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A estética de Hegel Antonio Rodrigues Belon | A necessidade universal da arte é, pois, a necessidade racional que o ser humano tem de elevar a uma consciência espiritual o mundo interior e exterior, como se fora um objeto no qual ele reconhece o seu próprio si mesmo. [i] Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem. [ii] Um começo de conversa Sempre é muito relevante um retorno aos textos e aos autores fundamentais. Fundamentais, substantivamente. Revisitar os eixos de constituição do humano, do social e do histórico; ou, levantar as características dos alicerces do ser e do estar no mundo, na contemporaneidade. Descer um pouco mais fundo do que a permanência desesperada na superfície dos movimentos imediatos, sem demora, e descartáveis, das conexões estampadas nas telas cotidianas dos computadores. Uma filosofia da arte Os Cursos de Estética podem ser considerados como a maior herança de filosofia da arte dos tempos modernos. Inigualáveis em extensão e profundidade. Referência de outras construções semelhantes. Nos Cursos de Estética ganham o primeiro plano o fenômeno sensível da arte e o nível elevado da especulação filosófica. Na abrangência do pensamento de Hegel (1770-1831), uma ampla reflexão sobre os fundamentos do belo e sobre a relação entre a arte e a natureza ou entre a arte e os diferentes momentos históricos encontram uma articulação filosófica. O conjunto toca nas instâncias básicas e impossíveis de ignorar. Digressões teóricas sobre a estrutura das diferentes modalidades artísticas combinam-se. Da arquitetura à poesia nada relevante escapa. Os conceitos elaborados por Hegel jorram luminosa e profundamente. Um pouco de história Nos cursos oferecidos por Hegel de 1820 a 1829, quase sempre em Berlim, ocorreu o registro original. Depois da morte do filósofo (1831), as anotações para as aulas, editadas, consolidam um dos aspectos da ação intelectual de Hegel. Um passeio pelo universo da arte desde suas origens e sob todas as formas conhecidas adquire a forma de livros e entra em processo editorial em projeção por línguas diferentes e edições sucessivas. Uma viagem guiada por mãos seguras. De volume em volume – quatro na língua portuguesa do Brasil – vai de estação em estação, na história e nas estruturas da arte, nos passos da humanidade. Primeira estação Uma totalidade onde se localiza o belo artístico é o tema do primeiro volume. [iii] A questão emerge ao centro da reflexão. O volume discute, por antecipação, as formas de arte simbólica, clássica e romântica. Os dois aspectos – os centrais e os antecipados – se fundem intrincadamente. Mas o exame mais demorado das formas de arte vai ocorrer, centralmente no próximo volume. No volume inicial dos Cursos de Estética, de Hegel, se configura uma síntese, necessariamente fecunda e em desdobramentos. O pensamento estético contemporâneo – e o geral também – não seria compreensível sem um debruçar, cuidadoso e demorado, sobre esta matriz. Termo a termo, conceito a conceito, ideia a ideia, sempre uma origem. Segunda estação No segundo volume dos Cursos de Estética, as formas de arte simbólica, clássica e romântica recebem um tratamento exaustivo e em profundidade. [iv] Os mundos orientais, grego clássico e cristão ganham vida no texto filosófico. Os elos, as conexões se sustentam na exposição hegeliana. Uma sistematização teórica de largo alcance vai levar adiante os pressupostos do primeiro volume. Abrange a natureza da obra de arte, de sua evolução histórica e de cada arte particular, tematizando problemas históricos e estruturais. O desenvolvimento do ideal do belo ou do espírito na realidade e na história é o tema. Nas variações da relação entre a Ideia e a sua efetividade se organiza o pensamento. Hegel situa os fenômenos concretos da história da arte. A terceira estação Entre a determinação do ideal e o sistema das artes particulares, Hegel delineia, no volume III do Cursos de Estética, seu objeto de estudos e reflexões. [v] As formas de arte estão situadas entre as categorias mais gerais e os aspectos particulares das obras. Nos exemplos da arte antiga e moderna, Hegel sempre encontra o seu ponto de partida. Convive minuciosa e rigorosamente com o desenvolvimento do ideal nas diferentes artes. Vai de um tempo ao outro; de um lugar ao outro; sempre apreendendo a arte do momento e da hora em estudos e reflexões de acentuada acuidade. Começa pela arquitetura. Aponta o caráter essencialmente simbólico dela. Retira o divino da mera exterioridade. Capta o acolhimento da arquitetura como um de seus aspectos. Logo pensa a escultura. Inventaria as caraterísticas desta arte clássica. Destaca a escultura por dar a forma humana a Deus. Discorre sobre as possibilidades do mármore e do bronze. No percurso, Hegel analisa as artes da pintura e da música. Toma-as por artes românticas. A arte objetiva a subjetividade. Na pintura, a cor, a luz, põe a subjetividade na matéria. Na música, a emersão da subjetividade, da interioridade, ocorre no tempo apropriado. Para Hegel, cada uma dessas artes ocupa um lugar na história do espírito. Uma arte sempre concretiza uma etapa no processo do autoconhecimento humano. Varia, de arte para arte, o modo de configuração relacionado a uma determinada matéria de sua composição e de sua elaboração. A quarta estação O tema do quarto e último volume dos Cursos de Estética, de Hegel, é a poesia.[vi] A poesia é universal. Uma arte presente em todos os tempos e todos os espaços. Uma representação sensível e interior da linguagem, a poesia acompanha o ser humano inseparavelmente. Apreende em seu material e em sua elaboração a amplitude de acontecimentos, de sentimentos, de paixões e de ações, nas inumeráveis circunstâncias da vida humana. Hegel examina as principais estruturas e peculiaridades da poesia. Entra pela dialética dos três gêneros básicos: a épica, a lírica e o drama. As leituras e as interpretações da poesia por Hegel, embora mais demoradas e explícitas neste quarto volume, estendem-se pelos Cursos de Estética em sua inteireza. A relação entre a poesia e a vida social encontram em Hegel uma abordagem singular. Por vida social entenda-se a totalidade da vida. Hegel, na estética, e no demais temas de sua reflexão filosófica, é incontornável. Ponto de chegada e recomeço Reafirmar, neste ponto, a relevância de recomeçar sempre por um retorno aos textos e aos autores fundamentais é uma obviedade necessária. Sem Hegel como chegar à Marx e à sua interpretação do tempo presente enquanto contemporaneidade da época inaugurada pela Revolução Francesa, por exemplo?! Uma resenha dos Cursos de Estética, de Hegel, permite a defesa de uma tese: para ir à raiz da contemporaneidade Hegel é um começo; é um bom recomeço. Referências HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética I. Tradução de Marco Aurélio Werle; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll e Oliver Toller. 2. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2015. (Clássicos, 14) HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética II. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 18) HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética III. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 24) HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética IV. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. SãoPaulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 26) Notas [i] HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética I. Tradução de Marco Aurélio Werle; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll e Oliver Toller. 2. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2015. (Clássicos, 14) p. 53 [ii] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus; supervisão e notas Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 151 [iii] HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética I. Tradução de Marco Aurélio Werle; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll e Oliver Toller. 2. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2015. (Clássicos, 14) [iv] HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética II. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 18) [v] HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética III. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 24) [vi] HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética IV. Tradução de Marco Aurélio Werle, Oliver Toller; revisão técnica de Márcio Seligman-Silva; consultoria Victor Knoll. 1. ed; 1. reimpressão. São Paulo: EDUSP, 2014. (Clássicos, 26)
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