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AULA 07 E O8 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE VII. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE a) Controle nas constituições rígidas e escritas b) Sistemas de controle de constitucionalidade c) Tipos de controle d) Ação direta de inconstitucionalidade e) Interpretação conforme e declaração de inconstitucionalidade com e sem redução de texto f) Vinculação do Supremo, causa de pedir aberta, arrastamento e transcendência g) Ação declaratória de constitucionalidade h) Arguição de descumprimento de preceito fundamental i) Representação interventiva j) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão l) Controle abstrato de constitucionalidade por recurso extraordinário m) Norma formalmente constitucional (definindo o bloco de constitucionalidade) n) Inconstitucionalidade progressiva (norma ainda constitucional e apelo ao legislador) o) Inconstitucionalidade de ato administrativo p) Controle repressivo político de constitucionalidade q) Modelo bifásico r) Papel do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República s) Observações finais Capítulo VII CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE A entrada em vigor de uma nova Constituição consagra a “pirâmide de Kelsen”: a partir de então, existe, no topo da pirâmide jurídica nacional, uma lei fundamental que influencia e irradia seus valores para todas as outras camadas, para revogar tudo quando incompatível com ela, recepcionar tudo quanto compatível, e condicionar o surgimento de qualquer nova norma dentro dos novos valores. A nova Constituição força a existência do chamado princípio da filtragem constitucional, porque todo o ordenamento jurídico passa a ser obrigatoriamente válido somente se houver compatibilidade coma Constituição, forçando o intérprete a analisar cada lei sob a lente do novo espírito constitucional. De nada adiantaria, entretanto, esta premissa teórica, se não houvesse meios concretos de efetivamente impor os novos valores constitucionais traçados pelo povo, ao ordenamento jurídico nacional que surge tendo por base estes valores. A Constituição, então, não traçou apenas um modelo ideal e abstrato, intangível e incontrolável por ações concretas. Criou, então, mecanismos factíveis para fazer valer a supremacia da nova cultura jurídica e axiológica nacional. O controle de constitucionalidade, então, é a análise da compatibilidade vertical entre normas, com o fim de afastar determinada norma hierarquicamente inferior que agrida o texto constitucional. Existem diversos mecanismos, tipos e sistemas de análise desta compatibilidade vertical, todos dispostos na própria Constituição. a) Controle nas constituições rígidas e escritas O controle de constitucionalidade é possível apenas quando há rigidez constitucional, quando há a supremacia da Constituição, porque isto pressupõe uma distinção hierárquica entre ela e as demais normas do ordenamento jurídico. Esta supremacia também pressupõe que a Constituição crie um órgão para controlar seus valores, e acaba impondo a separação de poderes, uma vez que a concentração de poder faria com que o mesmo órgão emitisse normas e as controlasse sob o signo da (in)constitucionalidade. Em um sistema de Constituição flexível e não escrita, como na Inglaterra, é difícil, e até impossível, falar em controle de constitucionalidade nos moldes que o conhecemos, porque não há propriamente um documento sintetizador dos valores do povo, porque estes são construídos paulatinamente. Esta construção se dá pelas decisões políticas fundamentais do Poder Legislativo, e elas é que vão condensando o que é valor superior, constitucional, e não o Poder Judiciário, que apenas tem o papel de verificar se toda a vida societária está de acordo com as decisões do Legislativo, não cabendo a ele, o Judiciário, controlar aquelas decisões. b) Sistemas de controle de constitucionalidade Existe quem diferencie “sistemas de controle” dos “tipos de controle”, muito embora é comum verificar que ambos são utilizados para designar apenas os tipos de controle tradicionais, em especial os tipos concentrado/abstrato e difuso/concreto. Deste modo, é importante frisar que há uma diferença entre ”sistemas” e “tipos”, muito embora são comumente utilizados como expressões iguais para designar aqueles controles tradicionais. São sistemas de controle de constitucionalidade: Político O controle é feito pelo próprio emissor da lei, isto é, é feito pelo Legislativo, ou por um órgão político criado especificamente para isso. Jurisdicional A função precípua do controle de constitucionalidade é do Judiciário. É o caso do Brasil. Misto Parte da Constituição é controlada politicamente, e outra é controlada judicialmente. Ainda é possível falar em um outro sistema: político-jurídico, como ocorre na Suíça, já que a constitucionalidade das leis federais é controlada pela Assembleia Nacional (órgão político), mas o exame de compatibilidade constitucional das leis locais é realizada judicialmente. Com a criação da Suprema Corte do Reino Unido, que passou a funcionar em outubro de 2009, fala-se em um controle dialético de constitucionalidade, porque esta Corte julgará a compatibilidade de normas perante o “Human Rigths Act”, de 1998 (incorporação, no Reino Unido, da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950), mas não revogará ou anulará a norma, em caso de incompatibilidade, porque servirá como um espécie de procedimento prévio para que o Parlamento, sem vinculação, possa posteriormente aprovar ou não a norma (há um processo dialético entre a Corte e o Parlamento, para se chegar a uma conclusão). c) Tipos de controle A análise dos tipos de controle de constitucionalidade que existem no mundo, faz surgir variados ângulos de visão. Isto porque pode haver controle: a) por ação ou por omissão; b) formal ou material; c) total ou parcial; d) originário ou superveniente; e) direto, indireto ou derivado; f) preventivo ou repressivo. Neste tino, destacam-se também várias modalidades para englobar estes tipos de controle (quanto à extensão – total ou parcial; quanto ao momento – originária ou superveniente; quanto ao tipo de conduta – por ação ou por omissão; quanto ao prisma de apuração – direta, indireta ou derivada; quanto à forma – preventivo ou repressivo; quanto ao exercício judicial – difuso ou concentrado). O importante é traçar uma visão de cada tipo de controle, pois é uma fórmula interessante para conhecer melhor o tema controle de constitucionalidade. Controle por ação Quando há uma ação do Poder Público, uma conduta positiva contra o preceito constitucional, que se verifica geralmente pela edição de normas. Controle por omissão Neste controle, há uma omissão, uma conduta omissiva contra o preceito constitucional (non facere – não há o ato legislativo que o preceito constitucional gostaria que fosse praticado). Controle formal Quando o ato normativo foi editado por meio de um processo diferente daquele previsto no preceito constitucional. A inconstitucionalidade resultante é chamada, por vezes, de nomodinâmica, porque decorre de irregularidades na dinâmica dos projetos dentro do Congresso Nacional. Controle material Quando o ato normativo foi editado em confronto aos valores, aos conteúdos do preceito fundamental (atinge norma constitucional de fundo, substancial). A inconstitucionalidade seria material, substancial, de conteúdo, ou ainda nomoestática, porque pouco interesse o trâmite do projeto (o interessante é o valor estático no texto constitucional). Controle total O ato é todo ele inconstitucional. Controleparcial O ato é apenas parcialmente inconstitucional. Controle originário O ato inconstitucional surge após a edição do texto constitucional. Controle superveniente O ato inconstitucional já existia quando o texto constitucional foi editado (no Brasil não é aceito este controle, porque as leis anteriores à CF/88 são revogadas ou recepcionadas; em Portugal, sim, pois lá é aceita a conhecida “inconstitucionalidade superveniente”). Controle direto (ou antecedente) Quando o ato inconstitucional confronta-se direta e imediatamente com o preceito constitucional. Controle indireto (ou reflexo) Este controle ocorre quando pressupõe a análise de dispositivos infraconstitucionais e não a análise apenas de dispositivos constitucionais (há uma norma intermediária entre a Constituição e o ato impugnado que é preciso ser analisado para resolver a questão). No Brasil, este controle não é permitido porque é preciso, antes, fazer controle de legalidade da norma perante sua fundamentação legal, tendo-se em mente que ela não decorre diretamente do texto constitucional. Controle derivado (ou consequente, ou oblíquo, ou por arrastamento) O vício de inconstitucionalidade de determinado ato deriva da inconstitucionalidade declarada do ato que lhe serviu de fundamento (a inconstitucionalidade de uma lei leva à invalidade do Decreto que a regulamentou). Controle preventivo É o controle prévio à sanção ao projeto de lei ou à promulgação da emenda constitucional, feito pelo Legislativo por meio da Comissão de Constituição e Justiça, ou pelo Executivo, via veto presidencial (também há possibilidade do Judiciário fazer o controle preventivo, como se verá adiante). Controle repressivo (ou típico) É o controle feito após a realização de todo processo legislativo (sanção e promulgação), feito pelo Judiciário (o controle repressivo pode ser feito também pelo Legislativo, como se verá adiante). Controle difuso (incidental, via de exceção, aberto, norte-americano) É o controle feito por qualquer órgão do Judiciário espalhado pelo Brasil (daí “difuso”, porque não se concentra em um único órgão). É que todo juiz tem função jurisdicional-constitucional. Pode ser feito no decorrer do processo e até por ação própria, como mandado de segurança e “habeas corpus”, cuja causa de pedir é a inconstitucionalidade da lei. Daí porque o efeito da decisão judicial no controle difuso só vale para as partes do processo e as atinge desde o início da existência do ato impugnado (efeito “inter parts” e “ex tunc”). Controle concentrado (ou via de ação, abstrato, reservado) É o controle que se concentra em um único órgão do Judiciário, de acordo com a competência deferida pela Constituição (em nível federal, a concentração é no STF, para análise de leis estaduais e federais com base na CF/88; na esfera estadual, concentra-se nos Tribunais de Justiça, para análise de leis municipais e também estaduais, porém só com base na Constituição do respectivo Estado). Neste controle, o processo que se forma é sui generis, com as seguintes características: a) a parte não precisa ter interesse jurídico; b) o processo é objetivo (sem partes formais); c) o requerente não pode desistir da ação; d) o requerente não tem o poder de delimitar a causa petendi, porque a fundamentação constitucional do órgão judiciário é livre (é o que se conhece como “causa de pedir aberta” - vide STF - RE 431.715-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 18-11-05, e ADI 1896-MC.); d) o órgão judiciário poderá deixar de pedir informações para os órgãos ou Poderes de onde se emanou o ato impugnado; e) não se admite rescisória; f) não cabe assistência. Existem três tipos de ações que os órgãos judiciais podem ser demandados no controle concentrado: ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental. Estes tipos de controle provocam diversas situações práticas e teóricas, inclusive porque existem muitas exceções às regras. Em face disto, complementarei estes tipos de controle com algumas questões abaixo. É possível controle de constitucionalidade por ação, sem que exista uma norma? É possível verificar ação inconstitucional que não seja propriamente pela edição de normas. É o caso das decisões judiciais e dos atos administrativos, atacáveis por Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, visto que podem ser objeto da ADPF os atos do Poder Público (art. 1º da Lei 9.882/99). Isto ocorre porque a ADPF não tem por objeto apenas as normas, como é o caso da ADC e da ADI, mas atos, situações e fatos que acabem violando um preceito fundamental. Neste ponto, o STF vem interpretando “cum granus salis” o §1º do art. 4º da Lei 9.882/99, que permite ADPF apenas quando não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade (princípio da subsidiariedade). Se levado à sua maxima potência, este dispositivo não permitiria ADPF contra decisões judiciais, porque contra elas cabe outro meio eficaz, que é o recurso, e acabaria relegando este instrumento ao esquecimento. Entretanto, o STF vem permitindo ADPF contra atos que, muito embora possam ser objeto de recursos judiciais e outras medidas acautelatórias, geram relevantes controvérsias constitucionais e insegurança, que necessitam de uma medida direta e eficaz, como a ADPF, visto que outra medida poderia ou demorar demais ou não ter o mesmo efeito desejado pela Constituição, de pacificar situações com a rapidez necessária para não caracterizar ferimentos aos preceitos fundamentais. O Judiciário pode realizar o controle preventivo de constitucionalidade? A doutrina entende que, excepcionalmente, pode sim: é o caso de algum parlamentar impetrar mandado de segurança quando não for respeitado o devido processo legislativo constitucional. Não parece haver dúvida desta possibilidade, em especial quando se inicia processo legislativo para emendar a Constituição e ver abolida alguma das cláusulas pétreas (é o caso de analisar o mérito do projeto) e quando não há seguimento às normas procedimentais previstas na Constituição (é o caso de analisar a formalização do andamento processual). O Judiciário, neste caso, pode brecar preventivamente o processo. Veja que apenas o parlamentar têm o direito público subjetivo de provocar o Judiciário, nunca terceiros estranhos à atividade parlamentar, e só o parlamentar de onde está tramitando o projeto (deputado estadual não pode impetrar contra projeto de lei em análise no Congresso, e deputado federal não pode contra tramitação no Senado). Importante atenção para o fato de que o controle preventivo do Judiciário só pode existir se for difuso, porque precisa analisar o caso concreto, não sendo possível fazer controle preventivo abstrato, porque não há ataque a atos normativos (trata-se apenas de projeto)1. Se o Judiciário considerar, por exemplo, que determinado projeto de emenda constitucional não tende a abolir cláusula pétrea, ou que não está burlando o devido processo parlamentar, e assim negar o mandado de segurança, posteriormente o Judiciário poderá deferir ação direta de inconstitucionalidade proposta com os mesmos fundamentos? Sim, porque a decisão anterior não faz coisa julgada que impede nova análise, haja vista que não há coincidência de objetos (analisava-se projeto, e agora, um ato normativo, e no primeiro não havia pedido de inconstitucionalidade, sem esquecer que a primeira ação não envolvia exame do plenário do STF). A reserva de plenário é obrigatória em todos os casos de controle de constitucionalidade?3 Reserva de plenário (ou full bench dos norte-americanos) é a exigência do art. 97 da CF/88: só pode ser declarada a inconstitucionalidadede uma lei, seja pelo controle difuso seja pelo controle concentrado, pelo plenário do Tribunal, ou por órgão especial (por órgão especial somente quando o Tribunal tiver mais de vinte e cinco julgadores, conforme art. 93, XI), com voto da maioria absoluta dos membros. Esta exigência, entretanto, não é absoluta, pois há casos em que o Tribunal não precisa seguir o art. 97 da CF, para declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Se o STF já tiver declarado uma lei inconstitucional, o órgão fracionário do Tribunal poderá declarar também, sem necessidade de seguir as exigências do art. 97. Da mesma forma, se o Tribunal já tiver declarado a inconstitucionalidade da lei, na forma do art. 97, o órgão fracionário poderá fazê-lo (na verdade, repeti-lo). Assim, a reserva de plenário não é obrigatória: a) no caso de pronunciamento anterior do STF; b) apreciação prévia da mesma lei ou ato normativo pelo Tribunal, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC; c) quando o Tribunal, com mais de 25 julgadores, tiver um órgão especial com competência específica para julgar a inconstitucionalidade. Por fim, veja que o art. 97 fala em reserva de plenário apenas para o caso de declaração de inconstitucionalidade. Os órgãos fracionários do Tribunal, então, podem declarar a constitucionalidade. A reserva de plenário do art. 97 da Constituição de 1988 impôs uma cisão funcional horizontal ou vertical? Impôs uma cisão horizontal, porque não se trata de encaminhamento dos autos para outro Tribunal superior (o que seria cisão funcional vertical), mas sim para outro “departamento” do mesmo Tribunal (de uma das Turmas para o Plenário). A cisão vertical foi tentada, no Brasil, por ocasião da Revisão Constitucional de 1994, apresentado pelo Deputado Jairo Carneiro, substitutivo ao PEC 96/92, onde era proposto o chamado “incidente de inconstitucionalidade” (toda vez que se suscitasse controvérsia sobre constitucionalidade de leis junto a qualquer Tribunal, poderia haver um incidente de inconstitucionalidade diretamente no STF, que suspenderia o processo no Tribunal inferior e julgaria a questão constitucional), substitutivo este que não foi acatado. Atualmente, com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, pode-se dizer que há possibilidade de cisão funcional vertical no controle de constitucionalidade, porque no 1 Entretanto, vide na p. 169 a indicação da possibilidade de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade pelo Judiciário. É o caso de controle incidente no procedimento de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico nacional, basicamente quando há ADI contra o decreto legislativo que aprova o tratado, antes, portanto, que ele venha a integrar o nosso ordenamento quando do decreto presidencial. decorrer de uma lide que corre, por exemplo, em um Tribunal de Justiça, onde há alegação de inconstitucionalidade de algum ato do Poder Público que afeta diretamente a causa de pedir de uma das partes, a questão pode ser levada diretamente para o STF (portanto, de forma vertical), se um dos legitimados for incitado e acabar propondo ADPF justamente sobre o ato em análise na lide. No Brasil, o controle repressivo é exclusivo do Judiciário? O art. 49, V, da CF/88 prevê que é da competência do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. A doutrina entende que esta competência do Congresso é uma forma de medir a compatibilidade da lei delegada com o texto constitucional, fazendo uma espécie de controle de constitucionalidade antes de sustar o ato. O STF também já declarou que “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público” (Súmula 347). O Tribunal de Contas, como sabemos, está vinculado ao Poder Legislativo, pois é órgão auxiliar deste. Existe uma outra hipótese, que na verdade não é um controle, e sim um descumprimento: é a possibilidade do Chefe do Executivo descumprir uma lei que considerar inconstitucional. Boa parte da doutrina assim entende, além do Superior Tribunal de Justiça. Para não incorrer em crime de responsabilidade (art. 1º, XIV, Decreto-Lei n. 20167), o Chefe deverá fundamentar por escrito o(s) motivo(s) do descumprimento, e dar publicidade. Esta posição, com exceção do Prefeito, parece que é superável, haja vista que o STF ao fixar jurisprudência sobre a possibilidade do Chefe do Executivo descumprir as leis que julgar inconstitucionais, assim procedeu em um momento constitucional brasileiro em que o Chefe não era legitimado para propor ação direta de inconstitucionalidade, legitimidade esta que era monopolizada pelo Procurador-Geral da República. Assim, o controle repressivo não seria de exclusividade do Judiciário. A decisão do Judiciário, no controle repressivo, abstrato e concentrado de constitucionalidade, é absoluta? Não, porque não vincula o Legislativo, que pode novamente editar outra lei no mesmo sentido, e nem o próprio Judiciário, que pode rever a posição anterior, por mutação constitucional ou por simples mudança de posicionamento. Assim, se o STF declara a inconstitucionalidade, o próprio STF poderá declarar, em momento posterior, a constitucionalidade; se o TJ/GO declara a inconstitucionalidade de lei municipal, idem. Da mesma forma, se o STF declara uma lei “x” inconstitucional, o Congresso Nacional poderá discutir e votar outra lei idêntica àquela anteriormente declarada inconstitucional. Isto ocorre porque o parágrafo 2º do art. 102 da Constituição de 1988 diz que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante apenas aos “demais” órgãos do Judiciário e à administração pública direta e indireta. Não vincula, portanto, o próprio STF e nem o Legislativo. Se vinculasse o Legislativo, haveria grande tensão, e não harmonia, na relação entre os Poderes. Claro que, se o Legislativo aprovar lei idêntica àquela já declarada inconstitucional, corre- se sério risco de presenciar nova declaração de inconstitucionalidade, anotando uma desarmonia recôndita entre os Poderes. Vide STF, ADIN 2.675/PE; ADIN 2.777/SP; ADI 907; ADI ADI 864; Reclamação 2617). Boa doutrina entende que o STF só poderá alterar a decisão anterior se houver mudança do panorama fático e jurídico anterior, até porque, no Brasil, aceita-se a mudança informal do conteúdo da Constituição diante de nova interpretação (mutação constitucional). A nova decisão, então, deverá ser baseada na significativa mudança das circunstâncias fáticas ou na relevante alteração das concepções jurídicas que então estavam dominantes, situação que comprova a presença implícita da cláusula “rebus sic stantibus” nas sentenças que julgam os processos concentrados de controle de constitucionalidade; Ocorreu esta situação quando o Congresso Nacional aprovou, e o Presidente sancionou, a Lei 11.767, de 07 de agosto de 2008. Esta Lei, ao dar nova redação ao inciso II do art. 7º da Lei 8.906/94, garantiu aos advogados a inviolabilidade de seus escritórios ou locais de trabalho, bem como seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. Entretanto, ao incluir os parágrafos 6º e 7º ao mesmo art. 7º, a Lei 11.767/08, além de garantir que a quebra da inviolabilidade só pode ser feita por decisão judicial motivada apenas para indícios de autoria e materialidade de crime praticadopelo advogado, não se estendendo aos seus clientes, salvo quando estes estiverem em conluio com os advogados na prática criminosa, ressuscitou regra que constava na Lei 8.906/94 e que havia sido declarada inconstitucional pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127-8: necessidade de presença de representante da OAB no caso de buscas e apreensões nos escritórios dos advogados. A necessidade de representante da OAB, para este fim, constava do inciso II do art. 7º da Lei 8.906/94, mas tal necessidade havia sido declarada inconstitucional pelo STF na referida ADIN, sob o argumento de que a OAB acabaria se transformando em órgão jurisdicional na medida em que as decisões judiciais dependeriam dela para serem executadas. O Congresso Nacional, mesmo diante de tal declaração, ressuscitou idêntica regra, justamente porque é possível assim proceder diante da inexistência de vinculação à decisão de inconstitucionalidade, nos termos do §2º do art. 102 da CF/88, muito embora corra-se o risco da regra ser novamente declarada inconstitucional com base nos mesmos argumentos. Qualquer pessoa pode fazer o controle difuso de constitucionalidade? Não. Só a pessoa que tenha interesse. Deste modo, somente se a lei ferir algum direito, ou provocar algum prejuízo jurídico a alguém, é que ele poderá invocar a inconstitucionalidade da lei em sua defesa. A inconstitucionalidade, então, deve ser a causa de pedir, e o objeto deve ser as consequências benéficas da inconstitucionalidade. Lembre-se que, em casos perante o STF, desnecessária a demonstração de interesse, já que este Tribunal é o Guardião da Constituição. Existe até quem pense que a existência de controle difuso de constitucionalidade seria mais uma espécie de democracia direta, porque, da mesma forma que o plebiscito, o referendum e a iniciativa popular, qualquer pessoa poderia interferir nas decisões do Poder Público, sem necessidade de representantes e sem necessidade de depender de iniciativa de outros legitimados, como ocorre no controle concentrado. Sem embargo, observe que não é qualquer pessoa que pode fazer este controle, mas apenas aquela que for prejudicada pessoalmente pelo ato normativo ou pela omissão inconstitucional, o que difere um tanto de outro instituto reconhecido de democracia direta, que é a ação popular, porque nesta não há necessidade de demonstrar interesse para a sua proposição (há uma presunção de que todo cidadão tem interesse, por integrar a vida política do país, em cassar atos lesivos ao patrimônio público). O que significa a suspensão da execução de lei pelo Senado Federal?2 Importante analisar o art. 52, X, da CF/88 (“Compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”). 2 Vide p. 153: há uma tendência de “abstrativizar” o controle difuso, no sentido de que as decisões proferidas pelo Plenário do STF, no controle difuso, passam a ter efeitos vinculantes e eficácia “erga omnes”, justamente porque o Este caso se aplica quando o STF declara a inconstitucionalidade pelo controle difuso (daí os termos “por decisão definitiva”, é dizer: por decisão que já vinha sendo analisada pelos órgãos inferiores até chegar ao STF, e este definitivamente julgar a questão), ratificado pelo art. 178 do Regimento Interno do STF. A suspensão tem efeitos “ex nunc” (a partir da suspensão) e “erga omnes” (contra todos), e engloba tanto as leis federais quanto as estaduais. A decisão do Senado é discricionária, isto é, ele não está obrigado a suspender a execução da lei (há quem entenda em contrário, mas é uma posição minoritária). Boa parte da doutrina, e até jurisprudência do STF, entretanto, hoje vem caminhando para o entendimento segundo o qual a suspensão pelo Senado tem eficácia “ex tunc” e não “ex nunc”. O Senado, neste caso, tem a discricionariedade de suspender ou não o que foi declarado inconstitucional pelo controle difuso, mas não pode ir além da decisão, isto é, ele não pode suspender toda a lei, se apenas parte dela foi declarada inconstitucional. Se o Tribunal de Justiça local declarar a inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual em face da Constituição Estadual, quem deverá suspender a eficácia do ato normativo: o Senado ou a Assembleia Legislativa do respectivo estado? Parece não haver problema para que a Assembleia Legislativa do estado suspenda a eficácia da lei, desde que expressamente previsto na Constituição estadual. Aplica-se o princípio da simetria, já que, no âmbito federal, se o STF declarar a inconstitucionalidade, cabe ao Senado, reforçada a ideia porque a nossa Federação é, via de regra, simétrica. Entretanto, há quem pense que a suspensão da eficácia de qualquer lei declarada inconstitucional no controle difuso só poderia ocorrer pelo Senado, e ainda assim se tal declaração fosse feita pelo Supremo Tribunal Federal, já que a Constituição só previu esta possibilidade no art. 52, X, não dando margem para se interpretar extensivamente. Esta última parece não ser a melhor expressão do espírito constitucional, já que há uma Federação no Brasil, com respeito à organização e à ordem jurídica local, que deve definir seus rumos na medida da possibilidade aberta pela Constituição Total, que é a Federal, tanto é verdade que várias constituições estaduais têm dispositivo semelhante ao art. 52, X, da CF/88, sem nenhum posicionamento contrário do STF. Quando o Senado susta ato declarado inconstitucional pelo STF, ele realiza um controle difuso de constitucionalidade? Não, não há controle difuso, que é judicial. Ademais, esta espécie de atuação para dar eficácia “erga omnes” à decisão “inter parts” do STF está concentrada no Senado, ou nas Assembleias Legislativas, quando as constituições estaduais preveem, retirando a característica da difusão. Toda vez que o Tribunal de Justiça for invocado, em uma de suas Turmas, para declarar a inconstitucionalidade da lei, é obrigatório o encaminhamento ao Plenário, ou ao órgão especial? papel do Senado não seria mais de suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional pelo STF no controle difuso; passaria a ser, então, de dar publicidade a tais decisões do STF. Via de regra, sim, nos termos do art. 97, CF, mas se o próprio Tribunal já declarou a inconstitucionalidade da lei pelo plenário, ou se há houve tal declaração pelo STF, o encaminhamento é desnecessário. Nestes casos, a própria Turma poderá declarar a inconstitucionalidade, o que na verdade é apenas uma ratificação. Neste sentido, art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O TJ pode proceder ao controle de constitucionalidade de lei estadual se ela foi atacada à vista da Constituição Federal? Não. Só o STF faz o controle de constitucionalidade se o fundamento é violação da Constituição Federal. Se isto fosse possível, o TJ receberia, por via indireta, a missão de ser o Guardião da Constituição Federal, violando a missão do STF. É possível fazer uma divisão doutrinária das ações diretas? Parte da doutrina divide as ações diretas de inconstitucionalidade em: a) genéricas (ADI, ADIO, ADC, ADPF); b) interventivas (ações para intervenção federal e estadual). A intervenção e a ADPF, porém, não têm a característica da abstração. Atualmente, já existe regulamentação legal de tais ações, o que ocorreu por meio das Leis 9.868/99 e 9882/99. O que significa “princípio da parcelaridade”, no âmbito do controle de constitucionalidade? É o princípio permite o controle parcial de constitucionalidade no âmbito do controle concentrado/abstrato, de modo que à Corte Constitucional é permitida a declaração de inconstitucionalidade somente de parte do ato atacado, mantendo outras partes que porventura sejam compatíveis com o texto constitucional. Este princípio só pode ser aplicado quando não houver uma relação de dependência entre a parte constitucional e a parte inconstitucional do ato normativo, visto que, ao declarar a inconstitucionalidade parcial, a Corte Constitucional não pode criar outro sentido normativo não aceito no texto original. Como o trabalho das Cortes Constitucionais é de serem legisladores negativos, isto é, apenas devem retirar do mundo jurídico as normas contrárias à Constituição, não podem, então, retirar uma norma e acabar criando, da interpretação do que restar, um novo sentido normativo não desejado pelo legislador, que até contrarie sua intenção original. O que é inconstitucionalidade pretérita? É a inconstitucionalidade que ocorre em face da Constituição que foi revogada, da lei ou ato normativo que foi editado na época da sua vigência. Assim, uma Lei X, de 1985, seria inconstitucional em face da Constituição de 1967, com redação dada pela EC 01/69. O que se pergunta, em face disto, é o seguinte: É possível, hoje, declarar a inconstitucionalidade desta Lei X, de 1985, em face da Constituição de 1967? É possível propor ação direta de inconstitucionalidade contra esta Lei, perante o STF, alegando inconstitucionalidade por ferimento à CF/67? A doutrina majoritária entende que é possível fazer, hoje, o controle de constitucionalidade da Lei X perante a Constituição de 1967, porém apenas pelo controle difuso. Não seria cabível, assim, ADIN perante o STF para alegar tal inconstitucionalidade pretérita, isto porque o STF é guardião da atual Constituição, e não daquela que foi revogada. Mas os órgãos do Poder Judiciário, inclusive o STF, pelo controle difuso, poderá declarar a Lei X inconstitucional, por ter ferido o conteúdo do texto da Constituição de 1967 (inconstitucionalidade material-nomoestática), ou por ter sido construída sem as formalidades exigidas na referida Constituição (inconstitucionalidade formal- nomodinâmica). O que é inconstitucionalidade implícita? Seria a inconstitucionalidade de dispositivos originários da Constituição de 1988 em face do seu próprio texto. É dizer: seria uma inconstitucionalidade de algum artigo em face de outro artigo de nível superior. Como se sabe, em face do princípio da unidade da Constituição, não há este tipo de inconstitucionalidade (não há hierarquia entre os dispositivos originários da Constituição de 1988, mas apenas entre as cláusulas pétreas da Constituição de 1988 e as Emendas Constitucionais). d) Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) d.1) Legitimidade ativa. Esta legitimidade é universal e especial. Universal é a competência que não se restringe aos seus próprios interesses, porque se presume o interesse universal do legitimado em proteger a validade das leis. Por isso, na legitimidade universal, os legitimados não precisam demonstrar pertinência temática, isto é, mesmo que o tema levantado na ação, ou tratado no ato impugnado, não lhe diga respeito e não entre nos seus fins institucionais, ele pode propor a ação (universal é a legitimidade daqueles previstos nos incisos I, II, III, VI, VII e VIII do art. 103 da CF: Presidente da República; Mesa do Senado Federal; Mesa da Câmara dos Deputados; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional). Assim, a Mesa da Câmara dos Deputados pode propor ADIN contra lei estadual, e a OAB poderá propor ação contra lei que regulamente o Conselho Federal de Medicina. Especial é a legitimidade que pressupõe a pertinência temática, de modo que a ADIN só pode ser proposta se a matéria disciplinada na norma atacada tiver relacionamento com os seus fins institucionais (art. 103, IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional – assim, entidade de classe que não seja a OAB, como, por exemplo, o Conselho Federal de Engenheiros e Arquitetos, que só pode propor ação contra lei que trate de algo relacionado com as profissões). Interessante notar que a pertinência temática era exigida pelo parágrafo único do art. 2º da Lei 9.868/99, mas foi vetado, porém este veto foi inócuo porque a pertinência temática foi adotada por interpretação do STF diante das normas constitucionais. Se o partido político perde a representação no Congresso Nacional, no curso da ação, esta não é extinta por perda da legitimidade ativa, porque o momento para que se efetive esta legitimidade é no momento da propositura da ação. Para que ocorra a legitimidade do partido político, é preciso apenas a decisão pessoal do seu Presidente, sendo desnecessária a intervenção do diretório, que não precisa se reunir para este fim. Há, malgrado, a necessidade de constar na procuração outorgada pelo partido, os atos normativos que deverão ser impugnados (STF, ADI 2.552/PR). Não há prazo prescricional para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. A demora, entretanto, na propositura, poderá prejudicar a concessão de liminar, pela falta de “periculum in mora”. O controle de constitucionalidade não se realiza em critérios puramente jurídicos, porque pode ser feito pelo Legislativo, como foi visto. Aliás, até mesmo o controle concentrado no STF é possível falar em critérios políticos, porque é inegável a função política deste Colendo Tribunal (vide adiante). Apesar do Governador de Estado não ter legitimidade universal (precisa ter pertinência temática, que seria o mesmo que interesse de agir), não é correto que dizer que um Governador de um Estado não pode impugnar, via ADI, uma lei de outro Estado, ou uma Lei Nacional. Assim, via de regra, o Governador não tem interesse (pertinência temática), para impugnar ato normativo de outro Estado, mas terá se demonstrar que tal ato poderá prejudicar a economia interna do Estado que governa. Isto ocorreu quando o Governador de Goiás propôs ADI contra lei de Mato Grosso, que proibia comercialização e transporte de amianto (ADI-MC 2396/GO) (o interesse de Goiás residia no fato de que a lei prejudicava a venda de amianto produzido no Estado de Goiás), assim como no caso da ADI 3273 proposta pelo Governador do Paraná, contra a Lei Nacional 9.478/97, que dispõe sobre a política energética e dá outras providências (o mesmo se deu na ADI-MC 902, para o caso da “guerra fiscal” entre Estados, onde um Governador ataca Decreto de outro Estado que regula alíquota do ICMS). O que diferencia a entidade de classe das demais organizações sociais é que a entidade de classe, necessariamente, deve ter um interesse comum essencial para todos daquela classe, o que não ocorre nas demais organizações (ADI 34/DF, ADI 79/DF, ADI 52/GO, ADI 79/DF), sendo interessante notar que o “âmbito nacional” da entidade acontece quando ela estiver presente em pelo menos 09 (nove) Estados da Federação, isto porque o STF fez analogia com o §1º do art. 7º da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95), vazado nestes termos: “Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles”.Como o Brasil tem 27 (vinte e sete) Estados, um terço deles equivale a 09 (nove) (ADI 386/ES; ADI 108/DF). Merece friso o fato de que, para a caracterização do âmbito nacional, não basta estar incluso nos estatutos das instituições, como mera declaração formal. É preciso que existam, de fato, associações ou membros em nove estados, para caracterizar a necessária disseminação nacional (STF, ADI 1.096-4/RS; ADIn 108/DF; ADI 386-MC/SP). O próprio STF já enfatizou que apenas o requisito de presença em 09 (nove) Estados não é um critério único e objetivo, que satisfaz a legitimidade, porque é preciso que a instituição realmente realize trabalhos de amplitude nacional, agindo em nome de interesses homogêneos de toda classe (ADI 77-2/DF). Essa é a razão porque, apesar da regra ser a presença de no mínimo 09 (nove) Estados, pode haver legitimidade para entidades que não têm representação nesta quantidade de entes da Federação, como ocorre, por exemplo, no caso da Associação Brasileira de Extratores e Refinadores de Sal – ABERSAL, que, apesar de não ter representatividade em nove Estados, atua na produção de sal, que é uma atividade de relevância nacional porque o consumo de tal produto tem amplitude em todo o Brasil (ADI 2.866/RN). Da mesma forma, se a associação comprovar que atua em apenas alguma região, ou em alguns estados, por uma questão até natural (imagine-se a associação de produtores de vinho, que só pode atuar na região Sul), terá legitimidade, mesmo não estando em 09 (nove) Estados. Em relação, ainda, à legitimidade ativa para a propositura de ADI e ADC, o STF tem entendimentos que merecem destaques: a) não configura entidade de classe nacional a instituição cujos membros estão vinculados a extratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, até porque os objetivos individuais de um membro ou de um grupo de membros poderiam se chocar com outro membro ou outro grupo de membros (ADI 108/DF); b) não se trata de entidade de classe outros segmentos da sociedade civil, como é o caso do segmento dos estudantes, que integram membros não-profissionais (não há legitimidade para a União Nacional dos Estudantes - UNE) (ADI 894/DF); c) inicialmente, o STF entendia que não havia legitimidade para “associação de associações”, onde havia congregação, na mesma pessoa jurídica, de pessoas jurídicas diversas (ADI 79/DF e ADI 914-DF). Entretanto, o próprio STF modificou este entendimento, e hoje admite a legitimidade para “associação de associações” (ADI-AgR 3.153/DF e ADI 2797/DF). Estas associações são chamadas de “associações de 2ª grau”. Deste modo, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, a Federação Nacional de Produtores de Cachaça de Alambique (FENACA) e a Confederação das Associações de Microempresas, têm legitimidade; d) associação criada para defesa de questões abstratas, com aspirações cívicas da cidadania, como a Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, não tem legitimidade para propor ADI e ADC (ADI 61/DF) e, da mesma forma, associação que reúne como associados, órgãos públicos sem personalidade jurídica e categorias diferenciadas de servidores, como é o caso da Associação Brasileira de Conselhos de Tribunal de Contas dos Municípios – ABRACCOM, também não tem legitimidade (ADI 67/DF); e) apenas as organizações sindicais estruturadas com base no art. 535 da CLT, têm legitimidade ativa. Deste modo, as federações de sindicatos não têm legitimidade, porque não há legitimidade para as associações, federações ou outras organizações sindicais que não sejam confederações que tenham no mínimo três federações em sua organização. Mesmo que as federações ou sindicatos tenham âmbito nacional, não sendo confederação porque de menor hierarquia, não há legitimidade (ADI- QO 1.006/PE; ADI 713/RJ; ADI 731/DF; ADI 745/PE; ADI 2.152/MS; ADI 2.557/MT; ADI 1.785/RJ; ADI-MC 1.003/DF). Observo, finalmente, que o Governador tem capacidade postulatória para a propositura das ações, não havendo necessidade de representação judicial pelo respectivo Procurador-Geral do Estado. O STF entende que cabe ao próprio Governador firmar a petição inicial. Evidente que pode o Procurador- Geral também assinar junto, mas se somente este a assinar, a ação torna-se inepta (ADI 1.814/DF). d.2) Objeto O objeto da ADI é lei ou ato normativo federal ou estadual, sem possibilidade de discutir, na mesma ação, a inconstitucionalidade de mais de uma lei ou ato normativo, salvo excepcionalmente. E quando é possível analisar excepcionalmente a constitucionalidade de duas leis? O STF, na ADIN-QO 2844/PR, entendeu é possível analisar a constitucionalidade de duas leis quando: a) a análise de uma pressupõe a imbricação substancial na outra – competência legislativa concorrente da União e dos Estados: lei geral confundindo-se com lei específica do Estado (vide o tópico “inconstitucionalidade por arrastamento”, onde é possível estender a inconstitucionalidade declarada sobre a lei que tem um nexo de causalidade lógico com a lei declarada inconstitucional); b) a inconstitucionalidade de uma lei é questão prejudicial para análise da outra lei. Os atos normativos a serem controlados devem ter efeitos abstratos e gerais, como emendas constitucionais, leis em sentido formal, medidas provisórias, Decretos autônomos que firam a Constituição, resoluções da Câmara dos Deputados, do Senado e do Congresso Nacional, os atos do Executivo com força normativa autônoma (Decretos que não regulamentam a lei, mas sim, de modo ilegítimo, inova no mundo jurídico ao criar obrigação de fazer ou não fazer que deveria estar na lei - os atos normativos das agências que detêm este poder também se enquadram), regimentos internos dos Tribunais Superiores, Decreto presidencial promulgando tratados e convenções internacionais e os decretos legislativos. Existem decretos legislativos para: a) aprovação, pelo Congresso, quanto a tratados internacionais (art. 49, I); b) suspensão, pelo Congresso, de ato normativo presidencial exorbitante dos poderes concedidos na lei delegada (art. 49, V); c) regulamentação, pelo Congresso, das relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória que perdeu eficácia (art. 62, §3º). O STF entendeu que cabe ADI contra Decretos, quando estes são expedidos com força de lei (ADI 460/DF; ADI 519/DF). Por isso, não podem ser objeto de ADI: a) normas de efeitos concretos que não sejam leis formais. Importante observar que o STF mudou seu posicionamento, ao passar a entender que as leis de efeitos concretos podem ser objeto de controle de constitucionalidade. Antes, o STF entendia que as leis de efeitos concretos, como era o caso de leis orçamentárias, leis concedendo título de cidadão honorífico, leis que declaram determinados imóveis como de interesse social para fins de reforma agrária, leis que criam tombamento de determinados imóveis, leis que dão nomes a prédios públicos, eram leis casuísticas que não tinham o caráter da generalidade e da abstração, destinadas que eram apenas para casos específicos, com efeitos concretos, portanto. Entretanto, o STF, na ADI/MC 4048/DF, DJ 22.08.2008, e na ADI/MC 4049/DF, valorizando a atuação direta do legislador, passou a entender que qualquer lei formal, assim considerada aquela aprovada por meio do processo legislativo, pode ser objeto de ADI, mesmo que tenha efeitos concretos. Portanto, apenas as outras normas que tenham efeitos concretos é que não podem mais ser objeto de ADI, como os Decretos, Portarias, Provimentos, Atos Regimentais etc., mesmo que sejam autônomos; b) Decretos que apenas regulamentam a lei (neste caso, pode haver controle de legalidade do Decreto com a lei que o autorizou), salvo no caso de Decreto autônomo (art. 84, VI), já que não se permite o controle indireto; c) normas “interna corporis”(atos que dizem respeito apenas às questões institucionais internas das Casas Legislativas – regimentos internos); d) leis anteriores à CF/88; e) leis do DF de conteúdo municipal (no caso do DF, como não pode ser dividido em Municípios, sua Assembleia tem competência legislativa municipal e estadual; quando legisla utilizando-se da competência estadual, cabe ADI, mas quando legisla utilizando-se da competência municipal, não cabe ADI – vide ADI 611 e ADI 1.375); f) normas constitucionais originárias de 1988 (a unidade da constituição revela que não há hierarquia entre tais normas - STF, ADI 815-4). Observo que cabe ADI contra o direito constitucional secundário, que seriam as normas constitucionais surgidas em face do Poder Constituinte Reformador (as Emendas Constitucionais podem ser atacadas pela ADI, visto que elas podem ferir a CF/88). Não se pode confundir, entretanto, direito constitucional secundário e atos secundários. A expressão “atos secundários” é utilizada para qualificar os atos normativos que são, na verdade, regulamentação ou interpretação de lei infraconstitucional, e que por isso não podem ser objeto de ADI. O STF, por exemplo, não conheceu a ADI 2862/SP, que impugnava o Provimento 758/2001, do Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP, que autorizava o juiz de direito, responsável pelas atividades do Juizado Especial, a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados pelos policiais militares, desde que assinados concomitantemente por oficial da PM, assim como a Resolução 403/2001, do Secretário de Segurança Pública/SP, que por sua vez estabelecia que o TCO de que trata o art. 69 da Lei 9.099/95, será elaborado pelo policial civil ou militar que primeiro tomar ciência da ocorrência, e que exigia que os termos fossem feitos pela PM e assinados também por oficial da Corporação. O entendimento foi de que os atos normativos seriam secundários, que se prestavam a interpretar o art. 69 da Lei dos Juizados. Os atos secundários, então, devem passar por um controle de legalidade, e não controle de constitucionalidade, uma vez que não se admite controle indireto, ou reflexo. Ainda, necessário lembrar que o STF entende que a tentativa de controlar a constitucionalidade de normas constitucionais originárias se mostra impossível porque a ADIN não pode ter objeto nomológico (Ag. Reg. Na ADIN 4.097/DF, Rel. Min. Cezar Peluzo), considerando a nomologia a ciência que estuda as leis que presidem aos fenômenos naturais, leis que, por assim dizer, regem um país (teoria e prática da legislação; ciência e arte de fazer leis). As normas fundamentais que regem o país, então, são aquelas insertas na Constituição. As normas originárias são as normas de referência para o controle de constitucionalidade, sendo impossível tal controle em face do princípio da unidade hierárquico- normativa das normas constitucionais originárias e o caráter rígido da Constituição de 1988. g) leis já revogadas (daí porque, se a lei atacada em ADI é revogada, há prejuízo para o andamento do processo, mesmo se houver efeitos residuais - ADI 709; ADI 262; ADI 712. O STF, na ADI 514/PI (DJE só em 31.03.2008), enfatizou que “ A revogação superveniente do ato estatal impugnado, ainda que tácita, faz instaurar situação de prejudicialidade, que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade”. No caso de leis revogados, o instrumento será a ADPF3; h) atos não-normativos (é preciso que o ato obrigue a todos, com características de generalidade e abstração); i) atos de particulares. Observe-se, entretanto, que “leis de efeitos concretos” não é o mesmo que “leis autoexecutáveis”. Ambas independem de regulamentação para produzirem os efeitos desejados, isto é, podem ser executadas e aplicadas imediatamente, independentemente de qualquer condição futura, enquanto que se diferenciam porque a lei autoexecutável é feita com base na abstração e na impessoalidade, aplicando-se para todo o conjunto social, enquanto as leis de efeitos concretos são construídas com base na concretude e na pessoalidade, não se aplicando para toda a sociedade e sim para pessoas especificamente determinadas ou pessoas determináveis. As leis penais, que descrevem a conduta criminosa, são, normalmente, autoexecutáveis, salvo as normas penais em branco, e a lei que concede o título de cidadão honorífico é lei de efeitos concretos (como também é a lei desapropriadora ou a lei que cria tombamento). Sempre que o decreto extrapolar a autorização legal, acabando por inovar na ordem jurídica para criar obrigação não prevista ou permitida em lei, o decreto terá autonomia, e por isso boa parte da doutrina e da jurisprudência entende se tratar de “decreto autônomo”, passível de ação direta de inconstitucionalidade. Muitas vezes, a autonomia normativa proferida pelo Chefe do Executivo não vem em forma de decreto, mas sim de provimento, instrução normativa, portaria ou algo do gênero, daí porque o importante é analisar se o ato administrativo, independentemente da nomenclatura e da forma de aprovação e publicação, criou uma obrigação legal nova, isto é, inovou na ordem jurídica. Se inovou, o ato é autonomamente normativo e, portanto, passível de ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade. 3 Vide, a seguir, na p. 126, o caso onde é possível a lei revogada ser objeto da ADI. Um exemplo de ato administrativo normativo e autônomo, que não era decreto, ocorreu no julgamento da ADIN 3.691/MA (Rel. Min. Gilmar Mendes), onde o STF conheceu da ação para julgar procedente o pedido e considerar inconstitucional a Portaria 17/2005 do Estado do Maranhão, que alterava e fixava horários de funcionamento dos estabelecimentos que comercializavam bebidas alcoólicas no Estado, justamente porque tal ato continha abstração e autonomia que se transmudava em ato normativo autônomo, invadindo, inclusive, competência dos Municípios para legislar sobre horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, por ser assunto de interesse local (art. 30, I, CF/88). O que é inconstitucionalidade implícita? É a inconstitucionalidade decorrente da antinomia entre as normas constitucionais primárias e seus princípios. Esta inconstitucionalidade ocorre, portanto, quando algumas normas aprovadas pelo Poder Constituinte Originário são contrárias aos maiores valores e princípios por ele mesmo construído. Em uma breve síntese, seria a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias. Como vimos, esta tese não é aceita no Brasil, porque entre as normas constitucionais originárias, aprovadas pelo Poder Constituinte Originário em 05.10.1988, não há hierarquia justamente porque nossa Constituição é rígida e, diante de eventuais tensões, deve haver a ponderação sem que ocorra a retirada de validade de um dos princípios ou valores conflitantes. O STF não aceita esta inconstitucionalidade implícita (ADI 997 / RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 30.08.1996, p. 30603; ADI-MC 1946/DF, DJ 14.09.2001), daí porque o mesmo Supremo afirmou que ADIN não pode atacar os objetos nomológicos (ADI AgR 4.097/DF, Rel. Min. Cezar Peluzo). Quais as principais limitações às normas que podem sofrer controle repressivo de constitucionalidade? É comum afirmar que as normas possíveis de serem controlados pelo controle repressivo de constitucionalidade devem ter duas limitações: a) temporal, porque só podem ser aquelas promulgadas ou sancionadas após 05.10.1988 , vez que não há inconstitucionalidade superveniente (normas anteriores são recepcionadas ou revogadas); b) espacial, porque devem as normas serem emanadas no espaço respectivo do ente federativo – isto se dá porque o Distrito Federal, por não poder ser dividido em Municípios, tem atribuição de legislartanto nas questões municipais quanto nas questões estaduais (art. 32, §1º), daí porque, se a lei atacada foi feita pela Assembleia Distrital no exercício da competência municipal, esta lei não poderá ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade no STF, e sim no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Súmula 642 do STF). Este limite espacial é importante para delimitar a impossibilidade de leis municipais serem objetos de ADI ou ADC, e leis estaduais serem objeto de ADC. Como se dá o controle de constitucionalidade sobre medidas provisórias? Sobre o controle de constitucionalidade sobre Medidas Provisórias, é preciso observar: a) os requisitos de urgência e relevância são típicos juízos de mérito que só pertencem ao Chefe do Executivo. O Judiciário só pode intervir nestes requisitos de forma excepcional, quando houver clara e manifesta ausência de tais requisitos, sem nenhum fator que os invoque. O STF vem ratificando este posicionamento, mas, em relação a Medidas Provisórias editadas para abertura de crédito extraordinário, o Tribunal entende que, em face da existência de um pressuposto mais intenso de urgência e relevância, previsto no art. 167, §3º, é possível controlar declarar a inconstitucionalidade de ato normativo (a Medida Provisória ou a lei que resultou da sua conversão) em face da inexistência da urgência e da relevância qualificada (ADI 4048-MC/DF e ADI 4049-MC/DF). A ideia geral é a de que, se para qualquer Medida Provisória há necessidade de urgência e relevância (art. 62, “caput”), para a abertura de crédito extraordinário esta urgência e relevância tem que ser mais intensa, tem que ser qualificada, porque a própria Constituição, além de prever urgência, prevê também a imprevisibilidade, e dá como exemplo vitais de tais pressupostos a presença de guerra, comoção interna e calamidade pública. Assim, o controle dos requisitos de urgência e relevância, para as medidas provisórias tradicionais, só são controlados excepcionalmente, e os requisitos de urgência e relevância para as medidas provisórias que abrem créditos extraordinários, o controle judicial é mais intenso e flexível. Importante observar que o STF considera que a medida provisória editada para questões de Direito Processual expressam, por si só, ausência clara dos requisitos de relevância e urgência (ADI 2736/DF); b) muitas vezes, no curso de uma MP que está sendo analisada por ADI, outra surge revogando-a. Neste caso, a ADI fica suspensa, para saber se o Congresso aprovará ou rejeitará a nova MP (se aprovar, a ADI fica prejudicada, porque perde o objeto; se for rejeitada a nova MP, a ADI volta a ter curso). Perde objeto a ADI, também, se estiver discutindo lei e esta vem a ser revogada; c) também é possível que, no curso de uma MP que está sendo analisada por ADI, antes desta análise, a MP venha a ser convertida em lei pelo Congresso Nacional. Neste caso, a ADI não perde o objeto porque não houve revogação da MP, e sim mudança de status legislativo, até porque a conversão não retira eventual vício de constitucionalidade da MP original. Neste caso, porém, a inicial da ação direta de inconstitucionalidade deverá ser emendada pelo autor, para incluir o texto da lei de conversão. Qual o procedimento, caso concorram duas ações do controle concentrado de constitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça e outra no STF, tendo por objeto a mesma norma? Importante lembrar que se o STF declarar a inconstitucionalidade de uma lei estadual, porque contrária à CF/88, e se houver uma ação direta de inconstitucionalidade (“representação de inconstitucionalidade”, nos termos do art. 125, §2º) contra esta mesma lei junto ao Tribunal de Justiça do Estado, esta ação no âmbito estadual torna-se insubsistente. Entretanto, a recíproca não é verdadeira: se o TJ entender pela inconstitucionalidade antes do julgamento da ação pelo STF, a ação que corre neste Colendo Tribunal não fica prejudica e nem se torna subsistente. O STF entendeu, aliás, como se vê da ADI-MC 1423 e na ADI 3.482, que, havendo propositura de ADI concomitante, tanto no STF quanto no TJ contra uma mesma lei estadual, é preciso suspender o processo no âmbito do TJ, se a ação está baseada em direito constitucional federal de reprodução obrigatória na Constituição do Estado, pelo menos até que o STF se pronuncie. Deste modo, se a ação no TJ tiver por parâmetro uma norma da Constituição do Estado que não é de reprodução obrigatória (como as normas do processo legislativo dos arts. 60 e ss., os casos de intervenção estadual do art. 35, as normas sobre a Administração Pública dos arts. 37 e ss. e as normas da CF/88 que tratam da iniciativa reservada aos Tribunais Judiciários e ao Chefe do Executivo, para iniciar processo legislativo), e sim uma norma constitucional específica do Estado, não há conexão entre as ações no TJ e no STF, e ambas poderão seguir normalmente, até porque o resultado de uma não interferirá no resultado da outra. No caso de duas ações concomitantes contra a mesma lei estadual, uma no TJ e outra no STF, o importante, como se vê, é a análise da norma de referência. Esta norma de referência é justamente o paradigma constitucional que se alega violado. Se na ação no STF alega-se que houve violação de uma norma constitucional da CF/88 e na ação no TJ alega-se que houve violação de uma norma constitucional da Constituição do Estado, o importante é observar se esta norma estadual é, na verdade, uma reprodução obrigatória da norma constitucional federal. Se for, e se houver permissão de manutenção da representação de inconstitucionalidade no TJ, este Tribunal se tornará, evidentemente, o responsável por analisar e interpretar a norma constitucional, violando a atribuição do STF. Então é possível que a lei estadual, atacada por representação de inconstitucionalidade no TJ e por ADI no STF, seja julgada constitucional pelo STF e inconstitucional no TJ? Sim, é possível, desde que a norma de referência que foi utilizada na representação seja de reprodução obrigatória pela Constituição do Estado. Isto é possível porque os Estados têm autonomia para regular determinados assuntos na sua própria Constituição estadual, como é o caso de anistiar servidores públicos estaduais, sem ferir a Constituição Federal. Então, determinada lei poderá ferir estes assuntos e não ferir, por outro lado, a Constituição Federal4. 4 Imagine a seguinte situação: lei estadual obriga a colocação de crucifixo em todas as salas de aula dos colégios públicos estaduais. A Constituição do Estado, em seu art. 3º, diz que não será permitida a manutenção em prédios públicos de qualquer representação ou símbolo religiosos. O Procurador Geral de Justiça propõe, contra a lei, representação de inconstitucionalidade no TJ, alegando ofensa ao referido art. 3º, e o Procurador Geral da República propõe, contra a mesma lei, ADI no STF, alegando ofensa ao art. 19, I, da CF/88. Neste caso, é admissível imaginar que o STF julgue improcedente a ADI, uma vez que o art. 19, I, não pode ser interpretado para proibir qualquer referência, em prédios públicos, de símbolos religiosos, desde que apropriados à crença da grande maioria da população brasileira, como é o caso do cristianismo. Entretanto, também é admissível que a representação de Decreto do Presidente da República pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade? Via de regra, o decreto presidencial apenas regulamenta a lei. Então, é preciso fazer uma análise de legalidade, isto é, uma verificação da compatibilidade do decreto com a lei que o autorizou. Entretanto, determinados decretos, ao invés de regulamentar a lei, na verdade veiculam normas e inovam na ordem jurídica, porque vão além da lei. Nestes casos,o decreto tem uma natureza autônoma (“decreto autônomo”), justamente por não ter regulamentado e sim criado uma nova norma. Vale lembrar que não há autonomia quando o decreto dá outro sentido à lei, mas sim quando ele ultrapassa a regulamentação da Constituição feita pela lei, como ocorre com a Resolução do Senado que, ao invés de suspender apenas a parte da lei declarada inconstitucional pelo STF pelo controle difuso, suspende toda a lei (esta Resolução pode ser objeto de ADI). Importante lembrar, neste tino, que a função normativa é o gênero, de que são espécies: a) a função regulamentar do Executivo; b) a função regimental do Judiciário; e c) a função legislativa do Legislativo (aceitação da classificação material da função normativa, que leva em conta o conteúdo do ato, e não da classificação subjetiva, que considera normativo apenas atos provenientes do Legislativo). Assim, o Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas uma parte dela, que é a função legislativa. Veja um acórdão do STF sobre este caso: “AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA QUE QUESTIONA A CONSTITUCIONALIDADE DE DECRETO ESTADUAL. FUNÇÃO NORMATIVA, REGULAMENTO E REGIMENTO. ATO NORMATIVO QUE DESAFIA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCENTRADO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. ARTIGO 102, INCISO I, ALÍNEA "a", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. REFORMA DO ATO QUE NEGOU SEGUIMENTO À ADI. 1. Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. 2. O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas de uma parcela dela, a função legislativa. 3. Agravo regimental provido” (ADI- AgR 2950/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. Para o acórdão Min. Erro Grau, Pleno, DJ 09-02-2007, p. 16 – neste caso, o Decreto veiculava questões sobre bingos, não permitidas ou previstas em lei, já que as duas Leis que previam a possibilidade de bingos – Lei Zico e Lei Pelé -, haviam sido revogadas). Existe possibilidade de leis revogadas serem objeto de ação direta de inconstitucionalidade? Leis revogadas não podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, como já decidiu o STF. O instrumento adequado seria a arguição de descumprimento de preceito fundamental, especialmente diante de efeitos residuais. No entanto, o próprio Supremo já analisou um caso em que as leis revogadas necessariamente devem constar como objeto da ADI. Isto ocorre quando o objeto da ADI é uma lei que revogou outras leis que tinham objeto idêntico, de modo que o autor da ADI deverá incluir, na ação, não só a lei revogadora, mas também a lei revogada, se ambas trataram da mesma matéria motivadora da insurgência do autor da ação. Veja a passagem do acórdão da ADI 3.148/TO, DJ 28.09.2007: “(...) Ação direta que impugna, não apenas a Lei estadual 1.123/2000, mas, também, os diplomas legislativos que, versando matéria idêntica (serviços lotéricos), foram por ela revogados. Necessidade, em tal hipótese, de impugnação de todo o complexo normativo. Correta formulação, na espécie, de pedidos sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab- rogatório quanto das normas por ele revogadas, porque também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional. Reconhecimento da inconstitucionalidade desses diplomas legislativos não obstante já revogados” inconstitucionalidade no TJ seja julgada procedente, para declarar a lei estadual inconstitucional, em face do dispositivo expresso da Constituição estadual. Veja que não se está analisando se o art. 3º da Constituição estadual é ou não compatível com a Constituição Federal, o que poderia até ser aventado na ADI proposta no STF. O importante, aqui, é verificar que pode existir distinção entre as duas normas de referência para o controle de constitucionalidade (uma federal e outra estadual), que permitam a continuidade de duas ações de inconstitucionalidade (no TJ e no STF), sem prejudicialidade entre elas. Isto ocorre muito em função do efeito repristinatório5 das decisões que concedem cautelares nas ações diretas de inconstitucionalidade, à vista do §2º do art. 11 da Lei 9.868/99 (“A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário”). É dizer: se o STF concede a cautelar contra a lei revogadora, as leis revogadas voltam a ter vigência natural e automaticamente, salvo se o próprio STF disser categórica e expressamente que as leis revogadas não voltarão a ter vigor. Por isso, deve constar como objeto da ADI não só a lei revogadora, mas também aquelas já revogadas, para que ambas sejam declaradas inconstitucionais d.3) “Amicus curiae” e caráter pluralista A figura do “amicus curiae” (amigo da Corte; amigos da cúria) foi prevista no art. 7º, §2º, da Lei 9.868/99: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”. Assim, “amicus curiae” é quem intervém posteriormente no processo abstrato de controle de constitucionalidade, mesmo sem ter sido autor da ação e mesmo sem ter interesse direto na questão, para auxiliar na decisão em face do conhecimento sobre o tema em discussão, inclusive para fazer sustentação oral. Porém, a participação depende de despacho irrecorrível do relator da ação, e os amigos da cúria, apesar de poderem fazer sustentação oral, devem participar de forma objetiva, sem tumultuar o processo, e ainda sem direito de recorrer. A natureza jurídica do “amicus” não se confunde com as hipóteses típicas de intervenção de terceiros do Código de Processo Civil (oposição, nomeação à autoria, denunciação à lide, chamamento ao processo e, também, a assistência, como decorrência lógica). É intervenção de terceiros, porém, uma intervenção atípica, considerada pelo STF, na ADIN 748/RS, como colaboração informal para aperfeiçoamento do processo. Veja que o “amicus” não intervém para beneficiar ou para prejudicar as partes, e sim para beneficiar o Tribunal, daí sua natureza de intervenção atípica de terceiros, verdadeira colaboração informal admitida pela Corte. Houve debate inicial sobre a possibilidade do “amicus curiae” fazer sustentação oral. Hoje, no âmbito do STF, esta possibilidade é aceita pacificamente (ADI-QO 2.675, Relator Carlos Velloso e ADI-QO 2.777, e Emenda Regimental n. 15, que inseriu o art. 131, §3º ao RISTF – Regimento Interno do STF). Também houve discussão sobre o momento da intervenção das entidades que participam na qualidade de amigos da Corte: podem intervir mesmo o julgamento já iniciado? O STF, em sua jurisprudência majoritária, entende que integrantes do processo como "amicus curiae" não podem se manifestar se o julgamento já se iniciou, isto é, após início do julgamento da liminar, não cabe a intervenção (ADI 2.238/DF). Em caso mais recente, entretanto, o STF, na ADI 2.690/RN, possibilitou a manifestação do "amicus curiae" em momento posterior, com nova audiência com a Procuradoria-Geral da República. Não pode o “amicus curiae”, ademais, interpor recurso, nem mesmo embargos de declaração, mesmo que tenha participado do processo fazendo sustentação oral (STF,ADI 3615/PB). A doutrina identifica o “amicus curiae” com o caráter pluralista. Entende que o amigo da Corte dá um caráter pluralista para o processo de controle concentrado de constitucionalidade. 5 A respeito da repristinação e do efeito repristinatório, e suas diferenças, vide p. 97. Gilmar Mendes, em sua recente obra Curso de Direito Constitucional, diz que o caráter plural do controle de constitucionalidade existe em face da participação do “amicus curiae”. Segundo a doutrina, então, o caráter pluralista se confunde com o “amicus curiae”, sendo que este qualifica aquele. Entretanto, ouso fazer uma observação. Entendo que na ADI e na ADC não há necessariamente o caráter pluralista, pois tal caráter só existirá necessariamente nos incidentes de inconstitucionalidade (controle difuso), nos termos dos parágrafos do art. 482 do CPC, incluídos justamente pela Lei 9.868/99, e assim dispostos: “§ 1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal. § 2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar- se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos”. Quando se fala em “caráter pluralista”, é porque um determinado processo terá que conviver com outros atores, além daqueles tradicionalmente identificados como autor e réu. Por isso, este caráter dá a possibilidade da efetiva intervenção de terceiros, que têm o direito de se manifestar por escrito sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos, além do direito de apresentar memoriais e, logicamente, interpor recurso. O juízo, então, sabe que terá que conviver com isso, apesar dos problemas de tramitação processual que isto significa (intimação de todos os participantes, audiência com todos eles sobre documentos juntados, recursos adesivos, memoriais etc.). No “amicus curiae”, o terceiro que inicialmente não participava do processo pode ser admitido para se manifestar, em uma participação objetiva e sem qualquer possibilidade de tumultuar o processo e ainda sem o direito de recorrer. Há, neste caso, amplos poderes do Relator para negar sua intervenção, inclusive por despacho irrecorrível (Art. 7º, §2º, da Lei 9.868/99). Daí porque, como decidiu o STF, “Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos” (STF, ADI-ED 2591/DF). Não há, então, direito para que os “amigos da Corte” participem do processo, ficando todos eles vinculados ao que vai decidir o relator. O mesmo não ocorre com o Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, além dos legitimados para propor a ADI e a ADC (art. 103 da CF/88), no controle de constitucionalidade difuso, já que tal participação não é uma faculdade do relator, e sim um direito destes legitimados, como expressamente dispõe os parágrafos 1º e 2º do art. 482 do CPC. Daí porque entendo que o caráter pluralista só existe no controle difuso, porque neste caso há um direito de participação de terceiros no processo, dando efetivamente um caráter plural, enquanto que no processo do controle concentrado, o caráter plural pode ou não ocorrer, porque não é um fato inevitável que necessariamente caracterizará o processo. No projeto da Lei 9.868/99, o parágrafo 1º do art. 7º tinha a seguinte redação, onde previa o caráter pluralista: “§ 1o Os demais titulares referidos no art. 2o poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais”. Entretanto, este parágrafo foi vetado, e deixou-se apenas o parágrafo 2º, nos seguintes termos: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”. Nas razões do veto, foi dito: “A abertura pretendida pelo preceito ora vetado já é atendida pela disposição contida no § 2º do mesmo artigo. Tendo em vista o volume de processos apreciados pelo STF, afigura-se prudente que o relator estabeleça o grau da abertura, conforme a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes”. Pelo que se denota, o caráter plural pode ou não ocorrer no controle concentrado, porque se o relator deferir a participação de terceiros, na qualidade de “amicus curiae”, haverá o caráter plural no decorrer do processo, e o STF terá que manejar bem os instrumentos processuais e a pauta, para que não ocorra tumulto no julgamento; se o relator indeferir, não haverá o caráter plural, porque o processo só será levado adiante com o autor original da ação e as informações que forem prestadas. No controle difuso, necessariamente haverá que se abrir audiência com os outros interessado, independentemente da decisão do relator. De todo modo, é preciso se render ao que já está praticamente pacificado na doutrina, que entende que o “amicus curiae” dá um caráter pluralista ao controle de constitucionalidade, ficando a observação para efeito de complementação intelectual e afloramento do sentimento crítico do leitor. d.4) Decisão de mérito e decisão cautelar na ADI Existem várias diferenças e limitações para as decisões de mérito e para as decisões meramente cautelares, inclusive com tratamento legal (Lei 9.868/99). Resumo: a) a cautelar só pode ser concedida pelo STF, não havendo aqui o mesmo tratamento nas cautelares concedidas pelos demais processos, onde o relator poderá conceder, em agravos de instrumento, por exemplo. A única hipótese em que o relator poderá conceder a cautelar, no processo de controle concentrado, é quando o STF estiver de recesso (art. 10, Lei 9868/99) (na arguição de descumprimento de preceito fundamental a liminar pode ser concedida em período de recesso e também em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, conforme art. 5º, §1º, da Lei 9.882/99); b) a decisão cautelar tem eficácia “erga omnes”, mas “ex nunc”. Esta é a regra. O STF poderá, entretanto, emprestar força retroativa à cautelar (“ex tunc”); c) para a decisão cautelar, não é obrigatória a ouvida prévia do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. Eles só serão ouvidos, no prazo de três dias, quando o relator julgar esta providência como indispensável (art. 10, §1º); d) a decisão cautelar só terá efeito depois da publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça da União (STF, ADI-QO 711/AM); e) a decisão cautelar produz efeito repristinatório implícito/automático (art. 11, §2º), tornando aplicável a lei revogada pela lei considerada inconstitucional. Difere, portanto, do instituto da repristinação (neste caso, a lei revogada só se aplica se houver disposição expressa, e na cautelar só não se aplica se houver disposição expressa). É por isso que a doutrina entende que a declaração de inconstitucionalidade na cautelar retira a vigência da lei inconstitucional e também a validade; f) a cautelar tem efeito vinculante, suspendendo a vigência da lei e dos julgamentos que estejam ocorrendo
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