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AT 1 2 32 S U M Á R IO 3 UNIDADE 1 – Introdução 6 UNIDADE 2 – Os antecedentes históricos das políticas públicas sociais 20 UNIDADE 3 – Políticas públicas para saúde 34 UNIDADE 4 – Políticas públicas para educação 37 UNIDADE 5 – Políticas públicas para habitação 42 UNIDADE 6 – A política social do século xxi – A transferência de renda 44 REFERÊNCIAS 2 33 UNIDADE 1 – Introdução Destinado aos profissionais graduados em Serviço Social, Educação, Psicologia, En- fermagem e demais áreas afins, o curso de especialização tem como objetivo, propor- cionar novos conhecimentos que envolvem práticas de gestão, elaboração e viabilidade de projetos voltados para a área social (saú- de, educação e habitação), qualificar para o magistério superior, levando o profissio- nal a uma formação humanística através da disciplina tópicos especiais em trabalho e educação, sendo críticos e reflexivos em sua prática, além de receber subsídios para elaboração de trabalhos científicos. O profissional que deseja atuar no serviço social deve lembrar que é chamado a inter- vir nos segmentos urbanos, rurais, indus- triais e religiosos da sociedade, através de uma ação planejada, buscando o bem-estar das pessoas, ensinando-as a agir com inte- ligência e bom senso frente à realidade da vida. Sua atuação é ampla e passa pela vida familiar, trabalho, educação, saúde, lazer, Organizações Não Governamentais (ONGs), promoção e previdência privada. Segundo FAPSS (2009), o profissional do Serviço Social estuda a realidade social dos usuários para propor medidas e benefícios que venham ao encontro de suas necessida- des. Cabe ao profissional de Serviço Social informar aos cidadãos sobre os programas sociais disponíveis e democratizar o acesso a esses programas. Quanto aos Assistentes Sociais, estes trabalham em instituições públicas e particulares, visando a melhoria das condições de vida dos usuários, através de programas implementados. Evidentemente que uma das razões de ser da profissão reside na necessidade de ajudar a combater o grave problema social existente em vários países do mundo, inclu- sive no Brasil onde a questão social é séria, complexa, antiga e desafiadora não só para quem governa o país como para todas as classes sociais, uma vez que a desigualdade tende a distanciar as pessoas, torná-las por um lado egoístas e por outro, revoltadas, o que cria uma bola de neve, um círculo vicio- so que precisa ser analisado e tratado com igual seriedade e atenção. Seria muita utopia querer acabar radi- calmente com as desigualdades sociais em países em desenvolvimento como o Brasil, visto que nem em países economicamente estáveis e ricos, ou em países onde o siste- ma econômico-político-social é diferente do capitalismo ou adeptos de doutrinas como neoliberalismo atual (a grosso modo), po- dem ser considerados países onde prevale- ce a igualdade social. Sensibilidade por par- te da população em relação aos problemas causados pela desigualdade existe, von- tade de mudar, com certeza, não falta, ins- piração também não, entretanto é preciso reorganizar desde questões orçamentárias (elaborar pensando numa justa distribuição de renda) até mobilização social. Enfim, o caminho que leva a igualdade e dignidade entre as pessoas é longo! Para colaborar com os conhecimentos necessários para se tornar especialista em Serviço Social, esta apostila apresenta um pouco da história das políticas sociais ado- tadas pelo Brasil, tomando como ponto de partida a chegada da industrialização no país, por volta dos anos 30, além de levar 4 54 o leitor a refletir criticamente (sem fazer apologia ou sair em defesa a teorias ou doutrinas políticas) sobre as políticas volta- das para saúde, educação e habitação, não esquecendo que segurança pública, lazer, seguridade também são extremamente im- portantes para o desenvolvimento saudá- vel de um país. Assim, identificar os antecedentes his- tóricos das políticas sociais, compreender as políticas brasileiras específicas para as áreas de educação, saúde e habitação e re- fletir sobre a política social do século XXI – a transferência de renda – através dos pro- gramas sociais são os objetivos principais desta apostila. No contexto atual em que a educação é vista como chave para o desenvolvimento, voltada para a competência, produção de trabalho e riqueza, o papel do Estado tem sido o de racionalizar o sistema educacional para otimizar os resultados, como veremos no capítulo sobre o rumo que tomaram as políticas públicas voltadas para educação. Em relação a saúde, é muito pertinente promover uma retrospectiva histórica para percebermos que os avanços foram consi- deráveis, mas ainda há muito a se construir. A história das conquistas, dos avanços, das dificuldades e dos desafios em relação à promoção da saúde no Brasil, vem sendo construída ao longo de décadas e perpassa por conceitos relacionados aos programas, ações, projetos, agentes comunitários de saúde, dentre outros, os quais formam uma imensa rede interligada e ao mesmo tempo descentralizada. Para falarmos das políticas públicas de habitação, nosso ponto de partida será o período de 1889 a 1930, denominado de República Velha, onde tanto a história como a literatura nos mostram que as iniciativas do governo para produzir habitação ou re- gular o mercado era praticamente nulo, mas há que se constatar o problema do déficit habitacional persistente nos tempos atuais. De acordo com Santos (1999) e Morais (2000), a habitação é um bem com algumas características que indicam a necessidade de uma forte intervenção do Estado. É um bem de primeira necessidade, que depende do dispêndio de valores monetários expres- sivos. A Pesquisa Nacional de Amostragem Do- miciliar PNAD (2001) mostra que no Brasil, 4% da população morava em favelas, na mais absoluta informalidade e amplamente desprovida de infraestrutura urbana com acesso restrito a serviços públicos de saú- de, educação e transporte. Enfim, como diz Silva (2009), a imple- mentação de Políticas Públicas quer uma disseminação do conhecimento com a ga- rantia de acesso das pessoas aos recursos tecnológicos, garantia de motivação para a participação e demanda não só o investi- mento adequado, mas também a existên- cia de pessoal habilitado a lidar com tais ferramentas para que tais ações possam ser concebidas realmente como públicas. Política pública refere-se, portanto, à ação dos governantes que detêm a autoridade e o poder para dirigir a coletividade organiza- da, bem como às ações da coletividade em apoio ou contrárias às autoridades gover- namentais. Salientamos que esta apostila é uma compilação de tópicos que acreditamos se- rem importantes para o conhecimento dos profissionais que estão se especializando 4 55 em Serviços Sociais, mas ressaltamos que a literatura é vasta, portanto, sugerimos que busquem sanar lacunas e aprofundamento através das referências bibliográficas dis- ponibilizadas no final e, por fim, vale lembrar que o ser humano é complexo, os caminhos percorridos assim como as ideias e pontos de vistas podem ser diferentes e divergen- tes, o que não invalida o objetivo final que é ver a igualdade e a dignidade prevalecendo no nosso meio. 6 76 UNIDADE 2 – Os antecedentes históri- cos das políticas públicas sociais A apresentação dos antecedentes his- tóricos das políticas públicas sociais re- quer um mínimo de conhecimento sobre Política Pública, portanto, de acordo com Wilson (2000 apud Costa, 2003), pode- mos definir simplesmente como um con- junto específico de ações governamentais que irão produzir determinados efeitos. Essas ações abrangem o significado ou a interpretação de um determinado proble- ma percebidopor vários agentes. Dessa forma, são formuladas propostas para alterar a situação inicial a partir de con- sequências antecipadas daquelas ações. Ela também pode ser entendida como um conjunto de ações conduzidas por um ator, ou um conjunto de atores, referen- tes a um determinado problema que, nos modernos Estados democráticos, busca legitimidade. Para Silva (1999), essas ações são ra- cionalmente formuladas visando alcançar determinados resultados por meio de sua implementação, na forma de projetos, de programas ou políticas. Essas atividades são intervenções que se caracterizam, segundo Contandriopoulos et al. (1997, p. 31), por um “conjunto dos meios (físicos, humanos, financeiros, simbólicos) orga- nizados em um contexto específico, em um dado momento, para produzir bens ou serviços com o objetivo de modificar uma situação problemática”. Conforme esse autor, as intervenções têm cinco compo- nentes: contexto preciso de um dado mo- mento; objetivos; recursos; serviços, bens ou atividades e efeitos. O ciclo até chegar a uma política públi- ca, a grosso modo, poderia ser: a) identi- ficar o problema; b) formular a política; c) implementar ações e d) avaliar. a) A identificação do problema ou for- mação da política é a constituição de agen- das, a conformação do campo de interes- ses e a explicitação das alternativas (Silva, 1999). Essa etapa envolve todo o saber, a experiência acumulada pelas instituições e pelos grupos de interesse e também de um determinado diagnóstico. Esse é um dos aspectos problemáticos, pois os diag- nósticos podem estar apoiados em infor- mações insuficientes ou inadequadas, o que comprometeria o processo como um todo. A qualidade do diagnóstico é, pois, essencial para se identificar problemas realmente pertinentes. Além de informa- ções inadequadas, os diagnósticos podem incorporar pontos de vistas políticos que comprometam ou que conduzam a iden- tificação de falsos problemas (COSTA, 2003); b) A partir da identificação do problema que se pretende resolver, são construídas alternativas de políticas para solucioná-lo ou mitigá-lo e, dentre essas, tomada a de- cisão sobre qual é a mais adequada. Para Dunn (1981 apud Costa, 2003), a formu- lação envolve o desenvolvimento e a sín- tese dessas soluções alternativas, sendo uma atividade basicamente teórico-con- ceitual. As questões relativas à natureza do problema, como um correto entendi- mento do problema e a definição de obje- tivos adequados para resolvê-los são as- pectos centrais nessa fase da política. Um grande perigo nessa fase passa por saber 6 77 se está ou não, escolhendo a alternativa correta. A formulação é baseada em um diagnóstico prévio e em um sistema ade- quado de informações, quando são defi- nidos as metas, os recursos e horizonte temporal da atividade de planejamento, definindo-se a estratégia da implemen- tação. Neste momento, as propostas ga- nham forma e estatuto de política e se transformam em programa, quando são criadas as ‘condições iniciais’ que antece- dem sua implementação. c) A implementação é “um conjunto complexo de relações entre formuladores e implementadores e entre implementa- dores situados em diferentes posições na máquina governamental” (Silva, 1999, p. 12). Ainda segundo esse autor, essa eta- pa “corresponde à execução de atividades que permitem que ações sejam imple- mentadas, com vistas à obtenção de me- tas definidas no processo de formulação das políticas”. Essa é uma atividade práti- ca, onde a escolha de ações e a verifica- ção de sua adequação, ao longo do tempo, são preocupações centrais (Dunn, 1981 apud Costa, 2003). É importante ressaltar que as perspectivas político-ideológicas e os interesses entre os diversos atores ou grupos de interesse envolvidos nesse processo, em geral, não são convergentes. Deste aspecto decorrem as alterações no curso da política, em relação à sua formu- lação. Silva (1999, p. 12) identifica vários fatores que contribuem para a distância entre formulação e implementação: Recursos, prioridades e a influência relativa dos agentes encarregados da im- plementação frequentemente mudam; Os interesses e a influência dos gru- pos de interesse de um dado programa podem mudar entre o momento da formu- lação e o da implementação, mudando sua disposição em colaborar; Decisão dos próprios agentes imple- mentadores. Os implementadores devem seguir a orientação da autoridade central, mas por vários fatores isso pode não ocor- rer ( por desconhecimento dos objetivos, discordância das prioridades – burocráti- cas, clientelas, grupos de interesse – inca- pacidade fiscal e administrativa); Desconhecimento ou discordância do desenho do programa; Impossibilidade do implementador de desempenhar as funções que deveria; e Necessidade de adaptação do dese- nho por aspectos não previstos na formu- lação. Há, dessa forma, uma margem razoá- vel de decisão na implementação, o que aufere aos seus responsáveis uma enor- me autonomia. Segundo Dunn (1981, p. 339 apud Costa, 2003), enquanto o mo- nitoramento é um procedimento para produzir informações sobre as causas e consequências de políticas, a avaliação “é um procedimento analítico de política, usado para produzir informações sobre a performance ou desempenho de políticas na satisfação de necessidades, valores ou oportunidades, que constituem um pro- blema”. Em um sentido mais específico, avaliação se refere à produção de infor- mações sobre os valores ou méritos dos resultados de uma política. Para Contrandiopoulos et al. (1997), a partir dos objetivos de uma política é pos- sível avaliar se ao ser implementado o pro- grama: (a) produziu ou não os resultados 8 98 e em que grau; e também (b) o modo pelo qual os resultados, esperados ou não, fo- ram alcançados. A primeira avaliação diz respeito aos resultados e a segunda ao processo ou à implementação. De acordo com Silva (1999), o primeiro tipo de ava- liação é realizado a partir da pergunta: “em que medida os resultados esperados fo- ram atingidos com sua implementação?” E a questão que interessa ao segundo tipo é: “como o programa funciona e quais os mecanismos que o fizeram atingir tais re- sultados?”. Breve retrospectiva histórica As políticas destinadas ao atendimento das necessidades básicas principalmente da população mais pobre, agrupadas sob o rótulo de políticas sociais, não chegaram a ocupar ao longo da história papel de des- taque nos planos de governo e nas dota- ções orçamentárias, quadro também que se fez presente na década de 80. Quando o assunto é política pública so- cial e após consultar vários autores como Faleiros (2008); Silva, Yasbek, Giovanni (2008); Bonduki (2004), podemos de- marcar o seu início, na década de 1930, mas como é de praxe, faremos um breve resumo histórico da evolução das políti- cas sociais no Brasil, buscando facilitar o entendimento das enormes deficiências observadas no início dos anos 90. Os movimentos sociais que emergiram no contexto brasileiro do século XIX ca- racterizaram-se, essencialmente, pela inexistência de algum projeto político e social que lhes dotasse de unidade históri- ca quanto às estratégias de intervenção e à base social na qual se apoiavam. É certo, porém, que todos os principais movimen- tos sociais surgidos naquele século pos- suíam entre suas causas a contestação às condições sociais de vida que se degrada- vam e a reivindicação por mudanças que proporcionassem sua melhoria. Bandeiras políticas relativas a um pro- jeto de independência nacional ou à con- quista de áreas territoriais na fronteira brasileira tinham sua base social ampliada à medida que se encontravam associadas a reivindicações sociais da população da época. A influênciadas transformações políti- cas no contexto internacional também se fazia sentir na motivação dos movimen- tos sociais do país, especialmente por in- termédio de membros da elite agrária que retornavam da Europa, os ideais liberais da República Francesa chegavam ao Bra- sil e compunham o substrato de legitima- ção dos movimentos sociais emergentes. Gohn (1995) contabiliza para o período da primeira metade do século XIX, o número de quarenta e duas lutas sociais impor- tantes que, entretanto, por aglutinarem em sua base social segmentos muito di- versificados, não logravam constituir um projeto de transformação política e social, devido, especialmente, à dificuldade de superar as divergências entre interesses imediatos dos segmentos envolvidos. Mas, em todos eles, a sustentação do pro- pósito de independência política e finan- ceira do país em relação a Portugal e os ideais de liberdade e igualdade encontra- vam-se condicionados à incorporação de reivindicações concretas de melhoria das condições sociais de vida no Brasil. Dentre as principais lutas e movimen- tos sociais da época, três episódios mere- cem ser destacados pela abrangência de 8 99 sua base social – composta por militantes oriundos das classes subalternas, traba- lhadores e escravos, por estudantes, in- telectuais e outros membros da burguesia em ascensão – e pela importância de suas repercussões no período que lhes suce- deu: a) O movimento da Cabanagem que, durante dez meses, entre os anos de 1835 e 1836, sucedeu no Pará, chegando a ins- tituir um governo local próprio que Gohn nos descreve como o primeiro “governo popular de base índio-camponesa da his- tória do Brasil no período imperial”; b) A Revolução Farroupilha, transcor- rida no Rio Grande do Sul, que perdurou por dez anos, entre 1835 e 1845, denomi- nada pelos que dela participaram “Guerra dos Farrapos”, remetia sua identificação à grande massa de homens livres pobres que constituíam sua base social e que vislumbravam na deposição do Governo Provisório o meio de superação de sua condição de vida marcada pela pobreza e miséria social; c) A Revolução Praieira, levante político organizado pelo “Partido da Praia” em Per- nambuco, entre os anos de 1847 e 1849, que agregou elites intelectuais e políticas e uma importante participação popular na oposição ao Governo Imperial, propondo já naquela época a realização da reforma agrária e o fim dos latifúndios rurais. Ao destacarmos esses três movimen- tos, segundo Rizotti (2001), deve-se res- saltar como as aspirações por melhorias na qualidade de vida surgiam associadas, em primeiro lugar, aos ideais de consoli- dação de regimes mais democráticos no país e de libertação do regime econômico de exploração colonial – a independência política e econômica de Portugal apresen- tando-se como modo de constituição de um governo próprio, que governasse para os brasileiros e em defesa dos interesses nacionais – e, em segundo lugar, às pro- postas de transformações de base na eco- nomia nacional com realização de reforma agrária e mudança da estrutura produtiva local. Essa dupla associação constitui de- monstração irrefutável da identificação da base social dos movimentos analisa- dos. Conforme Rizotti (2001), a exemplo do período que a antecedeu, a última me- tade do século XIX também foi palco da emergência de um grande número de lu- tas políticas e sociais no Brasil. De fato, nos últimos cinquenta anos do século XIX, registraram-se aproximadamente seten- ta movimentos sociais, das mais diversas origens, que possuíam como estratégias características um amplo leque de ações, abrangendo desde a associação para a prestação de socorro mútuo no âmbito corporativo ou étnico, até as reivindica- ções pelo fim da escravatura e pela pro- clamação da República. É certo que as exigências do contexto político nacional e internacional fizeram estas últimas lutas possuírem maior destaque na história na- cional. Segundo Rizotti (2001), as análises nos levam igualmente a verificar a preocupa- ção com as condições de vida das classes subalternas que encontravam-se presen- tes nesses movimentos de forma mul- tifacetada, reivindicações de reformas econômicas, ora pela apresentação de reivindicações sociais da população, ora pela composição da base social de militan- 10 11 tes que engrossavam suas fileiras. Nes- se particular aspecto, Canudos constitui o exemplo maior da associação de várias dessas expressões: com o movimento de contestação ao domínio dos latifundiários e de reivindicação da resolução da ques- tão agrária aliava, também, preocupações com o socorro aos pobres e inválidos e com a superação das condições de miséria que caracterizavam a vida da massa pobre sertaneja, da fome em especial – e não era sem razão que o Conselheiro evocava, em suas pregações, as imagens de um mundo de fartura que deveria suceder o fim da luta. Esse período demarca o momento a partir do qual as reivindicações populares, expressas nos movimentos sociais, pas- saram a ser respondidas através de ações assistenciais que, a despeito de seu cará- ter pontual, introduziam na pauta política do país a questão da desigualdade social. Além disso, já se pode localizar, no perío- do, o surgimento consistente de organi- zações da sociedade civil que se destina- vam a prover serviços de atendimento às demandas sociais da população. Mas o princípio do século XX seria real- mente o período durante o qual essas or- ganizações proliferariam. Brasil o período de uma dupla transformação. De um lado, o fim do regime escravocrata enfraque- cera o domínio político e econômico das antigas oligarquias rurais, promovendo o surgimento de uma nova classe de se- nhores, cujo principal interesse na cena política nacional foi adequadamente ex- presso na política do “café com leite”; mas a fragilidade política das novas oligarquias dominantes seria logo evidenciada pelas ações dos novos movimentos sociais que surgiam como desestabilizadores do es- tablishment constituído. De outro, o cres- cimento das cidades modificava o perfil da população e acelerava o crescimento das carências urbanas no país. Para Rizotti (2001), a natureza des- sa dupla transformação permite explicar adequadamente a origem e o desenvolvi- mento das novas lutas sociais que domi- naram o cenário político do país naquele momento. Os movimentos sociais que surgiam caracterizavam-se por reunir, sob uma única bandeira, a reivindicação de ampliação dos direitos de cidadania no país e o objetivo de conquista do poder políti- co no aparelho de Estado. É este também um período no qual as filosofias políticas revolucionárias, de inspiração socialista e anarquista, ganham expressão através da organização de trabalhadores recrutados dentre as fileiras de imigrantes que ha- viam chegado ao país desde a década de 1910. De acordo com Gohn (1995), no ano de 1914, na cidade do Rio de Janeiro, saques a casas comerciais colocavam em evidên- cia a luta contra a carestia levada a termo pelos movimentos populares da época. A expressão política desses movimentos tornou-se ainda mais evidente com sua unificação no Movimento Contra a Cares- tia de Vida, que alcançou repercussão em várias das cidades mais importantes do país e culminou com a realização, na ca- pital da República, do comício contra a ca- restia que reuniu mais de dez mil pessoas. Em 1917, o movimento de trabalhado- res organizados promoveu em São Paulo um conjunto de grandes manifestações, culminando com a deflagração de uma greve geral que reivindicava a redução 10 11 da jornada de trabalho para oito horas e a regulamentação do trabalho feminino e infantil. Em 1925, eclodiu no Rio Grande do Sul a Coluna Prestes que encontrariaampla base social para crescer no interior do país e, nos dois anos seguintes, percorreria o Brasil organizando levantes populares contra a deterioração das condições so- ciais de vida e reivindicando a criação de direitos civis e políticos, tais como a ins- tituição do voto secreto, a extensão do direito de voto às mulheres e o respeito à liberdade de imprensa. Não obstante o relativo sucesso dos movimentos populares surgidos naquele momento – cuja mais expressiva vitória parece ter sido a organização do movi- mento sindical nos principais centros do país, com o surgimento de comitês de fá- brica que se mostraram eficazes na mobi- lização dos trabalhadores para reivindica- ção de melhorias salariais e de condições de trabalho – poucos avanços se fizeram sentir na organização dos serviços sociais demandados pela população. Como afirmamos anteriormente, o perí- odo foi marcado pela proliferação de orga- nizações corporativas e de auxílio mútuo, fazendo os serviços criados dependerem quase que exclusivamente de gestões de cunho privado e filantrópico, cuja ação de maior relevância pode ser registrada nas iniciativas das Santas Casas no campo da saúde e da assistência. Da parte do Estado, as iniciativas de- senvolvidas restringiram-se ao surgi- mento de novos elementos na legislação que regulava o trabalho assalariado e na edição do Código de Menores que pas- sou a regular pelo viés da repressão ins- titucional as ações destinadas à infância no país. A esse respeito, Oliveira (1989, p. 109) assinala, apropriadamente, como a ausência do Estado no provimento de políticas sociais nessa época decorreu da inexistência de organização política sufi- cientemente expressiva dos segmentos específicos que a demandavam: a política social relativa à prestação de serviços que se refere às demandas gerais da popula- ção (saúde, educação, saneamento, entre outras), como não tinha grupos específi- cos que a demandasse, foi delegada a se- gundo plano na agenda social do governo, haja vista o reconhecimento social de gru- pos profissionais. De acordo com Rizotti (2001), apenas na década de 1930 o país seria palco de importantes transformações no papel desempenhado pelo Estado para a propo- sição de alterações no campo de direitos sociais no Brasil. O regime surgido da Re- volução, ao contrapor-se em suas táticas de domínio às oligarquias regionais tradi- cionalmente instaladas no poder, requeria a constituição, pela primeira vez levada a termo no Brasil, de um projeto político nacional que estendesse a ação do poder central a todas as regiões do país. Naturalmente, a ação do governo cen- tral teria de afirmar-se por meio de artifí- cios múltiplos que fossem capazes de evi- denciar o novo papel desempenhado pela União, ao mesmo tempo em que ofuscava a proeminência dos governos regionais. Para tanto, o novo regime utilizou-se do expediente de encerrar o regime político enquanto, concomitantemente, buscava difundir sua presença por meio de políti- cas públicas diretamente operadas pelos 12 13 órgãos centrais do poder. A questão social seria trazida, gradativamente, para o cen- tro da ação política do Estado. A forma de operar tal mudança estaria estreitamente associada aos novos me- canismos de organização do poder instau- rados pela Revolução vitoriosa. Para garantir a eficácia do ordenamen- to político central no nível local, o meca- nismo das interventorias, sendo de nome- ação imediata do Presidente da República e consistindo num permanente rodízio de governantes regionais, monitorado pelo poder central, mostrou-se de imediato apropriado para os propósitos do governo getulista. Impedidos que estavam de ganhar a ex- pressão política anteriormente possuída pelos coronéis e governadores do interior do país, os interventores possuíam seu prestígio e sua importância política dire- tamente vinculados ao sucesso alcançado na implementação das novas ações go- vernamentais das quais estavam incum- bidos. Por sua vez, as atribuições próprias das interventorias proporcionavam-lhes realizar um governo centralizador que po- deria, rapidamente e com grande eficácia, executar as novas formas de intervenção do Estado na vida política e social do país. Na esfera nacional, o principal proble- ma do novo governo residia na necessi- dade de legitimar-se rapidamente em to- das as regiões do país, a fim de impedir o ressurgimento das oligarquias regionais não-aliadas. A ação governamental que perseguiu tal propósito apontará para o desenvolvimento de grandes planos na- cionais que vão responder de diversas formas às demandas sociais da classe tra- balhadora do país. Desse modo, de um lado, o Estado pro- porcionaria o desenvolvimento econômi- co, aliando-se ao processo de industria- lização; de outro, produziria um amplo processo de respostas ao agravamento das condições de vida com a realização de ações de intervenção direta nas condi- ções de reprodução da força de trabalho no país. Neste momento, as bases da po- lítica social brasileira seriam construídas de acordo com a marcha da modernização com a qual o país se encontraria, a partir de então, comprometido. Em síntese, podemos afirmar que a busca da legitimidade política e a neces- sidade de constituição de um projeto po- lítico nacional eram naquele momento os principais elementos a impulsionar a ação governamental na área das demandas so- ciais. As inovações produzidas nas áreas da Educação e da Cultura, com a institui- ção da obrigatoriedade do ensino funda- mental e a participação governamental na produção e disseminação de bens cul- turais de caráter nacionalista, constituem exemplos da nova disposição do Estado em interferir nas respostas às carências sociais historicamente consolidadas no país. Na outra ponta, a iniciativa de im- plementação de uma legislação trabalhis- ta de abrangência nacional modificava o conjunto de relações de trabalho no Bra- sil, embora sua eficácia estivesse ainda limitada ao conjunto dos trabalhadores urbanos. De acordo com Rizotti (2001), o enfren- tamento à questão social havia se torna- do, definitivamente, uma bandeira e uma necessidade do regime pós-revolucioná- rio na década de 1930: o caminho ao po- 12 13 der galgado pela nova elite emergente re- queria, ainda que de modo centralizador e seletivo, a ação social do Estado para proporcionar a qualificação da força de trabalho e o desenvolvimento econômico correspondentes ao processo de indus- trialização que se instaurava no país. As políticas sociais iniciadas a partir da década de 1930 destinaram-se então a permitir alcançar, concomitantemente, os objetivos de regulação dos conflitos surgidos do novo processo de desen- volvimento econômico e social do país e de legitimação política do Governo. Para compreendermos como isso se tornou possível, faz-se mister relacionarmos os novos serviços sociais realizados pelo po- der público às emergentes necessidades de reprodução e qualificação da força de trabalho nacional. Com efeito, a política de substituição de importações iniciada pelo governo ge- tulista sustentava-se na introdução no país de um padrão tecnológico exterior à dinâmica econômica nacional que, se de um lado proporcionava a modernização das formas tradicionais de produção e a rápida criação de um eficiente parque in- dustrial, de outro encontrava à sua dis- posição fartos contingentes de força de trabalho, cuja qualificação não correspon- dia à requerida e cujo volume era dema- siadamente superior ao demandado pelas indústrias que surgiam. Conforme Rizotti (2001), como resulta- do dessa inadequação inicial, a integração da força de trabalho ao setor produtivo ocorreria de forma parcial, e sua maior consequência consistiria na cisãodo mer- cado de trabalho urbano, resultando, de um lado, em uma elite operária integrada ao moderno parque produtivo e, de outro, em amplo conjunto de trabalhadores, cujo precário vínculo empregatício tornava im- praticável à efetiva integração econômica e social. Ao mesmo tempo, as caracterís- ticas políticas do regime influíam negati- vamente na possibilidade de organização política dessa nova classe social urbana, chegando a ocorrer apenas nos maiores centros urbanos do país a organização da atividade sindical eficaz e da luta política operária por melhores condições de vida e de trabalho. A descrição apresentada acima por Ri- zotti (2001) explica porque as políticas sociais nascidas no período não surgiriam determinadas diretamente pelas deman- das populares expressas nos movimentos sociais da época, mas encontrariam sua origem na iniciativa estratégica do Esta- do. Respondendo à necessidade seletiva de garantia apenas parcial das condições básicas de reprodução da força de tra- balho no país, o Estado desempenhava o papel de guardião dos interesses da nova elite industrial e, ao mesmo tempo, inter- feria nas possibilidades de organização política reivindicatória, sempre presente devido à intensificação das relações de trabalho assalariado. Foi da ação centralizadora do Estado que surgiram as iniciativas de intervenção social consolidadas desde então, tal qual a ordem social competitiva que se instau- rava, as políticas sociais que lhes davam parte da sustentação necessária conver- giam para a integração apenas parcial da força de trabalho nacional. Ao lado da resposta privativista, a questão social no Brasil produzia, a par- tir de então, a ação estatal seletiva como 14 15 forma de manipulação econômica e con- trole político das massas de trabalhadores urbanos. De acordo com Kugelmas e Almeida (1987), a Constituição Federal de 1934, primeira constituição do país a possuir um capítulo referente à ordem econômica e social, foi também pioneira na definição de responsabilidades sociais do Estado. Entre as novas iniciativas governamen- tais no campo das políticas sociais foi ins- tituída a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante. Seu texto final incluiu ainda temas como o salário míni- mo, a jornada de trabalho de oito horas, o repouso semanal remunerado, o direito a férias anuais, a indenização em caso de demissão sem justa causa, a aposentado- ria por idade, invalidez ou acidente de tra- balho, a concessão de pensão aos depen- dentes por morte do trabalhador, além de outras medidas de caráter preventivo que, sob responsabilidade da União, dos Estados e dos municípios, formavam o sistema de seguridade social do trabalha- dor na época. No campo específico da as- sistência social foram criados serviços de amparo aos desvalidos, serviços de socor- ro às famílias de prole numerosa, serviços de proteção à maternidade e à infância, além de ter sido regulamentado o traba- lho infantil. Se, por um lado, a introdução dessas obrigações do poder público no novo sis- tema legal indicava um salto de qualidade nos serviços sociais existentes, expres- sando novas determinações políticas e ideológicas na relação entre o Estado e a sociedade civil, por outro, as formulações da política social introduzidas pelo mo- delo adotado na esfera governamental, além de manifestamente assistencialis- tas, eram correntemente utilizadas como instrumentos de controle e repressão das reivindicações por melhores condições de vida promovidas por segmentos organiza- dos da classe trabalhadora. A própria preocupação com o tema da ordem econômica e social na Constituição de 1934 decorreu, primariamente, das mudanças que se faziam sentir nas rela- ções econômicas e sociais e que se ori- ginavam do desenvolvimento industrial recente. A esse respeito, Lonzar assim se refere: O crescimento e a organização da força de trabalho industrial, aliado às péssimas condições de trabalho, de- sencadeavam o que se passou a cha- mar embate entre capital e trabalho. O crescimento e a organização da buro- cracia estatal, além de uma certa auto- nomia do Estado em relação à socieda- de, traziam à luz um segundo embate, entre a iniciativa privada e a estatiza- ção, correlatamente vai surgindo uma terceira questão com a expansão do capital através da propriedade da ter- ra. A disputa aqui envolverá o capital privado, o trabalho e o Estado (1987, p. 45). Com a instalação do Estado Novo, no ano de 1937, um novo período pode ser demarcado para aquele modelo inicial de organização das políticas sociais no país. Revogada a Constituição de 1934, a nova Carta Constitucional apresentava grandes retrocessos no que tange às liberdades políticas e aos direitos sociais dos cida- dãos. Somando-se a isso, o novo panora- ma político do país, após a instauração da 14 15 ditadura varguista, tornava extremamen- te difícil a sustentação desses direitos pela via da mobilização popular. Embora não tenham sucumbido por completo, as manifestações populares que reivindica- vam melhores condições de vida foram reprimidas com força cada vez maior, a ponto de terem suas consequências neu- tralizadas pelo aparelho de Estado. Conjuntamente, a edição de uma nova legislação trabalhista interferiu na estru- tura de organização do movimento sindi- cal, atrelando-o ao Estado e reforçando o corporativismo no interior das categorias de trabalhadores. Como alternativa legítima para mani- festação das demandas populares, resta- ram as ligas de bairros, que na época de- senvolveram suas atividades ativamente nas lutas por infraestrutura urbana, rei- vindicação dotada de grande apelo popu- lar no contexto de urbanização acelerada que se desenvolvia, sobretudo, nos en- tornos dos grandes centros urbanos. Entre os retrocessos que podemos re- gistrar na Constituição de 1937 encon- tram-se a limitação do direito à educação universal, a ampliação do controle estatal sobre a organização sindical trabalhis- ta e a redefinição das competências dos governos regionais e locais nas ações de política social, resultando em grande cen- tralização de ações e chegando ao ponto de restar aos municípios tão somente a administração de cemitérios. Nesse contexto legal e político, as ações das políticas sociais desenvolvidas terão caráter apenas incipiente, servindo prioritariamente como método de contro- le dos movimentos sociais emergentes e de reafirmação da legislação social cor- porativa, incorporando de forma parcial e controlada as reivindicações populares, através de procedimentos clientelistas na relação entre o Estado e os setores orga- nizados da sociedade civil. É nesses termos, enquanto mediadora da relação entre capital e trabalho, que se desenvolveram as iniciativas governa- mentais da época, com destaque da cria- ção da Legião Brasileira de Assistência, em 1938, e do Departamento Nacional da Criança, vinculado ao Ministério da Saúde. No âmbito das ações privadas, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem In- dustrial (SENAI) e do Serviço Social da in- dústria (SESI), respectivamente em 1942 e 1946, acentuaria o caráter conservador das ações sociais da época. De acordo com Rizotti (2001), a análi- se do caso particular da política de assis- tência social apenas reafirma a conclusão que apresentamos no parágrafo anterior. A década de 1940 foi o período no qual o Estado, ao lado dos tradicionais progra- mas de atenção a crianças carentes e aos idosos, iniciou novas linhas de atuação na área, tais como os programas de enfren- tamento à pobreza realizados na época. Entretanto, os novos programas apre- sentavam-se fortemente condicionados por uma concepção assistencialista, o que resultava em ações pontuais, fragmenta-das e de alta seletividade, com alijamen- to significativo de parcelas da população que não possuíam acesso aos serviços de- mandados por suas carências, originadas da nova situação de desenvolvimento do país. Esse era o limite do primeiro marco das políticas sociais no Brasil. Mas não podemos nos esquecer que 16 17 foi durante o período populista que, final- mente, a extensão de direitos sociais no país encontrou-se definitivamente selada pela marca corporativa, em virtude de sua associação às modificações na legislação trabalhista vigente, quase sempre impul- sionadas pela pressão política daquelas camadas e categorias mais bem organiza- das e plenamente integradas à ordem so- cial competitiva. De acordo com Mestriner (1992), é sig- nificativo o sentido da criação de novos serviços e de reestruturação da gestão dos serviços sociais existentes na época. Isso porque o modelo de cooptação instau- rado pelas políticas populistas de Estado encontrar-se-ia alinhado a iniciativas de privatização daqueles serviços de alguma maneira rentáveis, tais como os serviços médicos, previdenciários e de produção de habitações e, no período, ganharia for- ça o modelo de prestação de serviços so- ciais sob gestão do empresariado – como atesta a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria (SENAI), com o objetivo de adequação da força de traba- lho às demandas emergentes das empre- sas. Isso também porque àqueles serviços cujas características eram impróprias à gestão privada – os serviços assistenciais, em particular – foi dada nova formulação, que sinalizava um reforço aos modelos de gestão científica, com a criação de servi- ços próprios, tais como creches, hospitais e lactários vinculados à Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a criação da Fun- dação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), encarregada da difusão de ser- viços de atendimento social a crianças em situações de risco, a partir da perspectiva da educação e da prevenção. A preocupa- ção com a reformulação dos serviços de políticas sociais estender-se-ia ainda ao campo da Previdência Social, resultando na promulgação da Lei Orgânica da Previ- dência Social, em 1960, que estabeleceu a uniformização dos benefícios previden- ciários. Segundo Fagnani (1989), dessa rees- truturação parcial, desenvolveu-se um modelo de financiamento das políticas so- ciais que expressava contundentemente as contradições do regime populista. De um lado, os serviços para os quais foi pos- sível criar fontes de financiamento que contavam com a contribuição de empre- gados e empregadores (o exemplo mais importante aqui é política previdenciária, à qual encontravam-se agregados os ser- viços de assistência médica, habitação e saneamento básico); de outro, políticas inteiras dependentes exclusivamente do orçamento fiscal, tais como a saúde públi- ca, a educação, a suplementação alimen- tar e o transporte de massas. Não podemos nos esquecer em mo- mento algum que o Banco Mundial, em negociações com o governo brasileiro, foi o principal organismo internacional a interferir sobre o padrão das políticas sociais no país. Como consequência mais importante dessa interferência, perde- ram força as ações de regulação no cam- po do trabalho e sobrevieram medidas de atenção às necessidades sociais ligadas ao saneamento básico e à educação. Tais medidas foram impostas, sobretudo, pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado em toda a América Latina, e no Brasil em particular, que tornava indis- pensável a constituição de políticas glo- bais para o atendimento à questão social que se apresentava. 16 17 De acordo com Rizotti (2001), a com- binação desse modelo de financiamento com os mecanismos de cooptação do Esta- do populista – que procurava antecipar-se às demandas sociais dos movimentos or- ganizados, esvaziando-lhes os conteúdos de reivindicação e produzindo respostas seletivas às demandas apresentadas – re- dundou no enfraquecimento dos direitos sociais da população, sendo os benefícios e serviços das políticas públicas configu- rados como privilégios de setores particu- lares da sociedade civil, oriundos de uma negociação política regulada e injusta. Isso se tornou ainda mais evidente com a interferência de organismos internacio- nais que condicionavam o apoio financeiro externo ao Brasil ao cumprimento de re- formas sociais pelo governo federal. No princípio da década de 1960, o con- texto político brasileiro prenunciava uma era de grandes transformações sociais. Nos mais diversos campos da vida nacional eclodiam movimentos sociais de amplitu- de abrangente. Das ligas camponesas, no meio rural nordestino, ao movimento pe- las reformas de base no centro-sul desen- volvido, as reivindicações populares do período produziam permanente mobiliza- ção no interior da sociedade, dotando de grande expressão as bandeiras de lutas sociais das classes subalternas, entretan- to, os setores conservadores da socieda- de também se mobilizaram e o resultado foi a derrubada do governo seguido pela instauração do regime ditatorial, susten- tado e regido pelas forças armadas. Che- gamos, então, ao fim dos governos popu- listas. O Governo Federal centralizou os servi- ços e recursos das políticas sociais no país, impondo um esvaziamento das ações e responsabilidades dos governos regionais e locais, com a ausência de Estados e mu- nicípios na execução dessas políticas pú- blicas. A questão social era incorporada ao regime autocrático como ação estratégica de manutenção da estabilidade política e social no país. Desse modo, segundo Rizotti (2001), foi levada a termo uma significativa refor- mulação dos mecanismos de gestão e de controle das políticas sociais que, por for- ça do contexto político daquele momento, redundaria de imediato na exclusão da participação popular em qualquer forma de controle sobre as políticas desenvolvi- das. Movimentos sociais, sindicatos e par- tidos políticos encontravam-se alijados do processo de discussão e avaliação das po- líticas, reforçando-se ainda mais o caráter tecnocrático de sua gestão. Conforme Rizotti (2001), no final da década de 1970, o modelo de desenvolvi- mento instaurado pelo regime militar da- ria seus primeiros sinais de esgotamento. O fim do “milagre econômico brasileiro” já podia ser sentido nos últimos anos da dé- cada e, no período de 1977 a 1982, agra- varam-se as condições gerais de vida da população, fazendo ressurgir, agora com força renovada, os movimentos sociais de reivindicação. Conforme Rizotti (2001), em 1979, aconteceu em São Paulo e em Belo Hori- zonte o movimento das favelas. Nessas mesmas cidades, no período subsequen- te, somaram-se a este os movimentos de luta por creche. O transporte coletivo também foi motivo para manifestações em muitas cidades brasileiras e obteve grande repercussão até mesmo entre os 18 19 setores patronais, pois desempenhava função estratégica na determinação das possibilidades de recrutamento da força de trabalho pelas empresas. Em 1982, o Movimento Contra a Carestia ganharia ex- pressão nacional, reunindo sob suas ban- deiras amplas reivindicações populares e promovendo mobilização em todo o terri- tório nacional. Para o mesmo autor, citado anterior- mente, os anos 80 seriam identificados como a “década perdida”, especialmente pelo período recessivo que o país conhe- ceu entre 1981 e 1983. Nesse contexto de grave crise econômica, a atividade in- dustrial no país caiu em quatro por cento, ocasionando um crescimento acelerado do desemprego e acentuada defasagem no valor real dos salários pagos para a for- ça de trabalho. Ambas as circunstâncias agravavam ainda mais as já comprometi- das condições de vida, porque resultavam, numa ponta, na generalizaçãoda pobreza e, noutra, na geração de uma importante crise fiscal que tornava ainda mais pre- cária a manutenção das políticas sociais conduzidas pelo Estado. Conforme Rizotti (2001), pressionado por um desempenho econômico aquém do esperado, e pela perspectiva de degra- dação do quadro econômico futuro que a conjuntura internacional prenunciava, o governo federal recuou na sua política de investimentos sociais e em infraestru- tura, passando a adotar um programa de controle rígido do orçamento público. Para o mesmo autor, os efeitos dessa nova condição financeira seriam rapida- mente sentidos no campo das políticas so- ciais. O sistema educacional passou a ter seu orçamento limitado a percentual fixo da arrecadação auferida, e perdeu rapida- mente sua capacidade de investimento, abandonando as metas de médio e longo prazo anteriormente traçadas para o se- tor. O sistema previdenciário, diante da perspectiva de restrição financeira, redi- mensionou suas alíquotas de arrecadação e limitou os benefícios pagos, buscando obter por meio dessas medidas o equilí- brio orçamentário perdido com a insufi- ciência de recursos do tesouro nacional para sua manutenção. O caráter seletivo das políticas sociais foi ainda mais acentu- ado pelo novo conjunto de normas admi- nistrativas, que passaram então a regular o acesso aos direitos sociais previstos na legislação. Chegamos a Nova República! O contexto político e econômico da pri- meira metade dos anos 80 recolocou a questão social na agenda pública da socie- dade brasileira. O esgotamento do mode- lo de desenvolvimento baseado em forte desempenho das exportações primárias que se fizera sentir desde os fins da dé- cada anterior e que se acelerou naqueles anos, aprofundou ainda mais a crise eco- nômica e social vivenciada. Politicamente, a emergência de novos e mais intensos movimentos sociais tornara o problema da “dívida social” parte obrigatória do de- bate em torno da transição para a demo- cracia. O resgate da “dívida social” passou a consistir, a partir de então, em bandeira política legitimadora da instauração de uma nova ordem democrática. Cardoso (1994 apud Rizotti, 2001) apresenta-nos uma análise dos movimen- tos sociais na fase da transição para a de- mocracia no Brasil, interpretando-os de acordo com o papel que desempenharam 18 19 na constituição das novas políticas públi- cas do período. De acordo com a autora, duas grandes fases identificam os movi- mentos sociais da época. A primeira, que remonta ao último ciclo do período militar, caracterizou-se por uma “emergência he- róica dos movimentos” que cumpriam o papel de combater frontalmente as políti- cas desenvolvidas pelo aparelho governa- mental. A segunda, tipicamente localizada nos processos de ascensão das oposições ao poder (tanto na esfera estadual, quan- to na esfera federal), caracterizou-se por uma progressiva institucionalização des- ses movimentos, que passaram a intera- gir diretamente com as agências governa- mentais encarregadas do planejamento e gestão das políticas públicas. Embora o resultado mais importante da conjunção das aspirações por liberdade política e igualdade social que se espera- va com o processo de abertura democráti- ca fosse a formação de um novo paradig- ma para as políticas sociais no Brasil, ainda se observa que as políticas sociais ficam caracterizadas mais pela manutenção e garantia do controle social do que uma busca efetiva e plena do desenvolvimen- to social. 20 2120 UNIDADE 3 – Políticas públicas para saúde Para os profissionais que não tiveram uma formação específica na área de saú- de ou ainda não atuam diretamente nessa área, pode ser difícil entender os cami- nhos percorridos pela saúde até os dias atuais, portanto, acreditamos ser impor- tante fornecer subsídios teóricos para a construção de uma base sólida, concei- tuando políticas e discorrendo um pouco sobre os programas de saúde na esfera pública. Apresentaremos a divisão “polí- tico-administrativa” do sistema de saúde pública no Brasil, seus níveis de assistên- cia e a descentralização; analisando as perspectivas da política de saúde brasilei- ra e ainda definindo as várias políticas de saúde implantadas pelo governo federal voltadas para o idoso, a mulher, a criança e o adolescente, o índio, o negro, o tra- balhador, o portador de deficiência física, dentre outras que são importantes para o Serviço Social. Vamos tomar como ponto de partida para analisar as políticas públicas direcio- nadas para saúde, meados dos anos 50 do século XX quando os indicadores de saúde começaram a registrar progressos e mesmo quando se iniciou o processo de implementação. Assim, ao longo desses sessenta anos, dentre outros elementos, encontramos que a esperança de vida média do brasileiro aumentou considera- velmente e a taxa de mortalidade infantil diminuiu quase quatro vezes, o que, de acordo com Médici (2007), nos mostra mudanças consideráveis em termos de promoção de saúde, entretanto, há que se ressaltar que infelizmente essas cons- tatações não querem dizer que todos par- ticipam ou se beneficiam dela. Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2001), as linhas de atuação devem pro- porcionar à população condições e requi- sitos necessários para melhorar e exercer controle sobre sua saúde, envolvendo a paz, a educação, a moradia, o alimento, a renda, um ecossistema estável, justiça social e equidade. No entanto, como apontam Teixeira, Paim e VilasBôas (1998), o movimento de promoção da saúde no país é indissociável do processo de reorientação das políticas de saúde na década de 90 e de seus múl- tiplos desdobramentos institucionais e políticos. As Normas Operacionais Básicas (NOBs), a partir de 1991, estruturaram e aprofundaram o processo de descentra- lização do SUS e reorientaram o modelo assistencial, favorecendo a ampliação do acesso aos serviços de saúde, a participa- ção da população e a melhoria do fluxo de recursos financeiros destinados à saúde entre a união, estado e municípios. A im- plementação do Programa de Agentes Co- munitários de Saúde (PACS), do Programa de Saúde da Família (PSF) e a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foram, igualmente, iniciativas que pavimentaram a trajetória da promo- ção da saúde. Neste sentido, pode-se di- zer que a Política de Promoção da Saúde agregou aos princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS), propostas que reconhecem a necessidade de trans- formar o perfil de intervenção e que apro- fundam a análise da interdependência en- tre problemas sociais e de saúde. 20 2121 Nesse sentido, as políticas de saúde pública assumem um papel de extrema importância, enquanto estratégias go- vernamentais, capazes de criar condições sanitárias favoráveis, visando preservar a saúde dos membros de uma sociedade, principalmente para os segmentos sociais menos favorecidos economicamente. Se- gundo Lucchese (2004), nesse processo foram ainda intensamente valorizados o potencial individual e comunitário para participar das escolhas e decisões públi- cas sobre a política de saúde. A municipalização da Saúde no Brasil, nosso ponto de chegada, é fruto de um longo processo, surgindo na década de 1950, pautada pelas concepções do cha- mado “sanitarismo desenvolvimentista”. Segundo Fadul (1978) “a idéia funda- mental era criar uma rede flexível, que a nível municipal se adequasse à realida- de do município e que fosse se tornando mais complexa à medida que o próprio município se desenvolvesse [...]”, mas, se- gundo Heimann et al (2008), somente na década de 70 surgiram, em algumas cida- des, como Londrina (PR), Campinas (SP) e Niterói (RJ), experiências de formulação de políticas locais de saúde e deorgani- zação de redes municipais baseadas nos princípios da atenção primária, divulgada pela Conferência de Alma Ata/OMS e da medicina comunitária. De âmbito nacional, a assistência mé- dica previdenciária era a principal forma de prestação de atenção à saúde, carac- terizando-se pelo atendimento clínico individual, com privilégio da atenção hos- pitalar e especializada, estando ausen- te qualquer medida de saúde pública de promoção da saúde ou prevenção de do- enças, que por sua vez, eram executadas em serviços de saúde pública, organiza- dos em estrutura governamental diversa e com aporte financeiro extremamente reduzido. Os serviços de saúde pública de responsabilidade do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, cui- davam basicamente das doenças infec- ciosas de caráter endêmico e epidêmico, com alguma ênfase na educação em saú- de. A assistência médica nesses serviços era completamente subordinada ao enfo- que coletivo, sendo oferecida com o obje- tivo de controlar a incidência/prevalência das doenças infecciosas, em detrimento da demanda espontânea por assistência médica individual. Devido às consequências do modelo econômico vigente na década de 70 e o endividamento do país, mais precisamen- te após a segunda metade da década, o modelo previdenciário brasileiro entrou numa aguda crise financeira, que foi o pri- meiro passo para a descentralização. Até a década de 1980, o sistema de saúde era centralizador e em 1987, inicia- -se a criação do Sistema Unificado e Des- centralizado de Saúde (SUDS) - primeiro movimento na direção da descentraliza- ção e hierarquização. Na Constituição Fe- deral de 1988 foram estabelecidos os princípios de universalização do direito à saúde e ao atendimento médico gratuito como deveres do Estado. Rede regionali- zada e hierarquizada. Criação do Fundo de Seguridade Social. Em 1990, foi criado o Conselho Nacional de Saúde e instituída a Lei 8.080 que dispõe sobre a criação do Serviço Único de Saúde (SUS) e estabele- ce o conjunto de ações que devem ser se- guidas por instituições públicas, federais, 22 23 estaduais e municipais, bem como a Con- ferência e o Conselho de Saúde regula- mentaram a participação da comunidade na gestão do SUS através da Lei n. 8142. De acordo com Brasil (2002), a nossa Constituição Federal (1988) estabeleceu em seu artigo 196 que a saúde é “direi- to de todos e dever do Estado, garantido me¬diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, o que vem ampliar o conceito de saúde firmado na Declaração Universal dos Direitos Hu- manos. Essa ampliação é um resultado de vários fatores determinantes e con- dicionantes como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, tra- balho, renda, educação, transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais. Por isso, as gestões municipais do SUS – em articulação com as demais esferas de go- verno – devem desenvolver ações conjun- tas com outros setores governamentais, como meio ambiente, educação, urbanis- mo, entre outros, que possam contribuir, direta ou indiretamente, para a promoção de melhores condições de vida e da saúde para a população. Embora já tenhamos discorrido sobre conceitos e definições para as Políticas Públicas, é importante frisar que são as decisões de um governo em diversas áre- as que influenciam a vida de um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos que tais ações ou a ausência destas provocam na sociedade. Para Lucchese (2004), Políti- cas Públicas são: o conjunto de ações coletivas volta- das para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada de- manda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbi- to privado em ações coletivas no espa- ço público. Sendo diretrizes tomadas que visam a resolução de problemas ligados à socie- dade como um todo, englobando saúde, educação, segurança e tudo mais que se refere ao bem-estar do povo. Ao contrário de uma decisão política, uma política pública envolve muito mais que uma vontade ou uma decisão, pro- priamente dita. Ela requer diversas ações estrategicamente selecionadas para im- plementar as decisões tomadas. Portan- to, é necessário que sejam expressas, manifestas e se traduzam em recursos no Orçamento. Só a intenção não é suficien- te, é preciso vinculá-las aos recursos. Conforme Brasil (2002), em termos de saúde, é o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e institui- ções públicas federais, estaduais e muni- cipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Pú- blico. Consiste de um conjunto normativo, institucional e técnico que materializa a grande política de saúde desenhada para o país a partir da Constituição de 1988. Embora integrando o campo das ações sociais, orientadas para melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes naturais, social e do trabalho, especificamente em relação a política pú- blica para saúde, podemos dizer que ela 22 23 organiza as funções públicas governa- mentais, através da promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos e da coletividade. De acordo com Lucchese (2004), as po- líticas públicas no Brasil se orientam pelos princípios da universalidade e equidade no acesso às ações e serviços e pelas dire- trizes de descentralização da gestão, de integralidade do atendimento e de parti- cipação da comunidade, na organização de um sistema único de saúde no territó- rio nacional. Uma vez que elas se materializam através de ações concretas envolvendo sujeitos e atividades institucionais, em determinado contexto e condicionando resultados, elas precisam de acompanha- mento e avaliação permanentes. Aconte- cem através dos programas, definido no glossário temático referente ao sistema de Planejamento, Monitoramento e Ava- liação das Ações em Saúde, lançado pelo Ministério da Saúde em 2006, como: Instrumento de organização da ação governamental com vistas ao enfren- tamento de um problema e à concre- tização dos objetivos pretendidos, sendo mensurado por indicadores. Nota: articula um conjunto coerente de ações (orçamentárias e não-orça- mentárias), necessárias e suficientes para enfrentar o problema, de modo a superar ou evitar as causas identifica- das, como também aproveitar as opor- tunidades existentes. Resumidamen- te, são ações permanentes para atingir objetivos precisos. Segundo Piscitelli et al (2004), o pro- grama representa o elo de ligação e in- tegração entre o planejamento e o orça- mento público (funções/ subfunções do planejamento x programas do orçamen- to). Articula um conjunto de ações que con- correm para um objetivo comum prees- tabelecido, mensurado por indicadores estabelecidos no Plano Plurianual (PPA), visando à solução de um problema ou o atendimento de uma necessidade ou de- manda da sociedade. Os programas são compostos por atividades, projetos e uma nova cate- goria de programação denominada operações especiais: Atividade – é um instrumento de pro- gramação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam de modo con- tínuo e permanente, das quais resulta um produto necessário à manutenção da ação de governo. Projeto – é um instrumento de pro- gramação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam num período limitado de tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou o aperfeiçoamento da ação de governo. Operação Especial – são ações que nãocontribuem para a manutenção das ações de governo, das quais não resulta um produto e não geram contraprestação direta sob a forma de bens ou serviços. Re- presentam, basicamente, o detalhamen- to da função “Encargos Especiais”. Porém, um grupo importante de ações com a na- tureza de operações especiais quando as- sociadas a programas finalísticos podem apresentar produtos associados. 24 25 De acordo com Piscitelli et al (2004), toda a ação finalística do Governo Fede- ral deverá ser estruturada em programas, orientados para consecução dos objetivos estratégicos definidos para o período no PPA. A ação finalística é a que proporciona bem ou serviço para atendimento direto às demandas da sociedade. São 3 (três) os tipos de programas previstos: Programas Finalísticos São pro- gramas que resultam em bens e serviços ofertados diretamente à sociedade. O in- dicador quantifica a situação que o pro- grama tenha por fim modificar, de modo a explicitar o impacto das ações sobre o público alvo; Programas de Gestão de Políticas Públicas Os Programas de Gestão de Políticas Públicas abrangem as ações de gestão de Governo e serão compostos de atividades de planejamento, orçamento, controle interno, sistemas de informação e diagnóstico de suporte à formulação, coordenação, supervisão, avaliação e di- vulgação de políticas públicas. As ativida- des deverão assumir as peculiaridades de cada órgão gestor setorial; Programas de Serviços ao Estado Programas de Serviços ao Estado são os que resultam em bens e serviços ofer- tados diretamente ao Estado, por insti- tuições criadas para esse fim específico. Seus atributos básicos são denominação, objetivo, indicador(es), órgão(s), unida- des orçamentárias e unidade responsável pelo programa. Uma vez que temos os conceitos relati- vos a políticas públicas e programas, quais são os objetivos primordiais das políticas públicas voltadas para a saúde? Polignano (2008) define muito bem os objetivos e as atribuições do SUS: Identificar e divulgar os fatores con- dicionantes e determinantes da saúde; Fornecer assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, prote- ção e recuperação da saúde com a reali- zação integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas; Executar as ações de vigilância sani- tária e epidemiológica; Executar ações visando a saúde do trabalhador; Participar na formulação da política e na execução de ações de saneamento bá- sico; Participar da formulação da política de recursos humanos para a saúde; Realizar atividades de vigilância nu- tricional e de orientação alimentar; Participar das ações direcionadas ao meio ambiente; Formular políticas referentes a me- dicamentos, equipamentos, imunobioló- gicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; Controlar e fiscalizar os serviços, pro- dutos e substâncias de interesse para a saúde; Fiscalizar e inspecionar alimentos, água e bebidas para consumo humano; Participar no controle e fiscalização de produtos psicoativos, tóxicos e radio- ativos; Incrementar o desenvolvimento cien- 24 25 tífico e tecnológico na área da saúde; Formular e executar a política de san- gue e de seus derivados. Quanto às funções essenciais da saúde pública, Lucchese (2004) sinte- tiza da seguinte maneira: Prevenção e controle de doenças, elaborando estratégias de vacinação; Vigilância epidemiológica sobre gru- pos e fatores de riscos; Monitoramento de situação de saú- de; Avaliação de eficácia/efetividade de serviços de saúde; Regulação e fiscalização estabele- cendo padrões de qualidade; Planejamento; Pesquisa e desenvolvimento tecno- lógico; e por fim, Desenvolvimento de recursos huma- nos – capacitando epidemiologistas de campo. Para Barros, Piola e Vianna (1996), o objetivo é fazer cumprir os preceitos constitucionais que estão no artigo 196. Nas palavras do ministro da Saúde, José Gomes Temporão: “A melhoria dos servi- ços e o incremento de diferentes abor- dagens configuram, assim, prioridade do Ministério da Saúde, tornando disponíveis opções preventivas e terapêuticas aos usuários do SUS. Esta Política Nacional busca, portanto, concretizar tal priorida- de, imprimindo-lhe a necessária seguran- ça, eficácia e qualidade na perspectiva da integralidade da atenção à saúde no Bra- sil” (BRASIL, 2006). Como começamos a falar no início deste capítulo, a política de descentralização do sistema de saúde no Brasil não aconteceu de uma só vez, nem de forma homogê- nea. Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), o fortalecimento da gestão des- centralizada constitui estratégia funda- mental para assegurar o acesso integral da população às medidas dirigidas à pro- moção, proteção e recuperação da saú- de. Tal fortalecimento depende, todavia, da participação decisiva dos secretários de saúde e dos prefeitos, o que de fato já vem ocorrendo na grande maioria dos mu- nicípios e propiciando os avanços obtidos. De acordo com Ortiz (2007), a criação e a implementação de uma série de progra- mas com a descentralização e a municipa- lização da saúde, permitiu a cada municí- pio, conhecedor de seus problemas, agir de acordo com as suas necessidades. Os resultados da descentralização também não foram homogêneos, sendo diversas as razões: dimensão continental do país, diferenças regionais e uma enor- me quantidade de municípios existentes, mais de 5000, dos quais a maioria de pe- queno porte. Dada essa extensão, houve dificuldades de muitos municípios para assumir o novo modelo, assim, para viabi- lizar o processo de descentralização, Or- tiz explica que foram criadas três Normas Operacionais Básicas (NOB) no SUS duran- te a década de 90: NOB 91, NOB 93 e NOB 96, que procuraram estabelecer critérios gerais no modelo assistencial de saúde, incluindo seus aspectos organizacionais e financeiros. A Norma Operacional Básica 96 (NOB 26 27 96) dividiu as condições em: Gestão Ple- na do Sistema Municipal, que incorpora a gestão de média e alta complexidade e Gestão Plena de Atenção Básica, onde os municípios se responsabilizam pela ges- tão dos serviços básicos de saúde. Para garantir a operacionalização desses no- vos procedimentos, em 1998, foi criado o Piso de Atenção Básica (PAB), no qual os recursos passaram a ser diretamente pro- porcionais ao número de habitantes do município, o que possibilitou uma maior estabilidade no planejamento das ações de saúde local. Ainda, segundo Ortiz (2007) com a des- centralização, o sistema de saúde melho- rou na transferência dos recursos que passou a ser direta para estados e municí- pios, houve transferência de responsabi- lidades e atribuições do nível federal fun- damentalmente para o municipal. Houve também expansão e desconcentração da oferta de serviços, aumento da parte de alguns municípios no financiamento à saúde, criação de instâncias mais de- mocráticas de participação da sociedade na implementação da política de saúde, formação de instâncias intergestoras de gestão entre estados e municípios, ex- pansão da atenção primária à saúde e mu- dança nas práticas assistenciais da saúde mental. Segundo Appio (2008), a forma como o Estado interfere na sociedade e as re- percussões do modelo econômico adota- do por boa parte dos países ocidentais, ao longo dos últimos vinte anos, trouxe se- veras consequências para os respectivos sistemas de assistência pública à saúde. Até o ano de 1985, o Brasil convivia com um regime de ditadura militar. Depois, várias foram as mudanças, principalmen- te na década de 90, como por exemplo, a criação do SUS, modelo amplo de assis- tência à saúde da população, independen- te da classe social. Como sabemos,as políticas públicas para o setor da saúde são definidas a par- tir de critérios técnicos, bem como atra- vés de órgãos deliberativos, com a partici- pação de vários segmentos da sociedade brasileira, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Saúde, cujas competências também foram elencadas acima. Quanto aos limites para a atuação do Poder Executivo na área da saúde no Bra- sil, estes são bastante amplos. É o Poder Executivo, geralmente através do Minis- tério da Saúde, que define quais serão as políticas públicas prioritárias durante a gestão de um governo e o Congresso, conjuntamente, pelo menos em sintonia, deve decidir e aprovar qual a área prio- ritária para investir em saúde. Dito isto, vamos tentar analisar, mesmo que super- ficialmente, o que o último governo tem feito para entendermos um pouco a dinâ- mica daqueles que vivem e trabalham no sistema de saúde. Diagnóstico e perspectivas atuais das políticas públicas para saúde Segundo Bravo (2008), a análise que se faz do governo atual é que a política ma- croeconômica do antigo governo foi man- tida e as políticas sociais estão fragmen- tadas e subordinadas a lógica econômica. Nessa setorização, a concepção de segu- ridade social não foi valorizada, mantendo a segmentação das três políticas: saúde, assistência social e previdência social. 26 27 Com relação à saúde, havia uma expec- tativa que o governo atual fortalecesse o projeto de reforma sanitária que foi ques- tionado nos anos 90, havendo, no perío- do, a consolidação do projeto de saúde articulado ao mercado ou privatista, en- tretanto, apesar de explicitar como desa- fio a incorporação da agenda ético-políti- ca da reforma sanitária, pelas suas ações tem mantido a polarização entre os dois projetos. Em algumas proposições procu- ra fortalecer o primeiro projeto e, em ou- tras, mantém o segundo projeto quando as ações enfatizam a focalização e o des- financiamento. O quadro abaixo fornece alguns aspec- tos que Bravo (2008) considera inovado- res e outros de descontinuidade relacio- nados com os dois projetos em disputa. Inovação Descontinuidade - Retorno da concepção de Reforma Sanitá- ria, que, nos anos 90, foi totalmente aban- donada; - Escolha de profissionais comprometidos com a luta pela Reforma Sanitária para ocu- par o segundo escalão do Ministério; - Alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde, sendo criadas quatro secretarias e extintas três; - Convocação extraordinária da 12ª Confe- rência Nacional de Saúde e a sua realização em dezembro de 2003; - Participação do ministro da saúde nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde e a escolha do representante da CUT para assumir a secretaria executiva do Conselho Nacional de Saúde; - Criação da Secretaria de Atenção à Saúde que visou unificar as ações de atenção bá- sica, ambulatorial e hospitalar integrando as atribuições das extintas secretarias de Política de Saúde e de Assistência à Saúde; - Criação da Secretaria de Gestão do Traba- lho em Saúde que tem como função formar recursos humanos para a saúde e regula- mentar as profissões e o mercado de tra- balho na área. A criação desta secretaria busca enfrentar a questão de recursos hu- manos para o SUS que é um grande proble- ma de estrangulamento do sistema. - Ênfase na focalização, na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento e a falta de vontade po- lítica para viabilizar a concepção de Seguri- dade Social: - O programa Saúde da Família, por exem- plo, precisaria ter sua direção modificada na perspectiva de prover atenção básica em saúde para toda a população de acordo com os princípios da universalidade. Para garantir a integralidade, o mesmo precisa ter como meta a (re)organização do siste- ma como um todo, prevendo a articulação da atenção básica com os demais níveis de assistência. - Em relação à precarização e terceirização, refere-se a ampliação da contratação de agentes comunitários de saúde e a inserção de outras categorias que não são regula- mentadas: auxiliar e técnico de saneamen- to, agente de vigilância sanitária, agentes de saúde mental. - A questão do desfinanciamento é a mais séria, pois está diretamente articulada ao gasto social do governo e é a determinan- te para a manutenção da política focal, de precarização e terceirização dos recursos humanos. 28 29 Segundo Nogueira e Mioto (2008), a expectativa que se colocava para o gover- no atual era a de fortalecer o SUS consti- tucional. Entretanto, o que temos visto é o Projeto de Reforma Sanitária perdendo disputa para o projeto voltado para o mer- cado. Outro ponto que merece destaque e que deve levar a reflexões e debates pro- fundos é o rumo que temos observado, a permissão da “anti-política” social, na medida em que permite a “inclusão” não por direito de cidadania, mas por grau de pobreza, não garantindo a base de igual- dade necessária a uma verdadeira política social. Enfim, no cenário em que se encontram as políticas nacionais de saúde, Noguei- ra e Mioto (2008) lembram que o debate sobre a promoção da saúde pode, nesse momento, adquirir um significado estra- tégico, na medida em que se constitua como um dos referenciais que ajudem a retomar e atualizar o conjunto de propos- tas do projeto da reforma sanitária, cujo escopo ultrapassa o processo de constru- ção do SUS e pressupõe a formulação e a implementação de políticas econômicas e sociais que tenham como propósito a me- lhoria das condições de vida e saúde dos diversos grupos sociais, de modo a redu- zir desigualdades sociais, promovendo a equidade e justiça no acesso às oportu- nidades de trabalho, melhoria dos níveis de renda e garantia das condições de se- gurança e acesso à moradia, educação, transporte, lazer e serviços de saúde. O direcionamento das po- líticas de saúde no Brasil A implementação de qualquer política pública, por mais simples que seja, é um trabalho coletivo e requer o esforço cola- borativo das pessoas e organizações. O governo estuda, analisa, formula e lança as políticas que poderíamos cha- mar de “macropolíticas”. Elas consistem basicamente na oferta de meios para que os cidadãos realizem determinados ob- jetivos, ou seja, as políticas precisam ser apropriadas pelos indivíduos para surtir algum efeito. Dentre as várias políticas do governo, discorremos abaixo sobre aque- las que atendem um maior número de po- pulações distintas, mas deixamos claro que existem muitas outras, as quais po- dem ser consultadas no sitio do Ministério da Saúde (www.saúde.gov.br). Para o Idoso No âmbito do SUS, a política voltada para o idoso objetiva garantir atenção in- tegral à Saúde da população idosa, enfa- tizando o envelhecimento familiar saudá- vel e ativo e fortalecendo o protagonismo dos idosos no Brasil (Portaria nº 1.395, de 10 de dezembro de 1999). São diretrizes importantes para a atenção integral à Saúde do idoso: 1) Promoção do envelhecimento sau- dável compreende ações que promo- vem modos de viver favoráveis à saúde e à qualidade de vida, orientados pelo de- senvolvimento de hábitos como a alimen- tação adequada e balanceada, prática regular de exercícios físicos, convivência social estimulante, busca de atividades prazerosas e/ou que atenuem o estresse, redução dos danos decorrentes do consu- mo de álcool e tabaco e diminuição signifi- cativa da automedicação; 2) Manutenção e reabilitação da capa- 28 29 cidade funcional; 3) Apoio ao desenvolvimento de cuida- dos informais. É importante qualificar os serviços de Saúde para trabalhar com aspectos espe- cíficos à saúde da pessoa idosa (como a identificação de situações de vulnerabi- lidade social, a realização de diagnóstico precoce de processos demenciais, a ava- liação da
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