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o lugar da favela na cidade e no patrimonio

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O LUGAR DA FAVELA NA PAISAGEM E NO PATRIMÔNIO 
SCHLEE, MÔNICA BAHIA 
Coordenadoria de Macro Planejamento - Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade 
do Rio de Janeiro – CMP/SMU/ PCRJ. 
monbasch@gmail.com 
RESUMO 
O reconhecimento dos atributos da paisagem carioca como Patrimônio Mundial na categoria 
Paisagem Cultural em Julho de 2012 trouxe novos desafios e responsabilidades relativos ao 
processo de planejamento urbano e de proteção do patrimônio cultural na cidade do Rio de Janeiro e 
no Brasil como um todo. A implantação do Corredor Cultural, a partir de 1979, e das Áreas de 
Proteção Ambiental, a partir de meados da década de 1980, significou um avanço inegável para a 
proteção da paisagem carioca e das paisagens urbanas brasileiras, por extensão. Estes instrumentos 
de proteção inovaram ao mesclar a proteção de territórios de domínio público ou privado com 
atributos culturais e naturais e características sócio-espaciais relevantes para a memória das cidades 
brasileiras e para a manutenção da diversidade da ocupação urbana. Entretanto, os embates sobre o 
que deve ser reconhecido como “patrimônio cultural legítimo” continuam acirrados e longe de um 
consenso. Trazem em seu bojo forças em disputa, preconceitos e o conteúdo político subjacente na 
valorização do espaço público urbano. No caso do Rio de Janeiro, uma das fontes mais polêmicas 
de conflitos é a presença de favelas dentro dos limites da zona de amortecimento da propriedade 
declarada como Patrimônio Mundial e ao alcance visual de quem observa os elementos paisagísticos 
selecionados como ícones da paisagem cultural carioca. As favelas cariocas, sem dúvida, fazem 
parte do patrimônio urbano do Rio de Janeiro. Porém, não são consideradas como tal pela 
sociedade em geral, pelos gestores de patrimônio ou por seus próprios moradores. É preciso discutir 
o seu papel como expressão física da condição social e de uma das formas mais “tradicionais” de 
habitabilidade de uma parte significativa da sociedade urbana carioca: os pobres. É preciso discutir o 
seu papel na identidade e na vitalidade da paisagem carioca. Enfim, é preciso discutir as implicações 
de considerar as favelas como parte dos valores culturais e da paisagem do Rio de Janeiro e das 
demais cidades brasileiras. 
Palavras-chave: proteção de paisagens; favelas, zona de amortecimento; paisagem cultural; 
legislação; gestão. 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
INTRODUÇÃO 
O ingresso do Rio de Janeiro na Lista de Patrimônio Mundial da Organização das 
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na categoria de 
Paisagem Cultural1 aconteceu em julho de 2012 na 36ª Sessão do Comitê do Patrimônio 
Mundial, em São Petersburgo, na Rússia. O Rio foi selecionado pela qualidade de sua 
paisagem, de “valor universal excepcional”, constituída por elementos naturais e culturais 
que moldaram e inspiraram o desenvolvimento da cidade, o modo de vida de seus 
habitantes e a obra de seus artistas plásticos, músicos, arquitetos, urbanistas e paisagistas. 
Para simbolizar o rico acervo paisagístico da cidade, alguns de seus elementos 
marcantes foram indicados como bens culturais de valor universal. São eles: a entrada da 
Baía de Guanabara e as montanhas florestadas que a emolduram, protegidas pelo Parque 
Nacional da Tijuca; o conjunto de afloramentos rochosos do Pão de Açúcar, Morro do Pico e 
do Leme, as fortificações na entrada do Baía de Guanabara (forte de São João, no Rio de 
Janeiro, Fortaleza de Santa Cruz, e Fortes de São Luiz, do Pico, e do Imbuhy, em Niterói); o 
Jardim Botânico; e as paisagens desenhadas da Praia de Copacabana, Parque do 
Flamengo e Enseada de Botafogo. Para garantir a proteção e a integração destes bens no 
contexto paisagístico da cidade, foi proposta uma zona de amortecimento, destinada a 
minimizar os impactos negativos nas bordas destes elementos paisagísticos e fortalecer a 
conexão entre estes e malha urbana convencional. 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
 
Figura 1. Mapa oficial da área inscrita na Lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a 
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na categoria Paisagem Cultural. 
Fonte: IPHAN. Lodi, C.; Batista, M. e Ribeiro, R. (coords). Dossier de candidatura. 2011. Rio de Janeiro: 
Carioca Landscapes between the Mountain and the Sea, Disponível em 
http://whc.unesco.org/en/culturallandscape/ e 
http://whc.unesco.org/en/list/1100/multiple=1&unique_number=1843 Último acesso em 29/05/2013. 
 
Avanços e entraves na proteção da paisagem urbana 
O conceito de “Paisagem Cultural” foi incorporado pela UNESCO em 19922 como 
uma nova tipologia de bem cultural que se caracteriza pela combinação entre obras da 
natureza e da humanidade e expressa a interação entre uma sociedade e o seu ambiente 
natural ao longo do tempo, ampliando o escopo da Convenção para a Proteção do 
Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, aprovada em Paris, em 1972. Como 
observou Ribeiro (2007), a adoção deste conceito representou um avanço em relação aos 
modelos anteriores, focados na proteção e valorização de bens naturais ou de bens 
culturais, uma vez que o bem a ser protegido e valorizado passou a ser a própria paisagem 
e as inter-relações entre natureza e cultura que nela coexistem. Como destacado por Luiz 
Fernando de Almeida (RIBEIRO, 2007), “sua característica fundamental é a ocorrência, em 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
uma fração territorial, do convívio singular entre a natureza, os espaços construídos e 
ocupados, os modos de produção e as atividades culturais e sociais, numa relação 
complementar entre si, capaz de estabelecer uma identidade que não possa ser conferida 
isoladamente.” O conceito de paisagem cultural foi também definido no Plano Diretor de 
Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro, instituído pela lei 
complementar no 111/2011, artigo 140, como “a porção do território onde a cultura humana 
imprimiu marcas significativas no ambiente natural, propiciando a aparição de obras 
combinadas de cultura e natureza, que conferem à paisagem identidade e valores 
singulares”. 
Até a aprovação da candidatura do Rio de Janeiro para a Lista do Patrimônio da 
Humanidade da UNESCO em 2012, os sítios reconhecidos como paisagem cultural por este 
organismo internacional pertenciam a outra escala espacial, constituídos por pequenos 
fragmentos de paisagem reconhecidos por seus atributos históricos, simbólicos, afetivos, 
artísticos, religiosos e representativos do modo de vida de seus habitantes, incluindo vales e 
montanhas, áreas rurais, jardins históricos, lugares sagrados e sistemas de vida 
tradicionais, que testemunham a vinculação entre elementos da natureza, desenvolvimento 
e vitalidade social e cultural. O reconhecimento do Rio de Janeiro como paisagem cultural 
representou uma mudança de abordagem da UNESCO, em relação a novas possibilidades 
e responsabilidades. 
O Rio de Janeiro é uma cidade plural, onde contextos sociais, culturais e 
econômicos diferenciados se superpõem de forma imbricada ao expressivo suporte natural 
sobre o qual a cidade se espraia, configurando paisagens bastante heterogêneas. 
Sucessivas tentativas de proteção deste rico patrimônio levaram a criação de recortes 
territoriais com características bastante diversas, protegidos por diferentes instâncias 
governamentais. Co-existem dentro dos limites doterritório do Rio de Janeiro Unidades de 
Conservação da Natureza, de Proteção Integral e Uso Sustentável, e diversos recortes 
territoriais protegidos devido ao seu valor cultural e histórico, sob tutela de órgãos diversos 
nas instâncias federal, estadual e municipal. Diante deste quadro, torna-se imperativa a 
compreensão das nuances e limitações dos instrumentos legais destinados à proteção da 
paisagem urbana no Brasil, criados e adaptados com base em uma visão seccionada da 
paisagem urbana brasileira, e a discussão sobre como ampliar os horizontes conceituais 
sobre os objetos de proteção do patrimônio cultural e sobre o que significa proteger 
paisagens urbanas. 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
Apesar da legislação de proteção de sítios urbanos no Brasil ter assimilado novas 
correntes de pensamento a partir da década de 1980, conforme demonstrou Márcia 
Sant’Anna (1995), na prática as políticas de proteção ainda privilegiam o valor de sítios 
íntegros e homogêneos, conforme apontou Lia Motta (2002). Até o início da década de 
1980, o “tombamento” de bens imóveis considerados de valor excepcional era o único 
instrumento vigente, instituído pelo decreto-lei no 25 de 1937, sendo de competência dos 
órgãos federal (IPHAN) e estadual (INEPAC) a sua aplicação. As orientações ditadas pelas 
cartas patrimoniais quanto à proteção do patrimônio cultural tiveram como um dos seus 
desdobramentos no Brasil a demarcação de Áreas de Entorno dos Bens Tombados, para as 
quais passaram a ser estabelecidos parâmetros urbanísticos específicos que visavam a 
manutenção da visibilidade dos bens objetos de proteção. 
O avanço mais significativo na concepção de instrumentos de proteção de sítios 
culturais ocorreu no Rio de Janeiro na década de 1980. A lei no 166, de 1980, atribuiu a 
competência ao poder executivo municipal de decidir sobre os atos de tombamento e 
destombamento, após a oitiva do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural. 
De um modo pioneiro, foram criados o Corredor Cultural do Centro da Cidade (decreto 
municipal no 4141 de 1983, lei municipal no 506 de 1984 e lei municipal no 1139 de 1987) e 
a Área de Proteção Ambiental de Santa Teresa (lei municipal no 495/1984 e decreto 
municipal no 5050 de 1985), que definiram recortes territoriais a serem protegidos, 
correspondentes a conjuntos arquitetônicos de significativo valor cultural, para os quais 
foram fixados critérios de uso e parâmetros para reforma e acréscimo dos imóveis de 
interesse para proteção, assim como para as novas construções localizadas no interior dos 
limites da área protegida. A partir de então, outras áreas da cidade com atributos culturais 
foram sendo protegidas sob a denominação de Áreas de Proteção Ambiental. O diferencial 
destas iniciativas residiu na valorização de ambiências de significativo valor cultural, e não 
na uniformidade estilística dos conjuntos arquitetônicos completamente íntegros ou na 
submissão de recortes territoriais a um determinado bem de valor excepcional, como se 
fazia até então. 
A atribuição de defesa do patrimônio cultural local pelos municípios foi consolidada 
pela Constituição Federal de 1988, a qual incorporou a proteção dos ambientes urbanos e 
da memória coletiva e imaterial de grupos da sociedade e ratificou uma maior abrangência 
do conceito de patrimônio cultural. Da proteção dos grandes monumentos isolados 
direcionou-se à preservação da ambiência dos conjuntos urbanos e da memória coletiva e 
intangível de grupos da sociedade. Em nível municipal, as Áreas de Proteção Ambiental 
foram regulamentadas pelo decreto no 7612/1988. Através desse instrumento 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
institucionalizou-se o uso dessa figura jurídica para a proteção ambiental de áreas com 
características notáveis tanto nos aspectos naturais quanto nos aspectos culturais e a 
prevalência dos parâmetros estabelecidos para essas áreas sobre os parâmetros instituídos 
pelo zoneamento urbanístico. Durante a formulação do Plano Diretor Decenal do Rio de 
Janeiro de 1992 surgiu pioneiramente no Brasil a figura de proteção denominada Área de 
Proteção do Ambiente Cultural - para proteção dos sítios urbanos. As Áreas de Proteção 
Ambiental com atributos culturais anteriores ao Plano Diretor foram automaticamente 
reconhecidas como Áreas de Proteção do Ambiente Cultural, e continuaram sob a tutela do 
órgão responsável pela tutela do patrimônio cultural que as criou. 
O Mapa Síntese das Áreas Protegidas evidencia a sobreposição de tutelas de 
instâncias e órgãos de proteção com interesses diferenciados e explicita a visão 
fragmentária e setorizada da ótica político-organizacional municipal, marcada pela cisão 
entre a dimensão natural e cultural, em detrimento de um ambiente considerado em sua 
integridade. 
 
 
 
Figura 2. Mapa síntese das áreas protegidas na cidade do Rio de Janeiro pela legislação ambiental, pela 
legislação de patrimônio cultural e pela legislação urbanística. 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
Fonte: Schlee 2011 
 
Valores e atributos 
De acordo com Motta (2002, p. 133), “a ênfase no valor artístico e a observação a 
sentimento continuam a constituir o método para identificar o valor do patrimônio”. Os 
embates sobre o que deve ser reconhecido como “o verdadeiro patrimônio” trazem em seu 
bojo a disputa de poder sobre o conteúdo da mensagem política que deverá estar inscrita 
na leitura do espaço público. No contexto brasileiro, ao nível do discurso, estas estratégias 
se polarizam entre o princípio da monumentalidade e o reconhecimento do valor do 
cotidiano, conforme apontou Gonçalves (2002). 
Enquanto a estratégia vinculada à monumentalidade busca respaldo no valor 
estético dos bens individuais e monumentos, a estratégia que prioriza o registro do cotidiano 
destaca os objetos, espaços e atividades que registram processos culturais de segmentos 
sociais diversos. Cada uma dessas estratégias traz conseqüências para a construção 
coletiva do espaço público. Segundo Gonçalves (In: Oliveira 2002:120-121), “no primeiro 
caso, o espaço público é pensado como espaço sem conflitos, sem diferenças, sem 
pluralidade, com todos os seus elementos remetidos ao valor hierarquicamente superior.” 
No segundo caso, a heterogeneidade do espaço e seu permanente processo de 
transformação são aceitos e valorizados. 
Como argumentado por Motta (2002), o critério estabelecido para selecionar o que e 
como preservar nas cidades brasileiras priorizou a uniformidade estilística dos conjuntos 
coloniais e/ou a excepcionalidade dos monumentos nas cidades que já haviam perdido sua 
integridade. O padrão produzido com base nos critérios estético-estilístico, e de 
uniformidade e/ou excepcionalidade, levou ao tratamento das cidades como obras de arte, 
sem qualquer restrição urbanística, em detrimento do reconhecimento dos vestígios e 
registros da memória, das tradições e identidades coletivas, e do valor simbólico das 
estruturas urbanísticas. Com o tempo, estes critérios foram incorporados por órgãos de 
tutela criados em âmbito estaduais e municipais. O patrimônio foi assimilado como algo 
excepcional mesmo por políticos e cidadãos comuns e é essa imagem de patrimônio 
histórico e cultural que permanece incorporada no imaginário coletivo. 
No Rio de Janeiro, são inegáveis os avanços obtidos com a implantação do projeto 
Corredor Cultural, a partir de 1979, e as Áreas deProteção do Ambiente Cultural (APACs)3, 
a partir de 1984, cujas delimitações também se apoiaram em critérios históricos e 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
arquitetônicos, mas que inovaram ao atribuir qualidade ao espaço urbano pelo ritmo e pelo 
valor ambiental que as edificações lhe proporcionavam. No entanto, a insistência dos 
órgãos de tutela, tanto no Rio de Janeiro, como nas demais cidades brasileiras, em 
considerar patrimônio apenas as áreas que ainda mantém um alto grau de integridade 
morfológica no espaço urbano fizeram com que as cidades fossem recortadas para a 
delimitação de áreas de preservação formando polígonos para incluir o que se considera 
“conjuntos edificados de relevante interesse cultural”, sem considerar contextos locais e 
características que diferenciam processos, traçados e formas de ocupação (SCHLEE et AL, 
2009). 
 
O lugar e o significado sócio-cultural das favelas 
Diversas são as situações de conflito entre a malha urbana convencional e as áreas 
protegidas ou com potencial para proteção, tanto no Rio de Janeiro como em outras cidades 
brasileiras. No caso do Rio, uma das fontes mais polêmicas de conflitos é a presença de 
favelas dentro dos limites da zona de amortecimento da propriedade reconhecida como 
Patrimônio Mundial na categoria Paisagem Cultural, e se elas fazem ou não parte dos 
valores e da paisagem culturais do Rio de Janeiro. 
Favelas são assentamentos habitacionais não conformes com os regulamentos de 
construção e de uso da terra, com condições de saneamento básico inadequadas e com 
condições de propriedade da terra irregulares. Ao mesmo tempo, as favelas do Rio de 
Janeiro são caracterizadas por uma forma espontânea e por um pacto coletivo de 
organização do espaço, alta população e habitação de alta densidade, uma mistura de usos 
da terra, um sentido de comunidade (ou melhor, um forte senso de identidade entre 
diferentes grupos internos), o que pode estimular os laços sociais e a colaboração entre 
membros da comunidade. Favelas são muito heterogêneas em termos de processos de 
formação histórica e padrões espaciais e em termos de configuração interna (SCHLEE, 
2011). 
Os sítios indicados como elementos paisagísticos marcantes na paisagem da cidade 
do Rio de Janeiro, apesar de se concentrarem em uma determinada área da cidade (parte 
da zona sul), não são contíguos. Para garantir a permanência destes elementos na 
paisagem e sua proteção e fruição de forma sustentável, é fundamental que a zona de 
amortecimento incluída na proposta de candidatura, destinada a minimizar os impactos 
negativos dos usos urbanos nas suas bordas, seja amplamente debatida. Como parte do 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
acordo com a UNESCO, esta zona de amortecimento deverá ser discutida no âmbito do 
Plano de Gestão atualmente em fase de elaboração pelo IPHAN e terá que ser 
regulamentada. A seguir, apontamos algumas considerações para auxiliar os debates e o 
encaminhamento da proposta de regulamentação. 
Com base nas definições e recomendações da Declaração de Xi'an (ICOMOS, 
2005), no Relatório de Al Ain (UNESCO, Al Ain, Emirados Árabes Unidos, 2012) e no 
Relatório de Agra (UNESCO, Agra, Índia, 2013), o plano de gestão do sítio declarado como 
Patrimônio Mundial e de sua zona de amortecimento deve procurar garantir a vitalidade, a 
habitabilidade e a inclusão social, a conectividade e a interface entre formas sociais e 
culturais no ambiente urbano e a mudança de ênfase no desenvolvimento meramente 
econômico em direção ao desenvolvimento sustentável. 
Mesmo com a gradativa mudança de perspectiva que vem ocorrendo desde a 
década de 1980, o conceito de patrimônio cultural adotado no Brasil, que permeia as três 
instâncias governamentais, permanece transpassado por forte ideologização que ainda 
prioriza a salvaguarda de objetos e formas que expressam e carregam valores aceitos pelas 
elites da sociedade. Desta base comum brotam os critérios discriminadores das ações de 
proteção que via de regra ainda vigoram no país. 
Fóruns como o Colóquio de Paisagem Cultural têm um importante papel a cumprir. 
Um dos principais desafios é ampliar os horizontes conceituais sobre os objetos de proteção 
do patrimônio cultural e sobre o que significa proteger paisagens urbanas. Questões 
primordiais ainda continuam sem definição. Salvaguardar apenas objetos e formas ou 
salvaguardar relações entre pessoas, coisas e lugares, como argumentou Domenico 
Patassini (1991)? 
Os processos de desenvolvimento e de expansão da cidade moderna no Brasil 
deram origem a artefatos e morfologias de tecidos urbanos, como as favelas, ainda nem 
mesmo plenamente entendidos e, sobretudo, ainda não reconhecidos e aceitos pela 
sociedade como parte da memória e da identidade cultural urbana brasileira. Daí resultam 
os paradoxos e as incongruências nos recortes espaciais identificados como de interesse 
para a proteção, que revelam o estado de conflito latente entre os repertórios da gramática 
tradicional do patrimônio cultural e as manifestações à margem do padrão estabelecido, que 
também e em sua essência, caracterizam o contexto urbano brasileiro. 
As favelas são o outro lado da moeda do sistema brasileiro de produzir cidades. São 
produtos materializados da sobrevivência dos pobres e marginalizados e dos seus valores 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
no contexto urbano. Personificam de tudo um pouco (de forma diversificada e heterogênea, 
tanto entre si quanto internamente): insalubridade, pobreza, barulho, lixo, feiura, violência, 
ilegalidade, resistência, vitalidade, adaptabilidade, convívio de diferenças. Espelham ao 
mesmo tempo o atraso e o potencial social e cultural da sociedade brasileira. 
Manter a gramática dos discursos e práticas de proteção do patrimônio cultural nos 
contextos urbanos, ou buscar inovar ao discutir a salvaguarda das formas sociais que 
explicam a evolução e o contexto atual da sociedade urbana brasileira, aceitando a 
gramática do subdesenvolvimento, atribuindo valor às formas que representam os 
processos sociais vividos pelas cidades brasileiras em construção? Quais as implicações da 
aceitação das favelas como parte da paisagem urbana passível de ser protegida? Quais as 
implicações de não fazê-lo? É preciso discutir as implicações de considerar as favelas como 
parte dos valores culturais e da paisagem do Rio de Janeiro e das demais cidades 
brasileiras. 
 
AGRADECIMENTOS 
Agradeço a Michael Turner e Maria Helena Salomon pelo incentivo à discussão desse tema 
e pela indicação de referências bibliográficas. 
 
REFERÊNCIAS 
GONÇALVES, J.R.S. Monumentalidade e cotidiano: os patrimônios culturais como gênero 
de discurso. In: Oliveira, L.L. (Org) Cidade: História e Desafios. Rio de Janeiro: FGV, 2002. 
ICOMOS - THE INTERNATIONAL COUNCIL ON MONUMENTS AND SITES. (2005) Xi’an 
Declaration on the Conservation of the Setting of Heritage Structures, Sites and Areas the 
15th General Assembly of ICOMOS, Xi’an, China, 21 October 2005. Available at 
http://www.international.icomos.org/xian2005/xian-declaration.htm (last acess 9 February 
2014) 
MOTTA, Lia. Cidades mineiras e o IPHAN. In: Oliveira, L.L. (Org) Cidade: História e 
Desafios. Rio de Janeiro: FGV, 2002. 
PATASSINI, Domenico. Il “linguaggio naturale” delle barriadas e dei centri storici brasiliani. 
In: DAEST: richerche e convenzioni. marzo/aprile 2/1991 
3° COLÓQUIOIBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 
RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e Patrimônio. Rio de Janeiro: Instituto do 
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2007. 
RIO DE JANEIRO (CIDADE), Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Legislação Ambiental 
do Município do Rio de Janeiro: Áreas Protegidas. Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro: 
Coordenadoria de Informações e Planejamento Ambiental. 2007. 
SANT´ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de 
preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990). Dissertação de Mestrado. Volumes I e 
II. Salvador: Universidade Federal da Bahia. 1995. 
SCHLEE, M. B. A Ocupação das Encostas do Rio de Janeiro: Morfologia, Legislação e 
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Rio de Janeiro, 2011. 
SCHLEE, M. B.; MAGINA, J.; FONSECA, H.; SANTOS, M. A.; PEREIRA, M. C. e PAULA, 
H. C. Proteção de Paisagens Culturais no Rio de Janeiro: novas estratégias e 
experimentações: O caso da região de São Cristovão. Revista Oculum Ensaios. Vol. nº 9. 
Campinas: PUC Campinas. ISSN 1519-7727, 2009. P. 66-85. 
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http://whc.unesco.org/en/list/1100/multiple=1&unique_number=1843 (Último acesso em 
28/05/2013). 
UNESCO/WHC (2012) Al Ain Report of the International Expert Meeting on Integrity for 
Cultural Heritage (Al Ain, United Arab Emirates, 2012) Disponível em 
http://whc.unesco.org/document/121725 (Último acesso em 12 de fevereiro de 2014). 
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992-18.pdf. (Último acesso em 12 de fevereiro de 2014). 
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS 
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1
 A partir de 2008, a candidatura do Rio de Janeiro a Patrimônio da Humanidade na categoria Paisagem 
Cultural, coordenada pelo IPHAN, estruturou-se em três níveis: Comitê Institucional, com representação política 
nas três instâncias governamentais e na sociedade civil; Comitê Executivo, com representação similar, 
constituindo instância de ligação entre o Comitê Institucional e o Comitê Técnico, e este último, composto por 
representantes do corpo técnico das três esferas, com atribuições de definição de diretrizes para a delimitação 
da área objeto de proteção e de sua gestão compartilhada. O dossiê da candidatura foi concluído em janeiro de 
2010 e encaminhado à Unesco em 2011. Em 1º de julho de 2012 o Rio de Janeiro se tornou Patrimônio Mundial 
na categoria Paisagem Cultural. Como desdobramento deste processo, foi criada uma nova modalidade de bem 
cultural em âmbito nacional em 2010, denominada Paisagem Cultural Brasileira, chancela concedida pelo 
IPHAN a paisagens de reconhecido valor cultural no Brasil. 
 
2
 Unesco/ World Heritage Center. Glossary of World Heritage Terms. Paris: WHC-96/CONF.201/INF.21,1996 e 
Cultural Landscape. http://whc.unesco.org/en/culturallandscape/#2, último acesso em 27/05/2013. 
 
3
 Segundo o artigo 124, inciso III, do Plano Diretor Decenal do Rio de Janeiro, instituído pela Lei Complementar nº16, de 04 de 
junho de 1992, as Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) são unidades de conservação destinadas a proteger 
“territórios de domínio público ou privado que apresentem relevante interesse cultural e características paisagísticas notáveis, 
cuja ocupação deve ser compatível com a valorização e proteção da sua paisagem e do seu ambiente urbano”. As primeiras 
APACs foram criadas em meados da década de 1980, tendo sido inicialmente denominadas Áreas de Proteção Ambiental, 
passando a serem denominadas APACs após a promulgação do Plano Diretor. As Áreas de Proteção do Ambiente Cultural 
são instrumentos para proteção de “territórios de domínio público ou privado que apresentam conjunto edificado de relevante 
interesse cultural, cuja ocupação e renovação devem ser compatíveis com a proteção e a conservação de sua ambiência e 
suas características sócio-espaciais identificadas como relevantes para a memória da cidade e para a manutenção da 
diversidade da ocupação urbana constituída ao longo do tempo”.

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