Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
946 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova sociedade aos riscos decorrentes das oscilações e dos interesses de grupos a que está normalmente sujeito o Poder legiferante do Estado.7 4 Quadro Normativo A partir da Constituição de 1934 (arts. 115 a 143), todas as Cartas subsequen- tes dedicaram um de seus capítulos à ordem econômica. O estudo comparativo desses capítulos denota evidente processo evolutivo, refletindo a alteração e a criação de no- vos mecanismos interventivos frequentemente compatibilizados com as ideias políti- cas, sociais e econômicas da época, sempre com o fito de adequá-los à ordem social, à qual está atrelada a ordem econômica. Na vigente Constituição, a disciplina da ordem econômica e financeira está prevista no Título VII (arts. 170 a 192), sendo dividida em quatro capítulos: o primeiro destina- do aos princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 a 181); o segundo, à política urbana (arts. 182 e 183); o terceiro, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária (arts. 184 a 191); e o quarto, ao sistema financeiro nacional (art. 192). Todas essas normas pretendem formar um sistema geral da ordem econômica e dentro de suas várias disciplinas algumas indicam formas de atuação e de intervenção do Estado no domínio econômico. Algumas alterações nesse conjunto normativo já foram introduzidas através de emenda constitucional, denotando, como regra, uma postura de menor ímpeto interventivo, comumente denominada de desregulamentação da economia. O sentido crítico do sistema, como não podia deixar de ser, varia de acordo com a visão filosófica e política em que se coloque o analista. Louvores e imprecações exis- tem, aliás, em relação a todos os capítulos da Constituição.8 ii ordEm EcoNômica 1 Fundamentos Nos termos do art. 170 da CF, a ordem econômica é fundada em dois postulados básicos: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Ao estabelecer esses dois postulados como fundamentos da ordem econômica, a Constituição pretendeu indicar que todas as atividades econômicas, independente- mente de quem possa exercê-las, devem com eles compatibilizar-se. Extrai-se dessa premissa, por conseguinte, que, se a atividade econômica estiver de alguma forma 7 CELSO RIBEIRO BASTOS, ob. cit., p. 239. 8 Percuciente análise do sistema implantado na vigente Constituição na parte em foco é feita por FÁBIO KONDER COMPARATO, em seu trabalho Ordem econômica na Constituição brasileira de 1988 (RDP 93, p. 263-276, 1990). Atuação do Estado no Domínio Econômico 947 3a Prova vulnerando os referidos fundamentos, será considerada inválida e inconstitucional. Fundamentos, na verdade, são os pilares de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem. 1.1 Valorização do Trabalho Humano Entre os fundamentos da República a Constituição fez consignar os valores so- ciais do trabalho (art. 1º, IV). O texto demonstra a preocupação do Constituinte em conciliar os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Com esse fundamento, não há mais como serem acolhidos comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho que coloquem em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. A justiça social, é bom que se diga, tem escopo protetivo e se direciona sobre as categorias sociais mais desfavorecidas. A valorização do trabalho humano tem intrínseca relação com os valores sociais do trabalho. Não há dúvida de que, para condicionar o trabalho aos valores sociais, é necessária a intervenção do Estado nesse capítulo da ordem econômica. Aliás, a Cons- tituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e empregados, esta- belecendo nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados. Todos esses mandamentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social. Outro aspecto que deriva desse fundamento é o relativo à automação indus- trial. Se o uso das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que não podem as máquinas substituir o homem para benefício exclusivo do empresariado. Diz o texto constitucional que se impõe a valorização do trabalho humano, o que significa que é o homem que deve ser o alvo da tutela. Pode-se dizer, em síntese, que a valorização do trabalho humano corresponde à necessidade de situar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que o relativo a outros interesses privados, de forma a ajustar seu trabalho aos postulados da justiça social. 1.2 Liberdade de Iniciativa Este fundamento indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mer- cado de produção de bens e serviços por sua conta e risco.9 Trata-se, na verdade, da liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado as execute so- zinho ou concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa é realmente o postulado maior do regime capitalista. O fundamento em foco se completa, aliás, com a regra do art. 170, parágrafo único, da CF, segundo o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção dos casos previstos em lei. 9 CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS (Comentários à Constituição do Brasil, v. VII, p. 16). 948 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova A liberdade de iniciativa não é apenas um dos fundamentos da ordem econômi- ca, mas da própria República, tal como sucede com os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF). É claro que o sentido da livre iniciativa faz lembrar, de certa forma, os tempos do liberalismo econômico. Mas, ao contrário da doutrina de SMITH e MILL, o Estado não é mero observador, mas sim um efetivo participante e fiscal do compor- tamento econômico dos particulares. Por essa razão é que, quando nos referimos à atuação do Estado na economia, queremos indicar que o Estado interfere de fato no domínio econômico, restringindo e condicionando a atividade dos particulares em fa- vor do interesse público.10 A garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado é tão expressiva que prejuí- zos causados a empresários pela intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de ser indenizados em determinadas situações, com fundamento no art. 37, § 6º, da CF, que consagra a responsabilidade objetiva do Estado. O STF, inclusive, já entendeu que “a intervenção estatal na economia possui limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e a responsabilidade objetiva do Estado é decorrente da existência de dano atribuível à atuação deste”.11 Por fim, há um aspecto que merece apreciação. A noção de liberdade de inicia- tiva é, de certo modo, antagônica à de valorização do trabalho humano. Com efeito, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para a exploração das atividades eco- nômicas, haveria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano, tal como já ocorreu no período do liberalismo puro do século XIX. É preciso, pois, conciliar os fundamentos, criando-se estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de iniciativa a fim de que seja alcançada efetivamente a justiça social.12 2 Princípios Além dos fundamentos, a Constituição contemplou alguns princípios que de- vem nortear o sistema da ordem econômica do país. O primeiro deles, como não poderia deixar de ser, é o da soberania nacional: a ordem econômica não pode desenvolver-se de modo a colocar em risco a soberania nacional em face dos múltiplos interesses internacionais. Outro é o da propriedade privada, matéria que já examinamos anteriormente, o mesmo se podendo dizer da função social da propriedade (art. 170, II e III, CF). Outros princípios são o da livre concorrência (que adiante comentaremos);o de defesa do consumidor; o de defesa do meio ambiente; o da redução das desigualdades 10 HELY LOPES MEIRELLES, ob. cit., p. 546. 11 RE nº 422941-DF, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, 21.5.2005 (vide Informativo STF nº 390, jun. 2005). Na hipótese, tratava-se de ação proposta por destilaria em face da União, que, intervindo no do- mínio econômico, fixara preços no setor sucroalcooleiro em valor menor que o apurado pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool. 12 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso, cit., p. 663. Atuação do Estado no Domínio Econômico 949 3a Prova sociais; da busca do pleno emprego; e do tratamento favorecido para empresas de pe- queno porte (art. 170, IV a IX, CF). Só pelo enunciado desses princípios é possível constatar que o Constituinte tem em mira adequar a ordem econômica aos preceitos da justiça social. Esse ajustamento entre a ordem econômica e a social, bem como a convicção de que os princípios daque- la repercutem necessariamente sobre esta, são os pontos que não se pode perder de vista no estudo do tema em pauta. iii FormaS dE aTuação do ESTado O Estado atua de duas formas na ordem econômica. Numa primeira, é ele o agente regulador do sistema econômico. Nessa posição, cria normas, estabelece restrições e faz um diagnóstico social das condições econômi- cas. É um fiscal da ordem econômica organizada pelos particulares. Pode-se dizer que, sob esse ângulo, temos o Estado Regulador. Noutra forma de atuar, que tem caráter especial, o Estado executa atividades econômicas que, em princípio, estão destinadas à iniciativa privada. Aqui a atividade estatal pode estar mais ou menos aproximada à atuação das empresas privadas. O certo, porém, é que não se limita a fiscalizar as atividades econômicas, mas também ingressa efetivamente no plano da sua execução. Seja qual for a posição que assuma, o Estado, mesmo quando explora atividades econômicas, há de ter sempre em mira o interesse, direto ou indireto, da coletividade. Podemos considerá-lo nesse ângulo como Estado Executor. Como em cada uma dessas posições há regras e princípios específicos, examina- remos ambas em tópicos separados para melhor compreensão do tema. iv ESTado rEgulador 1 Sentido Estado Regulador é aquele que, através de regime interventivo, se incumbe de estabelecer as regras disciplinadoras da ordem econômica com o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça social. O mandamento fundamental do Estado Regulador está no art. 174 da CF: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” Como agente normativo, o Estado cria as regras jurídicas que se destinam à regulação da ordem econômica. Cabem-lhe três formas de atuar: a de fiscalização, a de incentivo e a de planejamento. A de fiscalização implica a verificação dos setores eco- 950 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova nômicos para o fim de serem evitadas formas abusivas de comportamento de alguns particulares, causando gravames a setores menos favorecidos, como os consumido- res, os hipossuficientes etc. O incentivo representa o estímulo que o governo deve oferecer para o desenvolvimento econômico e social do país, fixando medidas como as isenções fiscais, o aumento de alíquotas para importação, a abertura de créditos especiais para o setor produtivo agrícola e outras do gênero. Por fim, o planejamento, como bem averba JOSÉ AFONSO DA SILVA, “é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos”.13 De fato, planejar no texto constitucional significa estabelecer metas a serem alcançadas pelo governo no ramo da economia em determinado período futuro. A transformação não é instantânea, mas ao contrário é gradativa e realizada através de um processo dirigi- do para as metas planejadas.14 Não é inútil acrescentar neste ponto que a atuação do Estado na ordem econômi- ca não se limita mais ao regramento instituído internamente. A necessidade de abertura de mercados e o interesse no fortalecimento mais efetivo do setor econômico quando se trata de grupos de países têm reclamado a atuação do Estado também em nível interna- cional.15 Nesse sentido, várias associações têm sido feitas entre países interessados, e o Brasil tem participado desses tratados, como é o caso de Itaipu e do Mercosul. No que concerne ao incentivo – denominado por alguns de “fomento” –, deve o Estado disponibilizar o maior número possível de instrumentos para o desenvol- vimento econômico a ser perseguido pela iniciativa privada. Trata-se, na verdade, de estímulo para o desempenho da atividade econômica. São instrumentos de incentivo os benefícios tributários, os subsídios, as garantias, os empréstimos em condições favoráveis, a proteção aos meios nacionais de produção, a assistência tecnológica e outros mecanismos semelhantes que se preordenem ao mesmo objetivo.16 2 Natureza da Atuação Quando figura como regulador, o Estado não deixa sua posição interventiva. A intervenção nesse caso se verifica através das imposições normativas destinadas prin- cipalmente aos particulares, bem como de mecanismos jurídicos preventivos e repres- sivos para coibir eventuais condutas abusivas. Além de representar um meio de intervenção na ordem econômica, a atuação do Estado regulador se consuma de forma direta, vale dizer, sem intermediação de nin- guém. As normas, os fatores preventivos e os instrumentos repressivos se originam diretamente do Estado. 13 Ob. cit., p. 676. 14 A respeito do tema, vale a pena consultar a preciosa obra de MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO, Aspectos jurídicos do planejamento econômico. 15 ROBERTO DROMI, ob. cit., p. 516-517. 16 Vide a respeito MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO, Direito administrativo da economia, Lumen Juris, RJ, 2003, p. 39-53. Atuação do Estado no Domínio Econômico 951 3a Prova Desse modo, podemos caracterizar a função do Estado-Regulador como interven- ção direta no domínio econômico. 3 Competências No vigente sistema de partilha constitucional de atribuições, a competência quase que absoluta para a atuação do Estado-Regulador é da União Federal. No elenco da competência administrativa privativa (art. 21), encontram-se vá- rias atribuições que indicam essa forma de atuar estatal. Entre elas estão a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvol- vimento econômico e social (inciso IX); a fiscalização de operações financeiras, como a de crédito, câmbio, seguros e previdência privada (inciso VIII); a reserva da função relativa ao serviço postal (inciso X); a organização dos serviços de telecomunicações, radiodifusão, energia elétrica (incisos XI e XII); o aproveitamento energético dos cur- sos d’água e os serviços de transportes etc. (inciso XII, “b”, “c”, “d” e “e”). O mesmo se passa com relação à competência legislativa privativa, prevista no art. 22 da CF, dentro da qual estão também previstas diversas atribuições especí- ficas da União. Destacam-se as competências para legislar sobre comércio exterior e interestadual (inciso VIII); sobre organização do sistema nacional de empregos (in- ciso XVI); sobre os sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular (inciso XIX); diretrizes da política nacional de transportes (inciso IX); sobre jazi- das, minas e outros recursos minerais (inciso XII) etc. Em cada uma das atribuições constitucionais privativas pouco, ou nada, resta para as demais pessoas federativas, o que denuncia claramente a supremacia da União como representante do Estado- -Regulador da ordem econômica.17 Vale a pena lembrar, nesta oportunidade, que, como já foi visto, a União tem desenvolvido a atividadede regulação do setor econômico privado por intermédio das agências reguladoras, autarquias instituídas diretamente para esse escopo. A elas cabe também a regulação dos serviços públicos econômicos, quando delegados a empresas privadas, sobretudo através de concessões e permissões de serviços públicos. Nesse aspecto, aliás, os demais entes federativos podem criar suas próprias entidades contro- ladoras visando à regulação de atividades de sua competência constitucional.18 Na relação de atribuições que formam a competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal é que a Constituição contemplou algumas funções supletivas para estas últimas entidades federativas. Assim é que no art. 24 compete a essas pessoas, concorrentemente, a legislação sobre direito econômico e financeiro (inciso I); sobre produção e consumo (inciso V); proteção do meio ambien- 17 É mister registrar, contudo, que o art. 22, parágrafo único, da CF, prevê que lei complementar autorize os Estados a legislar sobre questões específicas relacionadas às matérias hoje reservadas à União. Trata-se, pois, de competência delegável, muito embora tal delegação seja adotada de modo bastante parcimonioso. 18 Sobre o tema, vide Capítulos 7 e 9. 952 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova te (inciso VI). A competência da União, nesses casos, encerra a produção de normas gerais, cabendo às demais entidades políticas a edição de normas suplementares (art. 24, §§ 1º e 2º, CF). A competência administrativa comum, do art. 23 da CF, também aponta ativida- des relacionadas à intervenção estatal no domínio econômico. Por essa competência, cabe a todas as entidades federativas, concorrentemente, proteger o meio ambiente (inciso VI); fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar (inciso VIII); combater as causas da pobreza e promover a integração social dos seg- mentos hipossuficientes (inciso X).19 4 Repressão ao Abuso do Poder Econômico 4.1 Sentido O poder econômico é derivado do acúmulo de riquezas e, se a ordem econômica estiver em situação regular e sem as frequentes crises que a assolam, tal poder é posi- tivo no sentido do aperfeiçoamento dos produtos e serviços, bem como das condições de mercado.20 Comumente, porém, esse poder acaba por provocar certas distorções no plano econômico, extremamente prejudiciais aos setores mais desfavorecidos da coletivida- de. Quando isso ocorre, o uso do poder transforma-se em abuso do poder econômico, que, por isso mesmo, precisa ser combatido pelo Estado-Regulador interventivo. Usualmente o abuso do poder econômico é cometido pela iniciativa privada, na qual alguns setores do empresariado, com ambição desmedida de lucros e total indife- rença à justiça social, procuram e executam fórmulas altamente danosas ao público em geral. Não obstante, estudiosos, modernamente, têm sustentado (e a nosso ver com razão) que o próprio Estado pode conduzir-se de forma abusiva no setor econômico, principalmente quando atua por intermédio das entidades paraestatais a ele vincula- das e por ele controladas. O que importa aqui é a verificação da conduta antissocial causada pelo abuso do poder econômico e a repressão a ser imposta pelo Estado.21 Podemos definir, pois, a repressão ao abuso do poder econômico como o con- junto de estratégias adotadas pelo Estado que, mediante intervenção na ordem econô- mica, têm o objetivo de neutralizar os comportamentos causadores de distorção nas condições normais de mercado em decorrência do acúmulo de riquezas. No conceito acima, sobressaem três pontos. O primeiro reside na causa eficien- te para o abuso: o acúmulo de riquezas, ou o poder econômico. Depois, a consequên- 19 Vide o trabalho já citado de FÁBIO KONDER COMPARATO (RDP 93, p. 265-267). 20 DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, ob. cit., p. 425. 21 A respeito do tema, vale a pena a leitura do precioso parecer intitulado Empresa estatal e abuso de poder econômico, da autoria de SAULO RAMOS, quando nas funções de Consultor-Geral da República (vide RDP 93/95, 1990). Atuação do Estado no Domínio Econômico 953 3a Prova cia: a distorção nas leis de mercado, de forma a desfavorecer a imensa população de consumo. Por último, a atuação do Estado-Regulador: a criação de leis e regulamentos administrativos necessários para coibir esse tipo de prática. A vigente Constituição foi peremptória sobre a necessidade de reprimir o abuso econômico, dispondo que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, § 4º). Na denominada reforma tributária, a Constituição, no art. 146-A, introduzido pela EC nº 42/2003, passou a dispor que “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. O mandamento, como é fácil observar, insiste na preocupação de manter a concorrência como fator imposter- gável do setor econômico, o que, aliás, guarda conformidade com o postulado inscrito no art. 170, IV, da Carta política. Trata-se de típica atuação interventiva do Estado-Regulador. 4.2 Formas de Abuso O próprio texto constitucional aponta para as formas pelas quais se consuma o abuso do poder econômico. A primeira delas é a dominação dos mercados. O mercado, como sabido, funciona de acordo com a lei da oferta e procura. A regularidade de seu funcionamento depende do equilíbrio entre as forças oriundas do fornecimento e do consumo. Se a empresa busca dominar o mercado, a consequência será a do desaparecimento do equilíbrio daquelas forças e a da possibilidade de a empresa dominante impor condições que somente a ela favoreçam. Logicamente, esse domínio e essas imposições provocam efeitos nocivos à coletividade. Em seguida, temos a eliminação da concorrência, que, é fácil observar, tem próxima relação com a dominação dos mercados. A relação é de causa e efeito: a eliminação da concorrência deriva do domínio do mercado. Embora seja difícil modernamente admitir-se a concorrência perfeita, o certo é que ela regula e dá relativo equilíbrio ao mercado, porque a intenção abusiva de um encontra barreiras na atuação idônea de seu concorrente. É o regime de competição que cerceia a imposição de produtos e de preços e, dessa maneira, merece defesa no regime econômico.22 Aliás, é oportu- no lembrar que, como a livre concorrência constitui efetivamente um dos princípios reguladores da ordem econômica e financeira (art. 170, IV, CF), nem a própria Admi- nistração pode suprimi-la, ou, sem que aponte fundamento legítimo, impor restrições aos administrados.23 22 CELSO R. BASTOS e IVES GANDRA MARTINS (Comentários, cit., v. VII, p. 99-101). 23 Exemplo significativo é o que emana da Súmula 646, do STF: “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.” A restrição imposta por Município não teria, no caso, nenhum fundamento de interesse público que lhe desse suporte; daí a inconstitucionalidade da restrição e a posição da alta Corte. 954 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova Finalmente, temos como forma abusiva o aumento arbitrário dos lucros, que tam- bém guarda relação com as formas anteriores. Sempre que a empresa intenta dominar o mercado e eliminar o sistema de concorrência, seu objetivo é mesmo o de auferir lucros despropositados e arbitrários. E não se precisa ir muito longe para constatar ser essa outra forma de abuso do poder econômico. Se o lucro é arbitrário, quem o está pa- gando é a massa de consumidores do produto ou do serviço. Ocorrendo essa conduta, cabe ao Estado reprimi-la por ser abusivae ilegal. 4.3 Trustes, Cartéis e Dumping O domínio abusivo dos mercados no setor econômico se apresenta sob múlti- plas espécies, dentre as quais se destacam os trustes, os cartéis e o dumping. Vejamos as características desses fenômenos econômicos. Truste (do inglês trust) é a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário. Cartel é a conjugação de interesses entre grandes empresas com o mesmo ob- jetivo, ou seja, o de eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente seus lucros. Diante do poderio econômico desses grupos, o pequeno empresariado acaba por su- cumbir e, por vezes, se deixar absorver pelo grupo dominante. O dumping normalmente encerra abuso de caráter internacional. Uma empresa recebe subsídio oficial de seu país de modo a baratear excessivamente o custo do pro- duto. Como o preço é muito inferior ao das empresas que arcam com os seus próprios custos, ficam estas sem condições de competir com aquelas, propiciando-lhes uma inevitável elevação de lucros. Outras formas de abuso do poder econômico existem, mas, como regra, todas derivam, de algum modo, das formas já citadas.24 4.4 Normas e Meios Repressivos De forma crescente, o Estado tem trazido a lume várias leis que visam a combater condutas abusivas na economia e estabelecer sanções para os seus autores. Infelizmen- te, esse combate não tem sido eficiente. O que se tem observado é o aprisionamento do governo a grupos econômicos poderosos que, às claras, têm cometido as mais diversas formas de abuso sem que recebam as devidas sanções. Por outro lado, as sanções, quan- do aplicadas, são verdadeiramente inócuas e não chegam a ter o caráter intimidativo que seria de se desejar, de modo a prevenir a reiteração dos abusos. A legislação regente se dispersa por vários diplomas legais, podendo citar-se, à guisa de exemplos, a Lei nº 8.137, de 27.12.1990, que define os crimes contra a 24 HELY LOPES MEIRELLES, ob. cit., p. 548. Atuação do Estado no Domínio Econômico 955 3a Prova ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo; a Lei Delegada nº 4, de 26.9.1962, que dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao abastecimento e consumo do povo; e a Lei nº 8.078, de 11.9.1990, o Código de Defesa do Consumidor, que rege as relações de consumo e visa à tutela dos direitos dos consumidores. No entanto, o diploma que regula, de forma mais detalhada, a repressão ao abuso do poder econômico e as providências administrativas e judiciais de combate a situações abusivas na economia, é a Lei nº 12.529, de 30.11.2011, que estrutura o Sis- tema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC e sobre a qual, por sua relevância na matéria, teceremos alguns comentários, conquanto sucintamente.25 O sistema compõe-se de dois órgãos básicos: o Conselho Administrativo de De- fesa Econômica – CADE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. O CADE tem a natureza jurídica de autarquia, vinculada ao Ministério da Justiça e, embora silente a lei, ostenta regime especial, como emana das normas que lhe definem a estrutura. A entidade é dividida em três órgãos: (a) o Tribunal Adminis- trativo de Defesa Econômica; (b) a Superintendência-Geral; e (c) o Departamento de Estudos Econômicos. Enquanto o CADE tem atribuições de maior caráter decisório, a SAE do MF funciona mais como órgão opinativo. Junto ao CADE atua um membro do Ministério Público Federal, designado pelo Procurador-Geral da República.26 Quanto às infrações, a Lei nº 12.529/2011 aplica-se a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, e, ainda, a associações de entidades ou pessoas, de fato ou de direito, mesmo que sem personalidade jurídica ou de caráter temporário, sendo prevista a responsabilidade solidária da sociedade e dos dirigentes ou administradores. Além disso, incide a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no caso de abuso de direito e infração à lei.27 As infrações podem ser cometidas independentemente de culpa e são formali- zadas por atos que visam aos seguintes efeitos: (a) limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (b) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (c) aumentar arbitrariamente os lucros; e (d) exercer de forma abusiva posição do- minante.28 A lei enumera outras infrações, retratando condutas mais específicas, que constituem decorrência das infrações básicas, tendo, pois, natureza derivada. A prática de infrações sujeita o infrator à aplicação de sanções, ou penas, como preferiu o legislador. A sanção mais comum é a de multa, que sofre variação conforme a natureza do sujeito ou a gravidade da infração. Outras, porém, são previstas, como a publicação da decisão condenatória, a proibição de contratar com entidades oficiais, a cisão da sociedade, a transferência de controle acionário e a cessação parcial da ativi- 25 A Lei nº 12.529/2011 revogou todo o sistema previsto na Lei nº 8.884, de 11.6.1994, que anteriormente disciplinava a matéria, e sua vigência foi prevista para 180 dias após a publicação, ocorrida em 2.12.2011. 26 Art. 20. 27 Arts. 31 a 35. 28 Art. 36, I a IV. 956 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova dade. É aplicável, ainda, a pena de proibição de exercer o comércio pelo prazo de até 5 anos e a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor.29 A prescrição da pretensão punitiva da Administração (que a lei denomina de “prescrição das ações punitivas”) ocorre no prazo de 5 anos, contado da prática do ilícito ou, tratando-se de infrações permanentes ou continuadas, do dia em que houver a ces- sação da prática do ilícito (art. 46). De acordo com essa norma, portanto, decorrido o prazo prescricional, o infrator fica imune às sanções inerentes à infração que cometeu. A lei cataloga também várias espécies de processos administrativos, alguns obje- tivando a apuração das infrações à ordem econômica e outros voltados à apuração de sanções, sendo que cada uma das modalidades segue procedimento próprio.30 Em caso de fundado receio de que o investigado possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou se conduza de forma a tornar ineficaz o resultado final do processo, cabível será a aplicação de medida preventiva, pela qual pode ser imposta a imediata cessão da prática ou a reversão à situação anterior.31 Tal como ocorria na legislação revogada, foi previsto o termo de compromisso de ces- sação, conforme o qual pode o CADE tomar do representado o compromisso de parali- sar a prática sob investigação, ou seus efeitos lesivos (art. 85). Trata-se de instrumento similar ao termo de ajustamento de conduta, previsto pioneiramente na Lei nº 7.347/1985, que rege a ação civil pública. A inexecução do compromisso enseja o prosseguimento do processo investigativo. Surge, no cenário legal, uma novidade: o acordo de leniência. Trata-se de colabora- ção com o CADE, por parte de pessoas físicas ou jurídicas autoras de infração à ordem econômica, através da qual os infratores auxiliam efetivamente nas investigações e no processo administrativo, além de fornecerem informações de que resulte a iden- tificação de outros envolvidos na infração e a obtenção de dados e documentos que comprovem a sua prática.32 Consumando-se o acordo, extingue-se a ação punitiva da Administração ou procede-se à redução de um ou dois terços da penalidade aplicável. A fisionomia do instituto, como se pode constatar, assemelha-se à da delação premiada, já existente na legislação penal. O objetivo é o de compensar o informante, mediante atenuação ou extinção da penalidade, em virtude dos resultadosoriundos da informa- ção, que dão ensejo ao desfecho ou à solução de outras investigações. Uma das funções primordiais do CADE é o chamado controle de concentração. Esse controle visa a evitar a formação de trustes ou cartéis pela associação ou absorção de grupos econômicos de maior poder econômico-financeiro, podendo provocar domínio do mercado e, consequentemente, ofensa ao princípio da livre concorrência. Assim, se tais grupos produzem atos de concentração econômica, devem submetê-los ao CADE, que poderá avaliar, em cada caso, o impacto da junção no setor econômico.33 29 Arts. 37 e 38. 30 Arts. 48 a 83. 31 Art. 49. 32 Art. 86. 33 Arts. 88 a 91. Atuação do Estado no Domínio Econômico 957 3a Prova A decisão condenatória do CADE, seja aplicando multa ou impondo obrigação de fazer ou não fazer, constitui título executivo extrajudicial. No caso de multa, a execução, obedece à Lei nº 6.830/1980, que regula a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública e cujas regras, obviamente, são mais severas.34 Dependendo da gravidade da infração, pode a execução alvitrar a intervenção na empresa como tutela específica, nomeando-se um interventor.35 Diga-se, por fim, que nem sempre tem sido fácil nem eficaz a fiscalização exer- cida pelos órgãos de controle. Há toda uma série de envolvimentos e interesses políti- cos, como se observa usualmente. Por outro lado, há imensa dificuldade de comprovar o abuso cometido pelos grandes grupos econômicos, muitas vezes ligados afetivamen- te a autoridades governamentais. Só mesmo um governo isento, forte e preordenado realmente à proteção da massa coletiva é que poderia levar a cabo essa difícil tarefa e evitar a descrença popular, originada dos acontecimentos verificados cotidianamente. 5 Controle do Abastecimento Controle do abastecimento é a forma interventiva do Estado que objetiva a man- ter no mercado consumidor produtos e serviços suficientes para atender à demanda da coletividade.36 Em momentos de crise econômica, ou de galopante processo inflacionário, é frequente que as empresas retenham seus produtos ou deixem de prestar seus servi- ços, provocando insuficiência de consumo no mercado e impedindo que a população obtenha regularmente os bens e serviços. Tal situação é geralmente especulativa e representa, sem dúvida, modalidade de abuso do poder econômico. É diante desse quadro que entra em cena o Estado-Regulador para, mesmo contra a vontade dos fornecedores, proporcionar a regularização do abastecimento da população, ainda que sejam necessárias algumas medidas coercitivas para alcançar esse objetivo. A Lei Delegada nº 4, de 26.9.1962, prevê várias hipóteses que justificam a inter- venção do Estado no setor econômico. A intervenção pode dar-se através da compra, armazenamento, distribuição e venda de produtos alimentícios, animais, tecidos, me- dicamentos, máquinas etc. Pode ainda verificar-se por meio da fixação de preços dos produtos. E, por fim, pela desapropriação por interesse social. Nota-se, portanto, que o legislador ofereceu ao Poder Público todos os instrumentos necessários à manutenção de bens e serviços no mercado, de modo a permitir o abastecimento regular a toda a coletividade. O controle do abastecimento de bens e serviços à população constitui atividade de significativo interesse público. Ninguém desconhece que o desabastecimento provoca 34 Art. 93. 35 Arts. 93, 94 e 102. 36 HELY LOPES MEIRELLES, ob. cit., p. 550. 958 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova numerosos gravames aos indivíduos e se revela inaceitável quando se caracteriza como artificioso e fraudulento. Por conseguinte, não basta que a lei proíba essas práticas: é preciso que a Administração esteja devidamente aparelhada para enfrentar tais desvios de mercado.37 Referida atividade se qualifica como de polícia administrativa, por meio da qual poderão ser aplicadas medidas preventivas e repressivas.38 De outro lado, as ações do Poder Público devem ser implementadas de imediato, já que podem ser irreversí- veis os efeitos causados pela falta de produtos no mercado.39 6 Tabelamento de Preços Os preços de bens e serviços existentes num determinado sistema econômico retratam a expressão monetária de seus valores.40 A regra geral, como sabemos, con- siste na atribuição de preços a tudo o que se encontra oferecido para consumo. Raros são os bens que não têm valor monetário intrínseco. Os preços classificam-se em privados, aqueles que se originam das condições normais do mercado, e públicos, aqueles fixados unilateralmente pelo Poder Público para os serviços que ele ou seus delegados prestem à coletividade, cobrados através de tarifas.41 A atuação interventiva do Estado ocorre em relação aos preços privados. A ex- pressão monetária dos preços privados se origina das condições do mercado, através de sua natural lei da oferta e procura, aquela que equilibra ou desequilibra o mercado conforme a natureza dos acontecimentos no sistema econômico. Quando a oferta é maior que a procura, os preços tendem a reduzir-se; quando a procura é maior que a oferta, ocorre o contrário, isto é, os preços tendem a elevar-se. Na verdade, os preços devem ser naturalmente fixados pelo mercado, mas nem sempre é isso que se passa. Em alguns momentos da vida econômica, a sonegação de bens e serviços para o consumo regular do mercado, levada a efeito por alguns setores empresariais, provoca uma alta artificial dos preços. Trustes, cartéis, dominação de mercados, eliminação da concorrência, todos esses fatores rendem ensejo à elevação artificial dos preços. É exatamente quando se dá esse desequilíbrio nas condições de mercado que o Estado-Regulador atua de forma interventiva. Para tanto, utiliza o mecanismo mais apropriado para regular o mercado: o tabelamento de preços. Tabelamento de preços, por- 37 De início, pela Lei Delegada nº 5/62, coube à SUNAB, autarquia federal, essa atribuição, mas a Lei nº 9.618, de 2.4.1998, previu a revogação daquela lei e autorizou a extinção da entidade. 38 EDIMUR FERREIRA DE FARIA, Curso de direito administrativo positivo, cit., p. 615. 39 A correta advertência é de DIÓGENES GASPARINI, Direito administrativo, cit., 2006, p. 753. 40 JOSÉ PASCHOAL ROSSETTI, Introdução à economia, p. 227. 41 Alguns costumam apontar também os denominados preços semiprivados, resultantes de certa ingerência do Poder Público no mercado. Tais preços, todavia, acabam sendo mais de natureza privada, porque é a força do mercado que serve diretamente para sua formação. Atuação do Estado no Domínio Econômico 959 3a Prova tanto, é a fixação dos preços privados de bens e produtos pelo Estado quando a iniciativa privada se revela sem condições de mantê-los nas regulares condições de mercado. Tem sido denominado por alguns analistas de “congelamento”, o que não deixa de ser um tabelamento protraí- do no tempo. O tabelamento de preços está previsto expressamente no art. 2º, II, da Lei Dele- gada nº 4/1962, e retrata uma das formas de atuação interventiva do Estado do domí- nio econômico. A competência para essa atuação é privativa da União ou de entidades a ela vinculadas, às quais tenha sido delegada essa atribuição. Estão fora, portanto, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Esse tipo de intervenção estatal, entretanto, não pode desviar-se de sua fina- lidade. O fim a que se dirige o Estado é a regularização do mercado, de modo que se afigura ilegítima a atuação estatal pela qual sejam tabelados preços privados sem obediência à natural lei da oferta e procura. É que as empresas também têm amparo constitucional para a exploração das atividades econômicas, postulado próprio da li- berdade de iniciativa. Seu direito só dá lugar ao poder interventivo do Estado quando há vulneração dos interesses maiores da coletividade.42 7 Microempresase Empresas de Pequeno Porte Além do grande empresariado, o setor econômico possui um grande número de empresas menores que, sem dúvida, são também responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país. Foi com essa visão que a Constituição em vigor contemplou sistema de proteção a essas empresas, estabelecendo no art. 179: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” O objetivo constitucional, como se pode observar, foi o de propiciar a essa cate- goria de empresas a oportunidade de competição, ou ao menos de desenvolvimento, diante das grandes empresas que, naturalmente, precisam de menor ajuda por terem situação econômica mais sólida e melhores meios para alcançarem seus objetivos. Por ocasião da denominada reforma tributária, a Constituição, no art. 146, III, “d”, com a redação da EC nº 42/2003, passou a prever que a lei complementar sobre matéria tributária deve também definir “tratamento diferenciado e favorecido para as mi- croempresas e para as empresas de pequeno porte” e instituir regimes especiais ou simplifi- cados no caso do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (art. 155, II, CF), das contribuições para o PIS (art. 239, CF) e das contribuições previden- ciárias previstas no art. 195, I, “b”, e IV, da CF. 42 A respeito do tema, vale a pena a leitura do trabalho de MIGUEL REALE, Controle ministerial de preços (RDP 89/235 – 1989). 960 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova A Constituição atribuiu competência concorrente a todas as entidades federa- tivas no que tange a ações protetivas para as microempresas, e o fez porque há vários aspectos de proteção que se incluem em competências constitucionais diversas. Tribu- tos, por exemplo, pertencem a todas as esferas. Registros de empresas são da atribui- ção do Estado através das juntas comerciais. Os alvarás de construção, de localização e de funcionamento são, de regra, da competência dos Municípios. Enfim, a proteção a essa categoria de empresas é geral e deve emanar do Estado como um todo. Para regulamentar a matéria em sede infraconstitucional, foi promulgada a Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. O diploma introduziu alterações em algumas leis e revogou expres- samente as Leis nos 9.841, de 5.10.1999, que instituíra o estatuto anterior, e 9.317, de 5.12.1996, que dispunha sobre o sistema integrado de imposto e contribuições daque- las empresas, denominado de “SIMPLES”. Na verdade, a revogação dessas leis visou à unificação de toda a matéria em diploma único. A legislação básica tem sido objeto de algumas alterações supervenientes, na busca de melhor adequação às novas realidades surgidas sobre o tema e da criação de mais facilidades para melhor atuação das microempresas e empresas de pequeno porte, mediante a concessão de certos benefícios e a redução da tradicional burocra- cia pública.43 O último grupo de alterações proveio da Lei Complementar nº 147, de 7.8.2014, transmitindo, como as leis anteriores, idêntico objetivo. Parece oportuno, em breve síntese, apontar os destaques da LC nº 123/2006, já considerando as modificações ulteriores. A proposta do legislador foi a de estabelecer as normas gerais relativas ao tra- tamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte em nível federal, estadual, distrital e municipal. Quatro foram os pontos objeto do foco da lei: (1º) regime único de arrecadação para apuração e recolhimento de impostos e contribuições; (2º) regras específicas para cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias; (3º) acesso ao crédito e ao mercado (com preferência nas aquisições de bens e serviços pela Administração), à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão; (4º) formação de cadastro nacional único de contribuintes, objetivando o compartilhamento, pelas pessoas federativas, dos processos de arrecadação, fiscaliza- ção e cobrança, nos termos do art. 146, parágrafo único, inciso IV, da Constituição.44 Para gerir semelhante sistema, três foram os órgãos previstos na lei: (1º) Comitê Gestor do Simples Nacional, composto de representantes dos entes federativos e des- tinado a tratar dos aspectos tributários; (2º) Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, também com- posto de representantes das pessoas federativas e órgãos de apoio e de registro empre- sarial, e com a finalidade de tratar do processo de registro e de legalização de empresários 43 Citem-se, p. ex., as LC nos 128/2008 e 139/2011. 44 Art. 1º, I a IV. O inciso IV foi incluído pela LC nº 147/2014. Atuação do Estado no Domínio Econômico 961 3a Prova e de pessoas jurídicas; (3º) Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pe- queno Porte, do qual participam órgãos federais e entidades vinculadas ao setor, com o objetivo de tratar dos demais aspectos de interesse dessas pessoas.45 Para implementar as medidas da lei com maior efetividade, ficou estabelecido que aos Municípios cabe- rá designar servidor específico (Agente de Desenvolvimento), que ficará responsável pelas ações locais ou comunitárias, individuais ou coletivas, visando ao cumprimento das disposições e diretrizes da lei geral.46 Segundo a lei, só podem enquadrar-se naquelas categorias empresariais a so- ciedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada47 e o empresário, este com a fisionomia delineada no Código Civil,48 desde que providenciado o registro nos órgãos competentes. As categorias distinguem-se em função da receita bruta auferida pela empresa no ano-calendário.49 Não obstante, a lei exclui do regime diferenciado e favorecido as pessoas jurídicas em determinadas situações especiais, tais como, v. g., a inclusão de outra pessoa jurídica no capital, a adoção da forma de cooperativa, banco, instituição financeira ou sociedade por ações e a relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade entre os titulares ou sócios e o contratante do serviço.50 No aspecto tributário, repete-se na LC nº 123/2006, embora com algumas normas diferenciadas, o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribui- ções – Simples Nacional (arts. 12 a 41). A lei visou a facilitar os pequenos empresários no que diz respeito ao débito de impostos e outras contribuições, inclusive reduzindo as exigências formais adotadas normalmente para o pagamento de despesas fiscais. A LC nº 139/2011 introduziu sistema mais simplificado para as pequenas empresas, beneficiando mais profundamente o Microempreendedor Individual (MEI).51 No âmbito das relações trabalhistas, foram criadas normas que reduzem as for- malidades usualmente exigidas das empresas em geral. Dentre elas, destacam-se as que dispensam as microempresas e empresas de pequeno porte de pagamento das contribuições sindicais e das contribuições de interesse dos serviços sociais autôno- mos (art. 240, CF), bem como do salário-educação (Lei nº 9.424, de 24.12.1996).52 O associativismo foi contemplado com a possibilidade de as microempresas e em- presas de pequeno porte constituírem sociedade de propósito específico, para realizar ne- 45 Art. 2º, I a III, com redação da LC nº 128/2008. 46 Art. 85-A e § 1º, da LC nº 123/2006, introduzidos pela LC nº 128/2008. 47 Esta nova categoria foi incluída pela LC nº 139/2011, em virtude da Lei nº 12.441/2011, que a inseriu no art. 980-A do Código Civil. 48 “Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividadeeconômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Para os efeitos do Estatuto em foco, o pequeno empresário será aquele que auferir receita bruta anual de até R$ 60.000,00 (art. 68, LC nº 123, com alteração da LC nº 139). 49 A microempresa terá como limite anual a receita bruta de R$ 360.000,00, ao passo que a empresa de pequeno porte será aquela que auferir receita superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (art. 3º, I e II, LC nº 123, com redação da LC nº 139). 50 Art. 3º, § 4º, I a XI. Este último inciso foi incluído pela LC nº 147/2014. 51 Art. 18-A da LC nº 123/2006, com alteração da LC nº 139/2011. 52 Arts. 50 a 55. 962 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova gócios de compra e venda de bens, destinados aos mercados nacional e internacional. Compete-lhes também adotar uma série de providências de apoio e operacionalização em prol das entidades associadas. A norma anterior exigia que apenas empresas que tivessem optado pelo Simples Nacional poderiam participar da sociedade, mas a exi- gência foi revogada pela LC nº 147/2014.53 O acesso aos mercados pretendeu oferecer oportunidades mais expressivas às mes- mas empresas através de preferências no setor de aquisições de bens e serviços pela Administração Pública e de redução de formalismos dentro do procedimento licitató- rio (arts. 42 a 49). A lei passou, inclusive, a oferecer às empresas acesso ao mercado externo, permitindo-lhes usufruir do regime de exportação dotado de procedimentos simplificados para habilitação, licenciamento, despacho aduaneiro e câmbio, em con- formidade com o respectivo regulamento.54 Introduziu-se a inovação de permitir a tais empresas a emissão de cédula de crédito microempresarial, na hipótese de serem titulares de direitos creditórios oriundos de empenhos liquidados por órgãos e entidades das pessoas federativas, não pagos no prazo de trinta dias contados da liquidação. Foram instituídas, da mesma forma, medidas de estímulo ao crédito e à capitaliza- ção com o escopo de melhorar o acesso dessas empresas aos mercados de crédito e de capitais e, com isso, reduzir custos, elevar eficiência e incentivar o quadro competitivo (arts. 57 a 63). O acesso à justiça foi consignado com a legitimidade das empresas para a proposi- tura de ações perante os juizados especiais (art. 8º, § 1º, Lei nº 9.099/1995), bem como através do estímulo à conciliação prévia, mediação e arbitragem. Averbe-se, ainda, que a lei admitiu que entidades privadas e públicas, inclusive o Judiciário, possam firmar parcerias entre si, com o objetivo de permitir a instalação ou utilização de ambientes adequados à realização dos procedimentos, alvitrando-se a busca da solução de confli- tos (art. 75-A). Em suma, a análise da nova legislação denota o desejo de fomentar as atividades das microempresas e empresas de pequeno porte, inserindo-as no mercado de créditos e de capitais em condições ao menos equiparadas às das grandes empresas. Trata-se da concessão de oportunidade para que possam realmente competir no mercado, não sucumbindo diante da usual voracidade e ambição de grupos econômicos poderosos. A implementação dessas políticas retrata verdadeira evolução dos setores econômico e so- cial. É necessário, porém, que a tutela não se limite às normas inscritas na lei, mas que, ao contrário, sejam efetivadas pelos entes federativos nos limites de suas competências. v ESTado EXEcuTor Vimos que, além da figura do Estado-Regulador, o Poder Público aparece ainda sob a forma de Estado-Executor. Como regulador, o Estado – já foi visto – atua pro- duzindo normas, interferindo na iniciativa privada, regulando preços, controlando o 53 Art. 56, LC nº 123/2006, com a redação da LC nº 147/2014. 54 Art. 49-A, LC nº 123/2006, incluído pela LC nº 147/2014. Atuação do Estado no Domínio Econômico 963 3a Prova abastecimento, reprimindo o abuso do poder econômico e enfim praticando uma série de atos disciplinadores da ordem econômica. Entretanto, o Estado também age exercendo, e não apenas regulando, atividades econômicas. É claro que o exercício estatal dessas atividades não pode constituir-se em regra geral. Ao contrário, a Constituição estabelece uma série de limites à atuação dessa natureza, exatamente para preservar o princípio da liberdade de iniciativa, con- cedido aos particulares em geral (art. 170, parágrafo único, CF). É essa postura estatal que examinaremos a seguir. 1 Formas Como exercente de atividades econômicas, o Estado pode assumir duas posições. A primeira é aquela em que o próprio Estado se incumbe de explorar a atividade econômica através de seus órgãos internos. É o exemplo em que uma Secretaria Muni- cipal passa a fornecer medicamentos ao mercado de consumo, para favorecer sua aqui- sição pelas pessoas de baixa renda. Pode dizer-se neste caso que há exploração direta de atividades econômicas pelo Poder Público. Pela especial natureza de tais situações, a atividade econômica acaba confundindo-se com a própria prestação de serviços públi- cos, já que o Estado tem objetivos sociais e não persegue lucro. Mas o que mais frequentemente acontece é a criação pelo Estado de pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execução de ativida- des mercantis. Para tanto, institui normalmente empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais objetivos. Embora sejam pessoas autô- nomas, que não se confundem com a pessoa do Estado, é este que as controla, dirige e impõe a execução de seus objetivos institucionais. Assim, se são elas que exploram diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em última instância, intervém na ordem econômica. Nesse caso, podemos dizer que há exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado. 2 Exploração Direta 2.1 Regra Geral A regra relativa à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado se encontra no art. 173, caput, da CF: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” O art. 173, caput, da CF tem que ser interpretado conjugadamente com o art. 170, IV e parágrafo único. A exploração de atividades econômicas cabe, como regra, à iniciativa privada, um dos postulados fundamentais do regime capitalista. Desse 964 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova modo, a possibilidade que a Constituição admitiu no art. 173 há de ser considerada como tendo caráter excepcional. Por isso é que o próprio texto estabeleceu os limites que ensejariam essa forma de atuar do Estado. Sendo assim, não é difícil perceber que a leitura do texto indica claramente que a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo fazê-lo, contudo, em caráter especial, quando estiverem presentes os pressupostos nele consignados.55 Dois pontos nesse tema merecem consideração. Primeiramente é preciso reafirmar que, mesmo quando explore atividade econô- mica, o Estado está preordenado, mediata ou imediatamente, à execução de atividade que traduza benefício para a coletividade, vale dizer, que retrate interesse público. A razão é simples: não se pode conceber o Estado senão como sujeito capaz de perseguir o interesse coletivo. A intervenção na economia só tem correlação com a iniciativa pri- vada porque é a esta que cabe primordialmente a exploração. Mas o móvel da atuação interventiva haverá de ser sempre a busca de atendimento de algum interesse público, mesmo que o Estado se vista com a roupagem mercantil de comerciante ou industrial. O outro ponto que merece destaque diz respeito à inconveniência de o Estado imiscuir-se nas atividades econômicas. Na verdade, sempreque o Estado intervém no domínio econômico se mostra ineficiente e incapaz de atingir seus objetivos, acabando por ocasionar uma série de outros problemas. Não há como comparar-se seus resulta- dos com os obtidos pela iniciativa privada. Autorizada doutrina mostra essa realidade: “A verdade é que o Estado não consegue submeter suas empresas regidas pelo direito privado a uma verdadeira mentalidade empresarial; pelo contrário sempre encontra formas de pô-las a ser- viço dos interesses do poder, e não da coletividade.”56 O que se verifica, em última instância, é que o Estado não deve mesmo exercer a função de explorar atividades econômicas. O papel que deve desempenhar é realmente o de Estado-Regulador, controlador e fiscal, mas deixando o desempenho às empresas da iniciativa privada. Conquanto já tenhamos examinado o tema anteriormente, não custa relembrar que nem sempre é muito fácil distinguir os serviços públicos econômicos das atividades pri- vadas eminentemente econômicas. Ambos propiciam lucratividade, mas, enquanto aqueles visam ao atendimento de demandas da coletividade para sua maior comodidade, estas retratam atividades de caráter empresarial, de indústria, comércio ou serviços. Por isso, os primeiros se situam dentro da competência normal dos entes federativos, ao 55 Veja-se sobre o tema o excelente estudo de JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA, Direito constitu- cional econômico cit., p. 181 e ss. 56 “ELSO RIBEIRO BASTOS e YVES GANDRA MARTINS, Comentários, cit., v. VII, p. 72. O exemplo mais marcante que prova a verdade das palavras dos autores é o de empresas de transporte coletivo vinculadas ao Estado. Enquanto as empresas da iniciativa privada auferem lucros e melhoram a prestação do serviço, as empresas estatais geralmente o fazem com evidente ineficiência, quando não precisam ser extintas. No Rio de Janeiro, a CTC – Cia. de Transportes Coletivos simplesmente se tornou insolvente e foi paralisada. Enquanto isso, as empresas privadas aumentam suas frotas, suas linhas e [...] seus lucros.” Atuação do Estado no Domínio Econômico 965 3a Prova passo que as últimas devem ser atribuídas ao setor privado e, somente por exceção, à exploração direta pelo Estado.57 2.2 Pressupostos A Constituição não deixa liberdade para o Estado explorar atividades econômi- cas, mas, ao contrário, aponta três pressupostos que legitimam a intervenção. O primeiro é a segurança nacional, pressuposto de natureza claramente política. Se a ordem econômica conduzida pelos particulares estiver causando algum risco à soberania do país, fica o Estado autorizado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, tudo com vistas a restabelecer a paz e a ordem sociais. O outro pressuposto é o interesse coletivo relevante. A noção de interesse coletivo relevante constitui conceito jurídico indeterminado, porque lhe faltam a precisão e a identificação necessárias a sua determinabilidade. Por essa razão, a Constituição admitiu que essa noção viesse a ser definida em lei. Desse modo, será necessário que o Governo edite a lei definidora do que é interesse coletivo relevante para permitir a intervenção legítima do Estado no domínio econômico. Há um terceiro pressuposto que está implícito no texto. O dispositivo, ao res- salvar os casos previstos na Constituição, está admitindo que o só fato de haver dis- posição em que haja permissividade interventiva contida no texto constitucional é suficiente para autorizar a exploração da atividade econômica pelo Estado, indepen- dentemente de ser hipótese de segurança nacional ou de interesse coletivo relevante. Há, de fato, interesse coletivo relevante presumido, porque constante da Constituição, muito embora não tenha sido ele definido em lei. Por todos esses elementos podemos dizer que a atuação do Estado como ex- plorador da atividade econômica é, em princípio, vedada, só sendo permitida quando: a) o exigir a segurança nacional; b) atender a interesse coletivo relevante; e c) houver expresso permissivo constitucional. 3 Exploração Indireta 3.1 Sentido A forma mais comum pela qual o Estado intervém no domínio econômico é através das entidades paraestatais. As sociedades de economia mista e as empresas 57 Vide Capítulo 7, no tópico referente à classificação dos serviços públicos, no qual apontamos as discus- sões no STF sobre o serviço postal e seus vários vetores. 966 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova públicas são as entidades vinculadas ao Estado às quais se atribui a tarefa de intervir no domínio econômico. Nesse caso, o Estado não é o executor direto das atividades econômicas, como vimos no tópico anterior. Para executá-las, socorre-se dessas entidades, que têm a sua criação autorizada por lei e já nascem com objetivos predeterminados (art. 37, XIX, CF). E são as entidades que vão realmente explorar as atividades econômicas para as quais a lei as destinou. A exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado tem previsão no art. 173, § 1º, da CF, com a redação dada pela EC nº 19/1998 (reforma administrativa do Estado), segundo o qual a lei deverá estabelecer o estatuto jurídico da empresa pú- blica, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviço. A referida lei deverá dispor sobre vários aspectos, alguns destes já examinados, como a função social e a forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias; a licitação e contratação; a organização dos conselhos fiscal e de administração com a participação de acionistas minoritários; e os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. De qualquer modo, podemos conceituar a exploração indireta do Estado como aquela pela qual exerce atividades econômicas por intermédio de entidades paraesta- tais a ele vinculadas e por ele controladas. 3.2 As Empresas do Estado A análise do texto constitucional denota a existência de três categorias de pes- soas jurídicas ligadas ao Estado, que podem explorar atividades econômicas. As duas primeiras são as empresas públicas e as sociedades de economia mista, cujo perfil já examinamos no capítulo próprio.58 Caracterizam-se por serem destinadas a dois objetivos: 1. o desempenho de atividades econômicas; e 2. a prestação de serviços públicos. Quando exercem atividades econômicas, essas entidades, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podem agir como verdadeiros particulares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja no de indústria, e, ainda, no de serviços. A outra categoria mencionada no mandamento constitucional é a das empresas subsidiárias, que, como já vimos anteriormente, são aquelas que, derivando das empre- sas públicas e sociedades de economia mista primárias, estão sob controle destas no que toca ao capital e, obviamente, às diretrizes operacionais. São também denomina- das de empresas de segundo grau, que, a seu turno, também podem controlar o capital 58 Vide Capítulo 9. Atuação do Estado no Domínio Econômico 967 3a Prova de entidades derivadas, de terceiro grau, e assim sucessivamente. Fora das primárias, todas são subsidiárias e, por força de mandamento constitucional, exigem autorização legislativa para sua instituição. O art. 173, § 1º, aliás, com a redação da EC nº 19/1998, baniu, em bom momento, a expressão “outras entidades que explorem atividade econômica”, contemplada anteriormente no dispositivo, a qual suscitava algumas perplexidades, como registramos em edições anteriores, já que, por ser ampla e imprecisa, não permi- tia identificar quais seriam essas “outras entidades’”. Com a nova redação,a referência cinge-se apenas às sociedades de economia mista, às empresas públicas e às suas sub- sidiárias, tudo conforme o que a lei tiver estabelecido. A execução de atividades econômicas por essas empresas paraestatais apresenta fatores positivos e negativos, como bem assinala VEDEL.59 Como fatores positivos, estão a personalidade jurídica própria e a autonomia financeira, bem como a busca de objetivos econômicos definidos. Como fator negativo, aponta o fato de que, mesmo voltadas para objetivos econômicos, não podem abstrair-se do interesse geral. O certo é que, contemplando expressamente tais entidades, a Constituição au- toriza, também de forma expressa, que elas sirvam de meio para a execução pelo Esta- do, de forma indireta, de atividades de caráter mercantil. Relembre-se, por oportuno, que autarquias e fundações públicas, embora tam- bém vinculadas e controladas pelo Estado, não se prestam à execução de atividades econômicas, incompatíveis com sua natureza de entidades sem fins lucrativos, sem caráter mercantil e voltadas para atividades eminentemente sociais. 3.3 Regime Jurídico O texto constitucional é peremptório quando obriga a que essas entidades se su- jeitem ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Nota-se de plano que o advérbio inclusive empre- gado no dispositivo não teve outra finalidade a não ser a de enfatizar quais os campos do regime privado que não poderiam deixar de aplicar-se às empresas paraestatais – o regime privado, trabalhista e tributário. Significa que seus empregados devem sujeitar- -se à CLT e que se tornam contribuintes tributários nas mesmas condições que as empresas privadas. Ressalve-se, todavia, que o regime aplicável às empresas privadas não se limita a esses dois campos, que, repita-se, foram apenas enfatizados. O que o texto determina é que se submetam a todo o regime aplicável às empresas privadas.60 O intuito do Constituinte não é difícil de explicar. Se as empresas paraestatais tivessem prerrogativas e vantagens específicas do Estado, teriam elas muito maiores facilidades que as empresas privadas e, por certo, causariam a ruptura do postulado 59 Droit administratif, cit., p. 751-752. 60 O STF, aliás, já deixou expresso que “as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias – CF, art. 173, § 1º” (ADIN nº 1.552-4, Pleno, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, publ. DJ de 17.4.1998, apud ADCOAS 8172977). 968 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova da livre concorrência e do equilíbrio do mercado. Desse modo, quis deixar expresso que o fato de serem instituídas, controladas e fiscalizadas pelo Estado não será idôneo para colocá-las em vantagem perante suas congêneres privadas. Ao revés, assim como poderiam usufruir as vantagens destas, teriam que também suportar seus ônus e difi- culdades. Esse é que é o espírito do dispositivo. A regra, contudo, não pode ser interpretada literalmente, e a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas também tem que ser vista cum grano salis. Na verdade, por mais que se aproximem das empresas da iniciativa privada e que sofram a incidên- cia do regime jurídico destas, o certo é que não podem descartar o influxo de algumas regras de direito público, indispensáveis no caso de que se trata, ou seja, de pessoas administrativas vinculadas necessariamente a uma pessoa federativa. Apesar de pes- soas privadas, essas entidades sujeitam-se às regras de vinculação com a respectiva Administração Direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto a própria Administração; só podem recrutar mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; obedecem ao princípio da obrigatoriedade de licitação, e outras tantas normas de direito público, não aplicáveis, obviamente, às empresas da iniciativa privada. Há, portanto, um regime híbrido, pelo qual, de um lado, sofrem o influxo de normas de direito privado quando explorando atividades econômi- cas, e de outro submetem-se a regras de direito público quanto aos efeitos decorrentes de sua relação jurídica com o Estado. Em abono desse hibridismo de regime jurídico, afigura-se acertada a lição no que concerne às sociedades de economia mista: “Então, embora basicamente se conformem à disciplina do direito privado, sobreposse no que tange a suas relações com terceiros, nem por isto são regidas exclusivamente pelos preceitos atinentes àquele ramo do direito. Muito pelo contrário. Sofrem também, como se disse, a ingerência de princípios e normas de direito público.”61 Denotando claramente que tais entidades têm que estar sujeitas a regime es- pecial, a CF, como já dissemos anteriormente, prevê no art. 173, § 1º, com a redação da EC nº 19/1998, a promulgação de lei que regule seu estatuto jurídico, indicando, dentre outras, as peculiaridades relativas a sua função social e ao regime aplicável às empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Não há dúvida de que, mesmo com o advento da referida lei, o regime continuará híbrido, porque, por mais que possam se aproximar das pessoas da iniciativa privada, nunca deixarão de ser entidades que, afinal de contas, foram criadas pelo Estado, e, se assim é, terão que se sujeitar à incidência de normas de direito público.62 Esse é um aspecto do regime jurídico. Há, porém, um outro. As entidades pa- raestatais são destinadas ao desempenho de atividades mercantis e agem como par- ticulares, nas relações de mercado. Não obstante, como bem observa BIELSA, nunca podem estar preordenadas apenas aos interesses econômicos, como os particulares em 61 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Sociedades mistas, empresas públicas e o regime de direito público (RDP 97, p. 32, 1991). 62 Vide a respeito CARLOS PINTO COELHO MOTTA, Curso prático de direito administrativo, cit., p. 147-148. Atuação do Estado no Domínio Econômico 969 3a Prova geral, mas, ao contrário, devem perseguir sempre e sempre o interesse público. Este é que é o fim último da atuação do Estado; a atuação interventiva na ordem econômica não pode ser senão um meio de alcançar aquele fim.63 3.4 Privilégios Fiscais O princípio da aplicabilidade às empresas paraestatais das mesmas regras in- cidentes sobre as empresas da iniciativa privada, com a menção expressa do art. 173, § 1º, da CF, de que nelas se incluem as obrigações tributárias, bastaria para chegar-se à conclusão de que não podem ser concedidos privilégios fiscais exclusivos para elas. A despeito desse fato, o Constituinte mais uma vez foi redundante e, para não deixar margem a dúvidas, proclamou no art. 173, § 2º: “As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.” Privilégios fiscais são vantagens atribuídas pelo Poder Público a contribuintes em virtude de certas situações especiais nas quais é preciso conciliar os interesses de ambos. É evidente que quem recebe um privilégio fiscal tem menor ônus do que aquele que não é aquinhoado. Ora, se fosse possível beneficiar as empresas do Estado com privilégios fiscais, esse fato provocaria grande prejuízo às empresas da iniciativa privada, que, em última análise, se veriam alijadas da regular concorrência. Desse modo, pode-se dizer que a impossibilidade da concessão de privilégios fiscais às empresas paraestatais (art. 173, § 2º) já se situa dentro do princípio de que a elas se aplica o regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações tributárias (art. 173, § 1º). O excesso normativo, porém, emboranão muito técnico, revela a vontade do Constituinte de dar ênfase a aspectos especiais que envolvem a atuação do Estado no domínio econômico através de empresas paraestatais. Por fim, cumpre ressaltar que não está proibido que o Estado conceda privilégios fiscais a suas empresas; o que se proíbe é que os conceda somente a elas. Se elas forem beneficiadas pelos privilégios, a extensão destes deve alcançar também as empresas da iniciativa privada. Nesse aspecto é decisiva a aplicação do princípio da igualdade. vi moNoPÓlio ESTaTal 1 Sentido Monopólio significa a exploração exclusiva de um negócio, em decorrência da concessão de um privilégio. O monopólio privado é absolutamente vedado pela Cons- tituição, porque permite a dominação do mercado e a eliminação da concorrência, 63 RAFAEL BIELSA, Derecho administrativo, t. I, p. 505. Diz o autor, a propósito das sociedades de econo- mia mista: “La Administración pública no puede ni debe ser un simple accionista. Esa actitud exclusivamente particular, implica desertar de su misión jurídicosocial, en lo que respecta a la prestación de servicios públicos.” 970 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova fatores que espelham abuso do poder econômico.64 A empresa monopolista a curto prazo tem condições de obter lucro máximo e não necessita se ajustar aos preços de mercado.65 Não é difícil observar que tal situação é totalmente incompatível com o sistema adotado na Constituição, cabendo no caso a presença do Estado-Regulador. O mesmo não se passa com o monopólio estatal, isto é, aquele que é exercido pelo Estado ou por delegados expressamente autorizados a tanto. A diferença, porém, é flagrante. Enquanto o monopólio privado tem por escopo o aumento de lucros e o interesse privado, o monopólio estatal visa sempre à proteção do interesse público. A exclusividade de atuação do Estado em determinado setor econômico tem caráter pro- tetivo, e não lucrativo, e por esse motivo tem abrigo constitucional.66 Cabe destacar, por oportuno, que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado em regime de monopólio é imperiosa (e não facultativa), quando se trate de imperativo de seguran- ça nacional (art. 173, caput, CF).67 Podemos, assim, definir o monopólio estatal como a atribuição conferida ao Estado para o desempenho exclusivo de certa atividade do domínio econômico, tendo em vista as exigências de interesse público. 2 Natureza Jurídica O monopólio estatal tem a natureza de atuação interventiva do Estado, direta ou indireta, de caráter exclusivo, em determinado setor da ordem econômica. É atuação interventiva exclusiva porque a exploração da atividade pelo Estado afasta os particulares do mesmo ramo. Pode ser direta ou indireta, porque tanto o Estado como uma de suas entidades vinculadas podem explorar a atividade, embora a reserva de controle sempre seja pertencente àquele. Além disso, o monopólio, embora voltado à atividade econômica, é meio de intervenção que também atende à ordem social. 3 Monopólio e Privilégio A doutrina distingue monopólio e privilégio. Monopólio é o fato econômico que retrata a reserva, a uma pessoa específica, da exploração de atividade econômica. 64 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso, cit., p. 673. 65 JOSÉ PASCHOAL ROSSETTI, Introdução, cit., p. 293. 66 De rara felicidade é a lição de BIELSA a respeito dos monopólios estatais: “El Estado tiene una economía propia y los habitantes otra, no por antagonismo político, sino por la distinta índole de sus fines y medios” (ob. e vol. cit., p. 491, grifos do autor). 67 Com o mesmo pensamento, EROS ROBERTO GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Malhei- ros, 10. ed., 2005, p. 283-284. Atuação do Estado no Domínio Econômico 971 3a Prova Nem sempre, no entanto, o titular do monopólio é aquele que explora a ativida- de. Pode delegar a atuação a outra pessoa. Privilégio é a delegação do direito de explorar a atividade econômica a outra pessoa. Sendo assim, só quem tem o monopólio tem idoneidade para conceder privilégio.68 4 Atividades Monopolizadas O exame do conjunto normativo constitucional denuncia que se podem encon- trar dois tipos de monopólios estatais: o monopólio expresso e o monopólio implícito. As atividades expressamente monopolizadas estão relacionadas no art. 177 da CF, alterado pela EC nº 9/1995. São elas: a) a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocar- bonetos fluidos; b) a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; c) a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; d) o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; e) a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. Note-se, no elenco constitucional, que duas são as atividades monopolizadas, uma relativa a atividades petrolíferas e outra concernente a materiais nucleares. A Emenda nº 9/1995 introduziu profunda alteração no regime monopolístico relativo ao petróleo. Anteriormente, era vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo (art. 177, § 1º, com a redação anterior). Reduzindo a extensão do monopólio, passou a consignar o dispositivo que a União poderá contratar empresas estatais ou privadas para a realização das atividades ligadas ao petróleo, previstas nos incisos I a IV do art. 177. Portanto, observa-se que a atividade petrolífera continua monopolizada, embora atualmente seja possível a concessão de privilégios a outras pessoas. O marco regulatório da exploração de petróleo é previsto na Lei nº 9.478, de 6.8.1997, e nessa disciplina ficou contemplado o regime de concessão, em cujo contra- to fica delegado a sociedade privada o direito de exploração. Esta corre por conta e risco do concessionário, mas, no caso de descoberta do produto, é do concessionário o resultado da produção, cabendo-lhe, contudo, pagar compensação financeira ao governo (royalties). 68 HELY LOPES MEIRELLES, ob. cit., p. 547. 972 Manual de Direito Administrativo • Carvalho Filho 3a Prova 3a Prova Com a descoberta de imensas jazidas na camada inferior do subsolo em áreas oceânicas brasileiras, denominada de pré-sal, foi editada a Lei nº 12.351, de 22.12.2010, que, diversamente da lei anterior, estabeleceu marco regulatório sob novo regime, de- nominado de partilha de produção, também formalizado por contrato. Em tal sistema, o contratado explora a jazida por sua conta e risco, e o montante produzido, após serem descontados o custo operacional da sociedade e o total dos royalties, é partilhado entre o governo e o contratado nas condições contratuais. O regime, para o governo, é mais vantajoso que o anterior e teve como fundamento o fato de haver baixo risco explora- tório e alto potencial de produção de petróleo nas áreas do pré-sal. A EC nº 49, de 8.2.2006, alterando o art. 177, V, da CF, também atenuou o monopólio relativo à pesquisa, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, passando a admitir a produção, comercialização e utilização de radioisótopos por particulares sob regime de permissão, fato agora também previsto – já o referimos – no art. 21, XXIII, alíneas “b” e “c”, da Constituição. Nesse aspecto, por conseguinte, a alteração fez desaparecer o monopólio estatal.69 Além dessas, há ainda as atividades implicitamente monopolizadas, que são as previstas no art. 21 da CF, entre as quais citem-se a emissão de moedas (inciso VII); o serviço postal (inciso
Compartilhar