Buscar

O SURDO EM QUESTÃO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

O SURDO EM QUESTÃO: ANÁLISE DO FILME "E SEU NOME É JONAS"
No filme E seu Nome é Jonas, assistimos ao drama de uma família que precisa aprender a lidar com as diferenças, quando um dos filhos, Jonas, que é surdo-mudo, retorna para a casa, depois de passar sua vida em uma instituição que acolhe os mais variados tipos de deficiência, tendo sido diagnosticado como um “retardado mental”. Aqui, cabe um paralelo entre o percurso de Jonas e o percurso dos surdos ao longo da história, haja vista que, como o surdo na civilização greco-romana, Jonas é considerado um retardado. Segundo Moura, “os surdos eram tidos como incapazes de gerenciar os seus atos, perdiam a sua condição de ser humano e eram confundidos com o retardado. Até o século XVIII, eles não podiam se casar” (MOURA, 2000, p. 16).
No filme, a primeira tentativa de inserção social do menino pelos pais já demonstra o início das dificuldades que terão de enfrentar em virtude de suas diferenças, como, por exemplo, na cena em que Jonas começa a dançar animadamente ao ver os outros dançarem e, mesmo quando a música é interrompida, continua dançando – o que atrai a atenção e causa certo mal-estar nas pessoas presentes.
A não-aceitação de sua diferença pela família, que insiste em se comunicar com ele através da fala, refletir-se-á também quando os seus pais vão buscar tratamento em um instituto para surdos, que tem como política a oralização. Em tal instituto, não é permitido o uso de sinais e gestos, pois, segundo os “médicos”, ao utilizarem sinais, “os surdos se tornam preguiçosos para ler os lábios e tentar usar a língua”, além disso, “quando crescer, [ele] só poderá falar com surdos”. É possível fazer uma analogia com as doutrinas de Ponce de León e de Juan Pablo Bonet, que tinham como pressuposto “ensinar os surdos a falar”. No filme, na tentativa de oralização, Jonas passa a usar um enorme e ridículo aparelho de surdez – o que causa certa apreensão do pai em relação às convenções sociais, chegando a dizer: “os meninos vão zombar dele”. Isso demonstra que, como se não bastasse o sofrimento por não possuir um dos mais importantes dos cinco sentidos, a audição, os surdos ainda têm de enfrentar o preconceito e a ignorância de pessoas que não sabem lidar com as diferenças.
Ademais, a ineficiência do tratamento a que Jonas é submetido deve-se, principalmente, à razão de que não é levada em consideração a própria condição do surdo, uma vez que há a insistência em se comunicar com o menino através da fala – como, se por repetição mecânica, o surdo de repente começasse a escutar e, por conseguinte, a falar. É preciso entender que a condição do surdo é sim uma condição diferenciada. Mesmo o seu irmão apercebe-se disso, na cena do almoço quando Jonas reluta em comer as ervilhas, não obstante tente tirar vantagem, dizendo que “se Jonas pode, ele também pode”.
Assim, uma cena paradigmática é aquela em que o irmão apresenta a Jonas as histórias em quadrinhos, bem como um boneco do Homem-Aranha – o seu grande herói. Diante da monstruosidade do boneco, Jonas assusta-se, pois desconhece o legado cultural que construiu a imagem do Homem-Aranha como um grande herói. Vale ressaltar que toda a nossa Cultura é-nos transmitida por meio das linguagens oral e escrita, portanto, aquele que é incapaz de assimilar tal linguagem está fadado a não compreendê-la. Isso se acentua quando Jonas destrói o brinquedo, colocando-o no forno. Contudo, os seus pais insistem no método anacrônico do instituto, que consiste na prática e repetição da fala. Mas, como era de se esperar, Jonas obviamente não compreende quando sua mãe lhe repete o seu nome – uma vez que isso é feito verbalmente.
Nesse sentido, ressalta-se que boas intenções não são o suficiente, porque, por exemplo, na cena em que o pai insiste em que Jonas aprenda baseball – como todo menino norte-americano –, sem que este consiga ao menos rebater a bola, fica evidente a frustração pelo fato de o filho não corresponder às suas expectativas. Não aceitando as diferenças e limitações do filho, o pai tenta inseri-lo em práticas comuns aos outros meninos, mas fracassa. Também decorrente desse comportamento, é quando presenteia Jonas com uma bicicleta, o que causará um acidente – pois ele não escuta a buzina do carro e quase é atropelado. Antes disso, no entanto, mesmo a mãe mostra-se incapaz de se comunicar de maneira efetiva com o filho, haja vista que, quando Jonas avista um carrinho de cachorro de quente e insiste em levar a mãe até lá, ela não compreende o seu desejo. Logo, por não conseguir expressar-se, torna-se agressivo com ela – que se sente impotente e culpada por não conseguir realmente ajudar o filho e corresponder às suas necessidades.
Todavia, é do pai que vem o pior comportamento, pois, por vergonha do filho, começa a chamá-lo de retardado – o que causa a ira da esposa. Isso se evidencia, no episódio da festa de aniversário de Jonas, pois o menino não compreende que a festa é para ele, pois, como já foi dito anteriormente, desconhece todos os rituais culturais que são transmitidos pela linguagem verbal. Por não aceitar isso, o pai diz: “Jonas não sabe se comportar numa festa. Ele não sabe o que é aniversário. Ele não é normal. (…) Ele não pode ouvir, não pode falar, não pode pensar, ele não é uma pessoa normal.” Ora, essa visão não é nova, pois já na antiguidade clássica, “Aristóteles considerava que a linguagem era o que dava a condição de humano para o indivíduo. (…) Para ele, também, o Surdo não tinha possibilidade de desenvolver faculdades intelectuais” (MOURA, 2000, p. 16). Segundo essa visão anacrônica, a linguagem verbal é que expressava o pensamento, logo, uma vez que o surdo não sabia dispor dela, não pensava. De fato, os surdos não se utilizam da linguagem verbal, mas isso não significa que não consigam pensar. Sua linguagem é outra: a não-verbal – que pode ser tão eficiente quanto a outra.
Não suportando a diferença do filho, o pai abandona a casa, deixando a esposa sozinha para cuidar de duas crianças. Ela, no entanto, continua lutando para “que Jonas seja igual a qualquer menino”, e, no instituto, observa, pela primeira vez, um casal comunicando-se através da língua de sinais. Uma instrutora de surdos apresenta a ela, através dos livros, os mais variados métodos e teorias sobre a surdez. Ela, então, começa a perceber que existem maneiras diversas de lidar com a surdez, não precisando submeter o filho aos rígidos e obsoletos métodos do instituto.
Outra cena paradigmática do filme, é quando Jonas observa o avô infartando e morrendo. Ele não compreende o que aconteceu, embora tenha ficado um pouco assustado. Sua mãe chega, inclusive, a dizer: “seus olhos captam tanta coisa, mas nunca consegue botar para fora.” Trata-se, no entanto, de adequar uma linguagem à condição de Jonas, e não tentar impor a oralidade – eis o principal erro da mãe ao longo do filme. Mas, em relação à morte do avô, por não compreender o que se passou, Jonas foge de casa pela manhã e vai ao seu local de trabalho. Ao ver que o avô não está lá, ele foge assustado e perde-se no caminho de volta. Em seguida, é encontrado por policiais que o levam a um hospital, onde ele será amarrado por estar descontrolado. Isso penaliza sobremaneira a mãe e será este o seu ponto de inflexão, pois daí em diante ela aceita a diferença do filho, admitindo: “ele não é igual a nós, nunca será igual a nós.”
Diante disso, ela toma uma resolução: Jonas aprenderá a língua de se sinais. Ela procura um casal de surdos para ajudá-la a ensinar a língua de sinais para o filho. Começa então um novo estágio na vida de Jonas. Em um clube frequentado por surdos, ela perceberá, também, que surdos são diferentes, não são todos iguais. Logo, é preciso observar que todos, sejam ouvintes ou surdos, possuem diferenças entre si, mas que é necessário aprender a aceitá-las. Ela também começa a aprender a língua de sinais para se comunicar com o filho, e finalmente admite: “Fingia que ele não era surdo, que era igual aos outros. (…) Cabe a nós ajudá-loa viver na surdez.” De fato, é possível fazer novamente um paralelo entre o percurso de Jonas e o do surdo através da história, pois, depois de tantos educadores que lidaram com a surdez, mas sempre defendendo a oralização, como Ponce de León, Bonet, Rodrigues Pereire, Anman, John Wallis e Thomas Braidwood, finalmente o Abade de L'Épée reconhecerá os méritos da língua de sinais. Depois de L'Épée, os educadores começam, aos poucos, a se render “ao fato de que o Surdo só pode ser educado através da Língua de Sinais” (MOURA, 2000, p. 27). No filme, opera-se essa mesma evolução: primeiramente, o surdo é considerado um deficiente mental; depois, há a tentativa de educá-lo pela oralização; por fim, ele começa a ser educado pela língua de sinais. No final, Jonas começa a aprender a língua de sinais, começa a afirmar a sua diferença e a ser, nesse sentido, como todos os outros; inclusive, percebe que é possível amar – quando conhece uma menina na última cena do filme. Quando finalmente a sua diferença é aceita, Jonas começa a levar uma vida normal.
REFERÊNCIAS
E SEU NOME É JONAS. Telefilme dirigido por Richard Michaels e escrito por Michael Bortman, 1979.
MOURA, Maria Cecília de. O Surdo: Caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter; São Paulo: FAPESP, 2000.

Outros materiais