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MARIA CAROLINA RIBEIRO 2017.1 DIREITO DE FAMÍLIA LUCIANO LIMA FIGUEIREDO 1 MARIA CAROLINA RIBIERO INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS FAMÍLIAS HISTÓRICO: No início da história, os agrupamentos de pessoas eram baseados no instinto de sobrevivência. As pessoas se uniam para sobreviver. Em Roma, a unidade familiar tem uma importância que vai além da união entre pessoas. Há uma importância sob o ponto de vista religioso, político e até mesmo militar. Segundo Fustel de Coulange, havia uma propriedade pública e, a religião romana trazia uma adoração aos deuses, que eram os antepassados familiares. Quando alguém da família morria, enterrava-se essa pessoa em uma zona nesta propriedade. O culto de adoração a esses deuses era um culto sigiloso e, para que isso fosse possível, surgiu a necessidade de cercar a propriedade. Costuma-se falar ainda sobre o cristianismo e o legado do Imperador Constantino como marco importante no direito de família. Antes, para que o sujeito tivesse uma família, era necessário se casar. No contexto do cristianismo, Estado e Igreja se misturavam por demais, não havendo divisão exata. Diante disso, o casamento, que antes era um sacramento, acabou virando um instituto jurídico importante. Guilherme de Oliveira narra que, a década de setenta e oitenta foram responsáveis por importantes mudanças para o direito das famílias. Vários fatos ocorreram nessa década, contaminando a seara familiar. O primeiro fato importante a ocorrer foi a ascensão feminina. No Brasil, surgiu o Estatuto da Mulher Casada que, à época era progressista. Aliado a esse fato, o instituto do divórcio passou a ganhar mais força pelo mundo. Antes do divórcio, não haviam muitos conflitos. Após o divórcio houveram diversas mudanças e, um exemplo são as famílias recombinadas. Com o avanço da ciência, surgem os métodos artificiais de criação, e, isso influi no direito das famílias, visto que toca no tema da paternidade e da filiação. Atualmente, o direito de família é aquele que sofre o maior número de mudanças de posicionamento, possuindo maior produção legislativa. As relações, atualmente, se tornam cada vez mais efêmeras e, cada vez mais surgem possibilidades de conexões. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS: Orlando Gomes, desde 1980, afirma que a constitucionalização do direito civil é a migração de normas e princípios do direito privado para dentro da Constituição Federal. A Constituição Federal passou a tratar de institutos civis, a exemplo da função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII). Pietro Perlingiere indica que, ao constitucionalizar, o legislador acabou por publicizar o direito civil – isso porque, quando as normas civis migraram para a Constituição Federal, passaram a fazer parte de um diploma público e, estando em um diploma público, são normas de ordem pública. Constitucionalização e publicização não são expressões sinônimas: Constitucionalização é migração de normas e princípios de direito privado para dentro da Constituição Federal; é a verificação de que a Constituição trata de temas de direito civil. Já a publicização é a consequência: é a percepção de que quando a Constituição Federal trata das normas e princípios de direito civil, acaba publicizando os institutos. Nessa linha da constitucionalização do direito civil, verifica-se a constitucionalização do direito das famílias, pois, o art. 226 da Constituição Federal de 1988 expressamente trabalha em toda sua extensão com questões relativas ao direito das famílias. Ao se fazer a análise do art. 226, CF, é possível observar os princípios do direito das famílias. PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS FAMÍLIAS: Pluralidade das entidades familiares: Até a Constituição Federal de 1988, por força do cristianismo, no Brasil a família somente era enxergada dentro do casamento – para formar a família, era necessário casar. A filiação gerada fora do casamento era ilegítima e, os filhos ilegítimos poderiam ser de diversas modalidades. O artigo 226 da Constituição aponta três núcleos familiares típicos: o casamento, a união estável e a monoparental (união de um ascendente e sua prole). Na exposição de motivos da Constituição, os constituintes inseriram a união estável e a monoparental com base em pesquisas do IBGE, que indicavam que diversos brasileiros viviam juntos, mas não eram casados, necessitando de alguma tutela do direito. Questionou-se se o rol de núcleos familiares elencados na Constituição era taxativo ou exemplificativo: Paulo Lôbo foi o primeiro a escrever sobre a possibilidade de núcleos familiares atípicos, indicando que a enumeração constitucional é exemplificativa. Muitos autores rebateram a tese de Paulo Lôbo, indicando que a 2 MARIA CAROLINA RIBIERO enumeração era taxativa. Atualmente, majoritariamente, entende-se que o rol é exemplificativo e, além dos núcleos existem os núcleos atípicos. A discussão atual consiste em definir quais são as formas de entidades familiares que estão inclusas no rol exemplificativo. Família anaparental: A expressão ‘família anaparental’ foi criada por Sérgio Resende de Barros e, consiste na família formada por pessoas que são parentes entre si, ou ainda um núcleo no qual não haja pais. Essas pessoas terão proteção em relação a bens de família, segundo Resende. Luciano Figueiredo entende que há sentido na família anaparental quando existe consanguinidade, mas, nos casos em que isso não é vislumbrado, indica que não há porque definir o agrupamento de sujeitos como ‘família’ – ainda que se diga que a intenção é proteger o bem de família, é possível a proteção de outras formas. O STJ ainda não analisou a tese da família anaparental. Família unipessoal – “single family”: A família é formada somente por uma pessoa. O STJ possui a Súmula 364, tratando do tema. Essa súmula reconhece a família unipessoal para fins de proteção do bem de família. Um bem de família é um bem impenhorável, que não pode ser atingido por dívidas1. Família homoafetiva: Trata-se de família altamente reconhecida. Segundo o STF, aplica-se à família homoafetiva as regras da união estável (ADPF 132, RJ). O CNJ afirma a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Há quem diga que a expressão ‘família homoafetiva’ é discriminatória, indicando que a nomenclatura correta seria ‘união livre’. Família concubinária: A família concubinária é aquela que decorreria do concubinato. Para o STJ e STF, a família concubinária não é núcleo familiar, inclusive, esses tribunais não vem concedendo direitos relativos a esses núcleos familiares (alimentos, sucessão, pensão previdenciária). Há uma voz doutrinária crescente defendendo o reconhecimento da família concubinárias. Igualdade entre os consortes: Antigamente se falava em igualdade entre cônjuges, mas, a família atual não é apenas casamentaria, logo, fala-se me igualdade de consortes. Na época romana havia a figura do pater famílias: o pater famílias era a figura masculina e, sub-rogava todos os filhos e a esposa. O pater família possuía poder de vida e morte e, era responsável pelo controle do patrimônio. No Brasil, houve um período em que se falava em pátrio poder, que é o poder do pai. Na época do Código Civil de 1916 havia o regime dotal. Houve período no Brasil em que o homem escolhia o domicílio conjugal. Atualmente, essas ideias ficaram para traz: o pátrio poder foi substituído pelo poder familiar, a sociedade conjugal é regida pela vontade de ambos os consortes, não havendo mais a sub-rogação. Surge então a igualdade entre os consortes. Ainda assim, a legislação atual ainda traz resquícios do passado. Um exemplo é o art. 1.736, I, CC, que indica que a mulher casada pode se escusar da tutela, pois quando se criou essa norma se entendia que a mulher casada já tinhaque cuidar da casa, sendo difícil cuidar de um tutelado. Ainda existem passagens do direito nacional que ignora a igualdade entre consortes, mas ocorreram grandes avanços. O Código de Processo Civil de 2015, por exemplo, corrigiu o foro competente para a ação de divórcio: atualmente, o foro competente é o domicílio do réu, a não ser que haja direito de menor envolvido. Igualdade entre os filhos: A partir da Constituição Federal de 1988, acabou a distinção entre filhos legítimos e filhos ilegítimos. Filhos sempre terão direitos iguais, pouco importando a origem filial – é o que a doutrina chama de isonomia filial ou igualdade entre os filhos. A igualdade aqui é tratada sob o ponto de vista material (desigualar os desiguais na medida de sua desigualdade). Nem sempre isso foi assim: já houve período no Brasil em que o filho adotivo possuía participação hereditária menor do que o filho dito legítimo. Da análise do ponto de vista da igualdade, tem-se 1 Em São Paulo, um padre estava sendo executado e, o credor penhorou sua casa. No processo, o padre arguiu que o imóvel era bem de família. O credor indicou que o padre morava sozinho, não havendo núcleo familiar. O padre indicou que, ainda que morasse sozinho, a Constituição Federal garantia o direito à moradia. A questão foi ao STJ, que editou a súmula indicando o direito a habitação. Seria mais fácil adotas a mesma solução que alguns países, indicando que na verdade o bem não é de família, mas de moradia. 3 MARIA CAROLINA RIBIERO dois institutos de combate: se a desigualdade for material, financeira, o remédio é a propositura da ação de alimentos e, o sujeito que não paga alimentos pode ser preso. Se a desigualdade for afetiva, ou seja, há o abandono afetivo, o STJ entende ser cabível pedido de danos morais. Essa tese não foi acolhida de forma simples e, quando a tese surgiu, a doutrina se dividiu acerca do pagamento da indenização: o primeiro posicionamento defendeu o cabimento da indenização pelo abandono afetivo (Giselda Hironaka, Rodrigo da Cunha). De outro lado, havia parte da doutrina defendendo se tratar de dano não indenizável (Gustavo Tepedino). Os que defendem ser dano indenizável indicam que os pais têm dever de afeto em relação aos filhos. Quando o STJ acolheu a tese, entendeu que na verdade os pais têm dever jurídico de cuidado em relação aos filhos e, dentro do dever de cuidado se insere do deve de direcionar o filho, o acompanhar, etc. Facilitação da conversão da união estável em casamento: A Constituição Federal (art. 226) e o Código Civil (art. 1.726) trazem o princípio da facilitação da conversão da união estável em casamento. Pessoas que vivem em união estável devem possuir uma facilitação no casamento. Na Lei não há um regramento de facilitação, logo, acaba que há um princípio carecendo de instrumentalização maior. Esse princípio traz uma discussão interessante: questiona-se se existe uma pirâmide de afetos, mas a doutrina entende que não. Quando a lei indica que há um princípio da facilitação da conversão da união estável em casamento, a impressão é que o legislador quis trazer uma gradação, colocando o casamento em uma posição hierarquicamente superior. Facilitação da dissolução do casamento: Ao ser criado no Brasil, o casamento foi criado sob o paradigma da indissolubilidade. Por conta da influência do cristianismo, a indissolubilidade era prevista constitucionalmente, somente havendo a possibilidade após emenda constitucional. Inicialmente, o divórcio somente era possível uma vez e, para que isso ocorresse, era necessário que houvesse cinco anos de separação de fato. Com o tempo, passou-se a permitir a pluralidade de divórcios e, o prazo necessário para que houvesse o divórcio era de dois anos de separação de fato – esses dois anos eram chamados pela doutrina de prazo de reflexão. A EC 66/10 acabou com o prazo mínimo de divórcio. Houve então, uma facilitação, pois não há prazo mínimo de separação de fato e não há quantidade máxima de divórcios. No Brasil, é possível a realização de divórcio extrajudicial – o divórcio será extrajudicial quando todos forem maiores e capazes, houver consenso e presença de advogado (não importa a quantidade de patrimônio do casal). Paternidade responsável e planejamento familiar: O Estado deve promover políticas de planejamento familiar e paternidade responsável. Possibilidade ou impossibilidade do parto anônimo: O parto anônimo é um instituto abraçado em vários países, a exemplo dos Estados Unidos, segundo o qual, a gestante que não deseja ficar com o seu filho comunica o fato às autoridades responsáveis, e é acompanhada durante a gestação. Quando do nascimento da criança, são contados sessenta dias (prazo legal) e, após findado o prazo, direciona-se o menor para a adoção. A vantagem do parto anônimo é que, antes era necessário desconstituir a filiação pretérita para que ocorresse a adoção e, isso faz com o processo de adoção seja muito demorado. No parto anônimo não há porque desconstituir filiação pretérita, pois, se não ocorre a vinculação anterior, em tese não há filiação pretérita. O projeto de lei do parto anônimo encontra grande resistência do Brasil, pois, em algumas cidades há houve a chamada roda dos excluídos ou roda dos expostos2. É interessante que os dois lados trazem como base argumentativa o mesmo princípio: quem defende o parto anônimo indica que ele promove a paternidade responsável, pois a criança irá ficar com um casal que tenha condições de a prover. Quem combate o parto anônimo indica o mesmo não promove a paternidade responsável, porque os pais responsáveis deveriam criar a criança. 2 Havia um muro e uma espécie de roldana de madeira. As mães que não queriam os filhos colocavam os bebês nessa roda e, do outro lado haviam casais que queriam ter filhos e que pegavam essas crianças. 4 MARIA CAROLINA RIBIERO CONCEITO DE FAMÍLIA: É possível afirmar que o conceito de família mudou bastante, diante de uma comparação entre a época de vigência do Código Civil de 1916 e a vigência do Código Civil de 2002. A família do Código Civil de 1916 era uma família casamentaria, somente sendo formada no casamento. Por outro lado, a família do Código Civil de 2002 é uma família plural. A família do Código Civil de 1916 era hierarquizada, pois havia o pátrio poder, ou seja, o poder do pai sobre todos. A família do Código Civil de 2002 é igualitária, pois há igualdade de poder familiar. Em 1916, a família era patriarcal, pois era fundada no poder do pai, diferentemente da família democrática vista atualmente. A família de 1916 era necessariamente heterossexual e, esse paradigma foi quebrado em 2002. Maria Berenice Dias afirma que, o conceito atual de família parte de uma premissa sócioafetiva e eudemonista. Sócioafetiva porque atualmente, o que deve gerar a família é o afeto. Além de sócioafetiva, a família é eudemonista, porque deve seguir o projeto de felicidade dos seus integrantes. Partindo dessa linha de pensamento, atualmente a doutrina constrói o caráter instrumental do conceito de famílias. Antigamente a família era vista como um fim em si mesmo. Atualmente a família possui um caráter instrumental, ou seja, a família é um instrumento para a tutela dos seus integrantes. O grande objetivo da família é a proteção dos seus integrantes. A súmula 364 do STJ protege o bem de família do sujeito que é solteiro, ou seja, há a proteção do ser, independentemente da composição familiar. A doutrina afirma que é possível verificar o conceito de família em um caráter amplíssimo, em um caráter amplo e em um caráter restrito. O conceito amplíssimo engloba as pessoas ligadas por parentescoou por afinidade, bem como aqueles que habitam o lar. Sob o ponto de vista legislativo, o art. 241 da Lei 8.112/90 indica que consideram-se família do servidor, além do cônjuge e filho, qualquer pessoa que viva as suas expensas, desde que devidamente declarada em seu assento individual. Ao lado do conceito amplíssimo há o conceito amplo de família, que engloba aqueles unidos por parentesco em linha reta de forma ilimitada, e na colateralidade até o quarto grau, bem como os parentes por afinidade. Parente em linha reta são os ascendentes e descendentes. Parentes colaterais retas são irmãos (segundo grau), sobrinhos e tios (terceiro grau) e primos (quarto grau). Parentes por afinidade decorrem do casamento ou da união estável. O conceito restrito indica que família são apenas as pessoas que se uniram e a sua prole. Atualmente o conceito de família acaba sendo um conceito muito fluído, sofrendo variações a depender do assunto que se estuda. De um lado isso traz maleabilidade conceitual, mas de outro, traz indeterminação. NATUREZA JURÍDICA: Em um primeiro momento, debateu-se se a família seria uma pessoa jurídica, porém, essa tese é ultrapassada. A família também não possui natureza de pessoa física, logo, constitui um ente despersonalizado. O ente despersonalizado é aquele desprovido de personalidade e, essa é a natureza jurídica da família. Essa tem sido a tese preponderante na doutrina. CASAMENTO EVOLUÇÃO HISTÓRICA: Primeiramente no Brasil, por influência de Portugal, o casamento somente se dava entre católicos e de acordo com a religião católica. Apenas em 1861 se passou a permitir o casamento entre não católicos, entretanto, ainda havia a exigência de que o casamento fosse feito de forma religiosa. Com o tempo e o aparecimento da república, surgiu o DL 181/1890, fazendo nascer no Brasil o casamento civil. Com o Decreto Lei, nasceu o casamento civil, mas não houve ampla aceitação social, pois, até então somente havia casamento religioso. O costume do casamento religioso era muito forte. Tentando confluir essas ideias, a lei 379/1937 criou no Brasil a modalidade do casamento religioso com efeitos civis, que ainda é a modalidade preferida pelos brasileiros. O professor Washington de Barros, verificando a evolução legislativa do tema no Brasil, resolveu fazer um estudo de direito comparado. O primeiro grupo estudado era composto por países onde apenas o casamento civil é válido, permitindo-se porém o casamento religioso com efeitos civis – Brasil, Argentina, Alemanha e Suíça. O segundo grupo era composto por países que dão validade tanto ao casamento civil quanto ao casamento religioso – EUA e Inglaterra. O terceiro grupo de países foram aqueles 5 MARIA CAROLINA RIBIERO onde o casamento é religioso e permite-se apenas o casamento civil para aqueles que não seguem a religião oficial – Grécia. O último grupo de países são os países que somente admitem o casamento religioso – Líbano. No Brasil o casamento é civil, mas permite-se o casamento religioso com efeitos civis (art. 1.511 e 1.515, CC). NATUREZA JURÍDICA: Existem dois grupos de teses iniciais: publicistas e privatistas. Os publicistas defendem a ideia de que o casamento é um ato administrativo e, essa tese está vencida. Os privatistas defendem que o casamento é um ato privado, e essa é a tese majoritária, no entanto, a corrente privatista se subdivide em três. A primeira subdivisão abarca os institucionalistas, que visualizam o casamento como uma instituição (alguns chamam os institucionalistas de não- contratualistas). A segunda subdivisão é composta pelos contratualistas, que vislumbram o casamento como um contrato que sofre uma pequena intervenção estatal. A tese contratualista é a tese majoritária no Brasil. A terceira corrente é a mista ou eclética e, defende que o casamento seria um contrato-instituição: um contrato porque os cônjuges adentram através de uma manifestação de vontade. Instituição porque as regras sofrem grande incidência de questões de ordem pública. Atualmente, a tese majoritária é a contratualista, pois o casamento decorre de manifestação de vontade. Como o casamento é um contrato, a sua natureza jurídica é de negócio jurídico (diferenciado, mas ainda um negócio jurídico). PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA: O plano de existência não é regulado pelo Código Civil, mas sim pela doutrina. Tradicionalmente, três eram os pressupostos da existência. O primeiro pressuposto era a diversidade de sexos, que não mais se mantém nos dias de hoje, já que no Brasil há resolução expressa no CNJ que determina a realização de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Alguns países precisaram alterar a Constituição Federal, outros precisaram alterar a legislação infraconstitucional. Somente no Brasil a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo se dá através de uma resolução administrativa e, há crítica em relação a isso, pois há a necessidade de permissão expressa no Código Civil. O segundo pressuposto de existência é o consentimento, ou seja, a vontade dos nubentes, que deve ser manifestada de forma livre e desembaraçada. A Lei de Registros Públicos indica que, aquele que realiza o casamento deverá realizar a sua suspensão se achar que há dúvidas. O terceiro pressuposto é a realização por autoridade materialmente competente. Segundo a doutrina, se a incompetência da autoridade for relativa, a exemplo da incompetência territorial, a consequência será uma nulidade relativa (art. 1.550, VI, CC). Em uma análise positivista, em qualquer hipótese de incompetência da autoridade celebrante, o casamento será anulável, pois, ao analisar o art. 1 .550, VI, CC, não há especificação acerca do tipo de incompetência (absoluta ou relativa). Casamento aparente – art. 1.554, CC: O casamento aparente é aquele celebrado por pessoa incompetente, mas que publicamente exerce a função de juiz de casamento e, nessa qualidade levou o casamento ao registro civil. Nessa circunstância o casamento é válido, pois há a aplicação da teoria da aparência. VALIDADE DO CASAMENTO: O plano de validade é uma adequação, ou seja, verifica-se se o ato existente é adequado e recebido pelo ordenamento jurídico. No Brasil, o sujeito pode se casar a partir dos dezesseis anos de idade, quando se adquire a capacidade núbil. No Brasil, já houve um período em que a mulher poderia se casar mais jovem do que o homem, mas, isso não se mantém. Se o sujeito possuir idade entre dezesseis e dezoito anos, segundo os arts. 1.517 a 1.519 do CC, será necessária uma autorização. A autorização deverá ser dada pelos pais ou responsáveis. Se houver divergência entre os pais, o juiz é quem resolverá acerca da autorização (art. 1.631, parágrafo único) – o juiz deverá decidir com base na proteção integral do menor. Se a negativa de ambos os pais for injusta, o menor também poderá buscar a autorização judicial. Quem se casar através de suprimento judicial, se casará em regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC). Questiona-se se, em alguma circunstância é possível o casamento do menor de dezesseis anos e, o art. 1.520, CC, traz duas hipóteses afirmando essa possibilidade. A primeira hipótese é gravidez. Se segunda hipótese é a de evitar o cumprimento ou a imposição de pena criminal. Essa segunda hipótese apresenta um problema: o Código Penal, historicamente, no art. 107, incisos VII e VIII, trazia como causa de extinção da punibilidade em determinados 6 MARIA CAROLINA RIBIERO crimes contra os costumes, o casamento com o ofensor ou com terceiro. Por conta disso, o Código Civil permitiu o casamento. A Lei 11.106/05, revogou os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal e, a permissão do casamento pelo Código de Civil acabou por perder a lógica. Por conta disso, parcela da doutrina defende a derrogaçãotácita da hipótese trazida pelo art. 1.520, CC. Segunda parcela da doutrina defende que, como não houve revogação expressa e, a mudança na seara penal foi uma novatio legis in pejus, a norma cível continuaria, sendo aplicada a excludente a casamentos posteriores à reforma legislativa, referentes a crimes anteriores à reforma. Se o menor de dezesseis anos vier a se casar, será necessário a autorização judicial. Impedimentos matrimoniais: Para que duas pessoas se casem entre si, não basta apenas a capacidade núbil, sendo necessária a legitimação. Legitimação são hipóteses nas quais para a prática de um determinado ato na vida civil será necessário um plus na capacidade. É o caso do casamento. Impedimentos matrimoniais são hipóteses em que as partes possuem capacidade núbil, entretanto, não podem se casar entre si, por conta de questões de ordem ética. Essas hipóteses se encontram no art. 1.521, CC, que elenca o rol de pessoas impedidas entre si. O inciso I indica que não podem casar os ascendentes com os descendentes, seja parentesco natural ou civil – os efeitos da adoção têm exatamente os mesmos efeitos do parentesco natural. O inciso II dispõe que não podem se casar os afins em linha reta. Os afins em linha reta são os sogros – o parentesco por afinidade na linha reta é indissolúvel. A união estável também gera o parentesco por afinidade. O parentesco por afinidade colateral é desfeito com o fim do casamento ou da união estável. O inciso III é desnecessário, pois indica que não podem casar o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante – isso porque, nesse caso há parente afim em linha reta, pois a adoção gera exatamente os mesmos efeitos do parentesco natural, então o inciso III replica o inciso II em relação à adoção. O inciso IV indica que os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau não podem casar – irmão unilaterais ou bilaterais (germano) não podem casar entre si. Não é possível o casamento entre os demais colaterais até o terceiro grau (tio e sobrinho). O inciso V dispões que o adotado não pode se casar com o filho do adotante – o adotado é irmão do filho do adotante, logo, novamente há repetição do inciso anterior. Segundo o inciso VI, também não podem se casar as pessoas casadas – ou seja, os casados não podem se casar com outras pessoas na vigência do primeiro casamento, sendo necessário o divórcio, inclusive, bigamia é crime. Por fim, não podem se casar o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio com o seu consorte – tal proibição ocorre por questão de ordem ética e moral. O rol do art. 1.521, CC é todo pautado em questões éticas. Se a questão é ética, ela será de ordem pública e, por isso, o impedimento pode ser conhecido de ofício pelo juiz ou pelo oficial de registro (parágrafo único, art. 1.522, CC). Além disso, qualquer pessoa capaz poderá arguir o impedimento até o momento da celebração do casamento. Se, mesmo havendo um impedimento, o casamento ocorrer, a consequência será a nulidade absoluta do casamento. Causas suspensivas: Além dos impedimentos, no casamento é possível que se verifique uma causa suspensiva. As causas suspensivas se encontram no art. 1.523, CC e, são hipóteses em que o legislador aconselha que não haja o casamento. O legislador aconselha que não haja o casamento por conta de receio de mistura patrimonial – há o receio de que o casamento gere confusão de patrimônios com o relacionamento anterior. A primeira hipótese indica que, não devem casar, o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventario dos bens do casal e der partilha aos herdeiros. Se o casamento ocorrer sem a partilha do inventário, a tendência é que haja mistura dos patrimônios. A segunda hipótese dispõe que não devem casar a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal . O inciso três indica que o divorciado não deve casar, enquanto não houver sido homologada ou decida a partilha de bens do casal – aqui, ainda corre na justiça litígio sobre partilha patrimonial e, havendo casamento posterior, pode haver confusão patrimonial. O inciso IV dispõe que não devem casar o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem 7 MARIA CAROLINA RIBIERO saldadas as respectivas contas – é necessário que sejam saldadas as respectivas contas, caso contrário, pode haver mistura de patrimônio. Havendo o casamento dentro dessas hipóteses, o mesmo seguirá o regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC) – o casamento em separação obrigatória não irá causar mistura ou confusão patrimonial. Questiona-se se, seria viável afastar uma causa suspensiva e escolher o regime de bens – essa hipótese é possível: caso os nubentes comprovem que não há nenhum prejuízo e nem mistura patrimonial, o juiz poderá liberar a escolha do regime de bens, afastando a causa suspensiva. Causa suspensiva é questão de ordem privada, pois o risco é patrimonial. Sendo questão de ordem privada, só podem arguir a causa suspensiva, os parentes em linha reta e colaterais até segundo grau dos nubentes (art. 1.524, CC). Anulabilidades: As anulabilidades estão previstas a partir do art. 1.550, CC. Os dois primeiros incisos indicam que, é anulável o casamento do menor sem idade mínima ou sem a respectiva autorização. A teoria das nulidades do casamento não é igual à teoria das nulidades da parte geral. Se o sujeito se casou sem idade mínima ou sem autorização, o casamento é anulável. Se do casamento realizado sem idade mínima ou sem autorização resultar gravidez, o casamento convalida. Isso porque essa é uma hipótese em que se pode casar mesmo sendo menor de dezesseis anos. A anulação do casamento do menor ou daquele que não possui autorização deverá ser pleiteada pelo próprio cônjuge, seu representante legal ou seu ascendente (art. 1.552, CC). Ao completar a maioridade, é possível a convalidação do casamento através da ratificação do ato. Segundo o inciso III, é anulável o casamento por vício de vontade. Ao tratar dos vícios de consentimento, deve-se analisar com cuidado a coação e o erro essencial quanto à pessoa. O sujeito pode ser coagido a se casar com outra pessoa e, a coação não tem difere da coação estudada na parte geral. A coação deve ser atual, iminente, grave e injusta, podendo ser direcionada ao próprio sujeito ou a terceiro. O erro essencial quanto à pessoa, invariavelmente é um fato anterior ao casamento, cuja descoberta se dá depois do casamento e torna impossível a continuidade da vida em comum. As hipóteses de erro estão previstas no art. 1.557, CC. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Um exemplo bastante cidade é o da transgenitalização. O STJ tem entendimento sedimentado de que, na hipótese de cirurgia de transgenitalização, é possível a alteração do registro tanto no nome quanto no gênero e, isso ocorre sem nenhum tipo de prenotação. Quando um cônjuge não sabe que o outro passou por tal cirurgia, há erro quanto a pessoa a respeito de sua identidade, logo, o casamento é anulável. A segunda hipótese de erro ocorre quando o outro cônjuge não sabe que seu consorte praticou crime anterior ao casamento, crime este que por sua natureza torna insuportável a vida conjugal. A terceira hipótese de erro diz respeito à ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou demoléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência . Veja-se que as hipóteses são de fatos anteriores e desconhecidos, que somente são descobertos após o casamento. Antes, havia previsão da possibilidade de anulação por doença mental grave. Na época que o casamento era indissolúvel, o instituto do erro era muito importante. Atualmente a ação de erro serve para que se tente desfazer o casamento religioso. Também é hipótese de anulabilidade o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento. O casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contratante soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges também pode ser anulado – o mandatário é o procurador e, a revogação da procuração é ato unilateral. Por fim, será anulável o casamento por incompetência da autoridade celebrante. A doutrina entende que só será anulável se a incompetência for relativa. Observação 1: Desde o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o deficiente, desde que com a idade legal, tem capacidade núbil para se casar sozinho ou através do seu curador (art. 1.550, §2º). Observação 2: Os prazos para anular o casamento estão contidos no art. 1.560, CC e variam de cento e oitenta dias a quatro anos – tratam-se de prazos decadenciais, contados a partir da ciência. 8 MARIA CAROLINA RIBIERO Observação 3: Um casamento anulável pode ser convalidado. Havendo a perda dos prazos decadenciais, o casamento é convalidado. Observação 4: O casamento putativo é chamado de casamento imaginário e está regulado no art. 1.561, CC. Trata-se de casamento inválido, cujos efeitos serão preservados até a data da decisão para aquele que estiver de boa-fé. Podem estar de boa-fé ambos os cônjuges, e o efeito é preservado para ambos. Pode estar de boa-fé somente um dos cônjuges, e os efeitos somente são preservados para ele. Podem estar de boa-fé somente a prole, e os efeitos só serão preservados em relação a eles. Formalidades e celebração: Antes do casamento ocorrer, o sujeito precisa realizar um procedimento prévio. As formalidades preliminares têm como objetivo gerar a chamada habilitação para o casamento, ou seja, verificar se duas pessoas estão efetivamente habilitadas para se casar. Esse processo de habitação ocorrerá perante uma vara de registro civil, que na verdade é uma vara específica para registros de casamentos. Trata-se de um processo que a doutrina chama de judiciale forme – ou seja, há um processo que apesar de envolver o juiz, tem cunho administrativo (é um processo híbrido). Apesar de haver o magistrado, não é preciso que haja advogado, por exemplo. Esse processo de habilitação acaba por revelar uma ação estatal preventiva - o Estado, preventivamente, irá verificar se duas pessoas podem se casar entre si. O grande objetivo do processo de habilitação é a verificação da capacidade núbil, a existência de impedimentos e a existência de causas suspensivas. Na prática, o primeiro passo são as chamadas formalidades preliminares. As formalidades preliminares nada mais são do que um requerimento de habilitação mais a documentação exigida na lei (art. 1.525, CC). Esse requerimento de habilitação pode ser feito de próprio punho ou através de procurador. A doutrina tradicionalista debate se poderia haver um procurador para ambos os nubentes ou se deveria haver um procurador para cada nubente. Para Washington de Barros deveria haver um procurador para cada nubente, pois é possível que haja colisão de interesses. O posicionamento atual, porém, é que pode haver procurador único. O requerimento da habilitação vem junto com a documentação. É necessária a certidão de nascimento ou documento equivalente, para que seja possível verificar a capacidade núbil. Ainda é exigida a autorização ou suprimento judicial – apenas será exigido para aqueles que tiverem idade entre dezesseis e dezoito anos. O terceiro documento é a declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecer os nubentes e que não há impedimento matrimonial. O quarto documento é a declaração do estado civil, domicílio e residência dos nubentes e pais. O último documento necessário é o comprovante da dissolução de eventual casamento pretérito. Após as formalidades preliminares há a participação do Ministério Público – o Ministério Público emitirá um parecer e, se houver algum documento faltante, as partes são chamadas para a complementação. O terceiro passo é a homologação pelo juiz (art. 1.526, CC). Ocorrendo a homologação, há a publicação dos proclamas (art. 1.527, CC). O proclama é um edital que será fixado por quinze dias no registro civil de ambos os nubentes e publicado pela impressa oficial. O prazo de quinze dias é um prazo para que o sujeito que possui alguma impugnação contra o casamento, a ofereça. Havendo impugnação, as partes serão ouvidas e o juiz irá julgar a impugnação. O quinto e último passo é a habilitação para o casamento (art. 1.531 e art. 1.532, CC). O sujeito está habilitado para casar com a pessoa específica no prazo de noventa dias e, esse prazo é decadencial. Se há a perda do prazo é necessário realizar novamente o procedimento desde o início. Todas as fases juntas são chamadas de processo de habilitação. Em regra, o casamento será civil (art. 1.512, CC). A regra geral no Brasil é que o casamento é civil e é gratuita a sua celebração. A celebração padrão é que é gratuita – somente se pagam valores relativos às taxas cartoriais. A segunda modalidade de casamento é o casamento religioso com efeitos civis (art. 1.515, CC): religiosa será apenas a celebração, pois há a necessidade de realizar todo o processo prévio de habilitação. Não havendo a habilitação, somente ocorre o casamento religioso, ou seja, civilmente os sujeitos não são casados, somente sendo possível que exista união estável. A celebração pode ser em qualquer religião, pois o Estado é leigo, laico e não confessional. 9 MARIA CAROLINA RIBIERO Formas especiais: Existem ainda as chamadas formas especiais de casamento. Casamento por procuração (art. 1.542, CC): Quando se fala em casamento por procuração há a outorga do mandato para que alguém represente o sujeito na celebração do casamento. A procuração não é uma procuração qualquer, mas uma procuração para que alguém represente o sujeito em seu casamento, por isso, existem requisitos específicos. A procuração deve ser por instrumento público. Além disso, é necessário que haja expressamente a outorga de poderes especiais. Essa procuração possui validade de noventa dias. Não cabe casamento por procuração na hipótese de casamento nuncupativo – o casamento nuncupativo é aquele em que o sujeito está em perigo de morte. O mandato pode ser revogado – o que é feito por instrumento público só pode ser revogado por instrumento público. É possível que o sujeito faça a revogação da procuração e que, ainda assim, o procurador sem saber da revogação, realize o casamento. A consequência disso é que o casamento será anulável (art. 1.550, CC). Se o casamento é anulável ele pode ser convalidado. A convalidação ocorre se os nubentes tiverem coabitação posterior. Há um debate doutrinário questionando se a hipótese seria de procurador ou de núncio. O procurador irá agir no melhor interesse do mandante, tendo um espaço decisório. O núncio é o mero transmissor da vontade. O Código Civil utiliza a nomenclatura de ‘procuração’, mas tecnicamente há o núncio. A transmissão equivocada da vontade por interposto é anulável. Casamento por moléstia grave (art. 1.539, CC): O sujeito que tem uma moléstia grave possui uma doença grave, mas não está em iminente risco de morte. Por conta disso, a lei facilita o matrimônio.A primeira facilitação é que é possível através de requerimento a dispensa do proclama, com um processo de habilitação mais célere. A segunda facilitação é que o juiz (de direito ou de paz) poderá ir até o impedido, ainda que a noite. Perante duas testemunhas que saibam ler e escrever, o juiz casa o sujeito. Se o oficial de registro não for, o juiz poderá realizar uma nomeação ad hoc. O juiz utiliza o termo avulso e em cinco dias realiza o registro. Casamento nuncupativo ou in extremis (art. 1.540, CC): Neste caso o sujeito está em iminente risco de vida. Não haverá processo de habilitação e essa é única hipótese onde há a dispensa de habilitação. Essa forma de casamento também dispensa o juiz. Serão necessárias seis testemunhas – testemunhas estas que não podem ser parentes de nenhum dos nubentes nem em linha reta nem em linha colateral até segundo grau. Nesse caso, o casamento ocorre de forma bastante específica. As testemunhas levarão a notícia ao oficial de registro. Devem ocorrer audiências e por fim, ocorrerá a homologação. A regra geral é que o casamento seja civil ou que seja religioso como efeitos civis. Diante da regra geral, o casamento deverá ser feito de portas abertas com ampla publicidade e perante duas testemunhas. O ato meramente religioso ou privado pode ocorrer a portas fechadas. Se o casamento for civil, durante a celebração a porta deverá estar aberta – isso porque se alguém quiser arguir impedimento, deve haver uma forma de entrar. O Código Civil somente exige duas testemunhas, mas podem existir mais. Caso algum dos nubentes não saiba ler e escrever, são necessárias quatro testemunhas (art. 1.534, CC). Os sujeitos estarão efetivamente casados quando for feita a leitura da fórmula sacramental (art. 1.535, CC). Logo após o casamento, a certidão será levada ao registro (art. 1.536, CC). A certidão de casamento irá substituir a certidão de nascimento. A certidão de casamento é a rainha das provas do casamento – é o que a doutrina chama de prova direta. Caso haja perda ou falta do registro civil, o sujeito deverá se utilizar da prova indireta para comprovar a posse do estado de casado. A prova indireta só pode ser utilizada na ausência da prova direta (arts. 1.543 a 1.547, CC) – nesse caso a lei traz o princípio do indubio pro casamento. EFICÁCIA: Ao falar em eficácia do casamento, trata-se dos efeitos do casamento. O casamento possui efeitos de três ordens: efeitos sociais, efeitos pessoais e efeitos patrimoniais. Os efeitos sociais são externos e dizem respeito à sociedade – a emancipação pelo casamento, por exemplo, é um efeito social, assim como a alteração do estado civil, aquisição do sobrenome, impedimento matrimonial. Além dos efeitos sociais há os efeitos pessoais, que dizem respeito aos envolvidos 10 MARIA CAROLINA RIBIERO no casamento – são os deveres pessoais do casamento, a exemplo da fidelidade recíproca. Por fim, existem os efeitos patrimoniais, que dizem respeito ao regime de bens. Deveres pessoais: Ao falar em efeitos pessoais do casamento, trabalha-se com os deveres das partes envolvidas no matrimônio. Esses deveres estão tratados no art. 1.566 do Código Civil. O primeiro dever é a fidelidade recíproca – o adultério continua sendo ilícito civil. Para haver quebra de fidelidade recíproca, indica a doutrina moderna que não há a necessidade de conjunção carnal. Esse é um debate da época em que adultério constituía tipo penal. Nessa linha de pensamento, há vozes doutrinárias defendendo a possibilidade de configuração da chamada infidelidade virtual, mesmo que não haja encontro físico (até porque há a necessidade de respeito e consideração mútua). O segundo dever pessoal é a vida em comum no domicílio conjugal, que a doutrina costuma denominar de coabitação. A coabitação vinha sendo dividida pela doutrina em coabitação objetiva (more uxório) e subjetiva (débito conjugal). A coabitação objetiva é viver sobre o mesmo teto, compartilhar o mesmo domicílio. A coabitação subjetiva seria uma obrigação recíproca de manutenção de relações sexuais durante o casamento (não é mais visualizada). O terceiro dever é a mútua assistência e, segundo a doutrina há a subdivisão em mútua assistência moral ou subjetiva e mútua assistência material ou objetiva. A mútua assistência objetiva indica que os cônjuges devem se ajudar financeiramente. A assistência moral diz respeito ao auxílio moral. Ainda há o dever de sustendo, guarda ou educação dos filhos – esse dever decorre do próprio dever familiar. O último dever é o respeito e consideração mútuos. Questiona-se se os deveres do art. 1.566, CC instrumentalizam questões de ordem pública, não havendo possibilidade de mitigação, ou questões de ordem privada, sendo viável o seu afastamento pelos consortes no caso concreto. Esse é um debate relevante e, a depender do dever, a maioria doutrinária caminha para a possibilidade ou impossibilidade. A coabitação (more uxória) é entendida pela maioria da doutrina como algo passível de mitigação. Por outro lado, a doutrina majoritária entende não ser possível a relativização da fidelidade recíproca. Deveres patrimoniais (regime de bens): O regime de bens é o conjunto de regras que regulam o chamado estatuto patrimonial do casamento. Verifica-se o que é de cada um. Não se deve confundir regime de bens com comunhão de bens. A comunhão de bens nem sempre decorre de um regime de bens (é possível que a comunhão de bens decorra de um condomínio, por exemplo). Nem todo regime de bens gera comunhão de bens, a exemplo do regime de separação. Princípios gerais: A depender do autor, podem ser indicados três ou dois princípios. Liberdade de escolha: A regra geral é que os nubentes têm liberdade na escolha do regime de bens. Existem situações excepcionais em que não há escolha, ocorrendo imposição legal, a exemplo do casamento do maior de setenta anos e daquele que casa enquanto há pendência da causa suspensiva. O mecanismo de exercício para a liberdade de escolha é o pacto antenupcial (mecanismo hábil para a escolha do regime de bens). O pacto antenupcial também pode ser chamado de pacto pré nupcial, convenção matrimonial ou convenção dotal. O pacto é chamado de antenupcial porque ocorre antes do casamento. O pacto antenupcial nada mais é do que um contrato onde as partes irão eleger o regime de bens do casamento. Esse pacto deverá ser realizado por escritura pública , sob pena de nulidade absoluta. Além disso, o pacto antenupcial somente produzirá efeitos no momento do casamento, havendo portanto, condição suspensiva. Se há a desistência do casamento, o pacto será válido, porém ineficaz, visto que não ocorreu a condição suspensiva. Não é possível a inserção de cláusula postergando o efeito do pacto – o pacto produzirá efeitos no momento do casamento. Para que o pacto antenupcial possua eficácia erga omnes, haverá de ser levado ao registro no cartório de registro de imóveis do domicílio dos cônjuges (art. 1.657, CC), pois, todos que forem contratar com os cônjuges irão saber que há pacto antenupcial. Se a escritura não for levada ao registro, continua havendo eficácia inter partes. Se um dos cônjuges for empresário, há a necessidade de levar o pacto à sua 11 MARIA CAROLINA RIBIERO inscrição de empresário. A certidão de casamento indica o regime escolhido. O menor de dezoito anos pode realizar o pacto antenupcial, porém é necessária a presença do representante, a não ser que o regime seja de separação (art. 1.654, CC). Se o pacto possui qualquer cláusula que desrespeite questão de ordem pública, a cláusula será nula. O art. 184, CC indica que se o contrato for inválido em parte, somente essa parte será invalidada. Se o pacto for nulo o casamento não será invalidado – a nulidade do acessório não atingeo principal. Se o casamento for nulo, em regra o pacto também o será, pois o acessório segue a sorte do principal. Há uma exceção em que o casamento é nulo e o pacto se mantém, qual seja o casamento putativo. Nesse caso, o pacto produzirá efeitos até a data da sentença anulatória. Debate-se se o pacto antenupcial somente se presta a tratar de questões patrimoniais ou se outras cláusulas podem ser inseridas nele. Gustavo Tepedino afirma que o pacto pode regular outros temas já que o Código Civil não faz a restrição de forma expressa. Entretanto, o regramento de outros temas não poderá atingir questão de ordem pública e, se isso ocorrer a cláusula será nula. Debate-se o que atinge e o que não atinge questão de ordem pública. A ideia de versar sobre temas além das questões patrimoniais chegou ao Brasil por influência do direito inglês e do direito norte americano. Cláusula regulando afazeres domésticos: Para a maioria da doutrina isso seria possível. Cláusula regulando a opção educacional dos filhos: Segundo Débora Gozzo, é possível a inserção da cláusula. Cláusula regulando formas reprodutivas: Segundo a doutrina é possível, porém não há sentido, pois quando há a utilização de fertilização artificial, é necessário que haja consentimento expresso e específico. Cláusula de infidelidade: A doutrina entende não ser possível a inserção de tal cláusula, pois haveria ofensa à questão de ordem pública, qual seja a fidelidade recíproca. Minoritariamente, Luciano Figue iredo entende ser possível, pois não entende que a monogamia seja questão de ordem pública. Cláusula penal por traição: A maioria da doutrina entende não ser possível. Cláusula penal por término imotivado: A maioria endente não ser possível, pois acaba por transformar o casamento em uma prisão. Essa cláusula acaba por ferir a autonomia privada. Cláusula regulando as regras processuais do futuro divórcio: Com o Código de Processo Civil de 2015 é possível o chamado negócio jurídico processual, desde que respeitadas as regras. Variedade: É uma decorrência da liberdade de escolha. Quando os sujeitos realizam o pacto antenupcial, é possível a escolha de um dos regimes de bens disciplinados pelo Código Civil. A variedade afirma que os nubentes poderão criar o regime atípico, ou seja, um regime híbrido que misture regras de regimes já existentes. Há uma tendência de que o regime de bens híbrido gere problemas. A variedade é tão somente a possibilidade dos sujeitos escolherem ou um regime pré determinado ou um regime híbrido. Quando os sujeitos não escolhem o regime de bens ou quando há alguma nulidade na escolha do regime, o Código Civil dará o regime da comunhão parcial (art. 1.640, CC). A doutrina chama o regime de comunhão parcial de regime supletivo. A comunhão parcial só se tornou o regime supletivo em 1977, a partir da Lei 6.515/77. Antes de 1977, o regime supletivo era de comunhão universal. Mutabilidade: O Código Civil de 2002 inovando a legislação anterior trouxe a possibilidade de alteração do regime de bens no curso do casamento. O antecedente histórico relacionado a este tema encontra-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 7º, §5º). A LINDB possibilitava a alteração do regime de bens daquele que adquirisse a nacionalidade brasileira – essa hipótese era bastante específica. O Código Civil de 2002, inovando a legislação pretérita, no art. 1.639, §2º, trouxe a possibilidade de alteração do regime de bens. A alteração do regime de bens demanda a observância de requisitos importantes. O primeiro requisito é o pedido conjunto e motivado de ambos os cônjuges. Se o pedido é conjunto, não há como impor ao cônjuge a mudança de regime. Como o pedido é conjunto, a jurisdição é voluntária e o advogado pode ser único. Além de conjunto, é necessário que o pedido tenha 12 MARIA CAROLINA RIBIERO um motivo e, nesse ponto reside discussão. Questiona-se se o motivo pode ser de ordem técnica ou se pode ser de ordem pessoal. O primeiro motivo de ordem técnica possui previsão no art. 977, CC: pessoas casadas entre si em comunhão universal não podem ser sócias – isso porque há o receio de que haja confusão patrimonial entre os bens do casamento e os bens da empresa. Caso os cônjuges queiram ser sócios, a saída é solicitar a alteração de regime de bens. Também não pode contrair sociedade aqueles que são casados em separação total de bens. Um segundo motivo de ordem técnica diz respeito ao art. 1.523, CC: esse artigo trata das causas suspensivas do casamento. A consequência do casamento em desrespeito a causa suspensiva é a obrigatoriedade do regime de separação total de bens – quando a causa suspensiva cessa, caso os cônjuges queiram é possível arguir esse motivo para que haja a mudança do regime de bens. Esses são os dois principais motivos de ordem técnica para a alteração de regime de bens, mas, existem motivos pessoais, porém, sobre a possibilidade desses últimos, há debate. A maioria da doutrina inclina-se no sentido da possibilidade de arguição de motivos de ordem pessoal. O segundo requisito para a mudança é a necessidade de processo – o Código de Processo Civil de 2015 passou a regulamentar o processo de alteração do regime de bens. Se todos os evolvidos fosse pessoas maiores e capazes, deveria ser viável a alteração de regimes de bens no tabelionato. O juízo competente em Salvador é a Vara de Família e Sucessões. Essa ação precisa ser proposta conjuntamente e é necessário que haja parecer do Ministério Público, pois há alteração do registro de casamento. Deverá haver a publicação de editais, pois a mudança do regime de bens não pode prejudicar terceiros – o juiz apenas poderá julgar o processo após trinta dias da publicação do edital. Como não é possível o prejuízo a terceiros, defende a doutrina que a alteração do regime de bens terá efeitos ex nunc (não retroativos), justamente para proteger eventuais credores pretéritos. Além disso, já que não se pode prejudicar terceiros, exige-se uma vasta documentação: os Tribunais possuem regulamentos tratando sobre o assunto. Na alteração de regime de bens, questiona-se se o sujeito pode manejar a ação com sucesso ainda que o casamento seja anterior à 2002, pois a alteração de regime só passou a ser possível após a edição do Código Civil de 2002: a primeira tese é defendida por Maria Helena Diniz, que indica não ser possível a alteração por conta do art. 2.039. Essa tese é vencida e, a doutrina indica que o art. 2.039 serve penas para o regime supletivo, para a regra geral. Até 1977, o regime supletivo no Brasil era de comunhão universal. A partir dessa data, a regra passou a ser da comunhão parcial de bens. A tese majoritária foi adotada pelo STJ e indica ser possível a alteração de regime de bens – tal tese se fundamenta na isonomia. O segundo motivo indica o art. 2.035 do Código Civil – o casamento é um contrato e, o art. 2.035 se aplica a contratos celebrados à época do Código Civil de 1.916 cujos efeitos permanecem na época do Código Civil de 2002. O art. 2.035 traz então, uma regra de transição: em relação à validade e à existência, aplica-se a lei da época da confecção do ato. Já em relação à eficácia, aplica-se a lei do respectivo período. O regime de bens encontra-se no plano da eficácia do casamento, logo, aplica-se o Código Civil de 2002. O Enunciado 260, CJF indica expressamente a possibilidade da mudança de regime de bens. Espécies: Comunhão parcial: A comunhão parcial, como indica o art. 1.640, CC, é a regra geral. Se os sujeitos casam e não escolhem o regime ou se o pacto antenupcial é nulo, o regime de bens será a comunhão parcial. A comunhão parcial tem como regra geral a separação para o passado e a comunhão para o futuro. Antes da comunhão parcial,no Brasil somente havia comunhão universal e separação convencional. Apesar da regra geral, o legislador civilista traz regras específicas indicando o patrimônio que não comunica (individual) e o patrimônio que comunica (comum). O art. 1.659 indica o que não é comunicável. I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar: o que um sujeito recebeu na constância do casamento por conta de doação ou herança não será comum, somente pertencendo àquele que recebeu o patrimônio. Aquilo que se sub-roga também não é comunicável. Um exemplo é no caso em que uma 13 MARIA CAROLINA RIBIERO pessoa percebe herança e compra um apartamento com o valor recebido. II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares: um sujeito tinha apartamento anterior ao casamento, vende o imóvel e compra outro – nesse caso, é necessário declarar isso no contrato ou na escritura. III – as obrigações anteriores ao casamento: dívidas anteriores ao casamento não são comunicáveis. IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal . V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão. VI – os proventos do trabalho pessoa de cada cônjuge: o provento do trabalho visa a manutenção da vida. VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes: são rendimentos militares. O art. 1.660, CC indica quais as hipóteses de patrimônio em comum. I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges : mesmo que o bem esteja em nome de um dos cônjuges, irá comunicar. II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior: fato eventual tem como grande exemplo a loteria. III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges: o benefício deve ser em favor dos dois. Presentes de casamento são presumidos como doação em favor do casal – em tese, os presentes do casamento devem ser divididos entre os cônjuges. IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge. V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. Exemplo: Caio se casou com Ana e como não escolheram regime de bens, passaram a possuir a comunhão parcial. Caio possuía um imóvel antes e, este é só dele. Os frutos e benfeitorias do imóvel comunicam. O valor do aluguel, por exemplo, é um fruto. O art. 1.662, CC indica que os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do casamento – essa presunção é relativa, admitindo prova em contrário. Observação: Quando há a compra de um imóvel e, metade do valor foi pago antes do casamento por um dos cônjuges, e a outra metade na constância do casamento. Entende-se que o cônjuge terá meação das parcelas pagas na constância do casamento. Comunhão universal: A comunhão universal, segundo Orlando Gomes, é o regime que melhor revela o casamento. Como o casamento é a união de pessoas, a lógica é que haja a união de patrimônios. A comunhão universal transformará o patrimônio do casal em uma massa de bens (art. 1.667, CC). Mesmo na comunhão universal, o legislador traz uma lista de bens que não são comunicáveis (art. 1.668, CC). I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar: a regra é que na comunhão universal, a doação comunica, no entanto, havendo cláusula de incomunicabilidade, não haverá comunhão. II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva : a prole eventual ou concepturo é aquela que será concebida após a morte do de cujus. Por exemplo: Carol se casa com Lucas e, Luciano deseja deixar bens para o futuro filho de Carol com Lucas. Esse filho somente será concebido após a morte de Luciano, logo, há uma prole eventual. Luciano deixa testamento e, nesse testamento irá utilizar do instituto do fideicomisso. Carol ficará com o patrimônio a título de fidúcia (confiança) e, quando o filho nascer, o patrimônio irá para ele. III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com aprestos, ou reverterem em proveito comum: apresto é o preparativo do casamento. IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade: o exemplo clássico é a aliança do casamento. V – os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659: em relação aos frutos dos bens particulares, há comunicabilidade. Observação a respeito das comunhões: Questiona-se se o crédito trabalhista é comunicável. Da análise do direito legislado, principalmente dos arts. 1.659, VI e 1.668, CC, não haveria comunicabilidade, porque o provento do trabalho de cada cônjuge não comunica, segundo o Código Civil. O STJ, no entanto, com base no solidarismo familiar, afirma a comunicabilidade de verbas oriundas de reclamatória trabalhista, desde que o fato gerador da verba tenha se dado na constância do casamento. Por exemplo, Luciano foi casado com Carol em regime de comunhão parcial. O 14 MARIA CAROLINA RIBIERO casamento se deu em 2004 e o divórcio em 2014. Durante o casamento, Luciano era empregado da empresa X e, ele laborou para essa empresa até 2013. As verbas trabalhistas devidas não foram pagas, o que levou Luciano a ajuizar uma reclamatória trabalhista. A decisão transitou em julgado em 2017. Segundo o STJ, Carol tem direito à metade das verbas, visto que os valores devidos deviam ser percebidos na constância do casamento. O STJ diz que não comunicará, no entanto, verbas decorrentes de reparação civil por dano moral material. Separação convencional, voluntária, absoluta, total: É aquela eleita por pacto antenupcial e, não há nenhuma comunicação patrimonial (art. 1.687, CC). Em relação às despesas do lar, o pacto antenupcial pode regular (art. 1.688, CC). Se o pacto for silente, cada um arcará na proporcionalidade dos seus rendimentos – não é necessariamente meio a meio. Se um dos cônjuges possui 70% dos rendimentos somados, este deverá pagar 70% das despesas do lar. Separação obrigatória, legal, necessária, cogente: É o regime imposto por lei nas situações previstas pelo art. 1.641, CC. Aqui, não se faz necessária a realização de pacto antenupcial, pois, se o sujeito se enquadrar em uma das hipóteses previstas na lei, o regime necessariamente será por separação geral (condição suspensiva, maior de setenta anos, casamento através de suprimento judicial). Da análise do ponto de vista legislativo, conclui-se que na separação obrigatória não há comunicabilidade patrimonial, no entanto, o STF possui a Súmula 377, indicando que no regime da separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento. Orlando Gomes indicou que essa súmula era absurda, porque transforma a separação obrigatória em quase uma comunhão parcial. Havendo a separação para o passado e a comunicação para o futuro, há comunhão parcial. O STJ até hoje aplica essa súmula. Isso acaba gerando incoerência, pois a separação obrigatória ganha um viés de comunhão parcial, mais uma vez por conta do solidarismo familiar. A diferença aqui é que a comunhão parcial traz um rol de circunstâncias de comunicabilidades ou incomunicabilidades específicas. Participação final nos aquestos: Trata-se de regime hibrido que mistura regras da separação convencional com regras da comunhão parcial. É como se na constância do casamento vigesse o regime da separação convencional, e no momento do divórcio fossem aplicadas as normas da comunhão parcial. Será necessário dividir os bens anterioresao casamento e os bens adquiridos durante o casamento. Os bens adquiridos durante o casamento podem ter sido adquiridos de forma exclusiva e bens adquiridos pelo casal. A expressão aquesto diz respeito aos bens adquiridos durante o casamento pelo casal. Os bens anteriores ao casamento não comunicam. Os bens adquiridos durante o casamento de forma exclusiva não comunicam. As aquisições pelo casal são o aquesto e, o aquesto comunica. O aquesto, em regra, se comunicará na razão de 50%. Nada impede que se faça imputações de percentuais. Esse regime exige grande organização contábil. Muitas pessoas elegem esse regime, mas não conseguem instrumentalizar na prática. Esse regime se diferencia da comunhão parcial, pois na participação final dos aquestos, somente se comunica aquilo adquirido pelo casal – se o bem estiver em nome de um só dos cônjuges, não há comunicabilidade. Na comunhão parcial, há um rol de comunicabilidades específico, já na participação final nos aquestos, o rol de comunicabilidade é mais restrito, havendo apenas a presunção dos bens móveis adquiridos na constância do casamento. A grande vantagem desse regime é a possibilidade de compras exclusivas e incomunicáveis. OUTORGA OU VÊNIA CONJUGAL: A gestão patrimonial durante o casamento traz atos que podem ser praticados de forma independente e atos que exigirão a venda ou a outorga, que é a autorização. A regra geral é que o sujeito casado, independentemente do regime de bens, pode praticar os seus atos de exercício da vida civil, logo, a vênia é exceção (art. 1.642, CC). Dentre os atos que podem ser praticados livremente, poderá o cônjuge, ainda que sem autorização do outro, contrair dívidas para a aquisição de coisas necessárias à manutenção do lar (arts. 1.643 e 1.644, CC) – em relação a estas dívidas adquiridas com objetivo da manutenção do lar, a responsabilidade entre os cônjuges será solidária. A solidariedade decorre da lei ou da vontade e, neste caso há hipótese de solidariedade legal. 15 MARIA CAROLINA RIBIERO A vênia conjugal também é chamada de outorga conjugal e, a vênia é um grande gênero que se divide em duas espécies: a primeira espécie é a vênia marital (dada pelo marido) e a segunda espécie é a vênia ou outorga uxória (dada pela esposa). A vênia é uma hipótese de legitimação (capacidade negocial ou privada). A legitimação é uma casuística na qual mesmo que o sujeito tenha uma capacidade jurídica geral ou plena, para a prática do ato da vida civil, precisará de uma autorização. Um exemplo é o seguinte: o sujeito é casado em comunhão universal de bens e quer vender o imóvel. O sujeito possui capacidade jurídica geral ou plena, mas, ainda assim, para a prática desse ato específico, precisará de uma outorga conjugal. Em alguns casos, por conta do casamento é necessário que haja autorização (art. 1.647, CC). A primeira situação se refere a alienar ou gravar de ônus real bens imóveis. A segunda circunstância é quando o sujeito pleiteia como autor ou réu acerca do direito imobiliário. A terceira circunstancia é prestar fiança ou aval. A última circunstância é fazer doação, não sendo remuneratória, de bens que possam integrar a futura meação ou de bens comuns. O rol do art. 1.647 é taxativo, porém algumas leis extravagantes tratam de outras hipóteses. A Lei do Inquilinato, por exemplo, em seu art. 3º, indica que se a locação possuir prazo igual ou superior a dez anos, a vênia será necessária. Há apenas duas hipóteses em relação as quais, por conta do regime de bens, dispensa-se a vênia conjugal. A primeira hipótese é o regime da separação absoluta (art. 1.647, CC). A separação absoluta é a convencional. Na separação obrigatória, a vênia será necessária por conta da súmula 377 do STJ. A segunda hipótese diz respeito à participação final nos aquestos (art. 1.656, CC). No regime de participação final nos aquestos em que o pacto antenupcial libere outorga para venda de bens imóveis particulares, não é necessária a autorização. Não basta apenas eleger a participação final nos aquestos – é necessário que haja um pacto que libere a vênia para a venda de imóveis particulares. Imagine-se que João se casa com Maria e, não escolhe o regime de bens. Antes do casamento, João tinha um imóvel e, na constância do casamento quer vender esse imóvel. Apesar do imóvel não comunicar, os frutos e benfeitorias que surgem no casamento são comunicáveis. Dessa forma, é necessário que Maria dê a outorga uxória. Se a negativa for injusta ou o cônjuge estiver impossibilitado de consentir, o art. 1.648 do Código Civil permite que seja requisitado o suprimento judicial – muitos chamam essa ação de ação de alvará, e outros chamam de ação de suprimento judicial. Se houver a prática sem a outorga, o art. 1.649 do Código Civil indica que há ato anulável, sendo o prazo de até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal. A legitimidade ativa para requisitar a anulação é do cônjuge e dos herdeiros (art. 1.650, CC). Em relação ao prazo de até dois anos após o termino da sociedade conjugal, tem-se o seguinte exemplo: em 2004 ocorreu uma venda sem vênia. Em 2014 ocorreu o divórcio. O termo ad quem para pleitear a anulação é 2016. O termo a quo é 2004. A pretensão para pleitear a anulação é a partir da lesão do direito e, a lesão ao direito ocorre na venda sem vênia. Se sustenta-se a tese de que o prazo a quo é a partir do divórcio, não poderia haver anulação sem divórcio. Caso o ato seja anulado, o prejudicado (comprador) terá ação regressiva em face daquele que praticou o ato (art. 1.646, CC). O STJ possui entendimento específico no que diz respeito à fiança (Súmula 332, STJ), afirmando que a ausência de outorga na fiança gerará ineficácia total da garantia. A doutrina tenta unir os entendimentos: afirma que o STJ indica a ineficácia total em decorrência da anulabilidade, mas, isso é um esforço doutrinário, pois o Código Civil trabalha no plano da validade e o STJ no plano da eficácia. Essa súmula somente se aplica para a fiança. Há doutrina, a exemplo do enunciado 114 do CJF que tenta a estender ao aval. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO: Quando fala-se em casamento, fala-se na presença de uma sociedade conjugal e de um vínculo matrimonial. A sociedade conjugal findará através do instituto da separação, enquanto o vínculo matrimonial findará pelo divórcio ou pela morte. O término da sociedade conjugal não gerará o término do vínculo matrimonial. O separado não pode se casar com outra pessoa, pois, apesar de finda a sociedade conjugal, o vínculo matrimonial se mantém. O término do vínculo matrimonial traz consigo o término da sociedade conjugal. Em 2010, surgiu a Emenda Constitucional 66, que alterou o art. 226, §6º da Constituição. Antes da EC, a Constituição Federal expressamente tratava 16 MARIA CAROLINA RIBIERO das expressões ‘separação’ e ‘divórcio’. Após a Emenda, a Constituição passou apenas a falar em divórcio. Por conta disso, a maioria da doutrina passou a advogar a tese de que, sob o ponto de vista jurídico, a separação teria acabado, somente restando o divórcio. Os defensores da tese, passaram a advogar a ideia de que os artigos do Código Civil que tratavam sobre o tema separação, não mais estavam sendo recepcionados pela Constituição Federal. Os tribunais de justiça passaram a instruir os juízes a despachar as iniciais de separação para que as partes realizassem emenda, transformando a separação em divórcio, sob pena de extinção por impossibilidade jurídica do pedido. Minoritariamente Regina Beatriz, Alexandre Câmara passaram a sustentar que a separação não havia acabado, afinal, o texto constitucional era apenas omisso sobre o tema, não proibindo expressamente a separação. No Código de Processo Civil de 2015, verifica-se a presença do termo ‘separação’ e regula o procedimentoda separação consensual. O STJ ainda não tratou do assunto. Separação: A separação põe fim à sociedade conjugal. O art. 1.576 do Código Civil, afirma que paralisarão os deveres de coabitação, fidelidade recíproca e os efeitos dos regimes de bens. A separação poderá se dar de duas maneiras: poderá ser consensual ou litigiosa. Na separação consensual há um acordo, o advogado pode ser único, a jurisdição é voluntária e, se houver interesse de incapaz, já deve regular sobre guarda, visita e alimentos. Havendo interesse de incapaz, é necessária a oitiva do Ministério Público. Na separação litigiosa, de acordo com art. 1.573 do Código Civil, o sujeito imputará a outra parte culpa. A culpa é o grave descumprimento de um dos deveres do casamento e a consequente impossibilidade de continuidade da vida em comum. O art. 1.573 traz um rol exemplificativo de hipóteses de culpa. Se o sujeito ajuíza ação litigiosa fundada em culpa, é necessário realizar a prova dessa culpa. Essa é uma prova difícil. Umas das consequências da comprovação da culpa do outro é que o culpado, em regra, não terá direito a alimentos (arts. 1.694 e 1.704, CC). Excepcionalmente, o sujeito culpado, pode ter direito a alimentos. A primeira hipótese é se o culpado não possuir aptidão para o trabalho. Aptidão para o trabalho é não possuir formação profissional, estar incapacitado, etc. A segunda hipótese é quando o culpado não tem parentes em condição de prestar al imentos. O terceiro requisito é que o culpado precise dos alimentos. O cônjuge inocente será condenado a pagar alimentos na verba mínima. No momento do casamento, é possível adquirir o sobrenome do outro. Sobre a aquisição do sobrenome, tem-se uma faculdade (art. 1.565, §1º). No momento do divórcio, é possível a retirada do sobrenome adicionado. O nome é um direito da personalidade e, a partir do momento em que o sujeito acrescenta o nome, ele passa a integrar a sua personalidade. Para que se obrigue o outro a retirar o sobrenome, devem estar presentes os requisitos do art. 1.578 do Código Civil. O primeiro requisito é a declaração de culpa. O segundo requisito é o pedido expresso. A retirada não deve acarretar: evidente prejuízo para identificação, distinção entre o nome da família e dos filhos, e dano grave. Havendo uma dessas hipóteses não há como retirar o sobrenome. Uma terceira consequência é o pedido de reparação por danos morais. Para o STJ, a configuração do dano moral demanda, além da comprovação da culpa, comprovação de lesão à personalidade. O STJ não enxerga, portanto, o dano in re ipsa. Os valores arbitrados estão cada vez menores. A declaração de culpa não interfere em meação de bens e não interfere na guarda dos filhos. A guarda visa a proteção integral dos menores. A separação litigiosa pode também ser sem culpa, ocorrendo por desacordo em relação a algum item da dissolução efetiva. Diante disso, há um litígio sobre a consequência sobre a qual não há acordo. Divórcio: O divórcio é a medida que põe fim ao vínculo matrimonial. No Brasil, o divórcio pode ser de duas modalidades. Pode haver o divórcio indireto ou por conversão, ou o divórcio direto. No divórcio indireto, primeiro há a separação e, depois a separação é convertida em divórcio. Pela redação do Código Civil, para que ocorra a conversão 17 MARIA CAROLINA RIBIERO da separação em divórcio, é necessário que haja o prazo de um ano da medida cautelar de separação de corpos ou da decisão de separação. Após a EC nº. 66/10, não há mais prazo. A separação acabou em 2010 e, antes de 2010 muitas pessoas se separaram – diante disso, deve haver a prerrogativa de que ocorra a convenção da separação em divórcio para essas pessoas. Além do divórcio indireto, há o divórcio direto. Pela redação do art. 1.580, o divórcio direto demanda dois anos de separação de fato (prazo de reflexão). Após a EC nº. 66/10, não mais persiste o prazo de reflexão. O divórcio direto, atualmente, é preferencial. A decretação do divórcio não depende da partilha prévia de bens (art. 1.581, CC). Nesse caso, haverá uma sentença parcial de mérito: primeiro ocorre o divórcio e depois discute-se a questão patrimonial. A separação judicial permite a retomada da sociedade conjugal com efeitos ex nunc (não retroage). O divorciado precisa se casar de novo (haverá um novo casamento). É possível a separação e o divórcio extrajudicial – tal procedimento ocorre no tabelionado, sendo necessário a observância de alguns requisitos: todos os envolvidos devem ser maiores e capazes (se há um filho menor, é necessário judicializar a questão). O segundo requisito é que não é possível que a esposa esteja em período gestacional. O CNJ indica que o tabelionado deverá constatar a presença ou ausência de gravidez. O terceiro requisito é o consenso. É necessário que haja advogado presente, podendo ser único ou não. A separação pode ocorrer no tabelionato mesmo que haja divisão de patrimônio, pois a SEFAZ será ouvida e emitirá parecer. UNIÃO ESTÁVEL A união estável está conceituada tanto na Constituição Federal (art. 226, §3º, CF) como no Código Civil (art. 1.723, CC). A união estável é a convivência pública, contínua e duradoura, entre homem e mulher, desimpedidos de se casar, com animus de constituir família. Esse conceito traz consigo várias divergências. Até o ano de 1996, o Brasil exigia cinco anos de relacionamento para que houvesse união estável. Essa lei passou a ser muito questionada e, a partir de 1996, não há mais prazo mínimo. Não é necessário que os sujeitos morem juntos (more uxório) – súmula 382, STF. Não é necessário que haja prole. Segundo o STJ, a diferenciação do namoro e da união estável é a intenção de constituir família. Na prática, indícios indicam a intenção. Sobre o contrato de namoro, entende-se que este não produz eficácia do direito nacional. Isso porque a união estável é uma situação de fato (primazia da realidade sobre a forma). O separado pode ter união estável, seja separado de fato, seja judicialmente. Essa é a única hipótese em que o impedimento matrimonial não se aplica à união estável. As causas suspensivas do casamento não se aplicam a união estável. Isso acarreta problemas, porque o regime não precisará ser de separação obrigatória, logo, é possível que durante uma ação de divórcio onde ainda não ocorreu a partilha de bens, ocorra configuração de confusão patrimonial entre o sujeito envolvido no divórcio e pessoa que mantém união estável com ele. A configuração da união estável, portanto, não exige nenhum tipo de contrato ou declaração expressa de vontade, sendo para a maioria da doutrina um ato-fato. O ato-fato se inicia a partir de uma conduta humana e acarreta em um fato que possuirá suas consequências regidas pelo ordenamento. Luciano Figueiredo entende que a união estável deveria ser negócio jurídico, havendo a declaração expressa de vontade. DEVERES PESSOAIS: Os deveres pessoais se encontram no art. 1.724, CC. Existem duas diferenças em relação aos deveres pessoais do casamento. A primeira diferença é que, enquanto a união estável fala em lealdade, o casamento fala em fidelidade recíproca. Para a maioria da doutrina, para ser leal, é necessário ser fiel. Segundo Luciano Figueiredo, é possíve l ser leal sem ser fiel. A lealdade pressupõe dever de informação e, se as duas partes querem abrir mão da fidelidade e há informação, não há necessidade de fidelidade recíproca. O casamento exige coabitação, diferentemente da união estável. 18 MARIA CAROLINA RIBIERO REGIME DE BENS: A regra geral é que haverá regime de comunhão parcial (art. 1.725, CC). É possível a modificação de regime de bens e, para isso, basta que seja realizado um contrato escrito. É possível que a mudança ocorra via escrito particular, mas, aconselha-se
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