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Apostila ESCA

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Antes de iniciar o estudo deste curso, reflita sobre a matéria veiculada pela RBSTV, em 24 de novembro
de 2014.
MP flagra rede de exploração sexual de adolescentes no Norte do RS
Três pessoas foram presas durante ação de promotoria, em Machadinho. Esquema envolvia pelo menos seis garotas entre 12 e 16 anos, diz MP.
O Ministério Público Estadual (MP) prendeu nesta segunda-feira (24) três homens suspeitos de participar de uma rede de exploração sexual de adolescentes em Machadinho, município com cerca de 5,5 mil moradores localizado no Norte do Rio Grande do Sul. A ação ainda encaminhou seis jovens entre 12 e 16 anos para um abrigo, informou a Promotoria de Justiça do município de São José do Ouro.
De acordo com o MP, as investigações apontam que vários moradores de Machadinho são suspeitos de contratar meninas para programas sexuais, que ocorriam no período da tarde. Automóveis, casas abandonadas, margens de um rio e até o cemitério da cidade eram usados pelos envolvidos no esquema.
Responsável pelas apurações, o promotor Francisco Saldanha Lauenstein detalhou que duas das adolescentes recebiam comissão para recrutar outras garotas. A mãe de uma delas, conforme o MP, também é investigada por fazer parte do esquema. Em um dos casos, outra mulher teria contratado uma das jovens para fazer programa com o marido.
Durante a operação foi apreendido um revólver calibre 38 com numeração raspada na casa de um dos presos. Na residência de outro investigado, foi localizada munição de espingarda calibre 12. Os presos foram encaminhados para o Presídio de Lagoa Vermelha, na mesma região.
Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/11/mp-flagra-rede-de-exploracao-sexual-de-adolescentes-no-norte-do-rs.html
Os temas relacionados à violência contra as crianças e os adolescentes começaram a ganhar relevância a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Onze anos depois, em 1959, surge a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, mas só nas duas últimas décadas que o assunto passou a aparecer nas agendas do governo brasileiro e, em 2000, adotou-se um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes que, embora tenha sido revisto por duas vezes (2006 e 2013), ainda revela a falta de capacitação específica dos vários atores envolvidos com o tema, dentre eles, alguns órgãos policiais.
Portanto, este curso foi pensado para que você tenha acesso aos conhecimentos teóricos relacionados à temática e auxilie nas ações de enfrentamento e prevenção desse problema tão grave.
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
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opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (art. 5º, ECA).
Bons estudos!
Objetivo do curso
Ao final do curso, o aluno será capaz de:
Compreender a doutrina de proteção integral;
Conceituar violência sexual contra crianças e adolescentes;
Distinguir as modalidades de exploração sexual de crianças e adolescentes;
Identificar o perfil das vítimas, dos agressores e as causas da exploração sexual de crianças e adolescentes;
Descrever e executar abordagens das vítimas de violência sexual de forma adequada e respeitosa;
Identificar a legislação aplicável ao tema;
Desenvolver ações preventivas sobre o tema.
Estrutura do curso
O presente curso foi dividido nos seguintes módulos:
Módulo 1 – Conceitos importantes sobre a temática;
Módulo 2 – Aspectos relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes;
Módulo 3 – Aspectos legais sobre a temática;
Módulo 4 – Sistemas de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e ações de prevenção.
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	MÓDULO
	
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	CONCEITOS IMPORTANTES SOBRE A TEMÁTICA
	
	
Apresentação do módulo
“(...) as nossas lágrimas regarão com esperança o chão da dura realidade para sempre sonhar com a utopia de uma sociedade justa e igual, ameaçando com dureza todo o poder que gera opressãõ.
Acreditamos numa sociedade sem racismo, sem machismo, sem sexismo e sem homofobia. Cremos no fim de todas as prisões, no fim de todas as formas de extermínio, na construcão̧ de outras formas de organização da sociedade e na utopia de um mundo sem oprimidos/as e sem opressores.”
Carta das Pastorais da Juventude do Brasil
maio de 2009, Guararema – SP
As campanhas contra a exploração sexual de crianças e adolescentes crescem a cada dia, mas ao mesmo tempo, infelizmente, parecem não dar conta de pôr um fim neste problema. Por que isto acontece? Quais aspectos estão presentes nesta problemática?
O Módulo 1 do curso de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes tem por finalidade situá-lo no âmbito dos conceitos que envolvem a temática.
Objetivo do módulo
Ao final do módulo, você será capaz de:
Identificar como se estabelecem as relações interpessoais e o papel exercido pelo poder/dever de pais e responsáveis em relação às crianças e adolescentes;
Conceituar violência sexual praticada contra crianças e adolescentes e compreender suas
modalidades;
Correlacionar a violência sexual com os papéis culturais estabelecidos pela educação dentro da lógica da masculinidade;
Enumerar as causas da violência sexual;
Conceituar e distinguir abuso e exploração sexual.
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Estrutura do Módulo
Este módulo está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Perspectiva histórica da proteção à infância;
Aula 2 – A violência sexual contra crianças e adolescentes.
Aula 1 – Perspectiva histórica da proteção à infância
De acordo com Azambuja (2006), o tratamento legislativo que a humanidade tem dispensado à criança se coaduna com a compreensão do significado da infância presente em cada momento histórico.
Se você analisar a história da humanidade por uma perspectiva sociológica, verá facilmente que as nossas relações se baseiam em poder. Estabelecem-se pela força (física, psicológica ou outras), com a obrigatória submissão do “menos” pelo “mais”, é sempre o menos forte, o menos representativo que será submetido. A família é o primeiro grupo social onde se vivencia essa relação de poder.
Para refletir
Pense no seu papel dentro da sua família.
Você é homem ou mulher?
cisgênero ou é transgênero?
heterossexual ou é homossexual?
Você contribui financeiramente para a manutenção da sua família?
Como suas respostas a essas perguntas determinam quem você é e qual papel você exerce dentro do seu núcleo familiar?
1.1 A percepção da infância na antiguidade
Na antiguidade, a autoridade paterna não conhecia limites, o pai no exercício do pátrio poder tinha o direito de punir, de expor, de vender o filho e até mesmo o direito de matá-lo. Nesse sentido Azambuja (2004, p.181) registra que:
Em Roma (449 a. C), a Lei das XII Tábuas permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme mediante o julgamento de cinco vizinhos (Tábua Quarta, nº 1), sendo que o pai tinha sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los (Tábua Quarta, nº 2). Em Roma e na Grécia Antiga a mulher e os filhos não possuíam qualquer direito. O pai, o Chefe da Família, podia castigá-los, condená-los e atá excluí-los da família.
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A infância ficou ignorada por muitos anos ainda, até começar a receber alguma distinção por volta do século XVIII, quando então, na Europa, começa-se a compreender que ela é uma fase de vida distinta das demais, merecendo, portanto, tratamento e atenção diferenciados.
Ainda, consoante Azambuja (2006):
no final do século XVIII que a infância começa a ser vista como uma fase distinta da vida adulta. Até então, participavam das mesmas atividades. Asescolas eram frequentadas por crianças, adolescentes e adultos. Com o surgimento do entendimento de que a infância era uma fase distinta da vida adulta também passam a ser utilizados os castigos, a punição física, os espancamentos através de chicotes, paus e ferros como instrumentos necessários à educação. Na Inglaterra, em 1780, as crianças podiam ser condenadas à pena de enforcamento por mais de duzentos tipos penais.
1.2 A construção da percepção da infância no Brasil
No Brasil não foi diferente, desde o descobrimento até ao alcance da maturidade legislativa trazida pela Constituição da República em 1988, a infância era tratada ao sabor do pouco ou nenhum discernimento cultural no qual se vivia.
A história triste recontada por Azambuja (2006) ilustra bem a ótica da infância na chegada dos navegantes-descobridores.
Os órfãos do Rei
Os órfãos do Rei eram as crianças, que junto com os marinheiros, vinham de Portugal nos navios para prestar serviços de toda ordem, inclusive sexuais aos adultos, e, em caso de naufrágio normalmente eram deixados para traz para afundarem com o navio ou eram os primeiros a serem lançados ao mar para aliviar o peso da nau. (AZAMBUJA, 2006)
Saiba Mais...
Para saber mais sobre essa face escondida da nossa história, leia o texto A história dos excluídos a
bordo das caravelas e naus dos descobrimentos: grumetes, órfãos e degredados.
Disponível	em:	http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/06/historia-dos-excluidos-bordo-
das.html
Acompanhe, a seguir, os principais fatos históricos pertinentes à construção da percepção da infância no Brasil até os dias atuais.
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1830
Na evolução do direito destinado à tutela da infância e da juventude no Brasil, as suas primeiras aparições restringiram-se à determinação da maioridade penal, às penas aplicáveis em caso de crimes e à dosimetria dessas. Nas Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil até 1830, a responsabilidade criminal começava aos 7 anos de idade e até os 17 anos incompletos era utilizado o critério biopsicológico (idade + capacidade de autodeterminação) para determinar a apenação pelo cometimento de crimes. Aos menores de 17 anos era vedada a aplicação da pena de morte, mas havia possibilidade de, ao arbítrio do juiz, serem aplicadas outras penas.
Em 1830 entrou em vigor o Código Penal do Império que instituiu a inimputabilidade do menor de 14 anos, mas que permitiu a internação desse em casa de correção desde que provado que agiu com discernimento, limitando a internação à idade de 17 anos. Entre 14 e 17 anos eram considerados imputáveis, mas tinham penas abrandadas e, entre 17 e 21 anos, contavam com atenuante em função da idade.
1890
Em 1890 entrou em vigor o Código Criminal da República que inaugurou uma nova fase do ordenamento jurídico penal, abolindo a pena de morte e instituindo um regime penitenciário de caráter correcional. Quanto à maioridade penal:
O menor de 9 anos era considerado absolutamente inimputável.
Entre 9 e 14 anos, o critério adotado era o do discernimento, ficando a critério do juiz verificar e decidir se a criança tinha agido com capacidade de entender e agir livremente na prática do ato.
E entre 14 e 17 anos, a pena aplicada era reduzida de 1/3 e cumprida em estabelecimento prisional industrial.
Início do século XX
No início do século XX, o Brasil foi marcado por várias iniciativas legislativas que tinham por intuito alcançar as crianças e adolescentes pobres, abandonados e em situação de delinquência. Em meio à efervescência dos conflitos político-sociais e à crise econômica, o Estado se viu compelido a tomar alguma iniciativa para tratar das crianças e adolescentes que viviam nessas situações.
Nesse contexto, nasceu a Doutrina da Situação Irregular que tinha como proposta retirar os “menores” das ruas ou das famílias que não lhes assistiam e colocá-los sob a tutela do Estado.
1964
Em 1964, a Lei Federal nº 4.513 criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM que ficou incumbida de formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí, tem-se a criação das Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, que deveriam implantar as políticas formuladas pela FUNABEM.
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1979
Em 1979 há uma reformulação do Código de Menores, entretanto, o seu foco continua sendo as crianças e adolescentes considerados em situação irregular, conforme se pode observar nas previsões inseridas em seu art. 2o.
O código de menores (Lei nº 6697/79), em seu artigo 2º, definia a situação irregular da seguinte forma:
Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
- vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer
título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
1988
A Constituição da República de 1988 inaugurou um novo momento, de uma legislação moderna, em consonância com a Convenção Internacional sobre Direitos das Crianças, onde as pessoas de até 18 anos de idade incompletos passam, legalmente, a serem merecedoras de atenção especial da família, da sociedade e do Estado, para que se desenvolvam em todo seu potencial físico, psíquico e social.
Com a equivalência de poderes e deveres entre homens e mulheres legalmente instituída no Brasil a partir de 1988, o pátrio poder passou a ser denominado poder familiar e, mais que uma faculdade, passou a ser um dever legal dado à família e em especial aos pais para garantirem o desenvolvimento saudável dos filhos. É um instrumento protetivo que tutela a vida e o patrimônio dos filhos.
Sendo que pode inclusive ser perdido em casos específicos determinados judicialmente, conforme previsão do Código Civil:
Art. 1.637: Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único - Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão (Lei nº 10.406/02).
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O Estado, assim, declara ter interesse em assegurar as gerações futuras, pois dessa forma assegura a Sua própria existência. No Brasil da atualidade, a proteção à criança e ao adolescente estabelece-se como decorrência da adoção da doutrina da proteção integral inserida nas previsões da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Constituição da República e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Saiba Mais...
Veja o Estatuto da Criança e do Adolescente na íntegra e os comentários técnicos.
Todos esses documentos normativos estabelecem regras especiais para o tratamento das pessoas de até 18 anos incompletos, visando ao seu pleno desenvolvimento, deixando clara a posição do Estado Brasileiro em reconhecer suas crianças e adolescentes como Sua garantia de continuidadee, portanto, detentoras de direito à proteção diferenciada.
A Constituição da República de 1988 prevê no seu art. 227 os pilares da Doutrina da Proteção Integral obrigando conjuntamente família, sociedade e Estado no dever de garantir à criança e ao adolescente os cuidados necessários ao seu pleno desenvolvimento:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, reafirma a previsão do art. 227 da Constituição e, em seus primeiros artigos, engloba o espectro da proteção integral, colocando a criança e o adolescente como centro das atenções no que diz respeito à proteção da pessoa humana, priorizando o atendimento de suas necessidades nas esferas privada e pública.
Da legislação apresentada, verifica-se que por se reconhecer o menor de 18 anos como um ser humano em desenvolvimento, não plenamente pronto e suficientemente desenvolvido para as lides da vida, há necessidade de que as leis o protejam, uma vez que suas condições físicas e mentais o colocam em situação de fragilidade frente ao mundo adulto.
Dito isso, é possível concluir que a legislação voltada à proteção das crianças e adolescente é, genuinamente, norma de Direitos Humanos, visto que sua principal característica é a proteção dos mais vulneráveis, sejam eles minorias ou não.
Saiba Mais...
No vídeo (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fMBNL4HFEOQ) “O que são Direitos Humanos?”, a professora Glenda Mezaroba, mestre e doutora em Ciência Política, explica quais são as condições mínimas que nos concedem uma vida digna e qual é o conceito geral dos direitos humanos. Assista-o, pois ele o ajudará a compreender por que a legislação voltada à proteção das crianças e adolescente é, genuinamente, norma de Direitos Humanos.
Aproveite e leia também o texto o Jogo dos Ricochetes do PRF Fabrício da Silva Rosa.
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Pode-se concluir que os conceitos que na antiguidade tratavam filhos como bens submetidos ao pai, evoluíram para tratar os menores de 18 anos como pessoas em desenvolvimento e merecedoras de tratamento especial e prioritário.
O reconhecimento da posição de fragilidade das crianças e adolescentes reforça o aspecto da legislação que os protege como sendo essencialmente de direitos humanos, qualificando esse arcabouço normativo como garantidor do desenvolvimento saudável do ser humano, implicando na adoção de posturas públicas e privadas de garantias desse tratamento protetivo.
Saiba Mais...
Antes de prosseguir nos seus estudos, assista ao vídeo Parte 1 - Proteção integral à criança e ao adolescente: responsabilidade coletiva (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zsJitcDRbcI), do Promotor Paulo Afonso Garrido de Paula, e responda:
Você tem conhecimento de ações voltadas à efetivação da doutrina da proteção integral na sua cidade? Busque alguma ação do governo local, identifique o objetivo da ação e o perfil dos atendidos e
relacione como a ação atende aos princípios da doutrina da proteção integral.
Aula 2 – A Violência sexual contra crianças e adolescentes
Cabecinha boa de menino triste,
De menino triste que sofre sozinho,
Que sozinho sofre – e resiste.
Cabecinha boa de menino ausente,
Que de sofrer tanto se fez pensativo,
E não sabe mais o que sente…
Cabecinha boa de menino mudo,
Que não teve nada, que não pediu nada,
Pelo medo de perder tudo.
Cabecinha boa de menino santo
Que do alto se inclina sobre a água do mundo
Para mirar seu desencanto
Para ver passar numa onda lenta e fria
A estrela perdida da felicidade
Que soube eu não possuiria.
Cecília Meireles
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2.1 Compreendendo o conceito de violência
Antes de você estudar especificamente a violência sexual contra crianças e adolescentes, é necessário conhecer alguns conceitos para uma construção sólida do entendimento do assunto.
Você estudou que as relações sociais se baseiam em papéis e se estabelecem pelo poder. Discorrendo sobre as relações de poder, Foucault (1979, p.250) esclarece que “na medida em que as relações de poder são uma forma desigual e relativamente estabilizada de forças, é evidente que implica de um em cima e um embaixo, uma diferença de potencial”.
Ainda Foucault coloca o poder como correlação de forças e tensões dinâmicas que se exercem e se reafirmam a todo momento:
(...) que o poder não é́algo que se adquire, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar; o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e moveis; que as relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relações (processos econômicos, relações de conhecimentos, relações sexuais), mas lhe são imanentes; são os efeitos imediatos das partilhas, desigualdades e desequilíbrio que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são as condições internas destas diferenciações (FOUCAULT, 2009, p.104).
Pensando as relações de poder como se conhece e vivencia, e entendendo que elas normalmente se estabelecem pela força (física ou psicológica), você é levado a pensar que em determinados momentos o ser humano estará confrontando atos de violência em nome da aquisição ou manutenção de um status.
De olho na realidade...
Pare um minuto, vá até a internet e nos sites de notícias (UOL, G1, TERRA) verifique quantas notícias de violência compõem a “primeira página” desses sites. Faça breves anotações sobre os tipos de violências noticiados. Agora, escreva um conceito de violência para comparar com o que estudará a seguir.
Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como sendo:
“O uso intencional da força física ou poder, em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa, ou grupo ou comunidade que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações” (OMS, 2002).
A violência é presença perene na história das civilizações. Não se encontra exceção à sua existência, estando sempre relacionada, de alguma forma, à aquisição ou manutenção de poder. Neste sentido, Leal (1999, p. 8) afirma que “a violência é um fenômeno antigo, produto de relações sociais construídas de forma desigual e geralmente materializada contra aquela pessoa que se encontra em alguma desvantagem física, emocional e social”.
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Importante!
importante entender que violência sexual é gênero, da qual o abuso e a exploração sexual são espécies. A diferença entre eles você verá mais a frente ainda nesta aula.
2.2 Discutindo os conceitos e as características da violência sexual
Para compreender a violência sexual é necessário aprofundar a conceituação de violência, adjetivá-la e caracterizá-la, isso servirá de parâmetro para problematizar o assunto. As definições postas por Landini (2003) no seu artigo “Pedófilo, quem és? A pedofilia na mídia impressa” são apresentadas, a seguir, divididas didaticamente, a fim de ajudar na compreensão.
1 - Etimologia da palavra violência
Ao iniciar uma discussão a respeito da violência sexual, torna-se necessário problematizar, ainda que rapidamente, ambos os termos: violência e sexual.
Tanto Zaluar (1999), quanto Michaud (1986), concordam que o termo violência vem do latim violentia, o que, nas palavras de Michaud (1986 p. 4) – as quais estão de acordo com Zaluar – significa “violência, caráter violento ou cruel, força. O verbo violare significa tratar com violência, profanar, transgredir. Esses termosdevem ser relacionados a vis (...). Mais profundamente, essa palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força, e portanto a potência, o valor, a força vital”.
2 - Caracterização da Violência
Segundo a antropóloga brasileira, “essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento, percepção essa que varia cultural e historicamente” (Zaluar, 1999 p. 28). Em outras palavras, é possível dizer que existe uma construção histórica e cultural a respeito do que é ou não considerado violência.
3 - Consideração da construção sobre a sexualidade
Entretanto, em se tratando de um tipo de violência específico – a violência sexual –, é preciso levar em consideração que existe também uma construção a respeito da sexualidade.
4 - Diferenças culturais sobre sexualidade
Para Heilborn & Brandão (1999), o debate teórico sobre esse tema encontra-se dividido em duas posições: de um lado, o essencialismo, cuja característica é a convicção em algo inerente à natureza humana, um instinto ou energia sexual que conduz as ações e, de outro, o construtivismo social, que procura problematizar a universalidade desse instinto, contrapondo a ideia de que os contatos corporais entre pessoas
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– que a sociedade ocidental chama de sexualidade – têm significados radicalmente distintos para as diferentes culturas ou até para diferentes grupos da mesma cultura.
5 - A compreensão e interpretação das diferenças culturais
Richard Parker (1999, p. 131-132), concordando com essa segunda tendência, adiciona: “a compreensão, surgida nos últimos anos, da sexualidade como socialmente construída tem redirecionado grande parte da atenção da pesquisa antropológica e sociológica não apenas para os sistemas sociais e culturais que modelam nossa experiência sexual, mas também para as formas através das quais interpretamos e compreendemos essa experiência”.
O Caderno 5 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), intitulado Proteger para Educar: a escola articulada com as redes de proteção de crianças e adolescentes traz a seguinte definição para a violência sexual contra crianças e adolescentes:
A violência sexual é todo ato ou jogo sexual (homo ou heterossexual), entre adultos e criança ou adolescente, que tem por finalidade obtenção da satisfação sexual do adulto por meio da estimulação sexual do infante ou do jovem. Nessa situação, o agressor pode se impor pela força, ameaça ou indução da vontade da vítima (AMORIM, no prelo). Esse tipo de violência compromete a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes, interferindo no seu desenvolvimento físico, psicológico, moral e sexual. No âmbito da família, constitui-se em uma violação ao direito à sexualidade e à convivência familiar protetora. É um ato delituoso que desestrutura a identidade da pessoa vitimada. (Caderno SECAD/MEC, 2007).
No site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios encontra-se a seguinte definição de violência sexual:
A violência sexual contra crianças e adolescentes é o envolvimento destes em atividades sexuais com um adulto, ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, nas quais haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto sexual para gratificação das necessidades ou dos desejos do adulto, sendo ela incapaz de dar um consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder ou de qualquer incapacidade mental ou física.
Crianças e adolescentes não estão preparados física, cognitiva, emocional ou socialmente para enfrentar uma situação de violência sexual. A relação sexualmente abusiva é uma relação de poder entre o adulto que vitima e a criança que é vitimizada.
Você deve ter observado, a partir da leitura e interpretação das definições apresentadas, alguns pontos em comuns, não foi?
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Uma criança ou adolescente vulnerável (sem condições físicas ou psicológicas de defesa ou
reação);
Imposição da vontade de um adulto ou pessoa mais velha;
Uso da força física ou psicológica; e
O caráter sexual da ação.
Reunindo esses elementos, você irá se deparar com situações de violações de direitos, e em especial de direitos sexuais, mas que normalmente vêm acompanhadas de outras violações decorrentes de um contexto no qual a criança ou adolescente vive.
A violência contra crianças e adolescentes, principalmente a violência sexual, é multifatorial. Não é fruto de uma única causa, mas de uma soma delas. Envolve aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, apresentando raízes nas relações sociais de classe, gênero e etnia, o que possibilita concluir, com o respaldo de Leal (1999, p.7) que a violência sexual é um fenômeno social, multifacetado e de enfrentamento complexo, pois demanda análise profunda das variáveis que o compõem.
[...] a análise da violência contra crianças e adolescentes no Brasil deve ter como referência as questões histórico-estrutural e cultural para compreensão do fenômeno. Deve, ainda, considerar a dimensão territorial, a densidade demográfica e a diversidade cultural, econômica e social, em função de o fenômeno apresentar-se de diferentes formas em cada região.
2.3 Causas da violência sexual
Figueiredo e Bochi (2010), analisando a exploração sexual (uma espécie do gênero violência sexual contra crianças e adolescentes), reafirmam que suas causas são várias e não estão necessariamente ligadas à pobreza:
Considerada uma violação dos direitos de crianças e adolescentes, a exploração sexual comercial se manifesta de maneira complexa e tem inúmeras interfaces. Trata-se de um fenômeno mundial, que não está associado apenas à pobreza e à miséria. Ao contrário do que muita gente imagina, a exploração sexual atinge todas as classes sociais e está ligada também a aspectos culturais, como as relações desiguais entre homens e mulheres, adultos e crianças, brancos e negros, ricos e pobres. Ao avaliar esse fenômeno, épreciso considerar ainda fatores como a dimensão territorial do Brasil e a densidade demográfica, pois a situação se apresenta de diversas maneiras em cada região. Além disso, por ser ilegal e clandestina, a exploração sexual ainda tem pouca visibilidade, sendo difícil de ser quantificada. (2010, p. 55)
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E que ao contrário do que se tende a pensar, a vulnerabilidade está muito mais ligada às construções sociais dos papéis do feminino e do masculino, do adulto e do infantil na família e na sociedade do que à classe social.
Geralmente materializada contra pessoas que estão em desvantagem física, emocional e social, a violência é́ um fenômeno antigo, produto de relações construídas de forma desigual. Historicamente, a violência vem sendo denunciada no ambiente domestico/familiar contra mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos, sendo que as pesquisas têm confirmado que a incidência é maior entre as meninas e as mulheres – daí a questão de gênero ser compreendida como um conceito estratégico na análise desse fenômeno. (FIGUEIREDO; BOCHI, 2010, p. 56)
Várias pesquisas sobre a violência sexual apontam sua origem na lógica da masculinidade, na cultura patriarcal, onde as mulheres e as crianças são tidas como objetos de propriedade e de satisfação do homem. A educação nas sociedades patriarcais ensina comportamentos para meninos e meninas, separando-os pelo sexo, criando papéis que 'deverão' seguir pela vida e, dentro dessas regras postas, encontram-se as que franqueiam ao homem – o macho - a satisfação dos seus instintos naturais, ou seja, a satisfação de seu impulso sexual faz parte das regras da natureza e apresenta-se como um direito legítimo.
Os valores e prerrogativas culturais que definem o papelsexual masculino tradicional são o poder, a dominação, a força, a virilidade e a superioridade. Os valores e prerrogativas culturais que definem o papel sexual feminino são a submissão, a passividade, a fraqueza e a inferioridade [...] Com o estereótipo da supremacia masculina, os homens aprendem a ter expectativas sobre o seu nível de necessidades sexuais e sobre a acessibilidade feminina. A dominação e a subordinação são sexualizadas, o que leva a ideia de que os homens têm o direito aos serviços sexuais da mulher. Implicitamente o abusador assume que é sua prerrogativa fazer sexo com qualquer mulher que ele escolhe. Ele tem o direito de usar as mulheres como objeto para seu prazer. Uma vez que o uso das mulheres como objeto pelos homens esteja legitimado e enraizado na cultura, o terreno está preparado para todas as formas de tráfico, prostituição, sexo turismo e abuso sexual de crianças e adolescentes do sexo feminino e de mulheres (MAHONEY apud CECRIA, p. 4, 1997).
Saiba Mais...
Veja o filme “Anjos do Sol” (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=r88WqyseFes), se não puder ver tudo, concentre-se entre 15’ e 20’ 4”, reflita sobre as questões a seguir:
A história relatada, do filho que ao completar 15 anos é iniciado na vida sexual com a compra do sexo pelo pai, é (ou foi) comum em nossa sociedade? As meninas, tão jovens quanto o menino, como são vistas e tratadas pelos adultos?
Em uma pesquisa desenvolvida no Panamá e República Dominicana e apoiada pelo Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) e pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, chamada Masculinidad y explotación sexual comercial. Un estudio cualitativo com hombres de la populación general vários aspectos importantes são conclusivos sobre as causas da exploração sexual de
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crianças e adolescentes, dentre as quais se destacam as que parecem mais relevantes e que corroboram a lógica da masculinidade.
O sexo com pessoas menores de idade confere prestígio ao homem, que se sente revigorado ao praticá-lo, e lhe confere distinção frente aos outros homens, especialmente se a criança ou o adolescente for virgem;
A criança ou o adolescente é mais facilmente manipulável;
O corpo da criança/adolescente é visto como objeto passível de aquisição;
O sexo praticado principalmente com adolescentes é visto como direito do homem, pois seria parte do ser masculino;
Na concepção dos homens pesquisados, a idade da pessoa, ainda que seja menor, é irrelevante, pois o que vale é a sua compleição física. Sendo assim, evidencia-se, nesse pensamento, o conceito de “corpo mínimo” e não de “idade mínima”.
As conclusões apresentadas pelo estudo confirmam a lógica da masculinidade como elemento cultural determinante na existência e perpetuação da violência sexual que afeta crianças e adolescentes.
2.4 Dados e informações sobre a violência sexual
Embora não haja números oficiais que quantifiquem quantas crianças e adolescentes sejam vítimas desse tipo de violência ao redor do mundo, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que, anualmente, cerca de um milhão de menores de 18 anos sofram algum tipo de violência sexual. E, segundo pesquisas da área médica, 1 em cada 3 ou 4 meninas e 1 em cada 7 ou 8 meninos irá sofrer algum tipo de violência sexual até atingir 18 anos de idade (SADOCK apud AZAMBUJA et al., 2011).
Todo pedófilo é um abusador?
Não necessariamente. Pedofilia é uma doença, consta na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) e diz respeito aos transtornos de personalidade causados pela preferência sexual por crianças e adolescentes. O pedófilo, que pode ser um homem ou uma mulher, heterossexual ou homossexual, não necessariamente pratica o ato de abusar sexualmente de crianças e adolescentes. E nem todo abusador sofre do transtorno da pedofilia.
Por mais improvável que possa nos parecer, existem pedófilos que vivem uma vida inteira sem nunca tocar sexualmente em uma criança.
Fonte: Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes
No Brasil é possível se valer, como parâmetro de análise do problema, dos números de denúncias recebidos pelo Disque 100. O serviço, criado em 1997 por ONGs ligadas à defesa de crianças e adolescentes, passou a ser responsabilidade do governo federal em 2003. Com relação às denúncias, registra-se que foram recebidas 120 em 2004 e, só no primeiro semestre de 2015, esse número passou para 21 mil, sendo que mais
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de 4 mil diziam respeito à violência sexual contra crianças e adolescentes. Veja, a seguir, outros dados relacionados ao Disque 100.
Números do Disque 100
No ano de 2013, o Disque 100 recebeu e encaminhou 124.079 denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes. Desse total, 31.761 denúncias estão descritas em alguma modalidade de violência sexual.
Até novembro 2014, foram recebidas 88.091 denúncias relacionadas a crianças e adolescentes. Dessas, 25% informam casos de violência sexual. Considerando os números da violência sexual, 84% são denúncias de abuso sexual e 24% de exploração sexual.
No primeiro trimestre de 2015, o Disque 100 recebeu 21 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes, das quais 4.480 (21%) foram de violência sexual. Em 85% dos casos, a denúncia dizia respeito a abuso sexual.
No ranking das regiões que mais ofereceram denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2014 estão: Nordeste 30,7%; Sudeste 32,45 %; Sul 16,44 %; Norte 9,36 %; Centro-Oeste 10,41%.
Há ainda, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) vinculado ao Ministério da Saúde e em cuja base de dados são inseridas informações de doenças, agravos e eventos de saúde pública de notificação compulsória que fornecem ao Poder Público informações importantes para tomada de decisões e intervenções com o intuito de salvaguardar a vida da população.
Entretanto, os casos de abuso e violência doméstica só passaram a ser inseridos nesse sistema em 2009. Diferentes dos dados do Disque 100, que demandam ainda apuração para confirmação da violência e identificação da vítima e dos responsáveis, os números do Sinan oferecem dados mais concretos, nos quais a suposta vítima já se encontra identificada, oferecendo condições de uma intervenção mais rápida e requerendo ação imediata.
Assim, na medida da competência de cada órgão, é necessário acessar esses dados e baseados neles, estabelecer estratégias e rotinas de trabalho, para otimizar os recursos e oferecer proteção efetiva às crianças e adolescentes vítimas de violência.
No Mapa da Violência – Crianças e Adolescentes do Brasil 2012 está registrado, com dados extraídos do Sinan para o ano de 2011, 98.115 casos de violência doméstica/intrafamiliar, dos quais 39.281, ou seja, 40% atingiu pessoas entre <1 e 19 anos de idade.
2.4.1 Exploração sexual X Abuso sexual
Você estudou que a violência sexual é gênero, da qual o abuso e a exploração sexual são espécies.
Agora irá compreender a diferença existente entre os dois.
Na página da Organização Não-Governamental Childhood há um quadro muito esclarecedor com as principais diferenças entre a exploração sexual e o abuso sexual, observe:
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	Exploração sexual
	
	
	Abuso sexual
	
	
	
	
	
	
	
	
	Pressupõe uma relação de mercantilização, na
	
	
	
	
	
	qual o sexo é fruto de uma troca, seja ela
	
	
	Não envolve dinheiro ou gratificação
	
	
	financeira, de favores ou presentes
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	Crianças ou adolescentes são tratados como
	
	
	Acontece quando uma criança ou
	
	
	
	
	
	adolescente é usado para estimulação ou
	
	
	objetos sexuais ou como mercadorias
	
	
	
	
	
	
	
	
	satisfação sexual de um adulto
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	Pode estar relacionada a redes criminosasÉ normalmente imposto pela força física, pela
	
	
	
	
	
	ameaça ou pela sedução
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	Pode acontecer dentro ou fora da família
	
	
	Pode acontecer dentro ou fora da família
	
	
	
	
	
	
	
Fonte: Chilhood (ONG)
Segundo o Guia de Referência – Construindo uma Cultura de Prevenção à Violência Sexual da Childhood, o abuso sexual pode se dar com ou sem contato físico.
Abuso sexual sem contato físico
Abuso sexual sem contato físico normalmente envolverá o uso da violência psicológica, com ou sem coerção, tendo em vista que o consentimento da criança ou adolescente é irrelevante. E suas modalidades serão:
Abuso sexual verbal, que se materializará através de conversas (presenciais ou virtuais) sobre atividades sexuais, destinadas a despertar o interesse ou a chocar a criança ou o adolescente.
Exibicionismo, que será caracterizado pela exibição dos órgãos genitais ou pelo ato de se masturbar em frente a crianças ou adolescentes.
Voyeurismo, que é o ato de observar atos sexuais e os órgãos sexuais de outras pessoas quando elas não desejam ser vistas. Normalmente, a situação é muito perturbadora para a criança ou adolescente que se vê observado.
A pornografia (como abuso e não como subespécie da exploração) é considerada abuso sexual quando um adulto mostra material pornográfico à criança ou ao adolescente.
Abuso sexual com contato físico
Abuso sexual com contato físico corresponde a carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal. Essas violações possuem tipificação penal e, uma vez comprovadas, implicam na apenação do abusador. Nos casos mencionados de abuso sem contato físico, também é possível, se restar comprovado, a ocorrência do crime de Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218 - A do CPB).
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Importante!
Tanto o abuso quanto a exploração sexual podem acontecer dentro ou fora da família da vítima, contudo, vale destacar que os números de denúncias recebidas pelo Disque 100 indicam que os casos de abuso são mais recorrentes nas relações intrafamiliares.
Você sabe como proceder nos casos de suspeita de ocorrência de violência sexual ou outros tipos de maus tratos contra crianças e adolescentes?
Conforme previsão do art. 13 do ECA, o Conselho Tutelar da localidade deve ser notificado imediatamente.
Ressalta-se, ainda, que no art. 245 do ECA, há a previsão de infração administrativa para o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche que tenha conhecimento de maus tratos e não faça a comunicação à autoridade competente.
Para refletir..
“TJ considera prostituta e absolve fazendeiro”. (matéria disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2014/07/03/interna_brasil,514051/tj-considera-adolescente-prostituta-e-absolve-fazendeiro.shtml). Leia a reportagem e reflita sobre a situação colocada.
Em sua opinião, sem uma profunda mudança cultural é possível a modificação do quadro de violência contra crianças e adolescentes?
Finalizando...
Neste módulo, você estudou que:
A infância ficou ignorada por muitos anos, até começar a receber alguma distinção por volta do século XVIII, quando então, na Europa, começa-se a compreender que ela é uma fase de vida distinta das demais, merecendo, portanto, tratamento e atenção diferenciados;
No Brasil não foi diferente, desde o descobrimento até ao alcance da maturidade legislativa trazida pela Constituição da República em 1988, a infância era tratada ao sabor do pouco ou nenhum discernimento cultural no qual se vivia;
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, reafirma a previsão do art. 227 da Constituição e, em seus primeiros artigos, engloba o espectro da proteção integral, colocando a criança e o adolescente como centro das atenções no que diz respeito à proteção da pessoa humana, priorizando o atendimento de suas necessidades nas esferas privada e pública;
É importante entender que violência sexual é gênero, da qual são espécies o abuso e a exploração
sexual;
A violência contra crianças e adolescentes, principalmente a violência sexual, é multifatorial. Não
fruto de uma única causa, mas de uma soma delas. Envolve aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, apresentando raízes nas relações sociais de classe, gênero e etnia;
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Uma das diferenças entre exploração e abuso sexual é que a primeira pressupõe uma relação de mercantilização, na qual o sexo é fruto de uma troca, seja ela financeira, de favores ou presentes;
O abuso sexual pode se dar com ou sem contato físico;
Várias pesquisas sobre a violência sexual apontam sua origem na lógica da masculinidade, na cultura patriarcal, na qual as mulheres e as crianças são tidas como objetos de propriedade e de satisfação do homem.
Exercícios
Considerando a doutrina da proteção integral adotada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, leia atentamente os artigos abaixo.
CF - Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, ______________, exploração, violência, crueldade e opressão.
ECA - Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de ______________ e de dignidade.
ECA - Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à ______________, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Os termos suprimidos dos textos acima são, respectivamente:
liberdade; prioridade; distração
perversidade; saciedade; atenção
profissionalização; qualidade; igualdade
discriminação; liberdade; profissionalização
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De acordo com Cançado Trindade, as normas protetivas de crianças e adolescentes podem ser consideradas normas de Direitos Humanos, porque o Direito dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente na defesa:
da mobilização da sociedade
das barganhas da reciprocidade
dos ostensivamente mais fracos
de um equilíbrio abstrato entre as partes
A violência sexual é todo ato ou jogo sexual (homo ou heterossexual) entre adultos e criança ou adolescente que, por meio da estimulação sexual do infante ou do jovem, tem por finalidade:
indução da vontade da vítima
violação ao direito à sexualidade
obtenção da satisfação sexual do adulto
desestruturação da identidade da pessoa vitimada
Você concorda com a afirmação: “a pobreza é a principal causa da exploração sexual de crianças e adolescentes”?
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Gabarito
Resposta Correta: Letra D
Resposta Correta: Letra C
Resposta Correta: Letra C
Orientação de resposta: Quando abordamos o assunto, a causa que normalmente se relaciona como principal fator é a pobreza, entretanto, a pobreza não constitui, por si só, fator determinante para identificarmos a criança e/ou o adolescente como vítima em potencial de exploração sexual. Elementos culturais presentes emdeterminadas comunidades são, normalmente, mais relevantes no momento de identificar a vulnerabilidade de determinados grupos do que a falta de recursos materiais que possam envolvê-los.
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MÓDULO
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	ASPECTOS RELACIONADOS À EXPLORAÇÃO
	
	SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
	
	
Apresentação do módulo
(...)
Lembranças de minha infância
Que eu não queria lembrar!
Lamentos já tão distantes,
Que eu não posso sufocar!
(...)
Quem disse que a meninice é tempo de se cantar?
Correr, pular, sonhar e brincar? ... (ALBERTON, 2005, pg. 122).
Neste módulo você estudará mais especificamente os conceitos, as características, os fatores, as modalidades, as causas e os perfis (vítimas e exploradores) das pessoas envolvidas na exploração sexual de crianças e adolescentes.
Objetivo do módulo
Ao final do módulo, você será capaz de:
Conceituar, caracterizar e distinguir as modalidades de exploração sexual de crianças e adolescentes;
Identificar os perfis das possíveis vítimas e dos exploradores;
Identificar fatores de vulnerabilidade e risco para a ocorrência da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Estrutura do Módulo
Este módulo possui as seguintes aulas:
Este módulo está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – A exploração sexual de crianças e adolescentes: compreendendo a questão;
Aula 2 – Vítimas, exploradores e causas da exploração sexual de crianças e adolescentes.
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Aula 1 – A exploração sexual de crianças e adolescentes:
compreendendo a questão
1.1 Elementos do cenário
Em 1996, a humanidade avançou com a realização do I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescente. A partir daquele momento, criou-se um referencial teórico e uma agenda para a ação que deveria ser cumprida pelos países signatários com a finalidade de erradicar e punir severamente esse tipo de crime.
Bochi e Figueiredo, referindo-se ao evento, confirmam essa visão:
No mundo, o enfrentamento desse fenômeno ganhou maior impulso em 1996, quando foi realizado o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, em Estocolmo, na Suécia. O congresso teve como preocupação central construir um referencial que, estrategicamente, colocasse esse problema numa dimensão dialética, que permitisse um entendimento a partir dos pontos de vista histórico, cultural, econômico, social e jurídico. De acordo com a Agenda de Ação de Estocolmo, esse fenômeno pode ser compreendido como todo tipo de atividade em que as redes, os aliciadores e os clientes usam o corpo de um menino ou menina para tirar vantagem ou proveito de caráter sexual com base numa relação de exploração comercial e poder. A agenda também declara que o problema éum crime contra a humanidade. (2010, p.58)
Do conceito adotado pela Agenda de Ação de Estocolmo é possível extrair os seguintes elementos que, juntos, comporão o cenário para a configuração da exploração sexual de crianças e adolescentes:
Sujeitos (vítima, explorador e abusador);
Ação (exploração/abuso); e
Lucro.
Leal (2003, p.8) conceitua a exploração sexual de crianças e adolescentes correlacionando demanda e oferta agregadas por outros elementos constitutivos do fenômeno, o que guarda consonância com o conceito da Agenda de Estocolmo:
Uma relação de mercantilização (exploração/dominação) e abuso (poder) do corpo de crianças e adolescentes (oferta) por exploradores sexuais (mercadores), organizados em redes de exploração local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda).
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Fica, portanto, evidente que para ocorrer a exploração a relação de poder é indispensável. É o adulto, o mais forte, que se aproveita da fragilidade física e psíquica da criança ou adolescente e oferece-a como mercadoria no comércio sexual, e esse comércio somente ocorre porque há demanda.
1.2 Modalidades de exploração sexual
Para Costa e Leite (2005, p.4), “a exploração sexual inclui o abuso sexual, as diversas formas de prostituição, o tráfico e venda de pessoas, todo o tipo de intermediação e lucro com base na oferta/demanda de serviços sexuais das pessoas, turismo sexual e pornografia infantojuvenil.”
Na Agenda de Ação de Estocolmo, a exploração sexual comercial de meninos, meninas e de adolescentes é compreendida em quatro modalidades:
Prostituição Infantil*
Pornografia;
Exploração sexual no contexto do turismo;
Tráfico.
É necessário observar que o termo “prostituição infantil” está aqui utilizado, pois trata-se de cópia das modalidades conforme constam na Agenda de Estocolmo, mas é um termo em desuso e, em seu lugar deve-se utilizar “exploração sexual de criança e adolescente”.)
Estude a seguir, sobre cada uma delas.
Prostituição
Atividade do mercado do sexo na qual atos sexuais são negociados em troca de dinheiro, da satisfação de necessidades básicas (alimentação, vestuário, moradia) ou acesso ao consumo de bens e serviços. Trata-se de prática pública e visível utilizada amplamente em todas as classes sociais e justificada pelo mito machista de que a sexualidade masculina é incontrolável e é a profissão mais antiga do mundo. (CASTANHA, 2008, p.16).
A prostituição infantil é uma forma de exploração sexual comercial ainda que seja uma opção voluntária da pessoa que está nesta situação (…) As crianças e os adolescentes por estarem submetidos às condições de vulnerabilidade e risco social são considerados prostituídos (as) e não prostitutas (os). A prostituição consiste em uma relação de sexo e mercantilização e num processo de transgressão”. (CECRIA,1997).
válido ressaltar que, embora a classificação seja intitulada “prostituição”, quando falamos de adolescente (porque quando o assunto é sexo com menores de 14 anos é considerado crime por violência presumida), a vontade e o discernimento não estão plenamente desenvolvidos, por isso, não se pode considerar que fizeram a opção livre e consciente para o exercício dessa profissão.
Figueiredo e Bochi (2010) reforçam esse entendimento relembrando o posicionamento da ONG europeia Agência Internacional Católica para a Infância (BICE):
(...) quando se trata de crianças e adolescentes, que estão em processo de crescimento e desenvolvimento, a prostituição não pode ser entendida como qualquer outro trabalho, porque implica deteriorização física e psicológica da
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pessoa, afeta sua individualidade, sua satisfação sexual e sua integridade moral. Essa forma de troca de favores sexuais converte a pessoa prostituída em produto de consumo, organizado em razão dos princípios econômicos de oferta e da demanda (2010, p. 58).
oportuno mencionar a fala da Procuradora do Trabalho de Minas Gerais, Maria Amélia Barcks Duarte, prefaciando o Plano Nacional de Trabalho do Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho:
Para início de conversa, fique claro: crianças não se prostituem; crianças são prostituídas pela sociedade, pela pobreza dos seus pais, pela herança de violência doméstica, pela impunidade que campeia na legislação penal e nos tribunais brasileiros. A idade das crianças exploradas é cada vez menor, entre sete e dez anos. Além de explorar as necessidades econômicas das vítimas, os homens, na sua maioria, tiram proveito da vulnerabilidade social das meninas e adolescentes, que fogem da miséria de suas casas e dos maus-tratos de pais, padrastos, irmãos e das próprias mães. (...)
Essas meninas, chamadas de prostitutas por uma sociedade hipócrita, vendem a sua virgindade, a sua ingenuidade e a sua infância por um prato de comida, um pacote de bolacha, um chocolate, um caramelo, um tênisou um batom. Essas crianças, que nunca brincaram de bonecas, são violentadas em boleias de caminhão e abandonadas nas madrugadas frias das rodovias que transportam a riqueza do País. Os homens que usam essas meninas são pais de famílias que se apressam para proteger seus filhos das desgraças que os rodeiam. São indivíduos que fecham as portas de suas casas atemorizados com a violência dos bandidos. São caminhoneiros, vereadores, prefeitos, doutores, sacerdotes, cidadãos acima de qualquer suspeita. São homens em quem confiaríamos os destinos de nossas filhas.
Pornografia
A definição para esse termo é difícil porque os conceitos de criança e pornografia diferem de país para país e referenciam convicções morais, culturais, sexuais, sociais e religiosas que nem sempre se traduzem nas respectivas legislações. No entanto, atualmente a pornografia infantil é considerada pelos especialistas como “todo material audiovisual utilizando crianças num contexto sexual” ou, segundo a INTERPOL, é “a representação visual da exploração sexual de uma criança, concentrada na atividade sexual e nas partes genitais dessa criança”. Para os especialistas participantes do Encontro sobre Pornografia Infantil na Internet, realizado em maio de 1999 em Lyon, na França, significa “uma exposição sexual de imagens de crianças, incluindo fotografias de sexo explícito, negativos, filmes,
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projeções, revistas, vídeos e discos de computadores”. (FIGUEIREDO; BOCHI, 2010, p. 58-59)
A definição jurídica adotada em nosso país é dada pelo Art. 2 alínea c do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, adotado em Nova York em 25 de maio de 2000 e Ratificado pelo Brasil através do DECRETO Nº 5.007, DE 8 DE MARÇO DE 2004, que a descreve assim:
Pornografia infantil significa qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais.
Exploração sexual no contexto do Turismo
a inclusão da exploração sexual nas atividades econômicas da cadeia do turismo, envolvendo turistas nacionais e internacionais (demanda) e crianças, adolescentes e jovens de setores pobres e/ou excluídos (oferta). O turismo pode ser autônomo ou vinculado a pacotes turísticos que são vendidos aos clientes com serviço de prazer sexual incluído nas atividades de entretenimento. (...) Os serviços sexuais comercializados nas atividades econômicas do turismo é prostituição, que também, muitas vezes, está associado ao tráfico de pessoas para fins sexuais ou para o trabalho escravo. (CASTANHA, 2008, p.16- 17)
Tráfico de Pessoas para Fins Sexuais
A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;
(...)
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente
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Artigo; (Protocolo de Palermo, complementar à convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional)
Para refletir...
Se você investiu tempo assistindo ao filme “Anjos do Sol”, releia os conceitos acima e procure identificar cada uma dessas modalidades de exploração sexual comercial dentro da narrativa do filme. Estão todas lá. O pai que vende a filha. Aquele que compra como aliciador. O caminhoneiro que a transporta. O dono da boate que a mantém em cárcere privado. A cafetina que leiloa as meninas e a outra que explora a prostituição através da internet. Enfim, todas essas formas degradantes estão presentes nesse retrato fictício, mas inteiramente baseado na nossa realidade social.
As quatro modalidades de exploração conceituadas também estão presentes em todo o país, variando na forma de apresentação e na intensidade da ocorrência, de acordo com as características de cada região.
1.2.1 Mapeamento das modalidades de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes no Brasil
O Relatório final sobre a Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (2001) mapeou as cinco regiões do Brasil e identificou as principais modalidades de exploração sexual de crianças e adolescentes e suas formas de ocorrência, que são apresentadas a seguir.
Mapeamento das modalidades de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes no
Brasil
Norte
Exploração sexual (garimpos prostíbulos, portuária, cárcere privado, fazendas e garimpos);
Prostituição nas ruas;
Leilão de virgens.
Nordeste
Turismo sexual;
Exploração sexual comercial em prostíbulos;
Pornoturismo;
Prostituição de meninas e meninos de rua;
Prostituição nas estradas.
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Centro-Oeste
Exploração sexual comercial em prostíbulos;
Exploração sexual comercial nas fronteiras/redes de narcotráfico (Bolívia, Brasília, Cuiabá́e municípios do Mato Grosso);
Prostituição de meninas e meninos de rua;
Rede de prostituição (hotéis, etc.);
Prostituição através de anúncios de jornais;
Turismo sexual, ecológico e náutico;
Prostituição nas estradas.
Sudeste
Pornoturismo;
Exploração sexual comercial em prostíbulos/cárcere privado - Exploração sexual comercial de meninos e meninas de rua;
Prostituição nas estradas do Sudeste.
Sul
Exploração sexual comercial de meninos e meninas de rua/redes de narcotráfico;
Denúncia de trafico de crianças;
Prostituição nas estradas.
A análise do mapa permite inferir que a modalidade de exploração sexual apresentará variações de acordo com as características da região e será influenciada pelos componentes da economia local, bem como pelas questões culturais locais.
O aparecimento, o desaparecimento e a mudança das modalidades de exploração também são influenciados pelas variações da economia local.
1.2.2 Formas de expressão da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil
De acordo com o Relatório, a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil é categorizada em quatro formas de expressão, conforme atividade econômica:
Prostíbulo fechado
(...) prostíbulos fechados, principalmente onde há um mercado regionalizado com atividades econômicas extrativistas em garimpos e que se apresenta sob formas bárbaras, como cárcere privado, venda, tráfico, leilões de virgens, mutilações e desaparecimento. Prostituição nas estradas (postos de gasolina) e portos marítimos.
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Fonte: Relatório Final sobre a Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (2001)
Menores em situação de rua
(...) Violência sofrida por crianças e adolescentes em situação de rua. Geralmente saem de casa, onde foram vítimas de violência física e/ou sexual ou foram submetidas a situações de extrema miséria ou negligência e passam a sobreviver nas ruas usando o corpo como mercadoria para obter afeto e sustento. Trata-se, principalmente, de adolescentes do sexo feminino, sendo comum também, entre jovens do sexo masculino. Esta é uma situação observada nos grandes centros urbanos e em cidades de portemédio.
Fonte: Relatório Final sobre a Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (2001)
Turismo sexual
(...) Turismo sexual e a pornografia, principalmente nas regiões litorâneas de intenso turismo, como as capitais da Região Nordeste do país. É marcadamente comercial, organizada numa rede de aliciamento que inclui agências de turismo nacionais e estrangeiras, hotéis, comércio de pornografia, taxistas e outros. Trata-se de exploração sexual, principalmente de adolescentes do sexo feminino, pobres, negras ou mulatas. Inclui o tráfico para países estrangeiros.
Fonte: Relatório Final sobre a Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (2001)
Turismo portuário e de fronteira
(...) “Turismo portuário e de fronteiras, que acontece em regiões banhadas por rios navegáveis da Região Norte, fronteiras nacionais e internacionais da Região Centro-Oeste e zonas portuárias. Essa prática está voltada para a comercialização do corpo infantojuvenil e começa a desenvolver-se para atender aos turistas estrangeiros. Mas
a própria população local a principal usuária da prostituição de crianças e adolescentes, nas regiões ribeirinhas. Nos portos, destina-se, principalmente, à tripulação de navios cargueiros.
Fonte: Relatório Final sobre a Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (2001)
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Importante!
importante entender que na medida que as pesquisas e o próprio enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes amadurecem, os conceitos e terminologias vão se adequando. Assim,
embora apareça na literatura estudada termos como “Prostituição Infantil”, “Turismo Sexual” e “menor”, quando formos nos referir a crianças e adolescentes nesse contexto, devemos utilizar o termo “exploração sexual”, e ao invés de “menor”, devemos usar “criança e adolescente”.
De olho na realidade...
Você conhece a realidade da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na sua região? Pesquise a respeito e baseado nas modalidades apontadas acima, identifique as que ocorrem na sua cidade ou na região onde você trabalha.
Aula 2 – Vítimas, exploradores e causas da exploração sexual de crianças e adolescentes
2.1 O perfil das vítimas
As variações de incidência das modalidades de exploração sexual sugerem que a abordagem e o enfrentamento da questão, para se tornarem efetivos, devem levar em conta a diversidade em que esta se apresenta, pois o perfil das vítimas e dos exploradores poderá apresentar variações consideráveis que requisitarão abordagens distintas.
Identificar o perfil das vítimas de exploração sexual representa um passo muito importante, principalmente para a atuação preventiva no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.
As crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual carregam consigo o estigma que pesa sobre a infância, segundo o qual a criança e o adolescente são seres sem capacidade de expressão, são seres subalternos.
Corroborando esse pensamento Cordeiro e Coelho (2006) em pesquisa sobre origens e evolução do conceito de infância lecionam:
Recorrendo-se a definição da palavra infância, oriunda do latim infantia, significa “incapacidade de falar”. Considerava-se que a criança, antes dos 7 anos de idade, não teria condições de falar, de expressar seus pensamentos, seus sentimentos. Desde a sua gênese, a palavra infância carrega consigo o estigma da incapacidade, da incompletude perante os mais experientes, relegando-lhes uma condição
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subalterna diante dos membros adultos. Era um ser anônimo, sem um espaço determinado socialmente.
Ao serem representadas, principalmente através de pinturas, geralmente aparecia numa versão miniatura do adulto. Seus trajes não diferiam daqueles destinados aos já crescidos. Notamos trata-se de crianças pelo fato dessas figuras se apresentarem em tamanho reduzido, embora com rostos e musculatura de pessoas maduras (CORDEIRO; COELHO, 2006, p.884).
Ampliando o que você já estudou sobre a infância no módulo 1, Faleiros (1997) ressalta que sua conceituação se dá de acordo com os sistemas culturais vivenciados, sendo que a característica de incapacidade e obrigação de submissão daqueles que se encontram nesse período da vida até muito pouco tempo era legitimada inclusive juridicamente.
Nem sempre a infância foi vista como uma fase específica e própria da vida, e nem a criança sempre foi considerada um sujeito de direitos. Até recentemente, no limiar deste século, ela foi definida, inclusive juridicamente, como fase da incapacidade, da tutela, da menoridade, com as obrigações de obediência e submissão (FALEIROS, 1997, p.4).
Na atualidade, o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069/90, distingue a criança do adolescente pela idade: Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (grifo nosso). E, no art. 3º reconhece-os, titulares de direitos e, principalmente, de cuidados especiais dadas às condições de desenvolvimento físico e psíquico que se encontram, conforme já estudado anteriormente:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
As vítimas de exploração sexual de crianças e adolescentes serão, portanto, pessoas de até 18 anos incompletos, sendo consideradas crianças as que tenham até 12 anos incompletos e adolescentes os que estejam entre 12 e 18 anos.
Estabelecida a faixa etária das pessoas que são o centro deste debate é necessário indagar se existe um perfil que identificaria alguém como vítima em potencial da exploração sexual.
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Para refletir...
Existe um perfil de crianças e adolescentes que os tornariam mais propensos a serem vítimas de violência sexual, em especial de exploração sexual? Com o que você estudou até agora somado às suas experiências pessoais, anote em seu caderno (físico ou virtual) características que você considera como sendo “marcas” de vulnerabilidade para a ocorrência desse tipo de crime.
Alguns outros dados trazidos do Sinan* pelo Mapa da Violência contra Crianças e Adolescentes (2012)
ajudam a traçar o perfil das vítimas e merecem nossa atenção:
60,3% das vítimas de violência são do sexo feminino, mas se refinarmos a pesquisa especificamente para a violência sexual, as meninas (crianças e adolescentes) foram vítimas em 83,2% dos casos.
Em 63,1% dos casos, a violação de direitos ocorre na própria residência das vítimas.
31,8% dos atendimentos decorrentes de violação de direitos foram de vítimas reincidentes.
Das violências atendidas, 40,5% foram físicas e 19,9% sexuais. Nas violações sexuais, 30,3% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos; 28,3% entre 10 e 14 anos; 21,8% entre 1 e 4 anos; 10,9% entre 15 e 19 anos e 4,8% menos de 1 ano.
*Sistema de Informação de Agravos de Notificação
Das pesquisas apresentadas, verifica-se a predominância das vítimas do sexo feminino, fato que corrobora a vulnerabilidade feminina e a influência da cultura sexista.
2.1.1 perfil das vítimas na modalidade turismo sexual
A cartilha do Programa Turismo Sustentável e Infância (2007) traça um perfil das vítimas da exploração na modalidade turismo sexual:
É pobre, negra e mulher;
Tem baixa escolaridade;
Sai do interior do estado em busca de melhores condições de vida;
É vítima de vários tipos de violência (psicológica ou física).
A partirdos dados apresentados, conclui-se que qualquer criança ou adolescente, devido às fragilidades que as envolvem, podem ser vítimas de violência sexual. No entanto, em se tratando de exploração sexual, as meninas adolescentes e em situação de vulnerabilidade social estão mais expostas a serem vitimizadas.
2.2 Perfil dos Exploradores
Segundo o Guia de Referência da Childhood – Construindo uma Cultura de Prevenção à Violência Sexual (2009, p.39) analisando o perfil de indivíduos que praticam violência sexual contra crianças e
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adolescentes, as conclusões apontam que os violadores não são necessariamente pessoas que têm hábitos que os destaquem da população comum e permitam ser identificados com facilidade.
Estudos vêm apontando que o indivíduo que é adepto e/ou pratica pedofilia é aparentemente normal, inserido na sociedade. Muitos desenvolvem atividades sexuais normais com adultos, não têm uma fixação erótica única por crianças, mas são fixados no sexo. Portanto, o desejo independe do objeto. Costumam ser “pessoas acima de qualquer suspeita” aos olhos da sociedade, o que facilita a sua atuação. Geralmente, não praticam atos de violência física contra a criança. Agem de forma sedutora, conquistando a confiança da criança.
Considerando a pesquisa da Abrapia, realizada no triênio 2000-2003, o agressor aparece como sendo, em mais de 90% dos casos, do sexo masculino, e em mais de 80% dos casos com mais de 18 anos de idade, fixando-se a faixa etária preponderante entre 31 e 45 anos. Em um universo de 418 denúncias, dentro da mesma pesquisa, foi identificado que em 54,55% dos casos o agressor tinha vínculo familiar com a vítima.
Nos casos de violência ocorrida no âmbito extrafamiliar em 17% dos casos o abusador era vizinho; em 21% dos casos o abusador mantinha algum tipo de relação de poder com a criança ou adolescente (professor, babá, policial, médico, etc.) e em 45,32% dos casos eram mulheres ou homens que abusavam ou aliciavam a vítima para satisfação própria.
No Mapa da Violência contra Crianças e Adolescentes (2012), os pais biológicos aparecem como os principais violadores com 39,1% dos casos registrados, somando aos casos em que o autor da violência foi o padrasto ou a madrasta, eleva-se esse índice para 44,5% dos casos registrados pelo sistema de saúde. Se forem somados outros familiares e pessoas com vínculos afetivos, como namorados, chega-se a 52,8% dos casos. Só em 12,1% dos casos o agressor é um completo desconhecido.
Para refletir...
Que conclusão você tira sobre os dados e as informações apresentados?
2.3 Causas da exploração sexual de crianças e adolescentes
Identificar as causas da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes significa identificar as fragilidades que contribuem para que nossas crianças sejam vitimizadas. Quando se aborda o assunto, a causa que normalmente se relaciona como principal fator é a pobreza, entretanto, a pobreza não constitui, por si só,
fator determinante para identificarmos a criança e/ou o adolescente como vítima em potencial de exploração sexual.
Para Barros (2005, p.24), a associação da pobreza com a violência constitui uma perversidade, uma vez que, mais ainda se estigmatiza os pobres como seres perigosos. Segundo Soares apud Barros (op. cit) é mais
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provável que haja um entrelaçamento de fatores nos quais a pobreza se encontra imbricada, mas, ela, por si só e isoladamente, não pode ser apontada como causa da violência.
Tendo isso em vista, veja a seguir, os demais fatores que podem ser apontados como causa:
pobreza; (b) menor escolaridade; (c) menor acesso a oportunidades de trabalho;
(d) maior chance de sofrer o desemprego e o desamparo econômico e social; (e) angústia e insegurança; (f) depressão da autoestima; (g) alcoolismo; (h) violência doméstica; (i) geração de ambiente propício ao absenteísmo, à desatenção e à rejeição dos filhos; (j) vivência da rejeição na infância, o que fragiliza o desenvolvimento psicológico, emocional e cognitivo, rebaixa a autoestima, estilhaça as imagens familiares que serviriam de referência positiva na construção da identidade e na absorção de valores positivos da sociedade; (l) crianças e adolescentes com esse histórico tendem a apresentar maior propensão a experimentar deficiências de aprendizado (tanto por razões psicológicas quanto pelo fato de que as limitações econômicas dos pais impedem a oferta de acesso a escolas mais qualificadas, inclusive para lidar com essas deficiências e para estimular os alunos, valorizando-os); (m) dificuldades na família, na escola e pressão para o ingresso precoce no mercado de trabalho (mesmo que seja por uma participação intermitente e informal) tendem a precipitar o abandono da escola, sobretudo no contexto de desconforto e inadaptação, e de falta de motivação; (n) a saída da escola reduz as chances de acesso a empregos e amplia a probabilidade de que o círculo da pobreza se reproduza por mais uma geração; (o) configurando-se este quadro, aumentam as probabilidades de que o adolescente experimente a degradação da autoestima, especialmente se considerarmos o contexto social e cultural em que prosperam os preconceitos, o padrão da dupla-mensagem e as artimanhas da invisibilização (SOARES, 2004, p. 139).
Os fatores de risco existentes podem existir isoladamente em relação à criança ou envolver sua família, comunidade e mesmo a sociedade na qual vive. Elementos culturais presentes em determinadas comunidades são, normalmente, mais relevantes no momento de identificar a vulnerabilidade de determinados grupos do que a falta de recursos materiais que possam envolvê-los.
Várias dimensões devem ser analisadas para que se chegue às causas da violência sexual e, em especial, da exploração sexual de crianças e adolescentes. A obra Exploração Sexual Comercial de Meninos e Meninas e de Adolescentes na América Latina e Caribe (Relatório Final – Brasil) sugere o estudo de dimensões que contribuiriam para a ocorrência do fenômeno, categorizando-as da seguinte forma:
Histórico Estruturais (Capitalismo/Globalização) – que impactaria nas relações de trabalho, na geração de novas pobrezas, no aumento das desigualdades sociais, na construção da cultura de consumo, etc.;
Culturais (multiculturais) – estão inseridos os conceitos e preconceitos decorrentes de gênero, etnia e raça, e as interações sociais decorrentes da adoção desses conceitos e preconceitos;
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Psicossociais (comportamento) – o não reconhecimento e por conseguinte a não legitimação do grupo composto por crianças e adolescentes levaria a sociedade a excluí-los e estigmatizá-los, resultando em sua exclusão;
Legal – perpassa os aspectos de repressão, responsabilização e legislação, com seus mecanismos;
Valores (ética) – os valores adotados socialmente influenciam decisivamente sobre a forma como as relações pessoais e interpessoais se processam; dentro da cultura capitalista há uma mercantilização das relações sociais, que passam a ser regidas pela lógica do consumo;
Política (políticas públicas) – mobiliza a capacidade de resposta governamental e social na prevenção do fenômeno e na atenção dirigida às crianças e adolescentes.
Investigar as dimensões apresentadas, correlacionando-as aos casos verificados, facilitaria uma intervenção eficaz para fazer cessar a violência verificada e mudar o rumo da história das vítimas. Mas, para além dos casos em concreto, é preciso extrair lições para as ações de prevenção.
Na mesma linha de entendimento do fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescentes, o Training Manual to Fight Trafficking in Children for Labour, Sexual and Other Forms of Exploitation
enumera, exemplificando, fatores que devem ser estudados. São eles:
Individual;
Familiar;
Comunitário; e
Institucional.
Segundo o autor, esses fatores podem apresentar-se como fator de risco e colocar em vulnerabilidade determinada

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