes pode ser interpretada como a conseqüência da neoessidade de acompanhar as posiçÔe8 de Nilo, ainda que a bancada não estiveSAA- plenamen te de acordo com elas. Tradicional de fensor da diversificação da produção e adepto da ortodoxia financeim, Nilo Pe çanha não via realmente com s.impatia • 12 ESTUDOS HISroRlCOS - 1993/11 as medidas de proteção ao café. Diante desse quadro, pode..,e concluir que o engajamento das forças situacionistas fluminenses na Reação Republicana não passou diretamente por divergên cias em relação às medidas de defesa da cafeicultura tomadas pelo governo fede ral, e sim pela adesão às posições de um grupo de adeptos de Nilo Peçanha e principalmente pela perspectiva de ob ter ganhos políticoe através de alianças e acordos com outras forças estaduais que questionavam a hegemonia do eixo Minas-São Paulo. Pode-se argumentar, por fim, que no momento da articulação de um esquema de resistência ao nome de Bernardes ainda não haviam se con figurado com clareza os conflitos em torno das questões econômico-Cmancei raso A votação do projeto relativo à ter ceira valorização do café em março de 1921, embora tenha sido objeto de críti cas, não levantou resistências mais sé rias. Foi somente no segundo semestre de 1921 que as divergências se explici taram com clareza. Tudo isso daria mar gem para concluir que as divergências em torno da terceira valorização do café não teriam sido o motor da cisão politi ca, mas poderiam, ao contrário, ter re sultado dela. Quanto à interpretação segundo a qual a Reação Republicana teria resul tado de uma disputa em torno do vice de Artur Bernardes, há sérios argumentos que se combinam para invalidá-la. Em primeiro lugar, o exame da trajetória política de Nilo evidencia que suas aspi rações à presidência eram antigas, ten� do.., inclusive levado a desenvolver es tratégias claramente vinculadas a um projeto de ascensão nacional. Além dis so, a cOl'l'espondência oontida em seu arquivo relativa ao período que passou na Europa não fornece qualquer indica ção de que estivesse comprometido com a candidatura Bernardes. Por seu tur no, a coJTespondência do arquivo de Raul Soares, principal articulador do candidato mineiro no Rio de Janeiro, ilustra bem os temO! es e desconfianças • sentidos em relação a Nilo. E significa- tivo o número de cartas que alertam para articulações de bastidores entre importantes forças políticas em favor do lançamento de sua candidatura, bem como para a montagem de esquemas destinados a desestabilizar o nome de Bernardes.13 Antes portanto do surgimento da dis puta pela vice-presidência, já se deli neava um conjunto de fatores que indi cavam, de um lado, a dificuldade de consenso em torno de Bernardes, e, de outro, a articulação da candidatura Nilo Peçanha. De toda forma, a escolha do companheiro de chapa de Bernardes veio trazer novos elementos para com plicara quadro sucessório e bons pretex tos para as forças que se opunham ao candidato mineiro. Intensas disputas se manifestaram em torno do nome que seria escolhido como candidato à vice presidência, travando-se a partir de en tão debates infmdáveis. Visava-se com isso criar um pretexto para aumentar as dificuldades para a consolidação da candidatura de Bernardes, e ao mesmo tempo abrir brechas para o nome de . Nilo Peçanha, candidato pattocinado pelos estados dissidentes. No dia 8 de junho de 1921 a conven ção para a escolha do candidato a pre sidente se reuniu sem a presença dos representantes de Pernambuco, Ba hia, Rio Grande do Sul e Estado do Rio, o que demonstrava que a cisão oligá r quica estava consumada, e que o cami nho para o lançamento da Reação Re publicana estava aberto. A razão invocada pelos dissidentes e por Nilo para não comparecerem à convenção era o próprio processo de escolha do candidato, que seria indica do pelo mesmo poder que posterior mente iria verificar a legitimidade da • A REAÇÃO REPUBUCANA E A CRISE POLÍTICA DOS ANOS 20 13 investidura. A questão da disputa pela vice-presidência ficava absolutamente secundarizada. Finalmente, a proposta que enfatiza as relações entre a Reação Republica na e as massas urbanas cariocas tam bém deve ser relativizada. Ainda que se reconheça a importância das rela ções da Reação Republicana, em espe cial de Nilo Peçanha, com a cidade do Rio de Janeiro, essa rede de relações estava muito mais centrada nas elites cariocas do que nas massas urbanas. Passemos então à nossa própria proposta. Nosso interesse ao estudar a Reação Republicana insere-se numa discussão mais ampla sobre a natureza dos conflitos políticos e o papel do Es tado na Primeira República. Aqueles que estudam o Estado segundo o mo delo de representação de interesses, em geral sustentam que os interesses cafeeiros de São Paulo e Minas eram detel minantes na orientação da JXllíti ca republicana. A conseqüência dessa linha de interpretação é uma superva lorização do papel desses estados no jogo político oligárquico, e um silêncio sobre o papel e a trajetória dos estados de segunda grandeza. Nossa intenção, ao contrário, é destacar a complexida de do pacto oligárquico e buscar um melhor desenho do sistema político do país. Por isso mesmo iremos enfatizar a atuação dos grupos oligárquicos re gionais de segunda grandeza e sua ten tativa de construção de um eixo alter nativo de poder. Alguns estudos têm sido produzidos nessa direção, propon do uma revisão do papel do eixo domi nante Minas-São Paulo.14 Ao relativi zar o papel hegemônico de São Paulo, ao buscar novas explicações para a as censão de Minas Gerai s no jogo político nacional e ao rediscutir as teses que interpretam o Rio Grande do Sul como foco desestabilizador, essas contribui ções perIni tem repensar 05 esquemas de funcionamento da política oligár-• qUIca. Um fato fundamental é que desde o início o esquema de dominação São Paulo-Minas abriu espaço para o sur gimento de conflitos no seio da classe dominante. A insatisfação dos estados de segunda grandeza diante das defor mações do federalismo, que limitavam grandemente sua autonomia no cam· po político e subordinavam seus inte resses econômico-financeiros aos inte resses mineiros e paulistas, deu ori gem a iniciativas de contestação que não podem ser ignoradas. Embora es sas iniciativas nem sempre fossem cla ramente delineadas e explicitadas, e se caracterizassem por uma instabilida de dos atores-estados nelas engajados, é possível identificá-las ao longo de toda a República Velha. Pernambuco, Bahia e Rio de Janei ro, por exemplo, eram estadosque ha viam ocupado posições-chave na sus tentação do Estado Imperial.15 Com a proclamação da República e o agI ava mento da crise de suas economias, fo ram relegados a um papel secundário. No federalismo, ocupavam portanto posições equivalentes e tinham poten cialmente o objetivo comum de ampliar seu poder de barganha frente ao eixo Minas-São Paulo. O Rio Grande do Sul, JX>r seu lado, embora desfrutasse de uma posição privilegiada em rela ção aos pernambucanos, baianos e flu minenses, ressentia-se da dominação mineiro-paulista, tendo seus interes ses inúmeras vezes prejudicados. A meta das facções dominantes des ses estados era assim a maior participa ção no sistema federalista implantado com a Constituição de 1891, o que só se tornaria viável através da melhor re partição do poder entre os diferentes grupos regionais. A articulação desse projeto alternativo, entretanto, não re presentava uma ruptura com o modelo 14 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1993/11 oligárquico em vigor, e conseqüente mente suas propostas não extrapola vam aqueles limites. AIl demandas dos estados de segunda grandeza centra vam-se em grande parte numa distri buição mais igualitária das benesses clientelíst;cas federais, embora não dei xassem também de trazer embutidas algumas críticas ao modelo aglário� portador.16 Quanto ao Distrito Federal, fortemente controlado pelo governo fe deral. sua ambição era ampliar sua au tonomia política. Isto levava parte de seus segmentos sociais, em algumas ocasiões, a manifestar seu desagrado frente a aspectos do sistema político li, . . te 17 o garqwco Vlgen . A articulação desses interesses iria se concretizar de maneira mais visível em 1921, com a formação da Reação Republicana. Para se falar em Reação Republicana é preciso falar em Nilo Peçanha, líder fluminense que desde as primeiras décadas da República buscou uma projeção no cenário nacio nal. O período de dominação nilísta no Estado do Rio, que se estendeu de 1904 a 1922, é de fato caracterizado pela busca de uma maior margem de mano bra para os grupos dominantes flumi nenses no contexto da política dos go vernadores. Se é verdade que em di versa. oportunidades Nilo Peçanha fitluoU acordos, articulou-se e mesmo submeteu-se às oligarquias mineira e paulista, isso não impediu que sua p0- sição e de seu grupo divergisse das orientações traçada. pelos dois gran des estados, evidenciando tentativas de aproximação com Bahia e Pernam buco, e em alguns momentos com o Rio Grande do Sul,na busca de aFsio para seu projeto político nacional. 8 Apesar de fluminense, Nilo Peça nha também tinha uma longa expe riência de militáncia política no Distri to Federal. Ao longo dos anos 1890 criou laços de grande proximidade com as massas cariocas, através do movi mento jacobino. Após a denota desse movimento, com a instauração da polí tica dos governadores, tornou-se a principal liderança no Estado do Rio durante quase vinte anoe. Ao longo desse tempo sempre buscou construir uma rede de alianças com diferentes setores cariOCAS, principalmente atra vés das figuras de Mauricio de lacer da, José Eduardo de Macedo Soares, Edmundo Bittencourt e lrineu Macha do. Em fins de 1921, obteve o apoio de Paulo de Frontin, senador, ex-prefeito e principal liderança política do Distri to Federal naquele momento.19 AIl manifestações populares ocorri das por ocasião do desembarque de Nilo no Rio de Janeiro, vindo da Europa, no dia 6 de junho de 1921, demonstram a eficácia desses esforços. O evento é des crito da seguinte maneira: "A multidão comprimia-se no cais do porto, rompen do os cordões de isolamento aos gritos de 'Viva Nilo Paçanha, o futuro presi dente da República!' ." 20 A despeito do inegável prestígio de Nilo, existem en tretanto indicações de que essa mani festação não era exatamente fruto do espontaneísmo da população carioca e fluminense. Na verdade, os órgãos mais expreesivoe da imprensa carioca, lide radoe pelo CoTTeio da. Manhã e O Im parcial, foram fundamentais para con fOI'mar a opinião pública a favor de Nilo. Edmundo Bittencourt, dono do Correio da.Manhãe possuidor de inegáveis qua lidades jornalísticas e de lima extmor dinãria capacidade de despertar o inte resse popular,juntamente com o nilista José Eduardo de Macedo Soares, pro prietário de O Imparcial, vinha desde algum tempo bombardeando a candida tura Bernardes e exaltando as qualida des políticas e pessoais do líder flumi nense. Naquela conjuntura, Nilo em um dos poucos que poderiam ser lança doe contra Bernardes. Além de ser um A REAÇÃO REPUBUCANA E A CruSE POLITICA 005 ANOS 20 15 político de expressão nacional, era,jun tamente com Rui Barbosa, um dos úni cos líderes ainda sobreviventes dos pri mórdios da República, o que llie conferia uma autoridade especial. 3. A formação e a campanha da Reação Republicana No dia 24 dejunho de 1921, um grupo de políticos reunidos no Centro Rio Grandense, no Rio de Janeiro, lançou um manifesto oficializando a chapa Nilo Peçanha.J.J.Seabra e criando o movi mento da Reação Republicana. Os pon tos básicos do manifesto eram a crítica ao processo adotado pelos grandes esta dos para a escollia do candidato à presi dência, a reivindicação de maior auto nomia para o Legislativo frente ao Exe cutivo e a e>tigência de maior credibili dade para as Forças Annadas, que no último governo, de Epitácio Pessoa, ha viam sido afastadas da chefm das pas tas militares. Do ponto de vista econô mico, o manifesto defendia princípios financeiros ortodoxos e elegia o equili brio do orçamento federal e o equilibrio b· I ,=- t ' 21 caro ta como queswu:l cen ra15. . Colocadas de maneira vaga no mani festo de lançamento, essas idéias foram Assumindo contornos mais nítidos ao longo da campanha eleitoral. Em seu primeiro discurso já como candidato, Nilo defuúu a Reação Republicana como um movimento "de defesa dos princípios republicanos", organizado para que as "decisões políticas nacionais saiam do terreno das conveniências regionais pa ra horizontes mais iluminados de crítica e liberdade, e que do choque das idéias postas a serviço da emancipação política dos estados se possa caminhar para a formação de partidos que serão a alma da República". Partindo desses pontos de vista, Nilo aprofundava as críticas ao funcionamento do regime federalista, que beneficiava os grandes estados em detrimento dos demais, chamava a atenção para a importãncia da institu cionalização dos partidos ejá anunciava suas preocupações com a situação de desprestígio que vinham enfrentando os militares. Entretanto, dentro dos padrões po líticos vigentes na República Vellia, ser candidato da oposição significava en frentar todo tipo de dificuldade. AB re gras de funcionamento da política dos governadores garantiam a perpetua ção das situações no poder, e a sorte das candidaturas oposicionistas parecia já estar traçada antes mesmo da disputa eleitoral. Ainda assim, as forças dissi dentes acreditavam dispor de um espa ço considerável para neutralizar as di ficuldades. O nome de Bernardes en contrava ampla resistência em diver sos setores e estados, e isso seria sufi ciente, na sua concepção, para quebrar a regi a clássica de funcionamento da política oligárquica, que estabelecia o apoio automático às forças da situação. A Reação Republicana acreditava po der equacionar esse desafio através do uso de diferentes eslratégias: a coopta ção de chefes políticos municipais e estaduais descontentes com as forças bernardistas, a propaganda eleitoral e a busca de apoio militar. De acordo com a avaliação feita pela Reação Republicana em junho de 1921, tomando por base uma massa eleitoral de 500 milelei!!,,, es, os bernardistas contavam com 300 mil votos e os nilistas com 200 mil. A despeito de todas as desvantagens que enfrentava, a Reação Republicana contava poder diminuir essa diferença não só garantindo suas posições nos estados aliados, como am pliando sua influência nos estados do minados pelos bernardistas.22 Para atingiressa previsão,a Reação Republi cana pretendia desenvolver uma políti- • 16 ESTIJDOS H1STORlCOS - 1993111 ca de cooptação de lideranças estaduais e locais descontentes com as situações dominantes em SUAS áreas de atuação. A correspondência relativa à Reação Republicana encontrada no arquivo de Nilo Paçanha fornece informações in teressantes sobre os procedimentos adotados. É abundante o nÚmero de cartas oriundas dos mais diversos mu nicípios do país traçando um quadro detalhado e minucioso da situação po lítica daquelas localidades e apontan do as lideranças passíveis de serem cooptadas pelos nilistas. Detectados esses aliados potenciais. eram inicia das as negociações com vistas ao com promisso político. O envio de recursos para a abertura de comitês de propa ganda e alistamento eleitoral selava o acordo. Em troca do apoio à candidatura Nilo seriam concedidos favores e me lhores posiçóes nos estados nilistas, e privilégios futuros nos estados contro lados pelas forças bernardistas. A despeito do uso em larga escala da fraude, e das inúmeras possibilidades de manipulação do processo eleitoral, os articuladores da Reação Republicana atribuíam um papel importante à mobi lização do eleitorado. Acreditando na possibilidade de reverter em seu favor as vantagens que beneficiavam o candi dato mineiro, Nilo Peçanha adotou as sim uma segunda estratégia, a propa ganda eleitoral, procedimento até então praticamente inédito entre as práticas l-t' . tes - 23 O d po 11M3 vlgen no paIS. uso esse novo estilo de campanha tinha como objetivo promover uma mobilização p0- lítica mais ampla que pudesse angariar o apoio de segmentos das oligarquias secundárias, descontentes com o funciir namento do sistema oligárquico e do federalismo, bem como das populações urbanas, ansiosas por obter o direito a uma maior participação política. Ainda que o emprego desse tipo de procedimento tivesse 8119S limitações reconhecidas, e não fosse ser necessa riamente traduzido em votos, em virtu de do caráter formal de que se revestia o processo eleitoral,24 havia interesse em promover através da propaganda a mobilização da opinião pública, um trunfo capaz de tornar menos desigual a posição das forças oposicionistas. Con tando com essa mobilização, a Reação Republicana passava a dispor de um cacife que poderia ser utilizado para intimidar as forças da situação no uso da fraude e da violência política, bem como para sensibilizar as Forças Arma das a seu favor. Em última instãncia, os dissidentes pensavam com isso poder dispor de um meio de pressão capaz de levar à retirada da candidatura minei ra, o que chegou a ser tentado em algu mas ocasiões, sem contudo atingir os resultados desejados. O plano de propaganda eleitoral da Reação Republicana consistiu na cria ção de comités eleitorais estaduais e municipais, e na organização de uma lournée que percorreria grande núme ro de estados do país, dirigindo-se di retamente ao eleitorado. A Nilo cabe ria visitar os estados do Amazonas, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Espí rito Santo, Distrito Federal e São Pau lo, e a J.J. Seabra, Alagoas, São Paulo, Paraná e Rio Grande do SuL Alguns estados seriam visitados por ambos. O programa da Reação Republica na, divulgado durante a campanha, reeditava inúmeros pontos defendidos por Nilo Peçanha desde seu primeiro governo no Estado do Rio. Ao lado dos problemas locais enfatizados nos dis cursos proferidos em cada lugar, dois grandes temas foram desenvolvidos: a solução da crise econômica que o país atravessava e a regeneração dos costu mes políticos brasileiros. Em relação ao primeiro, era colocado como ponto • • 17 A REACAO REPUBlJCANA E A CRISE POlJTICA DOS ANOS 20 primordial a defesa da agricultura: "A lavoura é tudo, é o eixo em torno do qual gira o mundo dos negócios, o cen tro de gl avitação do sistema financei ro, a força que aciona a engrenagem econômica e a retarda e a acelera, con forme o movimento da força motriz," 25 A partir da defesa da agricultura eram ressaltadas a importância da di versificação e a necessidade de auto suficiência na produção de alimentos. Como meio de atingir esses objetivos propunha-se a redução dos fretes de transporte, a tributação dos produtos estrangeiros similares aos de produção nacional, e a diminuição progressiva dos impostos sobre a produção em tro ca da implantação do imposto territo rial. No tocante à agricultura de expor tação, embora reconhecesse que "o café era a espinha dorsal da economia", Ni lo Peçanha chamava a atenção para a necessidade de serem amparadas as demais culturas como o cacau, a bOlTs cha, o açúcar etc. No plano financeiro, como adepto da ortodoxia, Nilo mani festava-se contra a inflação e a favor da conversibilidade da moeda e dos orça mentos equilibrados. A despeito de seu compromisso oligárquico, criticava igualmente a estrutura administrati va marcada pelo empreguismo e pelo clientelismo. Na esfera política, as questões abor dadas referiam-6e às "distorções do fe deralismo" e ao uimperialismo dos grandes estados". A esse respeito Nilo declarava: "h poderosas unidades da federação já não basta o privilégio odio so da eleição do presidente da Repúbli ca; elas influem até na constituição das bancadas dos estados mais fracos, ora fazendo incluir representantes seus, ora escolhendo dentre os eleitos e cons tantes, os delegados de sua política de avassalamento e distorção." Além .das propostas voltadas para os grupos oligárquicos dissidentes, a Reação Republicana estava interessa da em mobilizar as massas urbanas, Para atender a esse objetivo, a campa nha se revestiu de um a pelo popular, pregando a urgência. "de ar! ancar a República das mãos de alguns para as mãos de todos". Nesse sentido, Nilo Peçanha declarava: ''0 mundo não po de ser mais O domínio egoístico dos ricos, e ( ... ) só teremos paz de verdade, e urna paz de justiça, quando nas nos S85 propriedades ( ... )e nas nossas cons ciências, sobretudo, forem tão legíti mos 08 direitos do trabalho como os do capital. Não é mais possível a nenhum governo brasileiro deixar de respeitar, dentro da ordem, a liberdade, a liber dade operária, o pensamento operá rio." 26 O destaque dado a essa questão estava ligado à intensa agitação operá ria que marcou os últimos anos da década de 1910 e colocou em evidência o debate acerca da questão social. Nilo advogava igualmente a extensão da instrução pública para acabar com o analfabetismo e como alternativa para ampliar a participação política dos seg mentos desprivilegiados. A despeito desse discurso progressista, nenhuma proposta concreta que propiciasse uma maior democratização foi entretanto apresentada. O voto secreto, por exem 'pio, já reivindicado por expressivos segmentos urbanos, não era objeto de discussão. Ainda que com uma platafol'ma tão limitada em termos de propostas con cretas para os interesses das populações urbanas, Nilo conseguiu obter uma con siderável penetração nesse contingente eleitoral, em especial no Distrito Fede ral. O noticiário dos jornais nilistas in sistia na penetração do candidato da Reação Republicana no seio do eleitora do urbano, e até mesmo as forças oposi cionistas reconheciam temerosas esse fato. Um infol'mante escrevia a Raul Soares relatando: "A recepção ao Nilo 18 ESTUDOS HISTÓRICOS -1993/11 esteve muito concorrida, mas dizem Ur dos havia 60% de curiosos, 35% de re voltados contra tudo e contra Uxlos e apenas 5% de nilistas." A seguir alerta va: 'T..stam08 marchando para a anar quia na capital( ... ). O Epitácio parece indiferente às de�redações e atentados . . ,"7 a IlO5SOS JornaIS. � Era inegável, naquele momento, a penetração do nome de Nilo junto às camadas urbanas do Distrito Federal. Isto pode ser explicado não só em função de suas características pessoais, pois era um excelente orador, com gl ande capacidade de comunicação, mas tam� bém pelas próprias características e an seios dos grupos urbanos. Numa sacie dadeem que esses segmentos achavam se marginalizados da participação polí tica, o simples fato de o discurso nilista considerá-los como interlocutores dig nos de atenção já era em si uma inicia tiva mobilizadora. Porém, se no Distrito Federal Nilo conseguia encantar as massas urba nas, fazendo de seu comício de outubro de 1921 um grande acontecimento po pular, como admitiu um correligioná rio de Bernardes, as populações das cidades fluminenses mostravam·se re sistentes ao fascínio nilista. Com exce ção de Campos, tena natal de Nilo, Os principais centros urbanos no Estado do Rio, Niterói, Petrópolis e Nova Fri burgo, eram áreas onde as oposições fluminenses rnovimentavam....se com mais desenvoltura e onde a política nilista tinha maiores dificuldades de exercer seu controle. Na verdade, en quanto no Distrito Federal e em oub as capitais do país Nilo apresentava um discurso mais progressista, no seu es tado natal, onde residiam suas princi pais bases, seu papel era o do oligarca típico, que promovia perseguições polí ticas, fraudava eleições, enfim, lança va mão de todas as práticas caracterís ticas do coronelismo. A despeito das diferentes práticas adotadas visando a ampliar as possibi lidades de vitória da chapa da Reação Republicana, o desenrolar da campa nha sucessória e a a proximação do pleito evidenciavam os limites dessas estratégias. A cooptação dos elementos dissidentes não era fácil de ser efetiva da, e muitas adesões esperadas não se concretizaram. As práticas políticas vigentes na República Velha, baseadas no compromisso coronelista, implica vam uma postura de reciprocidade em que cada parte tinha algo a oferecer. No caso da Reação Republicana, pou cos eram os trunfos que podiam ser usados para obter o apoio eleitoral dos oligarcas e coronéis do interior, já que a máquina federal não podia ser usada na distribuição de privilégios e favores. Por outro lado, a campanha eleitoral, por mais sucesso que obtivesse, não era capaz de definir o pleito. Ainda que sem abrir mão dessas iniciativas, tor nava-se fundamental contar com alter nativas mais eficazes: era preciso en contrar um novo parceiro político ca paz de antepor-se às oligarquias domi nantes. Os militares eram o segmento ideal. Os conflitos entre os militares e o governo federal já haviam marcado vá rios momentos da política republicana. A posse de Epitácio Pessoa e a posterior escolha de civis para ocupar as pastas militares durante seu governo só fize ram acu. ar as dificuldades. 28 O retorno de Hellnes da Fonseca da Europa em novembro de 1920 rec. udesceu os anta gonismos, e sua eleição para presidente do Clube Militar em 1921 abriu novas articulações em tomo de seu nome, que chegou a ser cogitado para a sucessão presidencial. A não concretização de sua candidatura veio aumentar ainda mais a insatisfação dos militares, o que 05 tornava aliados em potencial das oligar quias dissidentes. De fato, desde o lan- - . 19 A REAÇAO REPUBUCANA E A CRISE POLITlCA DOS ANOS 20 çamento do manifesto da Reação Repu blicana no Rio de Janeiro ficaram claras "" preocupaÇÕES de obter uma aproxi mação com 08 militares, através da crí tica à posição secundária que lhes vinha sendo atribuída pelo governo federal. Também nos estados a campanha elei toral procurou a adesão e a simpatia dos elementos militares distribuídos pelas , . . -varIAS regtoes. O arquivo de Nilo Peçanha traz iIÚor mações significativas acerca de suas li· gaÇÕES com os militares ao longo de todo o segundo semestre de 1921. São inú meras as cartas de militares provenien tes de diferentes estados do país decla rando seu apoio a Nilo e relatando suas iniciativas para a criação de comitês eleitorais. A imprensa nilista também fazia questão de enfatizar o apoio dos militares ao candidato oposicionista, c0- mo o demonstra a notícia publicada em novembro de 1921 por O Imparcial: "Ni lo Peçanha desce de bordo do Iris nos braços de um general e de um almirante - O Exército e a Armada se confraterni zam com o povo para glorificar o grande lider democrático",29 O ponto culminante desse processo de aproximação se deu com o episódio das chamadas "cartas falsas", suposta mente enviadas por Bernardes a Raul Soares, contendo referencias desrespei tosas aos militares. A publicação desses documentos pelo Correio da Manhã vi sava claramente incompatibilizar o candidato situacionista com os milita res e envolvê-los defmitivamente na ca1Jss dissidente. 4. A eleição de Artur Bernardes e a crise político-militar A despeito do clima de intensa agi tação política que marcou os primeiros meses de 1922, as eleições presiden- ciais realizaram-se na data prevista, em l' de março. Os resultados eleito rais, controlados pela máquina oficial, deram a vitória a Bernardes, com 466 mil votos, contra 317 mil de Nilo Peça- nh 30M ' l' a. 815 uma vez o esquema e el- toral vigente na República Velha fun cionou para garantir a posição do can didato ofical. Diferentemente dos plei tos anteriores, porém, não houve lima aceitação dos resultados eleitorais pela oposição. A Reação Republicana não reconheceu a den ata e, além de reivin� dicar a criação de um Tribunal de Hon ra que arbitrasse o processo eleitoral, desencadeou uma campanha visando de uma lado manter a mobilização po pular, e de outro aprofundar o processo de aciJ'l amento dos ânimos militares. Ao longo de todo o primeiro semestre de 1922, e em especial após as eleições, a imprensa pró-Nilo ASSUmiU uma pos tura panfletária, denunciando diaria mente as punições e transferências 50� fridas pelos tenentes antibernardistas. Além de denunciar as perseguições fei tas pelos bernardistas aos militares, as lideranças da Reação Republicana radi calizavam 5UaS posições, abrindo espa� ço para a possibilidade de intervenção armada na decisão do conflito político. A esse respeito J.J. Seabra declarava: "Se não for aceita essa solução patriótica e honrosa do Tribunal de Arbitramento, teremos a luta e a sangueira:.31 Nesse clima de intensa agitação política, os militares começaram a passar do pro testo à rebeldia e a intervir de fato em disputas políticas locais em favor de seus aliados civis, como aoonteceu no Maranhão. Paralelamente, começavam a aparecer os primeiros sinais de tenta tivas de levantes no Distrito Federal e em Niterói. As lideranças políticas de Minas e São Paulo não se deixaram entretanto intimidar diante das declarações alar mistas dos militares sobre a ameaça de 20 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1993/11 revolta das tropas, e nem a idéia do Tribunal de Honra nem a proposta con ciliadora de Epitácio foram considera- , das. As advertências militares, segun- do O Estado, Raul Soai .... teria respem dido: "Se as classes armadas se acham no direito de fazer a revolução, nós n08 achamos no dever de debelá- la." Carlos de Campos, lider da bancada paulista na Câmara Federal, assumia posição semelhante ao declarar. ''Não cogita mos de acordo, nem é possível aceitá-lo. A atitude de São Paulo é definidae definitiva.'.32 Em conformidade com essa orienta ção, ao ser realizada em maio de 1922 a eleição para a mesa da Câmara Fe deral e para as diversas comissões par lamentares, foram excluídos todos os deputados dissidentes. A disposição clara das forças bernardistas de não fazer nenhum tipo de negociação con duziu a uma radicalização maior das cor. entes oposicionistas. Com o afasta mento de seus partidários de todas as comissões da Câmara e dos trabalhos de reconhecimento eleitoral, Nilo Pe çanha e J.J. Seabra lançaram um ma nifesto que declarava: "A dissidência retira-se do Congresso e só a este cabe rá a responsabilidade do que acontecer de hoje em diante.'.33 Totalmente mar ginalizadas no cenãrio político nacio nal e sem nenhuma possibilidade de acordo, as forças dissidentes não ti nham outra alternativa senão o apro fundamento das relações com 05 mili tares. As possibilidades de subversão da ordem e de intervenção militar torna vam--se por sua vez cada vez mais con cretas. Ainda em meados de maio, Dantas Barreto, já suspeitando da cri se que h'ia eclodir em Pernambuco, telegrafou a Nilo declarando: 'Tribu nal de Honra ou revolução." A rebelião eclodiu finalmente em 5 de julho de 1922 e contou com a participação das guarnições de Campo Grande, Niterói e Distrito Federal A tentativa de revolta fracassou d.., de o começo, sendo logo sufocada pelas forças federais. O movimento não obte ve a ad..,ão de segmentos militar.., ex pressivos, e as oligarquias dissidentes, que tanto haviam contribuído para acir rar os ânimos militares, não se dispuse ram a um engajamento mais efetivo. Epitácio pediu imediatamente a decre tação do estado de sítio no Estado do Rio e no Distrito Federal, e gi ande número de deputados dissidentes do Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco votaram a favor da medida, demonstrando um re cuo das oligarquias e a desarticulação completa da Reação Republicana. Nos meses seguintes, a repressão desencadeada pelo governo fortalecido de Epitácio determinou inúmeras pri sões e instaurou vários processos. Em bora arrolado no inquérito policial co mo envolvido na revolta, Nilo Peçanha não teve as acusações comprovadas. Entretanto, inúmeros políticos flumi nenses e jornalistas foram presos e processados. Por ocasião da posse de Bernardes, em novembro de 1922, Nilo Peçanha voltaria a se pronunciar publicamente lançando um manifesto à nação.34 Es se documento. além de resumir 05 pon tos básicos do progl ama da Reação Re publicana, defendia a regeneração da República. Nilo não só retomava idéias centrais defendidas desde o começo de sua cal"l eira política - como a diversi ficação da agricultura e uma política econômico-financeira ortodoxa - mas também se engajava na defesa de no vos pontos como a refol"ma constitucio nal e o voto secreto para todos 05 cida dãos alfabetizados. Finalmente, criti cava com vigor as distorções do federa lismo, advogando uma representção mais igualitária dos estados no Con gt esso, que atenuasse a preponderân- A REAÇÃO REPUBUCANA E A CRISE POLíTICA DOS ANOS 20 21 eia que a antiga divisão das províncias do Império havia determinado em fa vor dM grandes unidades, e que torna va cada dia mais precário o equilíbrio da federação. Contudo, qualquer que fosse sua p0- sição naquele momento, Nilo Paçanha não iria alterar sua sorte política. A Reação Republicana já estava comple tamente diluída, e as oligarquias dissi dentes tentavam se rearticular com a situação dominante de forma a evitar as intervenções federais. Se a posição do Rio Grande do Sul garantiu o controle do estado para o Partido Republicano Rio-Grandense de Borges de Medeiros, a Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro sofreram alterações significativas nas suas políticas internas, com a troca dos grupos dominantes. Especialmente no Estado do Rio, esse processo de reveza mento de grupos no controle do estado BssunlirÍB um caráter radical. Passados OS momentos mais agudos da crise de 1922, a recomposição do pacto oligárquico parecia completa, rei naugurando um novo monumento de estabilidade. Essa possibilidade, entre tanto, se mostrou pouco duradoura, e no Cmal da década novamente a cisão intra oligárquica se manifestou fortemente fazendo eclodir a Revolução de 30. 5. Conclusão Do exposto pode-se dizer que a Re ação Republicana não foi resultado di- o reto das divergências em torno da ter ceira política de valorização do café, nem da disputa pela vice-presidência da República, nem da insatisfação das camadas urbanas cariocas. A Reação Republicana resultou da insatisfação das oligarquias de segunda grandeza ante a dominação do eixo Mi nas-São Paulo. Aresistência dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal não era um fenômeno novo, ]X>is em várias ocasiões pode-se detectar uma busca de articulação entre essas oligar quias estaduais com o objetivo de au mentar seu poder de negociação frente aos estados dominantes. A Reação Re publicana foi um momento expressivo dessa luta. Não devem ser esquecidas entretanto as formas de articulação buscadas pelos integrantes da Reação Republicana com os setores urbanos, em especial do Distrito Federal, e com 05 militares. Deve ser ressaltado também que a Reação Republicana constitui um even to chave para a melhor compreensão do desenho do sistema político da Primeira República e do funcionamento do pacto oligárquico brasileiro. Notas 1. Peter Burke. liA história dos aconte cimentos e o renascimentD da narrativa", em A escrita da hislórilL· Il.Ova,s perspecti vas, São Paulo, Unesp, 1992, p.339. 2. Serge Berstein e Odile Rudele, Le modek r"plLblicaill, Paris, PUF, 1922. 3. Le Roy Ladurie, Le lerriloire de l'his torie.", Paris, Gallimard, 1973, p.169-186. e Peter Burke, op.cit., p.239. 4. Serge Berstein, ''L'historien et la cul ture poli tique", Wltgtieme Si(�cle-RêvlLe c/'Ilistoir., juil.{sept. 1992, p.67-77. Esta mos trabalhando com o "conceito de cultura política como um sistema de repre sentações, fundado sobre uma certa visáo de mundo, sobre uma leitura significante do passado histórico, sobre as escolhas de um sistema institucional e de uma socieda de ideal , conforme os modelos retidos, e que se exprimem JXlr um discurso de símbolos, ritos, que evocam sem que uma outra me diação seja necessária"(p.71). 22 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1993/11 6. Renato Lessa,A invenção republic� na, São Paulo, Vértice,1989. 6. Ver Xisto Apulcro,A verdade históri ca: da CC/IUeIlÇão dejwúw de /92/ à revo lução de juU,o de /922, Rio de Janeiro, S.C.P. 1922; Bruno de Almeida Magalhães, Al·tur Bemardes, "m estadista da R,públi ca, Rio de Janeiro, José Olympio, 1973; Hermes da Fonseca Filho, Mw-ecJwl Her mes, Rio de Janeiro, IBGE, 1961; José To lentino, Ni.lo Peçw,ha; sua vida pública, Rio de Janeiro, Armando Martins, 1930; Laurita Pessoa Raja Gabagiia, Epitácio Pessoa, Rio cleJaneiro,José Olympio, 1951, 2v.j Mozart Lago, A convenção naeional de 1921, Rio de Janeiro, Pimenta de Melo, 1921, e Sertório Castro, A República q"e a revolução destruiu., Rio de Janeiro, 1932. 7. Borls Fausto, "Expansão do café e política cafeeira", em História geral da civilizaçeio brasileira, tomo 3: O Brasil l'epublicCUlO, v. I, São Paulo, DireI, 1982. Ver também Maria Cecília Forjaz, 'lCnen tiS1nO e políliccc tcnenlismo e cantCldas mé diaB urbanas na crise da Primeira R(�plÍ.blica, Rio de Janeiro, Paz e Thrra, 1977; Afonso Arinos de Mello Franco, Um estadista da República; A{rémio de Mello FrwUXJ e seu. tempo, Rio de Janeiro, José Olympio - Edusp, 1973; e Celso Peçanha, Nilo PeçW,h(L e a revoluç{w brasileira, Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 1969. 8. Michael Conniff, Urbwl politias iIL Brazil: th" raise o{popu/i8m, 1925-1945, Pittsburg, University of Pittsburg Press, 1981. 9. Ver Winston Fritsch, Aspectos da política econômica brasileira na Primeira Repriblica, Cambridge, 1983 (tese de dou torado), e 441924", Pesquisa e Plwtejamen to EcolLômico, IPEA, dez. 1980, p.713-774. 10. Ver discurso de Correia de Brito em Docunum.tos parlwlteJ'tares; ",eio ciJ'Culwl- te (emissão de 1920), vol. 12, p. 93-98; dis cursos de Sousa Filho em lJcx;ruucntos parlcu"ellüu'es; meio circulrude ( 1921- 1922), vaI. 14, p. 185-188, e Anais da Cá, mara Federal, 1921, vol. 17, p. 553-557; e ainda discurso de Gonçalves Maia em Dt; cu.me/dos pw·llUuc/daJ'C$; meio ci1'culm,te (1921-1922), vaI. 14, p. 181-182. 1 1 . A pesquisa realizada nos diversos volumes dos Auais da, Câmara Federal de 1921 não encontrou referências à partici pação e ao posicionamento da bancada baiana. Ver discursos de Otávio Rocha em Documentos pW'llUnentw'es; meio circu IWlte (1921-1922), vol. 14, p. 59-60, e An.ais da Câmara Federal, 1921, vol. 17, p. 597-607. 12. Ver discurso de Maurício de Medei ros emAlLai. da Câmw'aFederal, 1921, vol. 16, p. 530. Ver também o p:>aicionamento da bancada fl1lminense na votação do pro jeto de criação do Instituto de Defesa Per manente da Produção Nacional, em Anais da Câmw'a Federal, 1921, vol. 16, p. 67-88; vol. 17, p. 312, e vaI. 18, p. 876-882. 13. Para lima estudo da questão suces s6ria de 1922 com base nos arquivos Nilo Peçanha e Raul Soares, ver Marieta de Moraes Ferreira, Conflito regional e c,.ise política: a Reação Repll.blicw,a no Rio de Jall-eil'o, Rio de Janeiro, CPDOC, 1988 (Textos CPDOC). 14. Winston Fritsch, uSobre as inter pretações tradicionais da lógica da políti ca econômica na Primeira República", Estudos Econômicos, São Paulo, 15(2). 15. José Murilo de Carvalho, A COll.8- trução da ol'de.m, Rio de Janeiro, Campus, 1980. 16. Ver Sônia Regina Mendonça, Ru ralismo: agricultu,.a, poder e Estado na Primeira Repllblica, São Paulo, USP, 1989 (tese de doutorado). 17. Ver Paulo Sérgio Pinheiro, "Clas ses médias urbanas: formação, natureza, intervenção na vida política", em História geral da ciuilizaçãn brasileira, tomo 3: O Drnsil l'epllblicano, vol.2, São Paulo, Difel, 1977, p.26. O autor discute os limites da atuação das classe médias urbanas, cha mando a atenção para sua dependência frente aos grupos oligárquicos. 18. Para o acompanhamento da trajetó ria e da rede de articulações de Nilo Peça nha com outras oligarquias regionais, ver Maneta de Moraes Feneira (coard.), A Re pllblica na Velha Província, Rio de Janeiro, Rio Fundo, 1989. A llEAÇÁO llEl'UOUCANA f: A CRISE POLfT1CA DOS ANOS 20 23 19. Amérioo Freire, A l)(lHemla fi.'(ú.�'aJ. carioca e a Uearão Repuúlic(mrr., IFCS/UFRJ, 1988(mimeo). 20. Celso Peçanha, Nilo Pt'.çonha e a rcuoluçào úrasileira. op.cit. 21. Ver O Estado, 25/6/1921. 22. Ver a correpondência relativa à Reação Republicana, de junho de 1921 a março de 1922, no Arquivo Nilo Peçanha. 23. Anteriormente os candidatos limi tavam-se a apresentar sua pIa taforma elei toral no Distrito Federal. A Campanha Civilista. lançada por Rui Barbosa na su cessão de 1910, apresentou alguma inova ção ao promover conferências no Rio de Janeiro e na Bahia. Foi o próprio Nilo, na sucessâo estadual fluminense de 1914, que inaugurou um estilo de campanha que o levou a percol'ler os principais municípios fluminenses fazendo oomícios eleitorais. 24. Essa discussão acerca da importân cia e das limitações do voto na República Velha pode ser acompanhada em Vítor Nu nes Leal. Co,.mw.lismo. enxada e uole. São Paulo, Alfa Omega, 1975, p.I9-25; Paul Cammack., "O roronelismo e o rompromisso roronelista: wna crítica''. Cadernos DCP, Belo Horizonte, nOS, mar.1979, p.1-20, e José Murilo de Carvalho, verbete I'Corone lismo", em Dicionál'io hilJlórico-biográftro brasileiro, 1930- /983, org. Israel Beloch e Alzira Abreu, Rio de Janeiro, Forense Uni- versitária, CPDOC/FINEP, 1984, v.2, p. 932-934. 25. Nilo Peçanha, Política, economia e finw'ças - Q. campw,ha pre.sideJu:ial de /92/-1922, p. 45. 26. Idem ib., p.7. 27. Carta de Lopes Martins a Raul Soares em 7/11/1922, Arquivo Raul Soa res. 28. Ver José Murilo de Carvalho, uAE. Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabi lizador", em Hi8wriageral da civilização brUlJileil'a, tomo 3: O BrUlJil repnblicwUJ, vo1.2, op.cit. 29. O Imparcial, 6/11/192l. 30. Ver Edgar Carone, A República Velha (evolução política), São Paulo, Difel Editora, 1971, p. 345. 31. O Estado, 27/4/1922. 32. Idem, 6/5/1922. 33. Idem, 6/5/1922. 34. Nilo Peçanha, Mmâ(esto à nação, em 14/11/1922. Arquivo Nilo Peçanha. (RC<1ôidtJ para publicação ern março de ) 993) Marieta de Moraes Ferreira é pesqui sadora do CPDOC e professora do Departamento de História da UFRJ.
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