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2. A interpretação organicista da Sociedade Duas teorias principais disputam a explicação correta dos fundamentos da Sociedade: a teoria orgânica e a teoria mecânica. Os organicistas procedem do tronco milenar da filosofia grega. Descendem de Aristóteles e Platão. Na doutrina aristotélica assinala-se, com efeito, o caráter social do homem. A natureza fez do homem o “ser político”, que não pode viver fora da Sociedade. Situou Del Vecchio muito bem o problema. Dizer que o homem é social ou precisa da Sociedade para viver não significa que já se haja caracterizado uma posição organicista ou mecanicista. A teoria mecânica é predominantemente filosófica e não sociológica. Seus representantes mais típicos foram alguns filósofos do direito natural desde o começo da idade moderna. A sociedade e comunidade A Sociedade supõe, segundo aquele sociólogo, a ação conjunta e racional dos indivíduos no seio da ordem jurídica e econômica; nela, “os homens, a despeito de todos os laços, permanecem separados”. Já a Comunidade implica a existência de formas de vida e organização social, onde impera essencialmente uma solidariedade feita de vínculos psíquicos entre os componentes do grupo. A Sociedade e o Estado Os conceitos de Sociedade e Estado, na linguagem dos filósofos e estadistas, têm sido empregados ora indistintamente, ora em contraste, aparecendo então a Sociedade como círculo mais amplo e o Estado como círculo mais restrito. A Sociedade vem primeiro; o Estado, depois. Conceito de Estado O Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a antigüidade aos nossos dias. Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade. A polis dos gregos ou a civitas e a respublica dos romanos eram vozes que traduziam a idéia de Estado, principalmente pelo aspecto de personificação do vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem política e de cidadania. No Império Romano, durante o apogeu da expansão, e mais tarde entre os germânicos invasores, os vocábulos Imperium e Regnum, então de uso corrente, passaram a exprimir a idéia de Estado, nomeadamente como organização de domínio e poder. Daí se chega à Idade Média, que, empregando o termo Laender (“Países”) traz na idéia de Estado sobretudo a reminiscência do território.12 Elementos constitutivos do Estado De todos os conceitos já referidos, o de Duguit é o que melhor revela os elementos constitutivos que a teoria política ordinariamente reconhece no Estado. São esses elementos de ordem formal e de ordem material. De ordem formal, há o poder político na Sociedade, que, segundo Duguit, surge do domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. E de ordem material, o elemento humano, que se qualifica em graus distintos, como população, povo e nação, isto é, em termos demográficos, jurídicos e culturais, bem como o elemento território, compreendidos estes, conforme vimos, naquela parte da definição em que Duguit expende sua apreciação sociológica do Estado como “grupo humano fixado num determinado território”. Conceito de população Todas as pessoas presentes no território do Estado, num determinado momento, inclusive estrangeiros e apátridas, fazem parte da população. É por conseguinte a população sob esse aspecto um dado essencialmente quantitativo, que independe de qualquer laço jurídico de sujeição ao poder estatal. Não se confunde com a noção de povo, porquanto nesta, fundamental é o vínculo do indivíduo ao Estado através da nacionalidade ou cidadania. A população é conceito puramente demográfico e estatístico. Seu estudo científico tem sido feito pela demografia, uma das disciplinas auxiliares da Ciência Política e que se ocupa tanto dos aspectos quantitativos como qualitativos do elemento populacional. Desafio do fantasma malthusiano ao Estado moderno O problema político-econômico mais curioso que o incremento populacional levanta contemporaneamente continua sendo, a despeito de tudo, aquele que a teoria malthusiana pôs de manifesto há cerca de duzentos anos. Dizia Malthus que a população crescia em proporção geométrica, ao passo que os gêneros alimentícios aumentavam segundo regra aritmética, de modo que na linha do tempo, a constante, a tendência permanente vinha a ser a de alargar a brecha entre a capacidade de manter as populações e a taxa de crescimento dessas mesmas populações. A explosão demográfica ameaça o futuro da humanidade A dimensão malthusiana do problema das populações constituíra simplesmente uma reflexão pessimista sobre a escassez de gêneros alimentícios, e sobre a fome, com suas implicações políticas e sociais. O tema populacional volveu porém a preocupar os cientistas sociais de nossa época numa perspectiva que é agora imensamente mais ampla: não se trata unicamente de saber se haverá gêneros bastantes para alimentar a humanidade, mas de conhecer ou prever a natureza ou média do padrão de vida que aguardará a sociedade humana, mormente os povos subdesenvolvidos, em face da explosão populacional na idade da industrialização. Estamos diante do “maior fenômeno demográfico da história universal”.1 Determinar a qualidade da vida humana para conter sua eventual deterioração, eis o interesse que a investigação científica do crescimento vertiginoso das populações deve produzir em primeiro lugar no ânimo de quantos se empenham em solucionar a questão demográfica. A Ciência Política não pode por conseguinte ficar indiferente, de braços cruzados, a esse problema que abala o século XX e é merecedor de largo desenvolvimento. Estamos em presença de um crescimento sem paradeiro, mormente nos países subdesenvolvidos. O professor Eynern, da Universidade de Berlim, distinguiu quatro fases no quadro dessa impressionante crise.2 A primeira fase é aquela em que as taxas de natalidade e mortalidade se equiparam, a saber, nascem e morrem em média 35 ou 40 pessoas por 1.000 habitantes anualmente. A segunda fase ocorre quando se dá a queda da taxa de mortalidade que desce para cerca de 20, em virtude dos progressos espetaculares da medicina, mediante o emprego de antibióticos, vacinas, sulfanilamidas, a adoção generalizada de regras elementares de higiene preventiva, uso de inseticidas em larga escala com saneamento completo de áreas dantes sujeitas a grandes moléstias endêmicas e outras medidas gerais de saúde pública que praticamente eliminaram o perigo das epidemias devastadoras. Na terceira fase, a taxa de nascimento entra em declínio, conforme Eynern, não por efeito de “impotência biológica”, mas exclusivamente em decorrência, segundo ele, de uma limitação racional do número de filhos no casamento. Faz-se então a política da “paternidade responsável” ou consciente, com a planificação da família, de acordo com os recursos de que dispõem os pais para a subsistência, sem quebra do respectivo padrão de vida, que a família numerosa acarretaria. Como a taxa de mortalidade continua todavia a diminuir, permanece ainda alto o excedente de natalidade posto que já se esteja de volta ao equilíbrio. A quarta fase testemunha a reaproximação das duas taxas: a da natalidade se situa, segundo Eynern, ao número de 10/1000, um pouco acima da de mortalidade e a tendência de crescimento se manifesta ligeiramente atenuada, a baixo nível, restaurando-se por conseguinte uma situação que se assemelha à da primeira fase e que significará decerto a travessia vitoriosa da crise. O pesadelo dos subdesenvolvidos O drama dos países subdesenvolvidos em presença do problema populacional decorre do fato de que o aumento da produção econômica não acompanha o aumento muito mais veloz da população, produzindo assim um fosso onde se despenham todas as esperanças de uma partida efetiva para o desenvolvimento. O pessimismo das estatísticas Em 1970 para 3,5 bilhões de habitantes, havia na faixa subdesenvolvida 2,5 bilhões, mais da metade do gênero humano. No ano 2.000, o quadro não se apresentará modificado, mas ao contráriomuito mais sombrio: a 6,6 bilhões de seres humanos sobre a Terra corresponderão 5,4 bilhões de subdesenvolvidos, mais de 80 por cento de toda a humanidade! A posição privilegiada dos países desenvolvidos A situação dos países desenvolvidos é privilegiada, com todas as previsões indicando um vertiginoso aumento do padrão de vida nas próximas décadas. O resultado será porém o aprofundamento do abismo que os separa já das nações subdesenvolvidas. Ocorre com eles precisamente o contrário: o aumento da população é inferior ao aumento da produção econômica. Cria-se assim uma sociedade de abundância, cada vez mais opulenta, servida de impressionante progresso tecnológico que eleva rapidamente os níveis de bem-estar geral das populações afortunadas. Conceito político de povo O conceito de povo pode ser estabelecido do ponto de vista político, jurídico e sociológico. A antigüidade já o conhecera, dando-nos disso testemunho a obra de Cícero. Com efeito, segundo o escritor romano, povo é “a reunião da multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade” e não simplesmente todo conjunto de homens congregados de qualquer maneira.3 Conceito Jurídico Com efeito, o povo exprime o conjunto de pessoas vinculadas de forma institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico, ou, segundo Raneletti, “o conjunto de indivíduos que pertencem ao Estado, isto é, o conjunto de cidadãos”.7 Diz Ospitali que povo é “o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado pela relação de cidadania”,8 ou no dizer de Virga “o conjunto de indivíduos vinculados pela cidadania a um determinado ordenamento jurídico”.9 Conceito sociológico Tido também como conceito naturalista ou étnico, decorre porém com muito mais freqüência de dados culturais, que uma consideração unilateralmente jurídica não poderia exprimir. Desse ponto de vista — o sociológico — há equivalência do conceito de povo com o de nação. O povo é compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns. Compreende vivos e mortos, as gerações presentes e as gerações passadas, os que vivem e os que hão de viver. É enfim aquele mesmo povo político concebido, conforme vimos, de acordo com as características jurídicas que num determinado território lhe conferem a organização de Estado, mas ao mesmo tempo colocado numa dimensão histórica que liga o passado ao futuro e assim transcende o momento da contemporaneidade de sua existência concreta. A Nação: um conceito equívoco? Uma das boas noções que esclarecem porém o significado da palavra nação pertence a Hauriou, quando o autor francês assinala o círculo fechado que a consciência nacional representa e a diferenciação refletida que a separa de outras consciências nacionais. Senão vejamos: A nação, segundo ele, é “um grupo humano no qual os indivíduos se sentem mutuamente unidos, por laços tanto materiais como espirituais, bem como conscientes daquilo que os distingue dos indivíduos componentes de outros grupos nacionais”.1 O conceito voluntarístico de nação O conceito voluntarístico de nação é o que decorre de todas as reflexões anteriores. Resulta da intervenção convergente daqueles fatores morais, culturais e psicológicos, frisados sistematicamente por Mancini e Ernesto Renan. O conceito naturalístico de nação Diretamente influenciado pelas concepções racistas, formou-se na Alemanha um conceito de nação que teve para aquele país as mais funestas conseqüências. O conceito naturalístico de raça não foi a rigor criação original do nacional-socialismo alemão, porquanto já no século passado seus fundamentos se achavam implícitos em teorias defendidas por Lapouge, Gobineau e Houston Stewart, os dois primeiros franceses e o terceiro inglês. Conceito de território Definiu Pergolesi o território como “a parte do globo terrestre na qual se acha efetivamente fixado o elemento populacional, com exclusão da soberania de qualquer outro Estado”.1 Alguns autores se têm limitado todavia a dizer que o território é simplesmente o espaço dentro do qual o Estado exercita seu poder de império (soberania). Os limites do mar territorial brasileiro* O Brasil consagra presentemente o limite de 200 milhas de mar territorial. Exceções ao poder de império do Estado Admitem-se duas exceções ao poder de império do Estado sobre o território: a extraterritorialidade e a imunidade dos agentes diplomáticos. Segundo Ranelletti, a extraterritorialidade significa o seguinte: “uma coisa que se encontra no território de um Estado é de direito considerada como se estivesse situada no território de outro Estado”. Por exemplo: os navios de guerra. Ainda em águas territoriais estrangeiras são eles considerados parte do território nacional. O poder do estado Do conceito de poder Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária. Autores há que preferem defini-lo como “a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade” (Afonso Arinos). A capacidade de auto-organização O segundo traço essencial que deriva da existência do poder estatal é a sua capacidade de auto-organização. O caráter estatal de uma organização social decorre precisamente da circunstância de proceder de um direito próprio, de uma faculdade autodeterminativa, de uma autonomia constitucional o poder que essa organização exerce sobre os seus componentes. Há Estado desde que o poder social esteja em condições de elaborar ou modificar por direito próprio e originário uma ordem constitucional. A unidade e indivisibilidade do poder A indivisibilidade do poder configura outra nota característica do poder estatal. Significa que somente pode haver um único titular desse poder, que será sempre o Estado como pessoa jurídica ou aquele poder social que em última instância se exprime, segundo querem alguns publicistas, pela vontade do monarca, da classe ou do povo. O principio de legalidade e legitimidade Autores há que fazem da legalidade e legitimidade condições essenciais do poder do Estado tanto quanto da capacidade constitucional e da indivisibilidade desse mesmo poder. Outros porém trilhando via oposta, entendem que a noção de legalidade e legitimidade não pertence à caracterização do poder, nem constitui sequer traço do poder estatal. A Soberania A soberania, que exprime o mais alto poder do Estado, a qualidade de poder supremo (suprema potestas), apresenta duas faces distintas: a interna e a externa. A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata. A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados. LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DO PODER POLÍTICO O princípio da legalidade A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula. Cumpre pois discernir no termo legalidade aquilo que exprime inteira conformidade com a ordem jurídica vigente. O princípio da legitimidade Já a legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta o problema de fundo, questionando acerca da justificação e dos valores do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceitode legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da obediência. A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a ideologia democrática. A crise histórica da legalidade e legitimidade do poder São quatro os dados que se nos afiguram altamente elucidativos e indispensáveis para a consideração da legalidade e legitimidade como temas da teoria política: o histórico, o filosófico, o sociológico e o jurídico. dos governos ou poderes de fato.14 8. A legitimidade no exercício do poder A legitimidade abrange por último duas categorias de problemas distintos. O primeiro problema se relaciona com a necessidade e a finalidade mesma do poder político que se exerce na sociedade através principalmente de uma obediência consentida e espontânea, e não apenas em virtude da compulsão efetiva ou potencial de que dispõe o Estado — instrumento máximo de institucionalização de todo o poder político. Vista debaixo desse aspecto, a legitimidade do poder só aparece contestada nas doutrinas anárquicas, nomeadamente no marxismo, ao passo que as demais escolas conhecidas se empenham em dar-lhe por fundamento ora os impulsos naturais, orgânicos e biológicos do homem, ora o consentimento livremente expresso por uma associação de vontades, como nas teorias do contrato social, reconhecendo-se em qualquer das últimas posições mencionadas, por legítima, a existência na sociedade de um poder político imposto às vontades individuais. A soberania O problema da soberania resumindo já a noção de soberania, faz que o poder do Estado se sobreponha incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados. A soberania assim entendida como soberania interna fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num certo território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais. Aparece então o Estado como portador de uma vontade suprema e soberana Formação histórica do conceito de soberania O Estado antigo na concepção grega era uma comunidade social perfeita, a única organização política, aquela que abrangia o homem em toda a exteriorização e largueza de sua vida social, caracterizando-se, segundo Aristóteles, como autarquia, noção inteiramente diversa da moderna soberania e que permitia distinguir o Estado das demais formas de sociedade. Representava o Estado para os antigos gregos aquela ambiência social onde todas as necessidades humanas se pudessem prover ou satisfazer plenamente, aquela esfera dotada, em suma, de indispensável auto-suficiência na qual se desenrolava o plano de vida do cidadão grego. A doutrinas teocráticas 6.1 A doutrina da natureza divina dos governantes A mais exagerada e rigorosa dessas doutrinas é a que faz dos governantes deuses vivos, reconhecendo-lhes atributos e caráter de divindade. Os monarcas como titulares do poder soberano são seres divinos, objeto de culto e veneração. A história anda cheia de exemplos de reis que fielmente professavam essa doutrina e se reputavam divindades, como os faraós do Egito, os imperadores romanos, os príncipes orientais e até mesmo o Imperador do Japão até ao fim da Segunda Guerra Mundial.4 As doutrinas democráticas A soberania popular, segundo o autor do Contrato Social e seus discípulos, é tão-somente a soma das distintas frações de soberania, que pertencem como atributo a cada indivíduo, o qual, membro da comunidade estatal e detentor dessa parcela do poder soberano fragmentado, participa ativamente na escolha dos governantes. Essa doutrina funda o processo democrático sobre a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal, conseqüência necessária a que chega Rousseau, quando afirma que se o Estado for composto de dez mil cidadãos, cada um deles terá a décima milésima parte da autoridade soberana.10 A separação de poderes Origem histórica do princípio: soberania e separação de poderes O princípio da separação de poderes, tanto quanto o da soberania, demanda do cientista político o indispensável exame da ambiência histórica em que se gerou, fora da qual se faz de todo incompreensível, quer na idade em que se elevou à altura de dogma constitucional — o século XIX —, quer nos dias presentes, que testemunham já o declínio da influência auferida nas passadas quadras do liberalismo. Locke, menos afamado que Montesquieu, é quase tão moderno quanto este, no tocante à separação de poderes. Assinala o pensador inglês a distinção entre os três poderes — executivo, legislativo e judiciário — e reporta-se também a um quarto poder: a prerrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é mais autenticamente vinculado à Constituição inglesa do que o do autor de Do Espírito das Leis. Os três poderes: legislativo, executivo e judiciário Distingue Montesquieu em cada Estado três sortes de poderes: o poder legislativo, o poder executivo (poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, segundo sua terminologia) e o poder judiciário (poder executivo das coisas que dependem do direito civil). A cada um desses poderes correspondem, segundo o pensador francês, determinadas funções. Através do poder legislativo fazem-se leis para sempre ou para determinada época, bem como se aperfeiçoam ou ab-rogam as que já se acham feitas. Com o poder executivo, ocupa-se o príncipe ou magistrado (os termos são de Montesquieu) da paz e da guerra, envia e recebe embaixadores, estabelece a segurança e previne as invasões. O terceiro poder — o judiciário — dá ao príncipe ou magistrado a faculdade de punir os crimes ou julgar os dissídios da ordem civil O poder judiciário mais o poder legislativo são iguais ao arbítrio, porque tal soma de poderes faz do juiz legislador, emprestandolhe poder arbitrário sobre a vida e a liberdade dos cidadãos. O poder judiciário ao lado do poder legislativo, em mãos de um titular exclusivo, confere ao juiz a força de um opressor. A opressão se manifesta pela ausência ou privação da liberdade política. Estabeleceu Kant um silogismo da ordem estatal em que o legislativo se apresenta como a premissa maior, o executivo, a premissa menor e o judiciário, a conclusão. o judiciário à dependência das câmaras. São pontos de controle parlamentar sobre a ação executiva: a rejeição do veto, o processo de impeachment contra a autoridade executiva, aprovação de tratado e a apreciação de indicações oriundas do poder executivo para o desempenho de altos cargos da pública administração. Com respeito ao judiciário, a competência legislativa de controle possui, em distintos sistemas constitucionais, entre outros poderes eventuais ou variáveis, os de determinar o número de membros do judiciário, limitar-lhe a jurisdição, fixar a despesa dos tribunais, majorar vencimentos, organizar o poder judiciário e proceder a julgamento político (de ordinário pela chamada “câmara alta”), tomando assim o lugar dos tribunais no desempenho de funções de caráter estritamente judiciário. . O Brasil, ao decidir-se pela forma republicana de governo, aderiu ao princípio da separação de poderes na melhor tradição francesa — a de Montesquieu — com explicitação formal. O Império se abraçara porém a uma separação inspirada em Benjamin Constant, onde os poderes são quatro ao invés de três, conforme veremos noutro lugar. A Constituição republicana de 1891 dispunha no artigo 15: “São órgãos da soberania nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e independentes”. A Constituição de 5 de outubro de 1988 tem redação quase idêntica: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. onstant escrevia: “O vício de todas as Constituições há sido o de nãohaver criado um poder neutro, mas o de ter colocado o cume da autoridade de que ele devia achar-se investido num desses poderes ativos”. E acrescentava: “Quando os poderes públicos se dividem e estão prestes a prejudicar-se, faz-se mister uma autoridade neutra, que faça com eles o que o poder judiciário faz com os indivíduos”. Esse poder, juiz dos demais poderes, seria o poder real, que segundo Benjamin Constant, deveria existir ao lado do poder executivo, do poder representativo (legislativo) e do poder judiciário. Estava assim lançada a teoria do Poder Moderador, da qual o Brasil serviria de laboratório, sendo o primeiro e talvez o único país no mundo a fazer, como fez na Carta política do Império, aplicação constitucional do novo sistema preconizado por Benjamin Constant. Com efeito, a figura do quarto poder aparece na Constituição brasileira do Império, outorgada por D. Pedro I, a 25 de março de 1824. A Carta imperial no artigo 98 dispunha: “A divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece.” No artigo seguinte asseverava que os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil eram quatro: “o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial”.
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