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Aula 3 Antropologia Cultural

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ANTROPOLOGIA CULTURAL
1
ANTROPOLOGIA CULTURAL
Graduação
ANTROPOLOGIA CULTURAL
63
U
N
ID
A
D
E
 3
ANTROPOLOGIA CULTURAL:
REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE
ABORDAGEM E MUDANÇA DE
PARADIGMA
Prezado(a) Aluno(a),
É uma enorme satisfação estarmos juntos novamente para darmos
continuidade aos nossos estudos. Esperamos, sinceramente, que a sua
aprendizagem esteja ocorrendo de forma clara e objetiva e que cada vez
mais você possa estar percebendo o quanto o estudo da diversidade cultural
é importante para a compreensão da nossa vida em sociedade.
Nesta nossa terceira unidade de estudos, discutiremos a transformação
que, a partir dos trabalhos desenvolvidos por Franz Boas, efetivou-se na
Antropologia, enquanto campo de saber, tomando como referência a
emergência de três novas vertentes teóricas: a Escola Funcionalista, a Escola
Estruturalista e o Interpretativismo. Em todos os casos tratados, buscaremos
identificar os principais conceitos utilizados para a explicação do problema
da diferença cultural, apontando para os pontos de aproximação e
afastamento entre eles.
OBJETIVOS DA UNIDADE:
• Compreender os fatores que permitiram a transformação
teórico-intelectual do campo antropológico;
• Identificar os principais postulados conceituais da Escola
Funcionalista na abordagem da diversidade cultural;
• Conhecer a Etnografia como método sistemático do trabalho
do antropólogo no estudo da diversidade cultural;
• Reconhecer o conceito de relativização como condição
fundamental da prática e do fazer antropológico;
• Identificar as contribuições da Escola Estruturalista para o estudo
das chamadas sociedades complexas;
• Problematizar os conceitos de sincronia e diacronia, função e
estrutura, tempo e história, história e historicidade;
• Compreender o conceito de cultura como código simbólico;
• Conhecer os principais conceitos e as críticas da abordagem
Interpretativista da cultura ao modelo clássico de Etnografia.
64
UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
PLANO DA UNIDADE:
• A Transformação Teórico-Intelectual do Campo Antropológico.
• A Escola Funcionalista em Perspectiva: Pressupostos
Conceituais.
• A Etnografia Como Forma de Pesquisa de Campo Detalhada: A
superação do Etnocentrismo e o Esforço de Relativização.
• A Escola Estruturalista em Perspectiva: Pressupostos
Conceituais.
• O Modelo Clássico de Etnografia e a Abordagem Interpretativista
da Cultura em Perspectiva.
 – O Modelo Clássico de Etnografia em perspectiva.
 – A Abordagem Interpretativista da Cultura em Perspectiva.
Seja bem-vindo à terceira unidade do nosso conteúdo!
Como parceiros de sua aprendizagem desejamos sucesso na sua
formação!
Bons Estudos!
65
ANTROPOLOGIA CULTURAL
A TRANSFORMAÇÃO TEÓRICO-INTELECTUAL DO CAMPO ANTROPOLÓGICO
Na unidade anterior, tivemos a oportunidade de conhecer, como a partir de duas
correntes teóricas – o Evolucionismo Social e a Escola Cultural Americana (ou Difusionismo)
– a Antropologia pôde sistematizar seus primeiros modelos analíticos, na busca de uma
explicação para o problema da variabilidade cultural. A despeito das especificidades
conceituais que definem cada um destes modelos analíticos, é possível identificar, entre
eles, um ponto de aproximação e convergência. Em ambos, a relação entre tempo e história
constituía a chave que abria a porta para o entendimento da problemática da diferença
cultural.
No primeiro caso – o Evolucionismo Social – trabalhava-se com uma concepção de
história linear definida com “H” maiúsculo e situada em um eixo temporal e evolutivo único.
Baseando-se na crença no postulado da unidade biológica da espécie humana, esta concepção
hierarquizava e unificava a diferença cultural, posto que pressupunha um só caminho, uma
só trajetória evolutiva a ser percorrida, inevitavelmente, por todas as sociedades e grupos
humanos sob a liderança e a tutela da cultura européia. Este postulado desembocava em
uma postura etnocêntrica, através da qual o “mundo do outro” era percebido e avaliado a
partir dos elementos que definiam o “mundo do eu”.
No segundo caso – a Escola Cultural Americana (ou Difusionismo) – enfatizava-se
uma visão da história definida com “h” minúsculo que postulava o caráter a um só tempo
singular e plural das culturas humanas, posto que as considerava como fruto de um complexo
de traços – condições ambientais, lingüísticas e psicológicas – resultantes de processos e
conexões históricas particulares que as colocavam em relação ao escolherem, cada uma a
seu modo, trilharem o seu próprio caminho no desenvolvimento de suas existências concretas.
Tratava-se, portanto, de uma perspectiva que trazia em seu bojo, os primeiros germes, os
primeiros elementos que irão possibilitar o exercício da prática relativizadora e, por
conseguinte, a problematização do processo de tradução do “mundo do outro” à luz das
características do “mundo do eu”.
Se, durante o período inicial de formação da Antropologia, como campo de saber,
esta temática que articula a noção de história com a categoria tempo, pôde se legitimar
como o elo, o terreno firme em torno do qual se buscava um modelo explicativo para a
problemática de diferença cultural, ao longo do século XX, ela perde a força teórica e torna-
se alvo de várias críticas e questionamentos. À medida em que estas críticas foram, pouco a
pouco, sistematizando-se, a Antropologia foi se abrindo para novas perspectivas analíticas,
que terão um papel decisivo para a sua afirmação definitiva enquanto um campo de
conhecimento, especialmente, voltado e dedicado ao estudo da diversidade cultural.
No decorrer desta unidade de estudos, analisaremos três destas perspectivas analíticas
– a Escola Funcionalista, a Escola Estruturalista e o Interpretativismo – buscando identificar
entre elas, não apenas possíveis elos de aproximação e convergência, como também, pontos
de afastamento e divergência. Para tanto, num esforço comparativo, abordaremos as
principais idéias e conceitos elaborados pelos diferentes teóricos, cujos nomes se associaram
a cada uma destas perspectivas. Desta forma, para que você possa apreender com clareza e
objetividade o conteúdo que iremos trabalhar, procure não dispersar o foco da sua atenção
e, especialmente, não deixe nenhuma dúvida ou questionamento pendente. Interaja conosco
através do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) sempre que julgar necessário e
continuemos os nossos estudos.
66
UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
A ESCOLA FUNCIONALISTA EM PERSPECTIVA: PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS
Já nas primeiras décadas do século XX, o campo antropológico passará por uma
profunda transformação nos postulados teórico-conceituais que até então tinham lhe servido
de base para a sustentação dos esforços despendidos, visando a formular um modelo
explicativo para a problemática da diversidade cultural. Como conseqüência, muda-se o
foco da sua orientação teórica, num movimento epistemológico, que, longe de sinalizar
para o predomínio de uma perspectiva uniforme, aponta, ao contrário, para a emergência
de uma multiplicidade de recortes e modelos analíticos. Do diálogo estabelecido entre
estes diversos modelos, resultará um cenário marcado pela contraposição de idéias, teorias
e conceitos, cujo debate propiciará a problematização e a complexificação cada vez mais
crescente da abordagem antropológica no estudo das culturas humanas.
O ponto de partida que, tornou possível esta transformação, encontra-se diretamente
vinculado aos trabalhos desenvolvidos por Franz Boas (1858 – 1949), que, embora não tenha
sistematizado, do ponto de vista formal, uma teoria propriamente antropológica da cultura,
apresentou um conjunto de idéias que, além de influenciar toda uma nova geração de
estudiosos – entre eles, Ruth Benedict e Margaret Mead, Edward Sapir e Julien Steward – e
de contribuir para aproximar a Antropologia de outras áreasdo saber – dentre elas, a
Psicologia, a Lingüística, o Meio Ambiente e a Ecologia – teve o mérito de trazer para o
debate novas pistas, sugestões, hipóteses e percepções que em função do caráter inovador,
foram decisivas para provocar um repensar crítico a respeito da temática da cultura e suas
implicações na dinâmica da vida social.
O primeiro passo dado por Boas, nesta direção, e que ilustra o ineditismo de suas
idéias, ancora-se na rejeição aos postulados evolucionistas em defesa de uma perspectiva
que considera as culturas humanas como fenômenos particulares e plurais. Ao enfatizar
processos de mudança, de troca e de empréstimo cultural, Boas problematiza uma das
questões centrais da abordagem antropológica, no estudo da diversidade cultural. Esta
questão refere-se ao modo pelo qual as instituições e os costumes adotados pelas diferentes
sociedades e grupos humanos eram percebidos e comparados. Em outras palavras, Boas
coloca, no foco da discussão, o problema do uso e da aplicação do método comparativo
em Antropologia.
Contrariando a perspectiva evolucionista, de acordo com a qual a comparação das
instituições e costumes ocorria de forma isolada e descontextualizada, Boas aponta para
as limitações deste tipo de procedimento e destaca a necessidade de que os mesmos
fossem avaliados de forma contextualizada, o que implicava em se considerar os
constrangimentos, os desafios e as condições específicas – fatores ambientais, lingüísticos
e psicológicos – em torno dos quais cada cultura pôde se desenvolver e que as levaram a
assumir, ao longo do processo histórico, formas particulares e singulares.
Através desta proposta, as idéias apresentadas por Boas abriram espaço para o início
de uma reflexão sobre o conceito de cultura que veio, posteriormente, contribuir de uma
forma decisiva para o rompimento com a visão etnocêntrica então dominante, cedendo
lugar para a legitimação de uma postura cada vez mais relativizadora diante da diferença.
Entretanto, a vinculação entre a noção de história e o conceito de cultura ainda permanece
presa às bases do seu pensamento como um emaranhado de linhas que, quando trançadas,
umas às outras, parecem formar uma espécie de nó com uma ponta solta a ser desatada.
Será justamente a vinculação entre estes dois conceitos que constituirá, ainda na
primeira metade do século XX, o alvo privilegiado de todo um novo questionamento que
então se descortina no interior do campo antropológico e que ganha visibilidade teórica
com a emergência de uma nova corrente de pensamento – a chamada Escola Funcionalista
67
ANTROPOLOGIA CULTURAL
– em torno da qual se associam o nome de dois antropólogos, o inglês Alfred Reginald
Radcliffe-Brown (1881 – 1955) e o polonês naturalizado inglês, Bronislaw Malinowski (1884
– 1942).
A base das críticas dirigidas por estes teóricos aos modelos analíticos, até então
construídos pela Antropologia, encontra-se circunscrita a uma profunda discussão sobre a
questão da permanência nestes modelos, ainda que, de modo diferenciados da noção da
história, que em sua articulação com o conceito de cultura se impunha como um recurso
metodológico necessário à compreensão do desenvolvimento das sociedades humanas.
Discordando desta vinculação que parece pressupor uma compatibilidade necessária entre
estes dois conceitos, como se um complementasse o outro, estes autores advogam uma
posição de acordo com a qual, a sincronia não poderia ser submetida ou explicada pela
diacronia.
Para que você possa compreender melhor o significado destes dois termos, vamos
recorrer a um exemplo que, com certeza, lhe será útil. Imagine que você seja convidado para
analisar uma partida de futebol na qual Flamengo e Fluminense – ou quaisquer outros times
de sua preferência – disputam o título de Campeão Estadual. Nesta partida, o Fluminense
sai vitorioso e cabe a você encontrar, na dinâmica do próprio jogo, uma explicação para o
sucesso do time. Duas são as possibilidades de explicação que de saída parecem se apresentar.
A primeira delas, consiste em acompanhar todos os movimentos dos jogadores do
time desde o início da partida até o momento do gol da vitória. A seqüência dos movimentos,
do primeiro ao último, explicaria o resultado final da partida na qual o time do Fluminense
saiu vitorioso. A explicação da vitória fica nesta visão, condicionada a compreensão da
seqüência de todos os movimentos dos jogadores do time ao longo da partida. Nesta
perspectiva, a sua análise estaria ancorada em uma ênfase na diacronia. Ou seja, a
compreensão do momento presente da vitória – sincronia – seria explicada e reduzida aos
movimentos passados – diacronia – anteriormente desenvolvidos pelos diferentes jogadores.
Um segundo modo de explicar a vitória do time, consiste em tomar o momento do
gol da vitória como a referência básica da análise e a partir dele se concentrar, muito mais do
que na sucessão dos movimentos anteriormente desenvolvidos por cada jogador e que, no
conjunto, deram uma seqüência lógica à partida, nas posições – zagueiro, ponta esquerda,
centroavante, lateral direito – nas jogadas, nas relações de força estabelecidas no interior do
campo e que culminaram com o resultado final. Neste segundo modo, a sua análise estaria
baseada em uma ênfase na sincronia. Isto é, a compreensão do momento presente da
vitória – sincronia – independe dos movimentos anteriores – diacronia – dos jogadores,
posto que se baseia no entendimento do contexto, das estratégias e das táticas utilizadas,
do significado das posições, do valor das jogadas e que, no conjunto, definem um campo de
forças específico, onde cada qual sabe o papel a desempenhar.
Transpondo agora este exemplo para a análise das sociedades humanas, esperamos
que fique mais fácil e acessível a você o entendimento da diferença entre estes dois termos
e, por conseguinte, dos pressupostos conceituais que serão adotados pela Escola
Funcionalista. Esta escola de pensamento representa, na verdade, um momento de ruptura,
através do qual a Antropologia busca legitimar sua autonomia e especificidade, enquanto
campo de saber, ao mesmo tempo em que, se complexifica do ponto de vista teórico, ao se
abrir cada vez mais para a compreensão do “mundo do outro” num esforço permanente e
contínuo de relativização.
Cumpre destacar, pela importância que terá na compreensão das idéias que vamos
apresentar, que este esforço de relativização, além de definir o compromisso fundamental
da Antropologia diante da alteridade e de demarcar sua identidade teórica enquanto campo
68
UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
de conhecimento implicará, muitas vezes, na relativização dos próprios conceitos, dos
próprios parâmetros que constituíram o centro da reflexão inicial de onde ela mesma partiu.
Vejamos então, de que forma esta ruptura pôde se concretizar, atentando-se, sempre que
possível, para os rumos e os caminhos para os quais ela apontou.
Como já mencionado anteriormente, o grande salto dado pelos teóricos funcionalistas
em direção a esta ruptura ancora-se na rejeição à predominância dos estudos diacrônicos,
em defesa de uma perspectiva que privilegia uma ênfase cada vez mais acentuada nos
estudos sincrônicos. Em outras palavras, ao tomarem como eixo norteador de suas reflexões,
o postulado básico de acordo com o qual a compreensão do presente – sincronia – de uma
cultura não estaria submetida ou condicionada ao conhecimento da história – diacronia –
do seu passado, os teóricos funcionalistas colocam, definitivamente, em xeque mate, o
modo pelo qual a Antropologia, até então havia conduzido a abordagem da diversidade
cultural e, inauguram, em contrapartida, um outro modo absolutamente distinto e
diferenciado de cumprir esta mesma tarefa.
Para levar adiante este empreendimento e tendo por base o postulado básico, a
primeira questão que os funcionalistas irão enfrentar e que representa, na verdade, o cerne
de sua abordagemteórica, diz respeito ao esforço de desvincular a noção de história do
conceito de cultura, em torno dos quais a categoria tempo colocava-se como uma variável
constante e permanente. Desta forma, através de um único e duplo movimento, os
funcionalistas irão se opor, tanto a abordagem Evolucionista, quanto à abordagem
Difusionista (ou Culturalista), enquanto modelos analíticos formulados com o propósito de
encontrar uma explicação plausível para o problema da diversidade cultural.
Assim sendo, de um lado, descartam o Evolucionismo Social, tendo em vista tratar-
se de um modelo analítico que, baseado em uma concepção de história linear, uma história
com “H” maiúsculo, englobava em uma trajetória evolutiva única todas as sociedades
humanas e unificava a diferença, tendo como referência comparativa central à cultura
européia a ser seguida, invariavelmente por todas as demais. Esta concepção de história
conjugava-se perfeitamente bem, com uma visão da cultura que tal como definida por Tylor
(1871), constituía um “todo complexo” formado por uma série de itens isolados e
identificáveis em qualquer lugar, como se todas as sociedades humanas tivessem enfrentado
os mesmos problemas e desafios, assim como, passado por experiências igualmente idênticas
ao longo de suas existências concretas.
Subjacente a esta concepção, reside à noção de um tempo linear que, como uma
espécie de motor histórico, impulsionava a evolução de todas as sociedades humanas em
uma única direção, o que desembocava em uma visão globalizadora e totalizadora da
história que se expressa no que, tradicionalmente, se convencionou denominar como a
“História da Humanidade” ou a “História da Civilização”.
Dentro destes parâmetros, a postura etnocêntrica diante da diferença é,
sistematicamente, reforçada já que, a percepção de uma variedade sincrônica – presente –
ficava reduzida a uma unidade diacrônica – história – legitimada através da crença postulada
em uma diferença de estágios ou momentos históricos específicos de um processo mais
amplo que enquadrava, invariavelmente, todas as sociedades humanas em um único eixo
evolutivo. Neste eixo evolutivo, o “mundo do outro” – as sociedades recém descobertas –
era percebido e concebido como um retrato do estágio de primitivismo já ultrapassado pelo
“mundo do eu” – a sociedade ocidental – em direção ao progresso e a evolução.
De outro lado, os teóricos funcionalistas rejeitam, também, a abordagem Difusionista
(ou Culturalista), que, embora pareça sinalizar para uma certa tentativa de busca da
relativização, não consegue avançar de um modo significativo neste projeto. Em outras
Sincronia: Relativo aos fatos
ou fenômenos que ocorrem
ao mesmo tempo, de modo
concomitante e simultâneo.
Diacronia: Relativo aos fatos
ou fenômenos observados
quanto à sua evolução e
ocorrência ao longo do
tempo.
69
ANTROPOLOGIA CULTURAL
palavras, ao defender uma concepção das culturas humanas que as entende como
fenômenos plurais e particulares, Franz Boas, de fato, rompe com a idéia de uma história
única capaz de enquadrar todas as sociedades humanas em um mesmo eixo evolutivo.
Entretanto, é preciso lembrar que, ao considerar que este caráter particular das culturas
humanas deriva de um “complexo de traços” resultantes de fatores ambientais, lingüísticos
e psicológicos, que sobre elas atuaram com maior ou menor intensidade ao escolherem
trilhar o seu próprio caminho, uma espécie de reducionismo parece ganhar corpo, num
movimento paradoxal, que reforça a vinculação inicial entre a noção de história e o conceito
de cultura, do qual Boas não consegue se desvencilhar.
O aspecto paradoxal e contraditório desta vinculação, torna-se francamente visível,
na medida em que, se por um lado, o caráter particular das culturas humanas tem como
correlato uma concepção de história que é pensada com “h” minúsculo e incidindo não
mais na história de todos os homens – a “História da Humanidade” – mas, na vida concreta
de cada sociedade, vista em sua enorme diversidade e singularidade de formas; por outro
lado, a cultura aparece como que resultante de um “complexo de traços” e, portanto,
moldada por um dos diferentes fatores – ambientais, lingüísticos e psicológicos – que
sobre ela atuaram ao longo de uma história, que é também concebida como particular e
única.
Desta forma, se num primeiro momento, a abordagem de Boas sugere um movimento
em que ambos os conceitos – de história e de cultura – parecem se relativizar e se abrir para
o “mundo do outro”, já que a cultura não é mais considerada como um “todo complexo”
formada por uma série de itens isolados e identificáveis em todas as sociedades humanas,
como preconizava Tylor; no momento seguinte, o reducionismo ganha força através de um
movimento em que os dois conceitos parecem novamente se articular e se coadunar, posto
que a cultura, uma vez mergulhada em um conjunto de fatores que sobre ela incide, é
impelida ao optar por trilhar o seu próprio caminho, a escolher um deles – meio ambiente,
linguagem, fatores psicológicos – como dominante. Em conseqüência, o aspecto global da
cultura é reduzido a este único fator que, uma vez considerado como dominante, passa a
ser utilizado em detrimento dos demais, para defini-la, conferindo-lhe assim, uma forma
singular e particular, derivada de sua história específica.
Este movimento de questionamento, que desconstrói as bases de sustentação do
pensar antropológico, até então predominante, conduz os teóricos funcionalistas à defesa
de uma posição que, longe de privilegiar no estudo da diversidade cultural, a supremacia de
uma perspectiva historicista – seja ela de cunho Evolucionista, seja ela de caráter Difusionista
(ou Culturalista) – calcada em uma ênfase na diacronia, caminha em uma outra direção. Em
contraposição a esta perspectiva, estes teóricos se posicionam a favor da adoção do que
denominam, como afirma o próprio Radcliffe-Brown, como perspectiva funcional de acordo
com a qual, no estudo das sociedades e culturas humanas, passa a incidir prioritariamente,
uma ênfase na sincronia.
Como temos procurado mostrar a você, trata-se de uma perspectiva que altera,
radicalmente, o modo antropológico de abordar o problema da diversidade cultural e que
trará conseqüências profundas para a compreensão e o diálogo com a diferença. Dois
fatores concorreram e atuaram, de modo decisivo, para a concretização desta mudança de
orientação teórica.
O primeiro destes fatores remete ao significado do próprio termo funcionalismo,
que em sua acepção restrita, ao apontar para o sentido de “função vital”, “funcionalidade”,
“funcionamento” traz como correlato às noções de “sistema” e “organicidade”, indicando,
já de antemão, a importância que o sentido deste termo assumirá para a compreensão
Reducionismo: Ato ou efeito
de reduzir, diminuir. Tornar
menor, restringir. Subjugar,
submeter. Separar,
desagregar de uma
combinação, um composto.
Simplificar, fazer voltar ao
primeiro estado. Abreviar,
resumir, compendiar.
Explicar o todo por uma de
suas partes constitutivas.
70
UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
teórica e metodológica do modelo analítico desenvolvido pelos funcionalistas. Esta
importância ganha forma e visibilidade através da analogia que estes teóricos estabelecem
entre a Antropologia e as Ciências Naturais, e que os leva a utilizar e aplicar, no estudo das
sociedades humanas, termos provenientes desta área do conhecimento, em especial, aqueles
oriundos da Biologia.
É exatamente no fulcro desta analogia, que, na busca da precisão e do rigor teórico,
Radcliffe-Brown irá definir os conceitos de “processo”, “função” e “estrutura”, estabelecendo,
para tanto, uma comparação entre o funcionamento do corpo humano e o desenvolvimento
da vida social. Desta forma, parte do pressuposto inicial, de acordo com o qual o corpo
humano constitui um organismo complexo que ganha forma e se assenta em uma estruturaorgânica, formada por diferentes órgãos (coração, intestino, ossos, tecidos, etc), cuja função
básica consiste em garantir o fluxo, o processo permanente da vida que nele habita. Embora
diferenciados, quando comparados uns com os outros, cada órgão contribui de um modo
específico para o funcionamento do organismo como um todo. Assim, enquanto o coração
tem a função básica de irrigar e bombear o sangue pelo corpo, contribuindo, por exemplo,
para a oxigenação do cérebro, o estômago atua através dos movimentos peristálticos na
função digestiva.
Nesta lógica de raciocínio, pode-se dizer que o organismo constitui um sistema,
uma totalidade, cuja manutenção depende do bom desempenho de cada uma de suas
partes, isto é, dos seus diferentes órgãos. Qualquer alteração ou distorção nas diferentes
funções exercidas por cada órgão, compromete o funcionamento do todo. Quando isto
ocorre, o organismo entra em colapso, adoece, ou seja, tem o seu equilíbrio afetado, o que
pode comprometer a própria continuidade da sua existência, enquanto estrutura biológica
que tem a manutenção da vida como sua função primordial.
Para Radcliffe-Brown, de modo análogo ao que acontece com o corpo humano, o
mesmo pode ser dito com relação à sociedade. Sendo assim, de forma correlata ao que
ocorre com o funcionamento do sistema orgânico, o desenvolvimento da vida social constitui
também, um sistema que se assenta em um processo constante, o “processo social”, cuja
realidade concreta cabe a Antropologia investigar. Esta realidade concreta, que dá expressão
ao processo social – objeto privilegiado da análise antropológica – é constituída pelo
conjunto das relações, das ações, das atividades e das interações estabelecidas entre os
indivíduos e os grupos sociais no cenário da vida cotidiana.
Considerando a enorme abrangência e a imensa amplitude que marca o
estabelecimento destes contatos, relações e interações sociais, os indivíduos são levados a
perceber uns aos outros, a partir de determinadas classificações, que se expressam através
dos diferentes papéis sociais, que cada um exerce no contexto da vida em sociedade. Não
obstante, este caráter variável e diverso das relações e dos fatos que compõe o processo
social, Radcliffe-Brown, considera que é possível identificarmos entre eles a existência de
algumas formas regulares e repetitivas.
A observação atenta e direta das ações desenvolvidas pelos indivíduos no contexto
cotidiano, é que abrirá, para o estudioso da vida social, a possibilidade de perceber, dentro
do processo social, a permanência de algumas destas formas, padrões ou tipos de interação
que se mantém constante em meio a uma enorme multiplicidade de variações. Para facilitar
a sua compreensão, pense, por exemplo, no contexto das relações familiares. Apesar dos
diversos tipos de famílias existentes, é possível identificar em todas elas, um conjunto de
posições comuns na disposição interna dos seus membros, que definem os diferentes tipos
de relações de parentesco – pai, mãe, filhos, avós – onde cada qual exerce um papel social
específico. Se quisermos enriquecer um pouco mais a nossa lista de exemplos, é possível
Analogia: Ponto de
semelhança entre coisas
diferentes, similitude,
parecença. Semelhança de
função entre dois elementos
dentro de suas respectivas
totalidades. Identidade de
relações entre os termos de
dois ou mais pares.
Fulcro: sustentáculo,
suporte, apoio, base,
fundamento, alicerce.
71
ANTROPOLOGIA CULTURAL
observarmos que o mesmo acontece quando consideramos as relações estabelecidas entre
os indivíduos no âmbito do mundo do trabalho, no domínio dos sistemas de crenças
religiosas, etc.
É, justamente, esta constância e permanência regular de determinados tipos de
relação e interação entre os indivíduos, no interior do processo, sob o qual se desenvolve e
se desenrola a vida em sociedade – o processo social – que Radcliffe-Brown, denomina
como “estrutura social”. É, portanto, nela, na estrutura social, que determinadas ações e
interações constitutivas do processo social, ao se manterem de forma regular e de modo
repetitivo, contribuirão para o estabelecimento de redes cada vez mais complexas de relações
sociais, envolvendo, de modo sistêmico, todos os indivíduos que fazem parte da sociedade.
Desta forma, e novamente, de modo análogo ao que ocorre com o corpo humano,
enquanto estrutura viva, algumas instituições sociais (família, educação, etc.) têm como
função primordial garantir a manutenção da estrutura social, de modo a possibilitar o
funcionamento e o equilíbrio do sistema – a sociedade – como um todo. Qualquer alteração
ou distorção, na função básica exercida por estas instituições, compromete o funcionamento
do todo. Embora a sociedade não desapareça e nem corra o risco de morrer ou de se
extinguir como acontece com o corpo humano, uma alteração em sua função, provoca uma
mudança em seus padrões de interação. Esta mudança desestabiliza sua estrutura social,
na medida em que desagrega suas redes de relações, implicando, muitas vezes, em uma
profunda modificação na sociedade que pode, não apenas descaracterizá-la, como também,
transformá-la em um outro tipo de sociedade.
Neste sentido, é importante que você observe como que, tanto em um caso – o
sistema orgânico – como no outro – o sistema social – o conceito de função constitui o elo
de ligação fundamental que parece correlacionar e conectar, de forma significativa às noções
de processo e estrutura, integrando-os de um modo coerente em um modelo teórico
específico. Como afirma, o próprio Radcliffe-Brown:
“A função de qualquer atividade recorrente, tal como a punição
de um crime ou uma cerimônia funerária, é a parte que ela
desempenha na vida social como um todo e, portanto, a
contribuição que faz a manutenção da continuidade estrutural”
(Radcliffe-Brown, 1952:180)
A partir da afirmativa acima, podemos concluir que parece existir uma espécie de
relação de interdependência funcional entre estes conceitos. Ou seja, partindo do
pressuposto, de acordo com o qual, a sociedade é considerada como uma totalidade, um
sistema integrado de relações sociais, seu funcionamento depende do desempenho
satisfatório de cada uma de suas partes constitutivas. Assim, cada instituição social tem
uma função específica para desempenhar no processo social de forma a garantir a
manutenção da estrutura e possibilitar o funcionamento do sistema social como um todo.
Deste modo, de um lado, o processo depende, pois, da estrutura e a continuidade da
estrutura depende do processo. De outro lado, ao se considerar a vida social em todos os
seus aspectos, a função corresponderá àquela parcela de contribuição que cada atividade
oferece à atividade total da qual é parte, estando, portanto, subordinada ao processo, que,
por sua vez, depende da estrutura.
A esta altura, você já deve estar percebendo o quanto a perspectiva funcional se
diferencia da perspectiva historicista, quanto se trata de estudar e explicar a diversidade das
culturas e sociedades humanas. Vários aspectos evidenciam e ilustram esta diferenciação,
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
cujas conseqüências exerceram um papel fundamental na legitimação da Antropologia
como campo de conhecimento. Vejamos então de um modo mais pontual alguns deles.
Do ponto de vista teórico, a concepção da sociedade como um sistema integrado de
relações sociais, rompe, de uma vez por todas, com a primazia das explicações que buscavam
compreender a problemática da diversidade cultural tendo por base conjeturas de gabinete,
elaboradas à distância pelo pesquisador, através das quais a comparação dos costumes e
instituições humanas se processavam de um modo isolado e descontextualizado, o que
acabava por conduzir o olhar a uma postura etnocêntrica, já que elegia como foco de
referência uma sociedade específica – a sociedade ocidental por excelência – tomada no
mais alto grau de civilização,cujo modelo deveria ser seguido invariavelmente por todas as
demais. De acordo com o que afirma o próprio Radcliffe-Brown:
“Devemos substituir o velho método de lidar com os costumes de
povos primitivos – o método comparativo, pelo qual costumes
isolados de diferentes tipos sociais eram reunidos e tiradas
conclusões a partir de sua similaridade – por um novo método, pelo
qual todas as instituições de uma sociedade são estudadas juntas,
de modo a exibir suas relações íntimas como partes de um sistema
orgânico”. (Radcliffe-Brown, 1952:324).
Além disso, a concepção da sociedade, como um sistema integrado de relações
sociais, confirma em definitivo, a postura de defesa advogada pelos teóricos funcionalistas,
quanto à predominância dos estudos sincrônicos sobre os estudos diacrônicos na
abordagem da diversidade cultural. Esta ênfase na sincronia, em detrimento da diacronia,
possibilitará uma série de rupturas no modo antropológico de perceber e explicar a diferença.
Isto em decorrência de várias razões correlatas.
Em primeiro lugar, é preciso não perder de vista a percepção de que o entendimento
da sociedade, como um sistema integrado de relações sociais, remete de imediato a noção
de totalidade. É neste veio que a ênfase na abordagem sincrônica assume especial relevância.
Será por seu intermédio, ou seja, através da observação dos fenômenos sociais no momento
mesmo em que se desenrolam no contexto da vida em sociedade, que o pesquisador
poderá identificar a função que cada elemento, costume, hábito ou instituição desempenha
no interior desta totalidade visando a garantir o funcionamento do sistema social como um
todo.
Nesta perspectiva, o foco da comparação deixa de ser a sociedade do observador
– a sociedade de onde vinha o próprio antropólogo – e se desloca para o próprio grupo,
comunidade ou sociedade estudada que passa a ser considerada a partir de seus próprios
termos, da sua própria lógica de funcionamento, da sua dinâmica específica e do seu
movimento interno, o que no conjunto, lhe conferem singularidade e particularidade. Em
outras palavras, a partir da Escola Funcionalista a comparação e a abordagem da diversidade
cultural passam a ocorrer de modo contextualizado.
O “mundo do outro” passa a ter voz ativa, a se manifestar em sua enorme diversidade
e riqueza de formas, provocando um autoquestionamento do “mundo do eu” que o leva
a redimensionar seus próprios parâmetros e a resignificar os critérios até então utilizados,
para perceber o outro, o que abre cada vez mais espaço para o reconhecimento da alteridade.
Trata-se, portanto, de uma comparação que além de calcada na contextualização, coloca-se
mais disponível e aberta ao exercício da prática relativizadora. Visto sob esta ótica, o “mundo
do eu” passa a ser concebido como mais uma alternativa possível em meio a tantas outras,
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ANTROPOLOGIA CULTURAL
de se posicionar, de se conceber e de organizar a realidade. Nem melhor e nem pior, apenas
diferente.
Em decorrência, esta perspectiva provoca, em segundo lugar, uma ruptura com a
noção de uma história linear que, calcada em uma ênfase da diacronia, pressuponha que o
entendimento do presente de uma sociedade implicava, necessariamente, no conhecimento
do seu passado. Ou seja, a partir do Funcionalismo, o conceito de cultura é desvinculado do
conceito de história, o que possibilitará uma problematização a respeito dos mesmos e da
categoria tempo, em direção a um movimento cada vez mais relativizador e mais aberto ao
reconhecimento da diferença como um dado, que constitui, inexoravelmente, o humano,
como teremos a oportunidade de discutir, de um modo mais detalhado, um pouco mais à
frente em nossas reflexões.
Por ora, nos concentraremos, prioritariamente, no esforço de sintetizar as bases
teórico-conceituais do modelo analítico proposto pelos funcionalistas para o estudo da
diversidade das culturas e das sociedades humanas. Cumpre destacar que, para efeito de
exposição, consideraremos as colocações do próprio Radcliffe-Brown, extraídas de um texto
do autor que foi traduzido por Mellatti (1978:20), de acordo com o qual, no estudo das
sociedades humanas, o antropólogo deve:
1. “Evitar qualquer tentativa de explicar os fenômenos sociais ou culturais particulares
em termos de uma explanação psicológica”.
2. “Considerar cada cultura como um sistema integrado, e, assim, estudar as funções
de suas instituições, costumes e crenças, tendo sempre em mente que estes são
partes de tal sistema. Por isso, ao invés de comparar elementos culturais isolados
de regiões diversas, deve comparar sistemas culturais totais uns com os outros”.
3. “Classificar os sistemas culturais em tipos, realizando o estudo comparativo entre
culturas do mesmo tipo. Uma vez caracterizado um tipo, é possível compará-lo com
outro tipo. Dessa maneira, se chega à descoberta de uniformidades que se aplicam
a tipos cada vez mais amplos, atingindo-se assim a descoberta de princípios ou leis
universais, ou seja, que atuam em todas as sociedades humanas”.
4. Priorizar os estudos sincrônicos, pois, “somente depois de se saber alguma coisa
sobre o que é a cultura e como ela opera é que é possível estudar como a cultura se
modifica”.
A partir destes pressupostos básicos, analisaremos no próximo tópico desta terceira
unidade de estudos, como a Antropologia pôde elaborar seus instrumentos e técnicas de
investigação e pesquisa, visando a aplicar, no estudo da diversidade cultural, este modelo
analítico cuja base teórico-conceitual ancora-se em uma perspectiva que considera a sociedade
como uma totalidade, como um sistema integrado de relações sociais, onde cada instituição,
hábito ou costume, tem uma função específica a desempenhar, de modo a manter o
funcionamento do sistema como um todo.
Desta forma, procure se manter concentrado e sempre que tiver qualquer tipo de
dúvida procure interagir conosco através do ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Lembre-
se de que sempre estaremos prontos e a sua disposição para auxiliá-lo no seu processo de
aprendizagem.
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
A ETNOGRAFIA COMO FORMA DE PESQUISA DE CAMPO DETALHADA: A
SUPERAÇÃO DO ETNOCENTRISMO E O ESFORÇO DE RELATIVIZAÇÃO
Do ponto de vista metodológico, para levar a efeito a aplicação e a concretização da
perspectiva analítica proposta pelos teóricos funcionalistas, na abordagem da diversidade
das culturas e das sociedades humanas, a Antropologia precisou elaborar novos instrumentos
e técnicas de investigação e pesquisa que pudessem viabilizar tal empreendimento. É
exatamente no centro deste esforço de elaboração metodológica, que os trabalhos
desenvolvidos por Bronislaw Malinowski (1884-1942), ganha forma e expressão contribuindo
para a entrada definitiva da Antropologia no seu estado experimental.
Polonês naturalizado inglês, Malinowski, é considerado pela literatura especializada
como o grande responsável por uma das maiores conquistas do campo antropológico no
estudo da diversidade cultural. Foi a partir dos seus trabalhos que a Antropologia pôde
adquirir o seu principal mecanismo, o seu instrumento primordial de relativização: o Trabalho
de Campo ou a chamada Pesquisa Etnográfica de Campo.
Este mérito conferido a Malinowski, pela contribuição e pelo legado por ele deixado
na consolidação da Antropologia enquanto campo de saber pode ser interpretado como
resultante do trabalho sistemático de pesquisa de campo por ele realizado durante um
período de quatro anos em um arquipélago situado na melanésia – as Ilhas Trobriand – no
qual se dedicou intensamente ao esforço de conhecer uma sociedade – o “mundo do
outro” – que se apresentava inicialmente aos seus olhos, como absolutamente, estranha,
diferente e exótica quando comparada ao seu próprio mundo – o “mundo do eu” –
representado pela sociedade inglesa de onde ele mesmo partiu e com a qual mantinha uma
estreita relação de intimidade, aproximação efamiliaridade por ter sido nela socializado.
Neste trabalho de pesquisa, intitulado “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” e
publicado pela primeira vez em 1922, Malinowski, buscando compreender o funcionamento
da sociedade trobriandesa, enquanto um sistema integrado de relações sociais, direcionou
o foco de sua análise ao estudo detalhado de um sistema de troca existente entre a população
nativa que habitava as Ilhas Trobriand, chamado Kula.
Visando a enriquecer sua compreensão, achamos importante que você conheça o
significado da palavra “argonauta” de modo a perceber a sua associação com o título
dado por Malinowski à obra que representa o resultado do trabalho de pesquisa por ele
realizado, com as populações tribais das Ilhas Trobriand. Em sua acepção restrita,
“argonauta” é uma palavra usada para designar qualquer tripulante de Argo, uma nave
lendária da mitologia. Além deste significado, esta palavra é também utilizada, para
denominar e qualificar um navegador ousado, corajoso e destemido. Deste modo e,
metaforicamente, se, de um lado, os índios trobriandeses eram considerados por
Malinowski, navegadores ousados ao cumprirem o enorme circuito marítimo envolvido
com as trocas e transações da instituição Kula; de outro lado, para a Antropologia,
Malinowski, representa o grande navegador desta disciplina, deste campo teórico que se
dedica ao estudo permanente e contínuo da diversidade cultural. Um navegador que teve
a ousadia de viajar, de se deslocar de sua própria sociedade para mergulhar no exótico,
estranho e desconhecido “mundo do outro”, em busca de uma compreensão que permitisse
uma aproximação possível com a diferença visando a estabelecer um diálogo mais tolerante
e mais aberto com a alteridade.
A instituição Kula, etnograficamente descrita por Malinowski, pode ser definida
como um sistema de troca que envolvia toda a população nativa das Ilhas Trobriand, tendo,
IMPORTANTE!
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ANTROPOLOGIA CULTURAL
portanto, um caráter intertribal, na qual, através de expedições marítimas, dois objetos
básicos – colares feitos de conchas brancas e braceletes feitos de conchas vermelhas – são
trocados na forma de presentes, obedecendo a um circuito fechado e irreversível onde
circulam em direções opostas: os braceletes em sentido horário e os colares em sentido
anti-horário. Esta troca envolvendo cerca de duas dezenas de ilhas se efetivava durante um
período de tempo que podia durar cerca de dois a dez anos para completar o circuito
completo.
 Este sistema de troca possui, além disto, uma outra característica fundamental. Os
objetos trocados, no circuito Kula não visam o enriquecimento dos seus participantes e nem
o atendimento de interesses econômicos ou comerciais práticos, utilitários e imediatos.
Muito pelo contrário, qualquer um dos participantes que procurasse obter mais do que
havia dado no começo, estaria arriscando a ser submetido a uma penalidade a ser paga com
a própria honra. Esta particularidade da instituição Kula funda-se ainda, em um outro aspecto
singular. A troca e o uso dos objetos – colares e braceletes – que circulam através dela,
ocorria em momentos extraordinários para a sociedade trobriandesa, isto é, em ocasiões
marcadas pelo clima de celebração e de comemoração, ou como afirma o próprio Malinowski,
em “dias de grande festividade” envolvendo, por conseguinte, um conjunto de
procedimentos solenes e uma série de cerimônias mágicas e rituais.
Extrapolando, portanto, o domínio estritamente marcado por interesses econômicos,
tendo em vista que, no circuito Kula não são objetos comerciais de utilidade prática imediata
que são trocados, pois, na verdade, estas transações colocam em foco, como mais tarde
demonstrará Marcel Mauss (1923), a troca de “gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares,
mulheres, crianças, danças, festas’ em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a
circulação de riquezas constitui tão somente um termo de um contrato muito mais geral e
muito mais permanente”; este sistema de troca, por todas estas características que encerra,
indica, conforme coloca este mesmo autor, que “há algo mais nas coisas trocadas”. Os
objetos trocados – colares e braceletes – transcendem, superam, vão além, do ato encerrado
pela troca em si mesma, isto é, quando considerada em sua acepção restrita.
Nestas ocasiões de festividade, toda a sociedade trobriandesa era envolvida com a
instituição Kula. Nenhum participante ou membro desta sociedade era livre para dela não
participar. Deste modo, as trocas entre distintas unidades sociais nesta sociedade,
contrariamente do que ocorre na nossa sociedade, não se manifestam de uma forma
contratual, formalmente obrigatória para ambas às partes envolvidas. Mas se apresentam,
no entanto, como um sistema de prestação paradoxal: possui um aspecto aparentemente
livre e voluntário, mas que encerra, implicitamente, um caráter obrigatório para todos os
participantes.
Este caráter obrigatório baseia-se em um triplo imperativo: a obrigação de receber
– ninguém é livre para não receber – a obrigação de dar – explicada pelo poder que através
da dádiva, do presente, o doador tem sobre o receptor – e a obrigação de devolver –
baseada na crença em uma categoria nativa chamada “hau” de acordo com a qual, há algo
do doador, parte do seu espírito, na coisa dada, que exige a sua restituição, sob ameaça de
causar dano a todos os possuidores. Ou seja, a crença no “hau” estabelece laços, vínculos
permanentes e eternos entre os participantes, na medida em que, pressupõe que o objeto
doado na forma de presente contém parte da personalidade, do espírito do doador que o
impele a retornar ao lugar de onde veio, ao seu proprietário original, fechando assim, o
circuito de sucessivos possuidores.
Desta forma, para Mauss (1923), o caráter espiritual dos laços estabelecidos por este
sistema de troca, ao envolver formas distintas de transcendência, que extrapolam o conteúdo
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
concreto, material e econômico dos objetos trocados – colares e braceletes – indicam que
o intercâmbio de presentes, na forma de dádiva, constitui um mecanismo, cujo efeito é a
criação e o fortalecimento de vínculos entre unidades sociais, que permitirão a instauração
da aliança, fundada em um princípio universal e, que, portanto, se faz presente em todas as
sociedades humanas: o princípio da reciprocidade. Frente a este princípio, cuja lógica não
reside na troca em si, mas no sentido da troca, afirma Mauss, “acreditamos ter encontrado
aqui uma das rochas humanas sobre as quais estão construídas as nossas sociedades”.
Diante de um sistema de troca como este, no qual se trocam única e exclusivamente
dois objetos – colares e braceletes – que, uma vez revestidos de um caráter ritual, solene
e cerimonial, são, portanto, excluídos e banidos do uso ordinário, despojado e
descompromissado, que marca a vida cotidiana, Malinowski se faz uma indagação
fundamental: Qual o objetivo deste sistema de troca para os nativos trobriandeses? Se os
objetos trocados não visam ao atendimento de interesses econômicos e comerciais imediatos,
a que finalidade buscam especificamente atender? Qual é o valor dos objetos trocados para
os ilhéus trobriandeses? Em suma: Qual a motivação, a intenção básica deste sistema de
troca que, para se realizar plenamente, obedece a um conjunto de regras sociais tão
fortemente estabelecidas?
É, na busca de uma resposta para estas indagações, que Malinowski realiza um
grande salto, um imenso vôo teórico, inaugurando com isto, o principal corte metodológico
que irá marcar, radicalmente, o modo antropológico de abordar o problema da diversidade
cultural em busca de uma explicação para a diferença.
 Ao visitar o castelo de Edimburgo, através de uma excursão turística, Malinowski,
conta que, observando as jóias da coroa britânica e que ouvindo as histórias narradas pelo
guia da excursão a respeito de cadauma das peças e objetos ali expostos, nas quais descrevia
seus diferentes usos, as diversas circunstâncias históricas e sociais a que estiveram
relacionados, teve a sensação de estar, novamente, entre os nativos das Ilhas Trobriand, que
também relatavam de uma forma muito própria, os eventos e as histórias correlacionadas
aos colares e braceletes, por eles trocados no circuito Kula, enfatizando o sentimento de
prazer, de glória e de honra, envolvidos com a posse dos mesmos, as atitudes destemidas e
os feitos heróicos de seus possuidores.
Será justamente esta percepção obtida através da visita realizada ao castelo de
Edimburgo que possibilitará a Malinowski inaugurar, no campo antropológico, aquilo que
se tornará uma de suas maiores conquistas, do ponto de vista metodológico, no estudo da
diversidade cultural: a comparação relativizadora ou como denomina Da Matta (1987) a
“comparação por contraste”. Através deste tipo de comparação, os valores, os hábitos, as
instituições e os costumes do “mundo do outro” passam a ser compreendidos,
primeiramente, no interior do seu próprio contexto de origem, para, só depois deste
procedimento, serem então, comparados ao “mundo do eu”, que também é, encarado,
inicialmente, a partir da sua própria lógica de funcionamento, do seu próprio contexto
original.
 Em outras palavras, ao ouvir as histórias contadas pelos nativos das Ilhas Trobriand
e as narrativas do guia da excursão sobre os objetos e as peças do castelo de Edimburgo,
Malinowski, pôde simultaneamente, elucidar o significado dos objetos trocados na instituição
Kula – colares e braceletes – para a sociedade trobriandesa e esclarecer o significado das
jóias da coroa britânica para a sociedade inglesa. Relativizando a posição que ambos ocupam
em seus diferentes contextos, Malinowski pôde situá-los de uma forma contrastiva em um
eixo de valor, que o permitiu compreender, de uma perspectiva mais abrangente, o significado
específico destes diferentes objetos numa cultura particular – a sociedade trobriandesa –
77
ANTROPOLOGIA CULTURAL
através de uma outra cultura também particular – a sociedade inglesa. Deste modo, através
da comparação relativizadora ou “comparação por contraste”, Malinowski elucidou o
significado social destes diferentes objetos relativizando, simultaneamente, o “mundo do
eu” e o “mundo do outro”, ou seja, numa cultura pela outra ou, como ele próprio afirma:
“A analogia entre os vaygu’a (objetos de valor) europeus e os de
Trobriand precisa ser definida de maneira mais clara: as jóias da coroa
britânica, como quaisquer objetos tradicionais demasiado valiosos e
incômodos para serem realmente usados, representam o mesmo que
os vaygu’a: pois são possuídos pela posse em si. É a posse aliada à
glória e ao renome que ela propicia que constitui a principal fonte de
valor desses objetos. Tanto os objetos tradicionais ou relíquias históricas
dos europeus quanto os vaygu’a são apreciados pelo valor histórico
que encerram. Podem ser feios, inúteis e, segundo os padrões correntes,
possuir muito pouco valor intrínseco; porém, só pelo fato de terem
figurado em acontecimentos históricos e passado pelas mãos de
personagens antigos, constitui um veículo infalível de importante
associação sentimental e passam a ser considerados grandes
preciosidades”. (Malinowski, 1976:80).
Para que o exercício desta comparação relativizadora ou comparação por contraste
possa se concretizar plenamente, Malinowski argumenta que, ao se empenhar no esforço
de desenvolvimento do trabalho de campo ou da pesquisa etnográfica, o antropólogo deve
observar a necessidade de cumprimento de algumas diretrizes ou procedimentos básicos,
sem os quais todo o êxito do seu empreendimento fica comprometido diante daquela que
parece constituir, de fato, a maior vocação da Antropologia, enquanto campo de saber: o
diálogo com a diferença e o reconhecimento da alteridade.
Estas diretrizes estabelecidas por Malinowski, além de definirem as bases
fundamentais do método de trabalho do antropólogo, constituem uma espécie de marcador,
de um divisor de águas com relação ao modo pelo qual a Antropologia até então havia
conduzido o seu pensar teórico acerca da problemática da diversidade cultural. Desta forma,
procuraremos, em um primeiro momento, especificar, de uma maneira pontual e objetiva,
cada uma destas diretrizes para em seguida, recapitularmos resumidamente, os vários pontos
de ruptura que elas estabeleceram com a tradição teórica que até então sustentou a
abordagem antropológica, enquanto campo de saber.
Dentro destes parâmetros e considerando que, para a perspectiva funcionalista, a
abordagem da diversidade cultural ancora-se em um princípio básico de acordo com o qual
as sociedades humanas constituem sistemas integrados de relações sociais, Malinowski
considera que, na realização do trabalho de campo, o antropólogo deve:
1. Estabelecer um contato direto com o seu objeto de estudo, isto é, com o grupo,
a comunidade, a tribo ou sociedade a que pretende estudar. Para tanto, o
antropólogo deve se deslocar de seu gabinete de estudo situado em sua própria
sociedade para o local onde vive o grupo ou a sociedade a ser estudada. Esta
diretriz provoca, portanto, um deslocamento do foco da comparação da sociedade
do observador – o “mundo do eu” – para a sociedade do observado – o “mundo
do outro”.
78
UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
2. Conviver diretamente com os membros nativos da sociedade estudada, o que
implica que nela deve permanecer por um longo período de tempo de forma a
compreender o modo de funcionamento da cultura estudada.
3. Praticar, de modo permanente e sistemático, o exercício da observação participante,
visando a perceber o papel que cada elemento, hábito, crença, costume e instituição
desempenha no conjunto das relações estabelecidas pelos indivíduos nesta
sociedade, visando a garantir o equilíbrio e o funcionamento do sistema – a
sociedade – como um todo.
4. Aprender a língua nativa (língua local) de modo que possa interagir com os
membros da sociedade, percebendo a lógica por eles utilizada para classificar,
organizar, representar e ordenar a realidade social dando sentido ao mundo que
os envolve.
5. Observar os fatos e acontecimentos que compõe a vida cotidiana da sociedade
estudada, no momento mesmo em que eles se desenrolam, de modo a perceber as
reações, atitudes e comportamentos de todos os membros da sociedade diante
dos mesmos, dando-lhes sentido e significação. Este pressuposto implica, portanto,
que a sociedade estudada deve ser observada de modo sincrônico.
6. Estabelecer um confronto entre as informações que lhe são fornecidas pelos
nativos (informantes) e aquelas que ele próprio utiliza em termos teóricos para a
análise da sociedade estudada, de forma que possa perceber o descompasso
existente entre as regras e normas, tais como são abstratamente formuladas e o
plano de suas operações práticas no desenrolar da vida cotidiana.
De uma perspectiva mais contemporânea, o antropólogo brasileiro Roberto Da Matta,
compartilhando com Malinowski, destas diretrizes básicas necessárias ao desenvolvimento
da pesquisa etnográfica de campo (ou simplesmente, trabalho de campo), discute em
dois trabalhos sucessivos intitulados “O Ofício do Etnólogo” e “Trabalho de Campo”
publicados, respectivamente, em 1978 e 1987, os limites e as possibilidades abertas por
intermédio do exercício permanente desta prática, na compreensão da diversidade cultural
e na busca de um diálogo voltado para o respeito e o reconhecimento pleno da diferença
como um dado que constitui, de forma inexorável, o humano em suas múltiplas dimensões
de significado e formas de relacionamento com o mundo e com os “outros” com os quais
convive.
Desta forma, em sintonia com as idéias de Malinowski e seguindo a trilha aberta
pela perspectiva teórica desenvolvida por Van Gennep (1978), Roberto Da Matta, compara o
trabalhode campo a uma espécie de “rito de passagem”, na medida em que, através do
exercício de sua prática, há um deslocamento da subjetividade do próprio antropólogo já
que, quando em campo, ele se vê frente ao desafio de realizar, sistematicamente, uma
dupla tarefa. De um lado, transformar o exótico em familiar e, de outro lado, transformar
o familiar em exótico.
De um ponto de vista que procure situar esta dupla transformação em uma certa
temporalidade, pode-se dizer que o primeiro caso – a transformação do exótico em familiar
– esteve mais diretamente associado ao período seminal de formação da Antropologia
enquanto campo de saber.
Como vimos nas unidades anteriores, este era um momento em que o antropólogo
se via frente ao esforço de compreender sociedades situadas geograficamente distantes do
seu próprio mundo – descobertas como resultado do processo de expansão colonial europeu
– e com as quais ele deveria estabelecer uma relação de proximidade que tornasse possível
79
ANTROPOLOGIA CULTURAL
o diálogo entre ele próprio, enquanto pesquisador, e o seu objeto de análise. Isto é, o grupo
ou sociedade a ser estudada, e a respeito da qual deveria dar conta da produção de um
estudo, que tornasse possível a compreensão de sua diferença vista a partir de sua própria
singularidade e particularidade, enquanto um sistema social dotado de uma racionalidade
própria.
Considerando ainda esta perspectiva temporal, pode-se afirmar que o segundo caso
– a transformação do familiar em exótico – corresponde ao período mais contemporâneo
da Antropologia enquanto campo de saber. Trata-se agora de um momento em que o
antropólogo se vê frente ao desafio de estudar o seu próprio mundo, a sua própria sociedade
ou, metaforicamente falando, a sua própria “aldeia”, a sua própria “tribo”, onde ele mesmo,
como pesquisador, é o próprio “nativo”. Neste caso, o seu esforço move-se em um sentido
contrário. Ou seja, ele precisa estranhar, tornar exótico, o mundo com o qual mantém uma
estreita e íntima relação de familiaridade. Esta situação o coloca em um plano intelectual,
marcado pela circularidade e pela reflexividade onde ele próprio, enquanto sujeito de sua
prática investigativa, torna-se, ao mesmo tempo, parte do objeto a que pretende investigar
e a respeito do qual, também tem, como no primeiro caso, o compromisso de produzir um
trabalho que possa explicitar o que está implícito nas relações que os homens mantém entre
si e com o mundo que os envolve. Um mundo do qual, ele é parte constitutiva estando,
portanto, objetiva e subjetivamente com ele envolvido.
Como você já deve estar percebendo esta dupla transformação a ser efetuada pelo
antropólogo em campo, coloca em discussão as noções de distância e proximidade social,
que tal como nos sugere a Antropologia, devem ser também relativizadas, como claramente,
nos aponta e nos convida a pensar, Gilberto Velho (1978), através da seguinte afirmativa:
“O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas, não é
necessariamente conhecido, sendo o oposto igualmente verdadeiro;
pois o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até
certo ponto, conhecido” (VELHO, 1978:39).
Considerando a afirmativa acima, esperamos que fique claro para você a percepção
de que esta dupla tarefa a ser cumprida pelo antropólogo em campo é, portanto, bem mais
complexa do que uma mera localização temporal possa nos fazer crer. Ela possui um caráter
reflexivo e dialético que transcende, ou seja, que vai além, de um simples enquadramento
dessa experiência em um eixo do tempo, a partir de um marco zero, claramente por nós, a
princípio, estabelecido e bem demarcado, considerando para tanto, a história do
desenvolvimento do próprio campo antropológico.
Pense, por exemplo, na situação de um indivíduo cuja crença religiosa esteja ancorada
no catolicismo e que tenha fixado residência em um bairro, no qual, sua casa esteja localizada
em uma mesma rua e ao lado de uma igreja evangélica ou de um terreiro de umbanda. A
junção simultânea destes dois aspectos, ou seja, de um lado, a proximidade física e geográfica
de ambas as construções, e, de outro lado; a proximidade social decorrente do fato de
todos os indivíduos moradores do local terem sido socializados em uma mesma cultura – a
cultura brasileira – não autoriza a postular, por conseguinte, que o indivíduo católico
detenha, única e exclusivamente, por estas razões, uma compreensão mais detalhada e
profunda, destes outros sistemas de crenças religiosas – diferentes daquele do qual faz
parte, no caso o catolicismo, e com o qual mantém uma relação de direta intimidade – que,
apesar de lhe serem a princípio estranhos e exóticos, não lhe são na totalidade, absoluta e
inteiramente desconhecidos.
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
O exemplo acima aponta para o fato de que, na vida social, existe de um lado, um certo
grau de familiaridade no estranho e no exótico, e de outro lado, um certo grau de exotismo
no familiar e no íntimo, que nos permite tomar consciência de que não é, portanto, nem a
proximidade física e material e nem a distância geográfica, territorial ou espacial entre as coisas
do mundo – objetos, pessoas, fatos, situações – o critério básico que possibilita aos indivíduos
o compartilhamento afetivo ou subjetivo de um mesmo universo de valores e crenças. Visões de
mundo diferenciadas convivem, lado a lado, em espaços sociais que se tornam também
diferenciados, não apenas em função dos marcadores objetivos que possamos usar como
critérios de classificação e distinção entre pessoas, objetos e fatos sociais – tais como: faixa
etária, etnia, classe social, gênero, estado civil, opção sexual, dentre outros. Ou seja, na medida
em que, estes espaços sociais, são subjetivamente construídos e internalizados pelos indivíduos
quando em interação, outros critérios entram em jogo, demarcando diferentes tipos de percepções
e olhares sobre o mundo.
Estes critérios exprimem, na verdade, a multiplicidade de formas pelas quais os indivíduos,
ao se colocarem no mundo, buscam dar sentido e atribuir significado ao ciclo de suas existências
concretas, estando, portanto, referenciados ao modo pelo qual eles representam, ordenam e
organizam internamente suas próprias experiências subjetivas, trajetórias e biografias pessoais.
Encaradas nesta perspectiva, as noções de distância e proximidade são revestidas de um
significado social, que não pressupõe uma equivalência unívoca entre ambas. Proximidade
pode significar distância, do mesmo modo que, distância não implica, necessariamente, em
afastamento, em ausência de proximidade.
Deste modo, ao pegarmos um táxi, por exemplo, mantemos com o motorista uma
relação de proximidade física. Entretanto, quando buscamos estabelecer com ele algum tipo de
diálogo, quase sempre os assuntos abordados dizem respeito a temas muito gerais –
engarrafamento no trânsito, futebol, feriados do ano, etc. – que pouco revelam sobre as nossas
crenças e valores subjetivos e particulares. Há uma distância social que parece não se coadunar
com a proximidade física. De um modo simétrico inverso, quando temos um membro da nossa
família, ou um amigo muito querido vivendo em uma cidade afastada daquela em que residimos,
quando falamos com ele ao telefone, por exemplo, conseguimos transmitir e sentir a cumplicidade
de percepções e visões de mundo que nos ligam. Há uma proximidade social que parece não se
coadunar com a distância física.
Nesta lógica de raciocínio, é importante destacar, além disto, que a dupla transformação
a ser efetuada pelo antropólogo em campo, envolve também, como veremos mais
detalhadamente um pouco mais adiante, experiências individuais e subjetivas do tempo
extremamente variáveis. A depender do contexto e das diferentes ocasiões, cenários e situações
com as quais estivermos socialmente envolvidos, nossa subjetividade parece adquirir um outro
tipo de flexibilidade, uma aberturae plasticidade, que parecerem expressar, uma espécie de
elasticidade, que altera substancialmente o nosso modo de perceber e vivenciar o tempo.
Como um elástico, ora ela alarga e torna a nossa vivência do tempo mais densa, vagarosa
e demorada, como acontece, por exemplo, nos momentos em que enfrentamos uma grande
perda causada pela morte de um amigo ou de um ente familiar querido, ou naqueles marcados,
pela angústia de uma grande espera, de uma grande expectativa, quando aguardamos o
resultado de algo a que atribuímos uma importância especial, como uma prova, um exame
médico, etc. Costumeiramente, expressamos a experiência destes momentos com frases do
tipo: “O dia hoje parece que não está querendo acabar”, ou então, “Já fiz uma série de coisas e
as horas não passam”. Ora, esta elasticidade estreita torna a nossa experiência do tempo mais
leve, rápida, veloz e fugaz. São os momentos em que vivenciamos uma grande alegria, uma
grande conquista ou vitória. Em momentos como estes, costumamos afirmar: “Tudo aconteceu
tão rápido que nem senti o dia passar”, ou então, “As horas hoje parecem que estão voando”.
81
ANTROPOLOGIA CULTURAL
De um modo ou de outro, todas estas situações parecem ilustrar o desafio a ser enfrentado
pelo antropólogo diante da dupla tarefa que tem que cumprir, quando em trabalho de campo.
Uma tarefa, que, como mencionamos anteriormente, se complexifica imensamente, quando se
trata de estudar a sua própria sociedade, o mundo do qual ele é parte, posto que, neste caso, a
transformação do exótico em familiar e vice-versa, coloca em discussão, os limites envolvidos com
a possibilidade dele vir a conhecer o seu próprio mundo, a própria realidade social em que se
encontra diretamente inserido, e, no extremo, de conhecer a si mesmo. Trata-se, portanto, de uma
discussão que aponta para os limites envolvidos com a produção do conhecimento sobre um
determinado objeto – o nosso mundo social – do qual é parte constituinte o próprio sujeito da
investigação – o antropólogo.
Numa perspectiva mais abrangente, esta é uma discussão que permeia de um modo ou
de outro e com diferentes graus de intensidade, as diversas áreas do conhecimento inseridas no
âmbito das chamadas Ciências Sociais e Humanas – tais como, a Antropologia, a História, o
Direito, a Administração - nas quais a relação entre sujeito e objeto é marcada por esta interação
e reflexividade que dificulta o alcance da suposta neutralidade e objetividade científicas, por
colocar em jogo, os juízos de valor, as crenças e visões de mundo do próprio sujeito da investigação,
que é parte integrante da pesquisa que desenvolve. Situação diferente ocorre no domínio das
disciplinas inseridas no contexto das ditas Ciências Naturais – tais como, a Biologia, a Química, a
Física – nas quais, esta relação é marcada pelo afastamento e distanciamento, facilitando o
alcance da objetividade científica, já que o objeto investigado – os fenômenos do mundo vivo e
do mundo inanimado – não possui a dimensão dialógica que marca as Ciências Sociais, o que
garante uma maior margem de controle e previsibilidade a respeito dos fenômenos estudados.
Para que você possa compreender claramente esta distinção pense, por exemplo, em uma
situação de pesquisa que envolva um Biólogo ou um Químico. Ao estudar a constituição e as
características das células e dos diferentes tipos de tecidos que compõe os órgãos do nosso
corpo ou as substâncias que compõe determinados tipos de medicamentos, não há entre o
pesquisador – o biólogo ou o químico – e o objeto de estudo – os fenômenos investigados –
uma relação dialógica. Pelo contrário, há um afastamento entre eles, que possibilita a repetição
integral das experiências desenvolvidas a partir do controle de um conjunto de variáveis – tais
como: pressão, temperatura, volume, luminosidade – posto que, os fenômenos estudados por
serem recorrentes, regulares, repetitivos e sincrônicos podem ser isolados, classificados e
quantificados em condições laboratoriais, garantindo uma maior facilidade no controle da
objetividade e da neutralidade científicas, já que o objeto estudo não questiona o sujeito da
investigação embora, dela participe de um modo indireto. A possibilidade de estabelecer
generalizações e previsibilidades sobre os fenômenos é ampla e mais facilmente assegurada.
Para contrastar, pense agora, na situação de um antropólogo que se dedica ao estudo do
homem enquanto um ser social que é dotado da capacidade de produzir cultura. Observe que
esta característica humana se realiza e se materializa em sua concretude, exatamente no contexto
das interações sociais estabelecidas pelos indivíduos, quando em grupo. Não há como separar
e isolar as ações humanas dos contextos sociais sob os quais se assentam. Procure observar
ainda, que, neste caso específico, há uma interação direta e dialógica entre o pesquisador – o
antropólogo – e o objeto de estudo – as relações sociais em suas diversas dimensões de sentido
e significados – já que ambos participam das relações envolvidas com o grupo, com a coletividade
da qual constituem, simultaneamente, partes integrantes. Ou seja, o antropólogo estuda, por
exemplo, os sistemas religiosos, mas possui, ele mesmo, as suas próprias crenças; estuda os
sistemas políticos e partidários, mas é também um cidadão que têm suas próprias ideologias e
que participa com o seu voto do processo eleitoral; estuda as relações familiares e o sistema de
parentesco; mas também possui sua própria família e suas redes de parentesco.
EXEMPLIFICANDO!
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
Em uma situação de pesquisa como esta, não há como isolar os fenômenos para
estudo em condições laboratoriais idênticas ao primeiro caso. Embora a estrutura biológica
do homem possua uma estrutura regular, seus comportamentos, crenças, valores, hábitos,
costumes e atitudes são extremamente variáveis e não derivam diretamente do seu aparato
biológico. Esta particularidade do ser humano impede – que o conjunto das variações
manifestadas e externalizadas pelo seu comportamento, nas diferentes situações e contextos
que o envolve, direta ou indiretamente na dinâmica da vida social, – a elaboração de
classificações e o estabelecimento de quantificações e previsões, pautadas, em um modelo
teórico rígido e previamente definido. Esta situação decorre do fato de que neste tipo de
pesquisa, característica das Ciências Sociais, o objeto participa diretamente da investigação,
dificultando imensamente a conquista da objetividade e da neutralidade científicas, posto
que, os valores, crenças e visões de mundo, tanto do pesquisador quanto do objeto,
constituem parte integrante do estudo desenvolvido. Sendo assim, ao contrário do que
acontece nas Ciências Naturais, as conclusões elaboradas pelas Ciências Sociais, são sempre
reconstruções parciais e provisórias dos fenômenos estudados, estando, portanto, de um
modo permanentemente e contínuo, sujeitas a novas revisões e constantes (re)análises o
que acabam, via de regra, por conduzir a uma multiplicidade de interpretações e recortes
analíticos.
Em decorrência de todas as colocações acima é que, Da Matta considera que, na
prática do trabalho de campo, o antropólogo é como que submetido, a uma espécie de
“rito de passagem” por ter que, permanentemente, num exercício relativizador, deslocar
a sua própria subjetividade, os seus próprios valores, crenças, hábitos e visão de mundo
pessoal e particular, de modo a, simultaneamente, conseguir, ora transformar o exótico
em familiar, ora transformar o familiar em exótico. Desta forma o autor, em “O Ofício do
Etnólogo” (1978), destaca que o trabalho de campo envolveria três períodos ou fases, por
ele assim, caracterizadas e definidas, respectivamente:
“A primeira, é aquela caracterizada pelo uso e até abuso da cabeça,
quando ainda não temos nenhum contato com os seres humanos
que, vivendo em grupos, constituem-se nos nossosobjetos de
trabalho. É a fase ou plano que denomino teórico-intelectual marcada
pelo divórcio entre o futuro pesquisador e a tribo, a classe social, o
mito, a categoria cognitiva, o ritual, o bairro, o sistema de relações
sociais e de parentesco, o modo de produção, o sistema político e
todos os outros domínios, em sua lista que certamente fazem parte
daquilo que busca ver, encarar, enxergar, perceber, estudar,
classificar, explicar, etc. Este divórcio (....) fala precisamente de um
excesso de conhecimento, mas de um conhecer que é
teórico,universal e mediatizado não pelo concreto e sobretudo pelo
específico,mas pelo abstrato e pelo não vivenciado. Pelos livros,
ensaios e artigos: pelos outros. (....) Uma segunda fase, pode ser
denominada de período prático. Ela diz respeito, essencialmente a
nossa antevéspera da pesquisa. De fato, trata-se daquela semana
que todos cuja pesquisa implicou uma mudança drástica
experimentaram quando a nossa preocupação muda subitamente
das teorias mais universais para os problemas mais concretos. A fase
final, a terceira é a que chamo de pessoal ou existencial. Aqui, não
temos mais divisões nítidas entre as etapas da nossa formação
EXEMPLIFICANDO!
83
ANTROPOLOGIA CULTURAL
científica ou acadêmica, mas por uma espécie de prolongamento de
tudo isso, uma certa visão de conjunto que certamente deve coroar
o nosso esforço e trabalho. Deste modo, enquanto o plano teórico-
intelectual é medido pela competência acadêmica e o plano prático
pela perturbação de uma realidade que vai se tornando cada vez
mais imediata, o plano pessoal ou existencial de pesquisa, fala mais
das lições que devo extrair do meu próprio caso. É por causa disso
que eu a considero como essencialmente globalizadora e
integradora: ela deve sintetizar a biografia com a teoria, e a prática
do mundo com a do ofício”. (DA MATTA, 1978:24-25. - Os grifos são
meus).
Para que possamos finalizar este tópico desta nossa terceira unidade de estudos,
podemos concluir que, no conjunto, os postulados teórico-metodológicos que constituem
o modelo analítico proposto pelos teóricos funcionalistas, permitiram a legitimação definitiva
da Pesquisa Etnográfica de Campo (ou Trabalho de Campo), como método de trabalho a
ser adotado pelo antropólogo de modo sistemático no estudo da diversidade cultual. Esta
afirmação dos instrumentos e das técnicas metodológicas a serem adotadas pela Antropologia
provocará, como já mencionamos em momentos anteriores, uma série de rupturas com o
modo pelo qual, até então, o estudo e a abordagem da diversidade cultural foram conduzidos
por este campo do saber. Vejamos então, resumidamente, algumas destas rupturas:
1. Superação da visão etnocêntrica em prol da adoção de uma postura relativizadora
diante da diferença, na medida em que o “mundo do eu” – a sociedade européia
– deixa de constituir a referência básica, o modelo e o espelho através do qual o
“mundo do outro” – as sociedades recém descobertas pelo expansionismo colonial
europeu eram percebidas e compreendidas.
2. Rompimento com a visão evolucionista, de acordo com a qual a história das
sociedades humanas era concebida de modo linear já que situadas em um eixo
diacrônico, através do qual, pressupunha-se definir as diferentes etapas de um
processo evolutivo único ao qual todas as sociedades deveriam percorrer em nome
da civilização e do progresso.
3. Superação da visão da cultura como um “todo complexo” formado por um
conjunto de itens isolados e identificáveis em todas as sociedades humanas, a
favor de uma perspectiva que considera não apenas, o caráter particular e plural
das culturas humanas, mas, sobretudo, que concebe as sociedades humanas
como sistemas integrados de relações sociais e que possuem, portanto, uma
lógica, uma dinâmica e uma racionalidade própria a serem percebidas e explicadas
em sua singularidade.
4. Prioridade para a adoção de uma perspectiva sincrônica em detrimento da
predominância até então, concedida a perspectiva diacrônica o que permitirá a
desvinculação dos conceitos de história e cultura que aliados à categoria tempo
constituía a chave que abria a porta para o entendimento da diversidade cultural.
No próximo tópico desta unidade de estudos, abordaremos as principais idéias e
conceitos desenvolvidos pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, no contexto da chamada
Escola Estruturalista, tomando inicialmente, como eixo de referência, o diálogo por ele
estabelecido com os trabalhos dos teóricos funcionalistas. Em seguida, discutiremos de um
modo mais minucioso e detalhado, as conseqüências resultantes da desvinculação
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UNIDADE 3 - ANTROPOLOGIA CULTURAL: REDEFINIÇÃO DO CAMPO DE ABORDAGEM E MUDANÇA DE PARADIGMA
estabelecida por estes teóricos entre as noções de história e cultura. Em ambos os casos,
nosso objetivo básico consistirá em apontar as contribuições que esta desvinculação forneceu
para que, a perspectiva Estruturalista, pudesse, em um movimento de retomada intelectual,
problematizá-la criticamente, sugerindo com isto, novas possibilidades interpretativas. Diante
deste desdobramento crítico, novos conceitos e métodos emergem da cena antropológica,
viabilizando a abertura de novos caminhos, que em certo sentido, garantiram a um só
tempo, não apenas, a continuidade do desenvolvimento teórico deste campo do saber,
como também, a sustentabilidade e a permanência de seu esforço sistemático de compreensão
da diversidade cultural.
Para que o entendimento deste processo possa se efetivar de modo transparente e
objetivo, procure não dispersar o foco da sua atenção e não deixe nenhuma dúvida ou
questionamento pendente. Desta forma, e, visando garantir a efetividade deste
empreendimento acadêmico, destacamos a importância fundamental, de que sua interação
conosco, seja permanente e sistemática, utilizando para tanto, o ambiente virtual de
aprendizagem (AVA). Acreditamos no seu potencial de aprendizagem e, como parceiros de
uma mesma jornada, lembramos-lhe, mais uma vez, de que estaremos sempre a sua disposição
para ajudá-lo no que se fizer necessário. O sucesso da sua aprendizagem é a nossa maior
prioridade e o nosso melhor presente. Bons estudos e vamos em frente em nossas reflexões
sobre o campo antropológico.
A ESCOLA ESTRUTURALISTA EM PERSPECTIVA: PRESSUPOSTOS
CONCEITUAIS
A chamada Escola Estruturalista emerge no cenário antropológico a partir dos anos
de 1940, tendo como principal expoente e representante a figura do antropólogo Claude
Lévi-Strauss. Nascido em 1908, em Bruxelas/ Bélgica, o trabalho desenvolvido por este
antropólogo, seja, pela amplitude e abrangência dos temas abordados – sistemas de
parentesco e vida familiar, estruturas políticas, identidade social, desenvolvimento econômico,
relações de poder e organização social, mito, religião, magia, arte e linguagem, dentre
outros – seja, pela envergadura teórica das idéias apresentadas, capazes de problematizar
conceitos e de abrir o diálogo interdisciplinar com diversas áreas do conhecimento – a
Psicanálise, a Lingüística, a História, a Filosofia, a Sociologia, a Economia e, também, o
Direito – contribuíram para tornar a sua obra uma das referências centrais da literatura
antropológica contemporânea.
Tendo-se uma visão geral, a principal marca da contribuição das idéias de Claude
Lévi-Strauss, no desenvolvimento da Antropologia, enquanto campo de saber consiste,
portanto, na proposição de uma perspectiva analítica – que ficou amplamente conhecida
no cenário intelectual contemporâneo pela denominação de Escola Estruturalista ou
Estruturalismo Francês – fortemente informada e forjada no fulcro de referências teóricas,
oriundas de diversas áreas do conhecimento, inseridas no campo das chamadas Ciências
Sociais e Humanas.
No conjunto da obra, destaque especial, merece ser dado, pela influência direta que
exerceram sobre as idéias deste autor, aos trabalhos produzidos por Roman Jakobson e
Ferdinand Saussure, no âmbito da Lingüística; os conceitos

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