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Tratados internacionais e a Constituição

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OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS PODEM
ALTERAR A CONSTITUIÇÃO?
Daniela Aben-Athar
Advogada da União – 1ª Região
Mestranda em Direito Constitucional
Professora de Direito Constitucional na Faculdade Euro-Americana
INTRODUÇÃO
O presente artigo examina a constitucionalidade ou não da prisão decorrente de
dívidas após a promulgação do Pacto de São José da Costa Rica, pelo Decreto nº 678, de
6 de novembro de 1992.
Tal questão ganha ainda mais evidência a partir da dúvida que se formou
recentemente quanto à extensão assim como efícácia das normas advindas dos Tratados
Internacionais sobre os Direitos Humanos. Será que seus preceitos teriam a mesma
assimilação dos demais acordos internacionais? Ou será que apesar de cuidarem de
objeto de tutela especialíssima – Direito Humanos – colheriam alguma peculiaridade no
sistema jurídico nacional? Mais especificamente, e ainda sobre esse espectro, um acordo
internacional em que a República Federativa do Brasil seja parte e que regule matéria
atinente a Direitos Humanos, terá o condão de revogar norma constitucional a cuidar
anteriormente o mesmo tema?
Em tempos de Direito da Integração, os instrumentos clássicos que auxiliavam na
solução concreta de questões internacionais se mostram insuficientes em face das
mudanças na formação dos Estados nacionais. O conceito de soberania estatal, como
exemplo, vem se modificando a cada dia. Entretanto, é necessário ir além. O
pensamento jurídico não pode se limitar ao direito posto, somente. Há que perquirir os
valores a ele agregados – munição farta para legitimar uma fundamentação razoável.
Passamos, dessa forma, a enfrentar o tema ora posto para ao final responder se
podem as normas advindas de tratados de direitos humanos revogar preceito
constitucional, à luz do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição.
1. O Direito Internacional Privado e o Direito Constitucional
Internacional.
A convivência entre Estados soberanos, além de natural é necessária. Em ritmo de
início de novo milênio, a interação entre os diversos Estados tem sido mais que uma
realidade, uma tônica. De fato, são soberanias as mais distintas, relacionando-se num
mosaico global on line. A integração entre os Estados já um fato consumado – em tempo
real. O mundo se aglutina, como exemplo, a União Européia e os blocos econômicos,
onde os pontos de atrito reclamam solução. É dentro desse contexto que se encontra
hoje o direito internacional privado. A sua razão “visa solucionar o conflito de leis no
espaço, vale dizer, o entrechoque de normas que emanam de soberanias diferentes.”1 O
seu principal instrumento são os acordos internacionais.
 
1 Barroso, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 12.
O direito constitucional surgiu como especialização do direito internacional geral.
Porém, não foge a essa realidade. Daí a sucinta e eloqüente definição de Celso de
Albuquerque Mello: “podemos definir D. Constitucional Internacional como as normas
constitucionais que regulamentam as relações exteriores do Estado.” Isto é, o direito
constitucional internacional tem perfil publicista e tenta organizar o Estado, dentro do
que é possível, aos moldes da agenda internacional. Em suma, o direito constitucional
internacional enxerga o direito internacional através da Constituição. 2
Examinando as duas disciplinas há entre ambas um ponto de aproximação, que é
exatamente o fato de tratarem – ainda que em intensidades diversas – das relações
entre Estados soberanos. Os Estados – mais do que nunca – precisam interagir uns com
os outros para sobreviver no palco mundial. Para tanto, imprescindem de instrumentos
eficientes na condução de suas relações internacionais.
É assim que chegamos ao monismo e ao dualismo no direito internacional privado.
Como se sabe, o conflito de fontes é uma constante no direito. Não é diferente no direito
internacional, onde seus preceitos singulares e aqueles de direito interno insistem em
chocar-se. Daí a pertinência de certos métodos de raciocínio, que conduzem, em regra, a
uma saída que torna possível a sobrevivência do sistema jurídico. Antes de tudo, é
importante ressalvar que o exame do debate entre as correntes monistas e dualistas
tem elevada pertinência em nosso estudo, exatamente na medida em que a sua análise
poderá levar a uma solução mais acurada dos conflitos materializados entre tratados
internacionais e Constituição.
Portanto, o que os juristas procuram é uma solução para o conflito de fontes
internas e internacionais. Quer dizer, os Estados não podem deixar de se relacionar e a
interação entre eles, a seu turno, não pode encetar desvirtuamento em seus sistemas
jurídicos. Não é fácil encontrar a saída perfeita.
Para os dualistas, não existe conflito entre o direito internacional e o direito
interno, porquanto “eles constituem sistemas jurídicos distintos; são dois círculos que
não se sobrepõem um sobre o outro, apenas se tangenciam.”3 Então, havendo sistemas
jurídicos englobados em esferas distintas e autônomas, não há mesmo razão para se
pensar em algum conflito possível. Os dualistas, como a própria denominação sugere,
defendem um sistema de justaposição e autonomia. O direito internacional tem âmbito
de atuação no regramento das relações entre Estados. O direito interno se debruça
sobre as relações domésticas. Ocorre que há casos onde um ato internacional precisa se
tornar eficaz na ordem jurídica interna, como pode acontecer, por exemplo, nos tratados
sobre a defesa de Direitos Humanos. Nessa hipótese, haveria – na visão dos dualistas –
a necessidade de existir uma lei interna específica para que o preceito novo ficasse
incorporado no sistema interno.
Os monistas, de sua parte, capitaneados por Hans Kelsen, têm convencimento
diametralmente oposto. Para eles, a ordem jurídica é una, não obstante complexa e
heterogênea. Aí sim, tornam-se indispensáveis instrumentos hábeis a concatenar
energias normativas advindas de diferentes origens, bem como de intensidades de
regulação singulares. É no sistema monista que o reclamo do conflito entre fontes se faz
presente e importante. E a solução para o problema ainda não parece ter sido
verdadeiramente equacionada.
 
2 Mello, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional . Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
3 Barroso, Luís Roberto, op. cit., p. 16.
De qualquer forma, parece inolvidável ter prevalecido o sistema monista nos
arrais do direito internacional privado, ou seja, o direito deve ser estudado e aplicado em
toda a sua completude, em toda a sua unidade. Não há espaço para mais de uma ordem
jurídica. Sendo assim, “torna-se imperativa a existência de normas que coordenem
esses dois domínios e que estabeleçam quais deles deve prevalecer em caso de
conflito”.4
Partindo do monismo, fica patente que a ordem jurídica é um todo uno que se
deve harmonizar. Mais ainda resta, entre os monistas, séria secção quando o assunto
envolve o problema de saber qual a norma prevalente no sistema jurídico. Enfrentando a
polêmica, Jacob Dolinger leciona que a escola monista ficou repartida em três
segmentos: a que defende a primazia do direito interno sobre o direito internacional; a
que defende a primazia do direito internacional sobre o direito interno e a que os
equipara, dependendo a prevalência de uma fonte sobre a outra da ordem cronológica
de sua criação (monismo moderado).5
Como se pode facilmente concluir, a filiação a uma das três teses acima
discriminadas encetará uma cadeia de raciocínio peculiar, o que levará a soluções
também diversas. No Brasil, a doutrina majoritária se filiou ao monismo clássico
Kelseniano estruturado pela máxima pacta sunt servanda, de acordo com o qual
prevalecerá o preceito de direito internacional sobre outro preceito de direito interno.Ocorre que, a jurisprudência nacional mudou o rumo do problema exatamente
quando o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 80.004. A partir
de 1º de junho de 1977, o entendimento a respeito do assunto sofreu profunda
alteração. Passou-se a adotar a teoria monista moderada, segundo a qual prevalece a
norma posterior sobre a anterior em caso de conflito de fontes.6
Podemos concluir, portanto, que o Brasil adota a teoria monista. Sendo desse
jeito, o Brasil respeita e acolhe a premissa de que o ordenamento jurídico não pode ser
pluralizado pelo número de Estados. Ele é único e como tal deverá ser examinado. Além
disso, prevaleceu no Brasil tal do monismo moderado, o que quer dizer o mesmo que,
havendo conflito de fontes, terá eficácia a lei posterior, independentemente de sua
natureza internacional ou interna, pois tanto uma como outra estão no mesmo plano de
validade. Prepondera, por conseguinte, o fator tempo.
Será que essa mesma regra de solução de conflito também vale para a
Constituição? Um acordo internacional terá o condão de derrogar a Constituição?
Passaremos a abordagem dessa questão no item seguinte.
2. Os Tratados Internacionais e a Constituição
Como já foi visto, o direito internacional, assim como o direito interno, fazem
parte de um sistema unitário que se harmoniza com o entendimento majoritário de que
ambos estão em um mesmo grau de validade e de eficácia, razão pela qual havendo
conflito entre um e outro valerá a lei posterior. Interessa-nos, no momento, abordar a
hipótese do conflito de normas entre tratados internacionais e a Constituição do Estado
que o assimilou em seu ordenamento positivo.
Os tratados internacionais se incorporam ao direito interno no mesmo nível
hierárquico entre tratados internacionais e leis internacionais. Prevaleceu no Brasil a
 
4 Barroso, Luís Roberto, op. cit., p. 13.
5 Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado . Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 85.
6 Barroso, Luís Roberto, op. cit., p. 15 a 19 e Dolinger, Jacob, op. cit., p. 89 a 97.
regra do monismo moderado, o que significa, em outras palavras, que em se tratando
de preceitos normativos de idêntica hierarquia, o ato normativo mais recente revoga o
anterior.7
Parece-nos muito claro que, ao menos no Brasil, o tratado internacional não pode
ultrapassar os limites impostos pela Constituição da República. E a razão para tanto está
na natureza estável do texto constitucional. A leitura dos artigos 59 e seguintes deixa
ver que se trata de uma Constituição rígida. E como tal, os seus preceitos revestem-se
de situação hierárquica mais elevada. Tratando-se de conflito de normas de diferentes
hierarquias – uma, constitucional e outra, de natureza internacional, logo,
infraconstitucional – não tem valor a regra do monismo moderado, ordinariamente
utilizada, e de acordo coma qual lex posterior derogat lex priori.
Seja como for, o tratado internacional derivará, sempre – e em qualquer ocasião –
de um fundamento constitucional. Sendo norma derivada da Constituição, em nenhuma
hipótese, vale sempre repetir, poderá transcender ao que foi posto originariamente pelo
legislador constitucional. Assim deve ser, porque falta um predicado legitimador às
normas infraconstitucionais – internacionais ou internas – batizado por Canotilho com a
sugestiva expressão autoprimazia normativa. Para o professor de Coimbra, a
autoprimazia normativa “significa que as normas constitucionais não derivam a sua
validade de outras normas com dignidade hierárquica superior. Pressupõe-se, assim,
pragmaticamente, que o direito constitucional, originário de normas democraticamente
feitas e aceitas (legitimidade processual democrática) e informadas por «estruturas
básicas de justiça» (legitimidade material), é portador de uma valor normativo formal e
material superior.”8
Sendo assim, o princípio da supremacia da Constituição que assevera, em
primeiro lugar, a superioridade do texto constitucional em face a qualquer outro texto,
há de prevalecer ao largo da natureza da norma arrostada. Portanto, mesmo diante de
tratado internacional. O porquê disso é que a Constituição trata de organizar o Estado,
guardando em seu corpo, portanto, grande parcela de soberania colhida na vontade
popular. Não fosse assim, o quorum qualificado para alteração dos comandos
constitucionais seria ineficaz, pois qualquer decreto legislativo seria meio apto o
bastante para transformar seus mandamentos nucleares. No ritmo, o perfil do Estado,
que se encontra externado pela Constituição que o estrutura, estaria perigosamente
fragilizado por eventuais e ilegítimas incursões do direito internacional.
Posta a questão da natureza infraconstitucional dos tratados internacionais,
cumpre agora investigar o tópico mais relevante para os fins aqui propostos: como se
situa o controle da constitucionalidade dos tratados em geral.
3. Os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos e a
Constituição Brasileira de 1988
O exame da constitucionalidade dos tratados internacionais foi estudado no Brasil
por Celso de Albuquerque de Mello, que partindo do raciocínio de que os tratados
internacionais se encontram no mesmo grau de eficácia da lei, afirma que tais atos
podem ser impugnados sob dois aspectos: “o de constitucionalidade extrínseca
(ratificação imperfeita) e o de constitucionalidade intrínseca.” Para o professor do Rio de
Janeiro, a inconstitucionalidade extrínseca teria lugar na hipótese de o Poder Executivo
ratificar o tratado, sem submetê-lo à aprovação do Poder Legislativo, infringindo o
preceito constitucional insculpido no art. 49, I, da Constituição da República de 1988. A
 
7 Rezek, J. F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 104
8 Canotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 137.
inconstitucionalidade intrínseca, por sua vez, ocorreria através da violação da
Constituição em face do conteúdo de alguma norma convencional.9 No Brasil, arremata o
mestre, “a Constituição admite expressamente a apreciação pelo Judiciário da
constitucionalidade dos tratados.”10
Posição diversa não seria prodigiosa, pois vigora, acima de tudo, como já vimos, o
princípio da supremacia da Constituição – arraigado definitivamente em nosso
ordenamento – em razão da maior complexidade nas vias de alteração do texto
constitucional. Admitir a prevalência da norma internacional quando contraposta a algum
direito constitucionalmente previsto seria fato tão grave quanto partilhar a soberania ao
arrepio e descumprimento da lei fundamental.
Os estudiosos dos direitos humanos, se por um lado ainda não conseguiram colher
como gostariam os frutos por que tanto militam, certamente já obtiveram êxito em
fincar raízes sólidas para o desenvolvimento do tema.
A gênese dos direitos humanos está depositada na própria concepção de
civilização. Não há, ao que parece, um marco inicial de sua existência. Como anota
Cançado Trindade: “A idéia dos direitos humanos é, assim, tão antiga como a própria
história das civilizações, tendo logo se manifestado, em distintas culturas e em
momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana, na luta
contra todas as formas de dominação e exclusão e opressão, e em prol da salvaguarda
contra o despotismo e a arbitrariedade, e na asserção da participação na vida
comunitária e do princípio da legitimidade.”11
Os direitos humanos, portanto, passaram boa parte do tempo ao lados das idéias
de valor, isto é, deixaram de sofrer um tratamento jurídico que viabilize a sua efetivação
in praxis. Mas, apesar disso, foi na atmosfera do pós-guerra que os direitos humanos
ganharam espectro de internacionalidade. Flávia Piovesan, citando Richard B. Bilder
enriquece o assunto: “Embora a idéia de que os seres humanos tenhamdireitos e
liberdades fundamentais, que lhe são inerentes, há muito tempo tenha surgido no
pensamento humano, a concepção de que os direitos humanos constituem objeto
próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...) Muitos dos
direitos que hoje constam do “Direito Internacional dos Direitos Humanos” emergiram
apenas em 1945, quando, com as implicações do holocauto e de outras violações de
direitos humanos cometidas pelo nazismo, as nações do mundo decidiram que a
promoção de direitos humanos e liberdades fundamentais deveria ser um dos principais
propósitos da Organização das Nações Unidas.”12
A partir de então, e mais especificamente, a contar da Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos desenvolveram nova e mais profunda
extensão. O seu panorama passou a ser universal, não cabendo mais limites de
fronteira. Passou-se a uma nova era, a era dos direitos humanos internacionais. De
acordo com essa nova disciplina, os direitos humanos teriam sido promovidos à posição
de idéia-vetor para toda comunidade jurídica.
Desse modo, de acordo com a novel concepção de direitos humanos, a soberania
dos Estados passa a ser um tema secundário, e por isso, pode e deve ser questionada
quanto ao seu caráter absoluto. Não há mais que se falar em soberania estatal quando o
assunto em questão cuida de garantir os direitos fundamentais do ser humano. Assim,
 
9 Mello, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional . Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 21.
10 Op. cit., p. 324.
11 Cançado Trindade, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1997, p. 17.
12 Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . São Paulo: Max Limonad, p. 32 e 33.
há prerrogativas inerentes à toda humanidade, que devem ser resguardadas pelo Direito
Internacional dos Direitos Humanos.
Enfim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, considerado uma nova
disciplina autônoma, guarda seu postulado-guia na proteção do ser humano. O
ordenamento jurídico deve adotar tal alinhamento como o norte de seu rumo. Não há
barreira que obste essa idéia-mestra.
4. A Constituição de 1988 e a institucionalização dos Direitos e
Garantias Fundamentais
Passa-se, no momento, à análise que consiste em saber e os tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos têm poderes para derrogar o texto
constitucional.
O problema, longe de ser hipotético, encontra discussão na vida forense. Basta ler
o que ordena o inciso LXVII c/c § 2º do art. 5º da Constituição da República e art. 7º,
item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica), promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
Prevê o art. 5º, LXVII, da Constituição: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e
a do depositário infiel.” O § 1º do art. 5º, ao seu turno, ordena: “As normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” Já o § 2º do mesmo
dispositivo constitucional, declama: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Finalmente,
diz o art. 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica: “Ninguém deve ser detido por
dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
Como se dessume da leitura do diversos dispositivos transcritos, há um conflito de
fontes formais. Exsurge, melhor dizendo, uma antinomia que não pode se postegar,
quanto mais se tratando de preceito constitucional. O problema está em encontrar qual a
solução correta, ou ainda, descobrir o meio possível para compor o choque no caso
posto.
O seu desenlace é extremamente delicado e fica resumido à alternativa
perturbadora de optar entre afirmar a derrogabilidade da Constituição da República
diante do advento de tratado internacional sobre direitos humanos, ou então, e por
outro lado, só resta ver declarada a inconstitucionalidade do Pacto de São José da Costa
Rica, na parte específica em que atine ao tema da prisão por dívida. Aí estão as duas
teses que se contrapõem.
Como sói de todo tema em direito, temos correntes doutrinárias que divergem
sobre o tratamento da questão. A primeira delas se filia à teoria que professa o
predomínio dos tratados internacionais de direitos humanos sobre os dispositivos
constitucionais. Alicerça-se essa corrente na idéia de que o objeto daquela disciplina
específica se apresenta muito mais importante do que qualquer norma de direito interno
– constitucional inclusive. Nesse raciocínio, o direito internacional dos direitos humanos
encontra-se estruturado em uma esfera de supralegalidade que prescinde de eventual
assimilação jurídica formal por parte dos Estados que compõem o panorama mundial.
Em outras palavras, os também denominados direitos humanos internacionais têm, em
síntese, aplicabilidade imediata e direta, porque não precisam ser internados por meio
dos instrumentos indicados para a nacionalização dos acordos internacionais.
Na linha dos denominados internacionalistas, o que existe, na verdade, é uma
proteção internacional dos direitos humanos. A supremacia dos Tratados Internacionais
sobre Direitos Humanos em face da Constituição é seguida fielmente por Flávia
Piovesan, que sustenta o tema com fundamentos extraídos da própria Carta Política de
1988.
A jovem autora chega mesmo a inovar no exame do problema, apontando a forma
que lhe parece mais justa para compor o conflito entre o direito internacional e o direito
interno. Em primeiro lugar, aponta para a novidade inserta na Constituição de 1988, que
é a inclusão do preceito que obriga a observância e acato de outros princípios
constitucionais fundamentais não previstos no § 2º do art. 5º, mas presentes em
“tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. A partir
daí, tomando como fundamento tal preceito no corpo do texto constitucional, Flávia
Piovesan arquiteta sua tese.
Acrescenta, ainda, outro argumento que acorre o seu entendimento. Fazendo
distinção entre Constituição em sentido formal e em sentido material, ela acaba por
dizer que os tratados internacionais enquadrados no art. 5º, § 2º, são verdadeiras
normas constitucionais pelo conteúdo que trazem, quer dizer, pela matéria neles
versada.
Ainda na linha dos internacionalistas, Flávia Piovesan defende a incorporação
automática dos Tratados Internacionais de Direito Humanos. Colhendo dados na
doutrina de Antônio Augusto Cançado Trindade, a pesquisadora faz menção a uma
passagem elucidativa de seu pensamento, ao transcrever a idéia de que “se para os
tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação do Poder Legislativo de
ato com força de lei de modo a outorgar as suas disposições de vigência ou
obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos
tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte, os
direitos fundamentais neles garantidos, consoante os arts. 5º (2) e 5º (1) da
Constituição brasileira de 1988, passam a integrar o elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do
ordenamento jurídico interno.”13
O assunto além de instigante é polêmico, sendo que nas diveras conferências
internacionais a respeito do tema – objeto dos direitos internacionais dos direitos
humanos – houve bastante discussão.
Parece-nos mais atual, assim como razoável, o posicionamento de Portugal,
segundo o qual “os direitos humanos” abarcam não só “os direitos positivos, concedidospelos Estados aos seus cidadãos”, mas também os “direitos ancorados na natureza
humana, que preexistem, na sua essência, aos Estados e aos Governos. (...) Na origem
da organização da nossa sociedade está o homem, com determinados direitos
inalienáveis e imprescritíveis.14
Aí está, em resumo, o pensamento da escola dita vulgarmente internacionalista.
Como se pode observar, seus adeptos, de modo geral, defendem a supremacia dos
tratados internacionais de defesa dos Direitos Humanos sobre as demais normas
internas, inclusive as de cunho constitucional.
 
13 Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . São Paulo: Max Limonad, p. 103.
14 Cançado Trindade, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1997, p. 218.
No outro extremo da controvérsia restam os doutores que defendem a supremacia
constitucional. Até mesmo perante os tratados internacionais de direitos humanos.
De acordo com a segunda corrente, a norma constitucional guarda ínsita em si
uma posição superior no quadro geral das normas jurídicas. A Constituição, ao tempo
em que traça o perfil através do qual o Estado será organizado, exterioriza a soberania
desse mesmo Estado em formação. E se a elaboração, ou melhor, alteração das normas
constitucionais exige expedientes mais complexos, como é o caso do número mais
elevado para a consecução de uma emenda constitucional, é um contra-senso pensar
que preceitos alienígenas encontrarão maior facilidade para adentrar no direito positivo
em tala constitucional.
Não se discute, nesse ritmo, a natureza universal ou relativa dos direitos
humanos. Igualmente, os constitucionalistas passam ao largo em saber se os direitos
humanos internacionais têm natureza universal ou histórica.
Basta, para eles, examinar o texto constitucional, e através dele, formular um
método de interpretação secundum legem que torne possível o ingresso de instrumentos
internacionais aptos a defender os direitos humanos na ordem jurídica, posta a partir da
prevalência da Lei Maior.
A idéia que rege tal posicionamento está na característica peculiar às constituições
rígidas, que são, no geral, antipáticas a alguma idéia de normas supranacionais de
aplicação imediata e de valor normativo equiparado ao poder jurídico de uma norma
prevista no corpo de uma Constituição.
Em suma, essa segunda teoria não admite a derrogação da Constituição através
de atos normativos de direito internacional. Ainda que tal ato tenha sido objeto de aval
de determinado Estado, esse mesmo Estado poderá deixar de adotar a medida por ele
anteriormente admitida, caso seja colocado em risco o poder soberano, quer dizer, caso
tenha sido violada a sua Constituição.
Isso significa que, e esse inclusive é o nosso posicionamento, os tratados
internacionais, inclusive aqueles atinentes aos direitos humanos, poderão fazer parte do
ordenamento jurídico de um país, minudenciando, explicitando e expandindo os seus
preceitos constitucionais. Todavia, jamais poderão estirpar do texto fundamental
qualquer ordem nele contida. Não cabe falar em derrogação constitucional em face do
advento de tratado internacional, seja ele de qual natureza for.
Parece que o Supremo Tribunal Federal consagrou a tese dos constitucionalistas
quando julgou em 18/12/95 o Habeas Corpus nº 73.151/RJ, relatado pelo Ministro
Moreira Alves, cuja ementa em parte diz que: “- O Plenário do S.T.F já salientou que a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) não
assegura, de modo irrestrito, o direito de recorrer em liberdade, ressalvando o disposto
na Constituição e nas leis dos Estados-Partes.” (DJ de 19/04/96, p. 12216).

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