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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA

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VOLUME 2 – ANO 6 – 2007
www.cebri.org.br
A BIODIVERSIDADE COMO 
RECURSO ESTRATÉGICO: UMA 
REFLEXÃO DO ÂNGULO DA 
POLÍTICA EXTERNA
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
1
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO 
ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
ADRIANA SADER TESCARI1
EVERTON VIEIRA VARGAS2
1 Adriana Sader Tescari é diplomata e foi negociadora do Brasil nas discussões sobre Biodiversidade (2003–
2006). Atualmente é Cônsul Geral Adjunta no Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires.
2 Everton Vieira Vargas é diplomata. Atuou como negociador do Brasil na Conferência do Rio em 1992 e foi 
Diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty (2001–2005). Atualmente é Sub-
secretário Geral Político I do Ministério das Relações Exteriores.
2
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
3
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
Introdução
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a consciência dos efeitos danosos da 
exploração predatória da natureza tem aumentado e provocado intensos debates 
sobre o papel da sociedade, não apenas na conservação do meio ambiente, mas 
igualmente no uso sustentável de recursos ambientais, como a biodiversidade.
Recentes fenômenos, como o derretimento das calotas polares, o avanço da 
desertifi cação e as alterações nos regimes de chuvas – apenas para citar alguns 
– parecem mostrar que a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer 
para superar práticas que desequilibram o delicado arranjo em que se baseia a 
convivência entre o homem e a natureza. 
A partir de pesquisas científi cas, constataram-se os efeitos globais das ações 
humanas e as necessidades da natureza. Há hoje maior conscientização de que o 
ser humano é parte da natureza. A sustentabilidade, como aquilo que coordena as 
ações do homem e as necessidades da natureza, surge como o valor que garante a 
possibilidade da construção de um sentido sólido para as ações humanas.
O despertar da consciência universal sobre os efeitos amplos das ações hu-
manas consubstanciou-se na defi nição de princípios e regras coletivas, nos planos 
local e global, com o fi m de regular a proteção do meio ambiente, o uso dos recur-
sos naturais e os rumos do desenvolvimento econômico e social. Esse objetivo de 
assegurar a sustentabilidade por meio de um exercício negociado de disciplinar 
a conduta da sociedade, tem sido um ponto de infl exão importante na compreen-
são da relação entre o homem e a natureza.
Em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão Mun-
dial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland), cunhou a 
expressão “desenvolvimento sustentável” – o desenvolvimento que atende às ne-
cessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras, de 
atender às suas próprias necessidades. O argumento central do Relatório preco-
nizava internalizar a dimensão ambiental nas decisões sobre o desenvolvimento, 
várias de suas propostas foram incorporadas e ampliadas na histórica negociação 
que levou à adoção da Agenda 21, pela Conferência do Rio, em 1992, cujo para o 
êxito a diplomacia brasileira teve papel central. 
A noção de sustentabilidade tem uma conotação claramente ecológica. Ela 
foi tomada pelo movimento ambientalista, nos anos 60, por empréstimo às ciên-
cias biológicas, com vistas a defi nir condições para a preservação de recursos na-
turais renováveis, como fl orestas ou recursos vivos marinhos. O conceito de sus-
tentabilidade realça os constrangimentos e as oportunidades ecológicas e sociais 
que a natureza oferece às atividades humanas.1 
Embora o desenvolvimento sustentável seja um objetivo a ser alcançado por 
1 LÉLÉ, 1991, p. 607-621.
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
todas as sociedades, há que se considerar as dimensões históricas, econômicas e 
culturais que estão na raiz dos esforços para sua implementação. No plano polí-
tico, as discussões na Comissão Brundtland e as negociações da Conferência do 
Rio evidenciaram ser essencial considerar que a implementação de práticas mais 
sustentáveis não pode converter-se em instrumento para consagrar distorções ou 
congelar assimetrias. A utilização política do fato de vivermos em conjunto num 
mesmo planeta pode ser enganosa, essas diferenças e assimetrias requerem ações 
em graus distintos.
Nesse contexto, o princípio das responsabilidades comuns, porém diferen-
ciadas, dos Estados, consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e 
Desenvolvimento e na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do 
Clima, procura conciliar a dimensão de eqüidade com o desafi o de considerar a 
sustentabilidade como um valor compartilhado entre sociedades, em diferentes 
estágios de avanço econômico, tecnológico e social.
No Brasil, as fl orestas, os rios, o mar, os recursos pesqueiros, o clima com-
binam-se de forma única para proporcionar ao País riqueza capaz de defi nir o 
seu futuro em matéria de bem-estar e de avanço econômico. A biodiversidade, 
em especial, encerra um potencial que precisa ser convertido em investimen-
tos, em desenvolvimento tecnológico, em produtos ambientalmente mais saudá-
veis e em melhor qualidade de vida para a população. Essa realidade determina 
aspectos importantes no que tange à inserção internacional do País. Os recursos 
biológicos e genéticos são centrais para a defi nição da nova “geo-economia”, a 
qual, com o aprofundamento da Globalização, passou a ser um fator estruturante 
da ordem internacional. Estima-se que o Brasil abrigue entre 20 e 25% do total 
mundial daqueles recursos, distribuídos em seis biomas (Amazônia, Cerrado, 
Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa), o que lhes empresta um caráter 
estratégico, seja para o desenvolvimento nacional, seja para nossa atuação nas 
discussões internacionais sobre meio ambiente. 
A atuação brasileira nas negociações sobre essas questões tem como dire-
triz a percepção de que a sustentabilidade, mais do que um conceito político ou 
ecológico, é um valor a ser incorporado universalmente e que deve estar na base 
da cooperação entre os Estados. A sustentabilidade representa um afastamento da 
percepção de que o desenvolvimento deve ser buscado a qualquer preço, ou que 
ele possa ser condicionado para algumas sociedades e não para outras. Ao contrá-
rio, aquelas nações que desfrutam de maior satisfação são as que devem tomar a 
liderança na busca de padrões de produção e consumo, mais consentâneos com 
a manutenção do equilíbrio ecológico. Os recursos naturais sempre foram vistos 
como elementos de base para a promoção do desenvolvimento econômico, tecno-
lógico e social do Brasil. A consciência do valor desses recursos e a importância 
de sua conservação e uso sustentável fundamentam a abordagem das questões 
relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento pela Política externa brasileira.
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ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
Importância do Tema Ambiental para a Política Externa
A negociação internacional não se esgota na relação entre as nações: afeta e é 
afetada também pelos custos e benefícios que podem gerar no âmbito doméstico, 
bem como pela sensibilidade demonstrada pela opinião pública à dimensão inter-
nacional das questões objeto de negociação. Se os ajustes internacionais podem in-
duzir alterações nos comportamentos internos, da mesma forma as alterações nas 
percepções internas podem abrir novas possibilidades para o aprofundamento da 
inserção internacional, a geração de novas fontes de cooperação e o estímulo à pro-
cura de novos mercados, para bensproduzidos no país. Com efeito, o papel dos 
fatores internos e externos na atuação diplomática não são excludentes nem com-
plementares, mas guardam relação de simultaneidade e de mútua alimentação.2
A abordagem dos temas de Política externa tende a centrar-se, tradicional-
mente, nas infl uências exógenas que condicionam o comportamento dos Estados 
na cena internacional. Isso não signifi ca, entretanto, um desprezo pelas variáveis 
internas. Os manuais de relações internacionais são claros, ao discutirem a ques-
tão dos seus níveis de análise e em reconhecerem as dimensões interna e externa 
para a ação diplomática e internacional. Problemas, pressões e desafi os externos 
repercutem no processo decisório interno com refl exos importantes na atitude dos 
Estados em suas tratativas internacionais; por outro lado, as questões internas estão 
na origem de possíveis alternativas para o comportamento externo: os efeitos dos 
fatores domésticos extrapolam o processo de formação dos interesses para afetar a 
estratégia e os resultados da ação externa.
A Política interna tem impacto na mobilização pelo Governo de todos os re-
cursos necessários à defesa de seus interesses no plano externo. De acordo com o 
que é manifestado internamente, será calibrada a ação ou a resposta do Estado no 
plano internacional. 
A complexidade e a amplitude do tema do meio ambiente resultam em parti-
cipação de variada gama de atores nacionais, uma vez que a questão não é apenas 
ambiental. O resultado das importantes negociações nesse domínio tem impacto no 
desenvolvimento econômico do País, na indústria nacional, na agricultura, na saú-
de e até na defesa, pois essas discussões podem repercutir na autonomia decisória 
e no exercício da soberania nacional. Essa característica resulta em participação de 
diversos setores governamentais e não-governamentais que, a partir da defesa dos 
interesses que representam, buscam encontrar posição comum, sob a coordenação 
do Ministério das Relações Exteriores. 
É mediante essa ampliação do debate com as forças políticas e sociais, da 
verifi cação das concordâncias e das divergências, que a diplomacia pode melhor 
expressar o interesse nacional nas mesas de negociação. No tema ambiental, a so-
ciedade civil tem se manifestado de forma crescente, seja por meio de organizações 
2 EVANS, Peter B. Building an Integrative Approach to International and Domestic Politics: refl ections and 
projections. In EVANS, Peter et alii (editors), 1993, p. 397.
6
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
não-governamentais de defesa do meio ambiente, seja por meio de entidades de 
representação do setor privado, seja ainda por organizações representativas das co-
munidades indígenas e locais. A participação do setor privado e das comunidades 
indígenas e locais demonstra o potencial e a importância econômica e estratégica 
dos recursos ambientais. 
A presença em grande escala e com imensa diversidade, de recursos biológi-
cos no Brasil constitui referência para a Política externa brasileira. Pensar o desen-
volvimento do País pressupõe considerar os recursos biodiversos como fonte para 
a geração de empregos e de renda, assim como de avanço tecnológico. O fato de 
aqueles recursos estarem localizados numa área geográfi ca extensa, com situações 
hidrológicas e climáticas diversifi cadas e ímpares, faz com que o engajamento em 
discussões internacionais que a afetem demande considerar os interesses existentes 
na formulação da posição externa do País. No caso da Amazônia, acresce o fato de 
que a incidência dos recursos biológicos e genéticos é atravessada por longa faixa de 
fronteira com outros sete países sul-americanos, e está relacionada à presença de co-
munidades indígenas e locais, com diferentes graus de isolamento e diversas formas 
de organização social e política, detentoras de importante conhecimento tradicional 
associado.
A velocidade da integração das atividades econômicas na esfera global e a 
natureza transfronteiriça dos desafi os colocados pela degradação do meio ambiente 
têm sido utilizadas como justifi cativa para questionar a atualidade da noção de so-
berania dos Estados ou da adequação de Princípios de Direito Internacional, como 
o da não-ingerência e o da responsabilidade dos Estados, normas estas que estão na 
base de sustentação do sistema internacional. Essa atitude deixa de considerar que 
a propensão para uma maior interdependência entre as nações ocorre ao mesmo 
tempo em que persistem ou se aprofundam, as assimetrias entre as nações ricas e 
pobres, e se afi rma o papel dos Estados por meio de ações coletivas no plano inter-
nacional. A Rio-92 procurou defi nir meios e modos para matizar essas assimetrias 
mediante a afi rmação da importância da provisão pelos países ricos de recursos fi -
nanceiros novos e adicionais e da implementação de modalidades inovadoras para 
a transferência de tecnologia, inclusive em bases não comerciais.
No contexto internacional, a biodiversidade e as fl orestas estão há alguns anos 
na linha de frente do debate. Tal saliência decorre da compreensão, por parte de to-
dos os países, da importância desses recursos como matéria prima para a agricultu-
ra, a alimentação, a medicina, o vestuário, a habitação, entre outros. Paralelamente, 
o descompasso entre a disponibilidade de recursos naturais e a intensidade de sua 
exploração e utilização para fi ns econômicos, associadas ao emprego da tecnologia, 
realçou a necessidade de que os padrões de desenvolvimento fossem sustentáveis. 
Subjacente a essa ênfase está “a compreensão de que em adição às condições ecológi-
cas, ou em conjunção com elas, há conjunturas sociais que infl uenciam a sustentabi-
lidade ecológica ou a insustentabilidade da interação entre o homem e a natureza”.3 
3 LÉLÉ, 1991, p.609.
7
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
A Discussão Internacional sobre Florestas
No debate internacional, o Brasil confere especial signifi cado ao tema fl o-
restas, pois esse reúne questões de extrema relevância, como a conservação da 
biodiversidade, a proteção dos recursos hídricos, o equilíbrio do sistema climá-
tico, a promoção do desenvolvimento sustentável e a defesa da repartição justa 
e eqüitativa dos benefícios resultantes da utilização de recursos genéticos e de 
conhecimentos tradicionais associados a estes. 
A partir do fi nal dos anos 80, com a maior preocupação com as taxas de 
desmatamento no mundo e a perspectiva do aumento das concentrações de gases 
de efeito estufa na atmosfera, em especial de Dióxido de Carbono, a situação das 
fl orestas passou a receber especial atenção por parte dos Governos, da socieda-
de civil e das organizações internacionais. Essa atenção foi despertada por duas 
conseqüências associadas à possibilidade de perda das fl orestas: a elevação da 
temperatura no planeta, com importantes repercussões não só para o regime cli-
mático, mas também para atividades econômicas e para a manutenção do nível 
dos mares; e o desaparecimento de espécies vegetais e animais
Por ocasião da preparação da Conferência do Rio, os países em desenvol-
vimento, em especial Brasil, Índia, Malásia e Gabão, lograram evitar a pressão, 
sobretudo da parte dos países desenvolvidos, no sentido de se negociar uma 
convenção de fl orestas de cunho marcadamente conservacionista e baseada em 
uma perspectiva que enxergava as fl orestas não como um território sobre o qual 
os Estados exercem jurisdição, mas como recurso comum de todos. Essa visão 
foi neutralizada pela atuação concertada dos países em desenvolvimento no Co-
mitê Preparatório da Rio-92. A Conferência do Rio adotou, então, as ações para 
combate ao desmatamento incluídas na Agenda 21 e a Declaração de Princípios 
sobre Florestas. Ambas conferiram um tratamento integrado à temática fl orestal 
incluindo, além do aspecto da conservação, aqueles referentesao manejo e ao 
seu desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 e a Declaração de Princípios são 
documentos políticos cujos compromissos não implicam a obrigatoriedade de al-
teração da Legislação Nacional, mas exprimem a vontade política dos Estados de 
trabalharem para o cumprimento de seus objetivos.
O estabelecimento, a partir de 1995, por proposta do Brasil, de um diálogo 
internacional estruturado sobre fl orestas representou uma saída para evitar que 
as pressões internacionais nessa matéria se fragmentassem e, mediante decisões 
que não envolvessem a comunidade internacional como um todo, resultassem 
em fechamento de mercados internacionais ou em aumento de condicionalidades 
para o acesso a recursos fi nanceiros e tecnologia, ingredientes essenciais para a 
adequada implementação das decisões tomadas na Rio-92. Esse diálogo ocorreu, 
inicialmente, no âmbito do Painel Intergovernamental de Florestas (IPF), cujo re-
latório foi apresentado em 1997. Tendo em vista que várias matérias abordadas 
pelo Painel careciam de consenso ou de exame mais detido pelos Governos, a 
Comissão de Desenvolvimento Sustentável estabeleceu, naquele ano, o Foro In-
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
tergovernamental de Florestas (IFF), cujas Propostas para Ação, aprovadas no 
ano de 2000, levaram ao estabelecimento do Foro de Florestas das Nações Unidas 
(UNFF) pela Resolução 2000/35, do seu Conselho Econômico e Social (Ecosoc).
Ao ser conferido ao Painel de Florestas um mandato sufi cientemente am-
plo, procurou-se equilibrar aspectos relativos à proteção ambiental (redução do 
desmatamento, ampliação da cobertura fl orestal) com questões econômicas (por 
exemplo, valoração, uso de instrumentos econômicos), comerciais (acesso a mer-
cados), sociais e culturais (proteção dos conhecimentos tradicionais). Essa visão 
continua a balizar a atuação brasileira no âmbito do Foro das Nações Unidas so-
bre Florestas.
O resultado mais evidente do acerto na criação do Painel e, posteriormente, do 
Foro foi a constatação da difi culdade de se obter consenso em torno do conteúdo dos 
elementos que deveriam compor uma possível convenção de fl orestas. É preciso 
ter presente que a praxe nos foros multilaterais é que, em temas com repercussões 
econômicas, busque-se o consenso como elemento vital para qualquer negociação 
que almeje criar um regime jurídico específi co. Todavia, a ausência dessa unani-
midade no que se refere à negociação de um acordo sobre fl orestas fez com que os 
trabalhos do Foro se centrassem em quatro pontos:
a) “promover e facilitar a implementação das propostas de ação acordadas 
 pelo Painel;
b) rever, acompanhar e informar sobre o progresso na gestão, conservação 
 e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de fl orestas;
c) considerar questões pendentes em relação aos elementos examinados 
 pelo Painel, em especial no que tange ao comércio de produtos e serviços 
 fl orestais, transferência de tecnologia e necessidade de recursos fi nanceiros;
d) identifi car elementos e trabalhar por um consenso em torno de arranjos e me- 
 canismos, por exemplo, um instrumento internacional juridicamente vincu- 
 lante”4.
Para o Brasil, o diálogo internacional sobre fl orestas no âmbito do Foro é 
importante para estreitar a cooperação internacional sobre o tema. Além da re-
novação do mandato do UNFF, foi adotado, em 2007, instrumento juridicamente 
não-vinculante sobre todos os tipos de fl orestas, que deverá apoiar os trabalhos 
do Foro, bem como incentivar os países a adotarem políticas e medidas que pro-
movam a conservação e o manejo fl orestal sustentável. O Brasil não está conven-
cido de que a criação de uma nova estrutura burocrática e institucional, que natu-
ralmente decorrerá da adoção de uma convenção, possa ter o condão de gerar, nos 
Estados que venham a esta aderir, a vontade política e as condições necessárias 
para um tratamento mais integrado e adequado da complexa gama de dimensões 
presentes na equação fl orestal.
A questão do desmatamento, em especial, freqüentemente ganha realce na 
4 Vide documento A/S-19/29, anexo, parágrafo 40.
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ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
imprensa e nas discussões sobre meio ambiente. Trata-se de uma questão com-
plexa, cuja solução não comporta uma resposta única. Conforme avaliou o Painel 
Intergovernamental de Florestas, “é importante considerar dimensões históricas 
e aprender com a experiência. Muitos dos fatores causadores do desmatamento 
têm caráter econômico e social”. O Painel também apontou entre as causas poten-
ciais de desmatamento os padrões vigentes de produção e consumo; questões re-
lacionadas com a posse da terra; corte e comércio ilegal de madeira; práticas agrí-
colas insustentáveis; demanda por madeira como fonte de energia; mineração; 
exploração petrolífera; alterações climáticas e incêndios; discriminação comercial 
e práticas comerciais distorcidas; falta de políticas adequadas para investimentos; 
preços não remuneratórios para produtos e serviços fl orestais e para produtos 
agrícolas; pobreza e pressões demográfi cas.5 
Nas discussões desse tema, no plano internacional, há que distinguir dois 
aspectos importantes: de um lado, o combate ao desmatamento requer uma ação 
nacional coordenada, envolvendo governo, sociedade civil e setor privado, para 
a implementação de medidas que revertam um quadro de perda do patrimônio 
fl orestal; de outro, há aspectos de natureza eminentemente global em que a ação 
nacional, embora necessária, não é sufi ciente para corrigir as causas do desmata-
mento. No primeiro caso, incluem-se medidas que estão no âmbito da jurisdição 
interna do Estado, cujos efeitos apenas nela se fazem sentir, mas que, às vezes, em 
decorrência da escassez de meios, podem ser apoiadas pela cooperação interna-
cional; no segundo caso, incluem-se ações que, executadas na jurisdição interna 
de cada Estado, têm efeitos cumulativos que podem alterar padrões de compor-
tamento, de uso ou de exploração dos recursos fl orestais e dos bens ou serviços 
associados a eles.
O Brasil, nos últimos anos, tem conhecido resultados concretos e promis-
sores no combate ao desmatamento6. Esse esforço combinou a concentração de 
políticas em diferentes setores com a cooperação internacional. Internamente, 
houve alocação de recursos orçamentários signifi cativos para ações de comando 
e de controle e para medidas de regularização fundiária e de criação de áreas de 
preservação e de exploração sustentável. Destaque-se também o investimento em 
bens e serviços de alta tecnologia. Esse investimento traduziu-se em um sofi sti-
cado monitoramento da fl oresta por meio do Sistema de Vigilância da Amazônia 
(Sivam) e do Projeto de Monitoramento do Desfl orestamento na Amazônia (Pro-
des) e no programa Deter, que utilizam imagens geradas pelo satélite sino-brasi-
leiro de recursos terrestres (CBERS). A parceria Brasil-China no desenvolvimento 
dessa família de satélites é um dos testemunhos mais eloqüentes dos resultados 
que podem ser derivados da cooperação Sul-Sul em setores estratégicos, como o 
da tecnologia espacial.
Outro termo importante da equação fl orestal são os recursos biológicos. A 
5 Vide documento E/CN.17/IFF/1998/10.
6 Em 2004, a taxa de desmatamento na Amazônia foi de 27.429 km2. Em 2005, essa taxa recuou para 18.793 km2 
e em 2006 para 14.039 km2. Para 2007, a estimativa era de que a taxa fi casse entre 9.500 km2 e 10.500 km2. (Fonte: 
Inpe)
10
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
conservação desses recursos estratégicos para toda uma gama de indústrias com 
alto efeito multiplicador em termos de produção e emprego de alta tecnologia, 
bem como para assegurar a sobrevivênciados ecossistemas está intimamente re-
lacionada com o combate ao desmatamento e às práticas predatórias de explora-
ção dos recursos fl orestais. A extensão e as condições biofísicas da fl oresta tropical 
brasileira, ao mesmo tempo em que a torna habitat de uma riqueza singular em 
termos de espécies biológicas, com elevado índice de endemismo, colocam para o 
País responsabilidades e desafi os, sem par em outras regiões do mundo, quanto 
as políticas para sua conservação e utilização, bem como sobre os rumos que deve 
tomar a cooperação internacional. O resultado desse cenário é a necessidade de 
se dar ao tema das fl orestas uma abordagem integrada, tanto no plano interno 
quanto no internacional, que reconheça as interrelações entre capacitação, uso de 
tecnologias apropriadas, redução de custos e de desperdício, acesso a mercados 
e usos de instrumentos econômicos e fi nanceiros, de maneira a prover o manejo 
sustentável de fl orestas com a competitividade de que necessita.
A Biodiversidade
Como anteriormente destacado, os recursos biológicos, aí compreendidos 
como os genéticos, são um patrimônio estratégico do País. Como assinala o Pri-
meiro Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica7, citando 
estudos de organizações estrangeiras, o Brasil é “o país de maior megabiodiversi-
dade do Planeta, entre os dezessete que reúnem 70% das espécies vegetais e ani-
mais”. Tal se deve não só ao número de espécies aqui encontradas, mas também 
ao seu grau de endemismo. E nesse particular, a Amazônia ocupa um lugar de 
destaque, ao concentrar um volume considerável dessas espécies. Setores como 
o fl orestal, o pesqueiro e o farmacêutico, apenas para lembrar os mais evidente-
mente associados aos recursos biológicos, também traduzem em emprego, renda 
e investimento os benefícios auferidos com a exploração e com a utilização da 
biodiversidade.8 Todavia, a relação entre recursos biológicos e setores industriais 
não é unívoca: ela passa pela intermediação do conhecimento acumulado pelos 
povos que tradicionalmente fi zeram uso dos recursos biológicos, seja para fi ns 
terapêuticos, alimentares ou agrícolas. 
O aspecto estratégico dos recursos biológicos é inerente a eles, em função de 
duas propriedades que possuem: a de se reproduzirem e se multiplicarem con-
servando suas características; e a de, mediante um processo de seleção, se trans-
formarem e evoluírem. Essas duas propriedades paradoxais entre si adquirem 
grande signifi cado econômico, em especial com o que lhes é agregado ou deles 
7 Os Estados-Parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) apresentam, com base no artigo 26 
da Convenção, relatórios nacionais sobre medidas para implementação e a efetividade dessas medidas. 
Os três relatórios brasileiros (elaborados em 1998, 2002 e 2005) estão disponíveis na página da Convenção 
www.biodiv.org.
8 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL, 1998, 
pp. 12 e 21-22.
Priscila
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ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
derivado como conseqüência da aplicação do conhecimento científi co. Exemplo 
disso é a extraordinária revolução por que passou a Biologia nos últimos 50 anos, 
cujo ápice foi a decifração do Código Genético e suas aplicações práticas a partir 
dos anos 70. A investigação em torno da biodiversidade se traduz em conheci-
mento fundamental, que se transforma com poderosa capacidade de imantação 
para outros ramos da ciência. O crescente conhecimento da biodiversidade propi-
cia mapear com sofi sticação a estrutura dos ecossistemas onde ocorrem, a ponto 
de possibilitar a estimativa das populações de espécies individuais e das condi-
ções sob as quais crescem e se reproduzem.9
A exploração desses recursos, entretanto, especialmente nas áreas de fl oresta 
nativa, como é o caso da Amazônia, ainda enfrenta obstáculos importantes. A su-
peração desses obstáculos depende de uma combinação entre políticas públicas e 
investimentos privados voltados para sua exploração sustentável. Cumpre deixar 
de ver o recurso natural como um estoque e encará-lo como um capital a ser valo-
rizado. Isso implica considerar os aspectos relacionados com a valoração de bens 
e serviços não incluídos no mercado em seus mecanismos de operação. Muitos 
desses bens e serviços são considerados como externalidades, o que faz com que 
seu custo ou benefício não seja considerado na avaliação geral das ações daqueles 
engajados na exploração. Assim, embora o valor da madeira seja determinado 
pelo mercado segundo regras econômicas de conhecimento geral, o mesmo não 
é possível dizer em relação, por exemplo, à biodiversidade, ou a valores de lazer 
que podem estar embutidos na existência das fl orestas, a menos que incentivos 
adequados sejam estabelecidos no sentido de internalizar valores externos asso-
ciados à exploração, difi cilmente as comunidades diretamente dependentes dos 
recursos naturais para sua sobrevivência serão estimuladas a promover o manejo 
sustentável.
As políticas públicas para o manejo sustentável pressupõem “uma nova es-
tratégia de desenvolvimento, centrada no respeito à diversidade interna, na arti-
culação das dimensões econômica, social e ambiental e na redução dos confl itos 
e desigualdades regionais”.10 A implementação dessas políticas demanda provi-
dências com repercussões institucionais, econômicas, tecnológicas, educacionais 
e de ordenação do território, para as quais se fazem necessários investimentos 
públicos, nem sempre disponíveis nos montantes adequados.
As limitações derivadas da necessidade de se cortar os gastos públicos, que 
hoje atingem praticamente todos os países em desenvolvimento, apontam para a 
necessidade de criação de mecanismos internacionais – em especial nos campos 
tecnológico e fi nanceiro – adequados a apoiar a implantação daquelas políticas. 
Alcançar um acordo em torno desses mecanismos é uma negociação delicada: os 
países desenvolvidos, tradicionais provedores de fundos e geradores das tecnolo-
gias avançadas necessitadas pelos países em desenvolvimento, têm diminuído a 
9 WILSON, 1992, pp. 314-315.
10 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL, 1998, 
p. 171.
12
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
alocação de recursos para a assistência ofi cial para o desenvolvimento (ODA)11 e 
têm pouco interesse em estimular a transferência ou o desenvolvimento de tecno-
logias que possam redundar em redução da fatia de mercado que detêm para os 
produtos de base fl orestal gerados por sua indústria. 
A Convenção sobre Diversidade Biológica
A consciência da importância econômica e ambiental adquirida pelos re-
cursos biológicos e genéticos, bem como pelos ecossistemas, levou, no início 
dos anos 90, à negociação e adoção da Convenção sobre Diversidade Biológica 
(CDB), aberta à assinatura dos Estados na Conferência do Rio, em 1992, e que 
entrou em vigor em dezembro de 1993. O Brasil foi o primeiro país a assinar a 
Convenção, ratifi cando em 1994, e tem sido um dos países mais atuantes nas 
negociações nos órgãos estabelecidos pela Convenção12, em razão da importân-
cia estratégica dos recursos da diversidade biológica para o desenvolvimento 
econômico e social do país. 
A importância conferida pelo Brasil à Convenção levou ao oferecimento para 
sediar a oitava Conferência das Partes (COP-8), ocorrida em Curitiba, em março 
de 2006. A COP é uma conferência diplomática, periódica, e a mais alta instância 
decisória dos Estados-Parte da CDB. As decisões adotadas são políticas, não obs-
tante os aspectos técnicos que permeiam vários temas. 
Ante o fato de o Brasil ser o país mais biodiverso do planeta, a plena imple-
mentação da CDB é de interesse para o País, e as deliberações de seus diversos 
órgãos inserem-se no contexto mais amplo das preocupações da política externa 
brasileira. Oprogresso na implementação dos compromissos assumidos por to-
das as Partes da Convenção contribuirá para reforçar e aprofundar as políticas 
públicas implementadas pelo Brasil em matéria de biodiversidade. Entre os re-
sultados mais signifi cativos dessas políticas, estão a redução do desmatamento13, 
especialmente na Amazônia, o aumento da extensão das áreas protegidas e as 
operações de combate aos crimes, que causam dano ao meio ambiente, em es-
pecial à biodiversidade. Outro aspecto importante é o investimento realizado na 
pesquisa científi ca e no desenvolvimento tecnológico ligados ao uso sustentável 
dos recursos biológicos e genéticos, inclusive na área agrícola. 
Os temas em pauta são diversifi cados, abarcando diversos aspectos da di-
versidade biológica (diversidade biológica marinha e costeira; biodiversidade 
11 De acordo com dados divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico 
(OCDE), os 22 países membros do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento, que representam os maiores 
doadores mundiais, proveram 103.9 bilhões de dólares em assistência em 2006, o que representa uma queda 
de 5,1% em relação a 2005.
12 Além da Conferência das Partes, que se reúne a cada dois anos, a CDB possui um órgão de assessoramento 
técnico, científi co e tecnológico (SBSTTA, na sigla em inglês) e grupos de trabalho (GTs) sobre temas espe-
cífi cos. No momento, existem GTs sobre acesso e repartição de benefícios, sobre o artigo 8(j) da Convenção, 
sobre áreas protegidas e sobre revisão da implementação. Existem, ainda, grupos ad hoc de peritos.
13 Vide nota 6.
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agrícola; diversidade biológica fl orestal; áreas protegidas; transferência de tecno-
logia; espécies exóticas invasoras, entre outros); e temas que se relacionam com 
negociações em outros foros. Observe-se, por exemplo, as recentes discussões so-
bre recursos genéticos de fundos marinhos presentes igualmente no âmbito do 
Foro Consultivo Informal das Nações Unidas sobre Oceanos e o Direito do Mar 
(Unicpolos) e da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (Isba); as nego-
ciações sobre biodiversidade agrícola no âmbito do Tratado sobre Recursos Fi-
togenéticos para Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas 
para a Alimentação e a Agricultura (FAO); e o tema das medidas de incentivo à 
conservação da biodiversidade que se relaciona com os esforços do Brasil e do 
G-2014 na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) para eli-
minar as medidas de apoio doméstico que distorcem o comércio internacional de 
produtos agrícolas. 
O tema dos recursos genéticos presentes além das jurisdições nacionais, ain-
da recente e controverso, encerra difi culdades jurídicas e políticas, entre as quais a 
própria competência jurisdicional da CDB para tratar de recursos naturais locali-
zados fora da jurisdição nacional de suas partes15. Considerações econômicas têm 
fi gurado entre as causas da polarização das discussões, uma vez que os países 
desenvolvidos, alguns do quais vêm realizando pesquisas em ritmo intenso, es-
tão interessados em acelerar os trabalhos da CDB sobre o tema. Por outro lado, os 
países em desenvolvimento apresentam-se receosos em avançar na consideração 
sobre o tema, pois pesquisas em fundos marinhos exigem investimentos fi nancei-
ros de alta monta, não disponíveis a esses países. O Brasil preocupa-se com a falta 
de instrumentos jurídicos internacionais que regulamentem a repartição de bene-
fícios resultantes da utilização desses recursos genéticos específi cos, que deveria 
basear-se nos princípios e objetivos estabelecidos pela CDB. 
O Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e 
a Agricultura16, negociado no âmbito da FAO, tem como objetivos a conservação 
e o uso sustentável de recursos fi togenéticos utilizados para a alimentação e a 
agricultura, bem como a repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes 
de sua utilização, com vistas à segurança alimentar e à agricultura sustentável. 
Alinha-se, assim, com a prioridade atribuída pelo Brasil ao combate à fome e à po-
breza. O Tratado, que afi rma sua harmonia com a CDB, não só oferece bases para 
melhorar a situação da segurança alimentar mundial como também contém ver-
tente econômico-comercial importante para o Brasil, ao prever o acesso facilitado 
multilateral a recursos fi togenéticos relevantes para a alimentação e a agricultura. 
O Tratado institui, como contrapartida a esse acesso, um esquema de repartição 
de benefícios simplifi cado. 
14 O G-20 é uma coalizão de países em desenvolvimento com interesse especial em agricultura nas negocia-
ções da Rodada Doha. 
15 De acordo com seu artigo 4o, a competência jurisdicional da CDB limita-se aos componentes da diversidade 
biológica localizados em áreas dentro dos limites das jurisdições nacionais das Partes e a processos e ativi-
dades realizados sob a jurisdição ou controle das Partes, independentemente de onde ocorram seus efeitos, 
dentro da arca de sua jurisdição nacional ou além dos limites desta jurisdição. 
16 O Brasil assinou o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, ado-
tado em novembro de 2001, em junho de 2002, e depositou o instrumento de ratifi cação em maio de 2006.
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
Nessa negociação, o Brasil preocupou-se em não permitir que o texto ado-
tado fl exibilizasse os direitos dos países de origem consagrados no artigo 15 da 
CDB. Ainda que o regime de acesso facilitado para recursos genéticos de com-
modities agrícolas seja de interesse de muitos países em desenvolvimento, que 
dependem das exportações desses produtos, buscou-se adequar o regime da FAO 
aos direitos reconhecidos na CDB. Dessa forma, o sistema estabelecido no Tratado 
envolve apenas a utilização dos recursos para fi ns determinados, ou seja, alimen-
tação e agricultura. Qualquer outra fi nalidade recai nos termos da CDB.
Observa-se, portanto, que o processo negociador deve ser sempre encarado 
de maneira ampla, ou seja, as questões discutidas no âmbito da CDB não se res-
tringem à biodiversidade strictu sensu, mas abrangem também objetivos políticos, 
econômicos e comerciais. Exemplo disso tem sido a tentativa de alguns países in-
dustrializados de lograr a sanção de conceitos como o de multifuncionalidade da 
agricultura. Tal intento visa a justifi car, balizar e garantir o apoio da comunidade 
internacional ao continuado pagamento de subsídios à agricultura, sob o manto 
aparentemente inofensivo de conceitos como: “atividades para a conservação da 
biodiversidade”; “integração de políticas setoriais a nível nacional e regional”; 
promoção do “enfoque ecossistêmico”; necessidade de garantir “formas de vida 
sustentáveis”; valorização de áreas com “alto valor em biodiversidade”; alusões 
ao “valor intrínseco da biodiversidade” e a “mecanismos de apoio econômico” 
para implementar a Convenção e, fi nalmente, a promoção de “redes ecológicas 
internacionais”.
As negociações na CDB relacionam-se, ainda, diretamente com os debates 
sobre propriedade intelectual no âmbito do Comitê Intergovernamental sobre 
Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Fol-
clore (IGC) da Organização Mundial sobre Propriedade Intelectual (Ompi), bem 
como no quadro do Conselho de Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de 
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, na sigla em inglês) da Organi-
zação Mundial do Comércio (OMC). 
O Brasil, em conjunto com países como Índia, Bolívia, Colômbia, Cuba, Equa-
dor, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia e Venezuela, tem propug-
nado pela emenda ao Acordo Trips, para acomodar os preceitosda CDB relativos 
ao consentimento prévio informado e à repartição de benefícios, por meio da ado-
ção de dispositivo prevendo nos pedidos de patentes, de forma mandatória: 
- a identifi cação (disclosure) da origem de recursos genéticos e de conheci-
mentos tradicionais associados presentes em uma invenção; 
- prova do consentimento prévio informado por parte do detentor do direito 
sobre o recurso ou conhecimento; 
- prova do estabelecimento de acordo sobre repartição de benefícios com o 
detentor do recurso ou conhecimento.
Os países que defendem a necessidade de se compatibilizar os dois instru-
mentos internacionais acreditam que o Acordo Trips, na sua forma atual, não é 
15
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efi caz para impedir ou mesmo para desestimular, em determinadas situações, 
atos de biopirataria – muitas vezes cometidos por meio da concessão de patentes 
a invenções que contêm recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais. Uma 
das principias preocupações é que o Acordo Trips permite a concessão de paten-
tes para invenções que utilizam recursos genéticos e conhecimentos tradicionais 
associados a estes recursos mesmo sem o cumprimento das disposições da CDB 
sobre o tema. 
Um dos fundamentos para a necessidade de se buscar compatibilizar os dois 
acordos é o preceito do artigo 16(5) da CDB, pelo qual “as Partes Contratantes, 
reconhecendo que patentes e outros direitos de propriedade intelectual podem 
infl uir na implementação desta Convenção, devem cooperar a esse respeito em 
conformidade com a legislação nacional e o direito internacional para garantir 
que esses direitos apóiem e não se oponham aos objetivos desta Convenção” (gri-
fo nosso). 
Esse artigo, juntamente com outras disposições da Convenção, tal como o 
artigo 8(j), que trata de conhecimentos tradicionais associados, relaciona-se com o 
Acordo Trips e com o processo de revisão de seu artigo 27.3(b). Como dois acor-
dos multilaterais que são, a CDB e o Acordo Trips deveriam apoiar-se mutuamen-
te na promoção do uso sustentável dos recursos da biodiversidade. No momento 
de sua implementação, entretanto, apresenta-se o confl ito já que, por exemplo, o 
Acordo Trips permite a concessão de patentes sobre recursos genéticos presentes 
na natureza que a CDB, por sua vez, protege, garantindo a soberania dos países 
sobre os recursos presentes em seu território e a autoridade dessas nações sobera-
nas para determinar as possibilidades e formas desse acesso17. Casos de apropria-
ção indevida são conhecidos, tais como os casos de patentes solicitadas sobre a 
ayahuasca (planta nativa da região amazônica utilizada por comunidades indíge-
nas para rituais religiosos e cerimônias de cura). Patentes dessa natureza (que re-
caem sobre microorganismos, plantas e animais) concedidas fora do território do 
país de origem confrontam-se com o princípio da soberania desses Estados sobre 
seus recursos, e podem resultar em restrição de sua exploração por esses mesmos 
países. O que se observa é que tais patentes são obtidas sem que haja consenti-
mento prévio, informado tanto do país de origem quanto da comunidade tradi-
cional que detém o conhecimento tradicional associado, e sem a justa e eqüitativa 
repartição de benefícios determinada pela CDB, conforme veremos a seguir.
A Convenção sobre Diversidade Biológica tem três objetivos básicos, enume-
rados em seu artigo 1o: a conservação da diversidade biológica; o uso sustentável 
de seus componentes; e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados 
da sua utilização. A Convenção reconhece, ademais, nos artigos 3o e 15, a sobe-
rania dos Estados sobre seus recursos biológicos e genéticos, bem como o direito 
de cada Estado determinar, por lei nacional, o regime de acesso aos recursos de 
sua biodiversidade. O artigo 3o reconhece a soberania dos Estados na exploração 
17 O artigo 15.1 da CDB determina que “Recognizing the sovereign rights of States over their natural resources, 
the authority to determine access to genetic resources rests with the national governments and is subject to national 
legislation”.
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
de seus recursos de acordo com suas próprias políticas ambientais, linguagem 
também refl etida no Princípio 2 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e De-
senvolvimento (adotada durante a Conferência do Rio de 1992). O artigo 15 afi r-
ma de forma categórica que a autoridade para determinar o acesso aos recursos 
genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional. 
A Convenção constituiu verdadeiro ponto de infl exão no regime interna-
cional de acesso aos recursos biológicos. Anteriormente, a opinião corrente sobre 
esses bens concedia algum reconhecimento aos direitos dos Estados sobre eles, 
mas matizava-os com a alegação de que “eticamente” seriam parte do patrimônio 
comum da humanidade. A justifi cativa para essa asserção seria a de que “a perda 
de espécies em qualquer lugar diminui a riqueza em todos os lugares”18. Essa vi-
são, sublinhe-se, ainda não foi superada, como pode-se freqüentemente constatar 
em declarações ou publicações oriundas sobretudo dos países industrializados. 
A Convenção reveste-se, assim, de grande importância ao reconhecer, de 
forma clara e insofi smável, a soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, 
bem como a necessidade de que a cooperação internacional seja orientada a pos-
sibilitar a adequada utilização desses recursos pelos países que os detêm.
A consideração dos recursos da biodiversidade como “patrimônio comum 
da humanidade” legitima a coleta irrestrita e sem controle e sua livre-circulação, 
forma pela qual foram historicamente constituídas e alimentadas coleções públi-
cas e privadas19, que propiciaram avanços signifi cativos na utilização industrial 
de princípios ativos na fabricação de remédios, de cosméticos e no desenvolvi-
mento de sementes mais resistentes para agricultura. Esse emprego dos recursos 
biológicos e genéticos garante-se por meio do patenteamento, sem que o país de 
origem possa pleitear qualquer benefício ou participação nos retornos econômi-
cos por eles proporcionados.
Ao consagrar o reconhecimento da soberania nacional sobre os recursos da 
biodiversidade e ao reconhecer o direito de os países determinarem, por legislação 
nacional, o regime de acesso a esses recursos com a contrapartida da repartição 
de benefícios, a Convenção instaurou um novo modelo internacional de grande 
interesse para o Brasil. 
Instrumento resultante de uma delicada negociação diplomática, com dispo-
sitivos inovadores para informar políticas e medidas no âmbito nacional e ações 
no plano internacional, a Convenção enfrenta, porém, desafi os para sua tradução 
na prática. Esses desafi os têm a ver, de um lado, com a vontade política das Partes 
contratantes em efetivamente incorporarem – e, em alguns casos, regulamenta-
rem – em suas políticas e legislações internas, os dispositivos da Convenção; 
de outro, está a insufi ciência de recursos humanos, fi nanceiros, tecnológicos e ins-
titucionais, enfrentada especialmente pelos países em desenvolvimento, onde os 
18 WILSON, 1992, p.326.
19 Há relatos que remontam à época do Império no Brasil: “Nesses passeios, [a Imperatriz, D. Leopoldina] 
colhia plantas, minerais e animais. Guardava-os em seu gabinete de história natural e no pequeno zoológico 
que montara na ilha do Governador, ou os remetia ao pai, à irmã, ou a algum museu europeu.” CARVALHO, 
2007, pág.15.
17
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recursos biológicos e genéticos majoritariamente se localizam. Tais limitações ini-
bem fortemente o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção, assim 
como a implementação das decisões adotadas por sua Conferência das Partes. 
É altamente preocupante, também,que os países desenvolvidos não tenham 
até agora cumprido, como esperado, suas obrigações no tocante à transferência de 
tecnologia e à provisão adequada de recursos fi nanceiros novos e adicionais, que 
possam dar impulso às políticas de conservação e de uso sustentável da diversi-
dade biológica nos países em desenvolvimento. Recorde-se que a própria Con-
venção reconhece que o grau efetivo de cumprimento dos compromissos assumi-
dos pelos países em desenvolvimento depende do fl uxo de recursos fi nanceiros 
novos e adicionais e de transferência de tecnologia que lhes sejam canalizados 
pelos países desenvolvidos20. A implementação das obrigações contraídas pelos 
países em desenvolvimento concorre com pressões internas para erradicação da 
pobreza e para promoção do desenvolvimento econômico e social, que fi guram 
como prioridades absolutas da plataforma política dos governos desses países. 
Ainda que o cumprimento da Convenção, em última instância, refl ita-se naquelas 
prioridades, as medidas concretas que devem ser adotadas nem sempre gozam 
de compreensão dos níveis decisórios, em razão de uma visão dos recursos bioló-
gicos como alavanca para o progresso.
Os desafi os associados à implementação da CDB ganham saliência à luz do 
seu dispositivo que reconhece a conservação da biodiversidade como “preocupa-
ção comum da humanidade”21. Essa noção tem como sua face reversa o princípio 
das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, dos Estados, mencionados 
anteriormente, pelo qual os países desenvolvidos devem tomar a liderança nos 
esforços internacionais para a proteção do meio ambiente e para a promoção do 
desenvolvimento sustentável. Em conjunto, esses conceitos servem como suporte 
para defi nir as bases da cooperação entre Estados com interesses confl itantes. 
A ênfase na conservação – que recai prioritariamente nos países em desen-
volvimento, onde a maior parte da biodiversidade localiza-se – não encontra 
paridade na defi nição de regras sobre o uso sustentável e sobre a repartição de 
benefícios por aqueles que têm acesso aos recursos biológicos e genéticos, em 
geral empresas, instituições e indivíduos nacionais de países industrializados. Tal 
situação parece ignorar que a conservação e o uso sustentável são ações que se 
apóiam mutuamente. Conservação sem uso sustentável é falácia. É o uso susten-
tável que permitirá aos países em desenvolvimento criarem condições para me-
lhorar o bem-estar de suas populações e transformá-las em genuíno stakeholder na 
implementação de políticas públicas necessárias para a consecução dos objetivos 
da Convenção.
Instrumento efi caz para o engajamento dessas populações é a repartição dos 
benefícios auferidos pelo acesso à biodiversidade. As regras dessa repartição ain-
da pendem de um consenso internacional, e a discussão dessa matéria deve ter 
por base os dispositivos da Convenção. O debate sobre a repartição de benefícios 
20 Convenção sobre Diversidade Biológica, artigo 20.4.
21 Convenção sobre Diversidade Biológica, preâmbulo e artigos 3o e 15.
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DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
terá que necessariamente abordar as questões relativas ao acesso, envolvendo o 
acesso aos recursos genéticos; o acesso à tecnologia, especialmente à biotecnolo-
gia; e o acesso aos benefícios auferidos do uso de material genético no desenvol-
vimento da biotecnologia.
Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios
No entendimento de que há um desequilíbrio na implementação dos três 
objetivos da CDB, com menor ênfase na repartição de benefícios, o Brasil tem 
buscado negociar, no âmbito da Convenção, um Regime Internacional sobre o 
tema. Na VI Reunião da Conferência das Partes da CDB (COP 6 – Haia, 2002), 
foram aprovadas as Diretrizes de Bonn,22 instrumento de caráter voluntário que 
serviria de subsídio para o desenvolvimento de legislação nacional sobre acesso e 
repartição de benefícios. 
O problema enfrentado pelos países de origem dos recursos genéticos e dos 
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade é, entretanto, que as le-
gislações nacionais – e as Diretrizes de Bonn, por seu caráter voluntário – não 
garantem os direitos dos países de origem dos recursos genéticos e das comu-
nidades detentoras dos conhecimentos tradicionais, por não poderem alcançar 
eventuais infratores fora do território nacional. Esse fato torna imprescindível a 
negociação do regime internacional, que teria como objetivo garantir a repartição 
justa e eqüitativa dos benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos, em 
consonância com o estipulado pelas legislações nacionais sobre o tema. 
Mecanismos internacionais efetivos de repartição de benefícios têm sido 
defendidos pelos países megadiversos no combate ao acesso não-autorizado de 
recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais. O Brasil, junto a outros mem-
bros do Grupo dos Países Megadiversos Afi ns23, defendeu, desde a adoção do Pla-
no de Implementação da Cúpula de Joanesburgo, o rápido início das discussões 
sobre o regime internacional na CDB. 
O regime internacional sobre acesso e repartição de benefícios tem como 
origem a decisão adotada pelos Estados durante a Cúpula Mundial sobre Desen-
volvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002), que marcou os dez anos da Confe-
22 As Diretrizes de Bonn foram adotadas pela Decisão VI/24, da Conferência das Partes, para auxiliar as Partes 
da Convenção, outros governos e interessados a estabelecerem medidas legislativas e administrativas sobre 
acesso e repartição de benefícios e/ou no momento de negociar acordos contratuais. As Diretrizes não têm 
como escopo substituir a legislação nacional sobre o tema. 
23 Criado em 2002, o Grupo dos Países Megadiversos Afi ns é um mecanismo de coordenação política e de 
cooperação entre dezessete países em desenvolvimento que abrigam, juntos, mais de 70% da biodiversidade 
do planeta. Além do Brasil, são seus membros: África do Sul, Bolívia, China, Congo, Costa Rica, Colômbia, 
Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Peru, Quênia e Venezuela. A principal 
atividade do Grupo vem sendo a articulação política em torno de posições comuns na negociação de impor-
tantes temas referentes à biodiversidade no âmbito da CDB, em especial a defesa de um regime internacional 
que garanta a repartição de benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos e aos conhecimentos tradi-
cionais associados.
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rência do Rio. O parágrafo 44 (o) do Plano de Implementação da Cúpula conferiu 
mandato à CDB para negociar um “Regime Internacional para Promover e Sal-
vaguardar a Repartição Justa e Eqüitativa de Benefícios Resultantes da Utilização 
dos Recursos Genéticos”24. 
O mandato de Joanesburgo foi internalizado pela Convenção durante a VII 
Reunião da Conferência das Partes (COP 7, Kuala Lumpur, 2004). A partir da 
pressão exercida pelos Países Megadiversos, aliados ao Grupo Africano, pela in-
corporação do tema do regime internacional à agenda da Convenção, a Confe-
rência das Partes adotou a Decisão VII/19, em que se defi niu que o Grupo de 
Trabalho sobre Acesso e Repartição de Benefícios (GT/ABS) deveria encarregar-se 
da negociação do regime. 
As discussões no Grupo de Trabalho, que se reuniu duas vezes desde então, 
têm sido centradas na defi nição da natureza (vinculante ou não-vinculante), do 
escopo, dos objetivos e dos elementos do regime internacional. Nesse âmbito, as 
divergências são imensas e incluem desde a determinação do recorte a ser feito 
para determinar quais recursos estariam incluídos no regime – debatendo-se o 
tema dos derivativos e lembrando-se a existência do Tratado do FAO sobre re-
cursos fi togenéticos para alimentação e agricultura — até as regras para movi-
mentação transfronteiriça e as formas de repartição de benefícios. O resultadoda 
negociação poderá ter implicações em outros foros, especialmente no que tange à 
propriedade intelectual, já que existem propostas relativas à rejeição e à revoga-
ção de patentes concedidas em desrespeito às determinações do regime. O Brasil 
tem defendido na CDB os mesmos princípios que baseiam as propostas apresen-
tadas pelo País no Conselho de Trips. 
Os países em desenvolvimento consideram que o futuro regime deve con-
tribuir para a promoção da pesquisa, da capacitação e dos esforços de redução 
da pobreza. O Brasil tem sublinhado a necessidade de que o regime assegure o 
consentimento prévio informado do país de origem dos recursos genéticos, bem 
como o consentimento das comunidades locais e indígenas, no que se refere a 
seus conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos, como pré-con-
dição para sua utilização. A identifi cação da origem dos recursos genéticos deve 
igualmente ser assegurada, e, para tanto, debate-se o estabelecimento de um certi-
fi cado de origem/fonte/procedência legal. As características do certifi cado foram 
discutidas por um grupo de peritos e as conclusões deste grupo serão objeto de 
análise pelas Partes da Convenção.
As reuniões do GT/ABS resultaram em documento que, transmitido à VIII 
Conferência das Partes (COP8, Curitiba, 2006), tornou-se anexo à Decisão VIII/4. 
Esse texto representa um primeiro passo para a negociação, ao agrupar as diferen-
tes posições apresentadas, e deverá ser objeto de novas negociações no período 
intersesional, já que o GT/ABS foi instruído pela COP a completar seu trabalho 
24 O mandato, reafi rmado pela Assembléia-Geral da ONU (Resolução 57/260), foi objeto de discussões na 
reunião sobre o programa de trabalho plurianual da CDB (março de 2003). Logrou-se inserir o tema na agenda 
do Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição de Benefícios, que foi criado pela V Reunião da Conferência 
das Partes (COP 5, Nairobi, 2000).
20
A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
antes da realização da COP-10, prevista para 2010. 
Ao lado da decisão que conferiu mandato à CDB para negociar o regime, a 
Conferência de Joanesburgo concordou com o estabelecimento de uma meta de 
redução signifi cativa da perda da biodiversidade até 2010, conforme os países 
haviam se comprometido, em abril daquele ano, durante a COP-6, por meio do 
Plano Estratégico da Convenção (Decisão VI/26). Decidiu-se alcançar, até 2010, 
uma redução signifi cativa da taxa de perda da biodiversidade a nível global, re-
gional e nacional como uma contribuição para a diminuição da pobreza e para o 
benefício da vida na Terra. 
Esses dois objetivos – a elaboração do regime internacional e a redução da 
perda da biodiversidade – estão intimamente relacionados. O regime internacio-
nal, ao garantir a repartição de benefícios, estará auxiliando na consecução dos 
outros dois objetivos da Convenção, ou seja, a conservação e o uso sustentável da 
biodiversidade. A valoração dos recursos da biodiversidade e de seus produtos, 
que poderá advir da implementação de um sistema de repartição de benefícios 
justo e efi caz, poderá tornar a conservação e o uso sustentável uma solução eco-
nomicamente viável no combate à utilização predatória destes mesmos recursos, 
ao estimular sua manutenção. 
As expectativas, entretanto, devem ser realistas. O regime internacional, 
como qualquer instrumento internacional negociado a partir da busca de consen-
sos, demandará esforço de longo prazo, dirigido para a obtenção de uma estrutu-
ra jurídica que atenda às necessidades do Brasil, País que não apenas detém imen-
sa riqueza genética, mas que igualmente possui legislação nacional em constante 
aperfeiçoamento, conforme veremos a seguir. 
No âmbito internacional, são muitas as difi culdades a serem enfrentadas. 
Primeiramente, os países que defendem o estabelecimento do regime internacio-
nal como medida que se impõe para a consecução dos objetivos da CDB – e que 
são os países de origem dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais 
associados – contrapõem-se frontalmente aos países usuários destes recursos, os 
quais, historicamente, apropriaram-se e utilizaram-se deles de forma indiscrimi-
nada. A indústria farmacêutica e de cosméticos, para apenas citar o exemplo mais 
comum, têm na biodiversidade matéria com imenso – e pode-se dizer, desconhe-
cido – potencial de exploração. 
Esses países preocupam-se com as barreiras que as legislações nacionais, 
respaldadas pelo regime internacional, poderiam acarretar e por isso defendem 
que não há necessidade de um novo instrumento jurídico, ou que este instrumen-
to tenha caráter não-vinculante. Baseiam-se no argumento de que a estrutura jurí-
dica existente, formada por acordos fora do escopo da CDB, seria sufi ciente para 
o tratamento do tema. A falácia dessa afi rmação é comprovada pelo simples fato 
de que tal estrutura não garantiu, até o momento, a repartição de benefícios, nem 
impediu a ocorrência de casos de apropriação indevida dos recursos genéticos e 
dos conhecimentos tradicionais e de desrespeito a legislações nacionais.
Os países megadiversos precisarão, assim, impedir que o mandato de nego-
ciação seja desvirtuado, transformando-se em instrumento de garantia de acesso 
21
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
aos recursos genéticos, em contraposição à necessária implementação da justa e 
eqüitativa repartição de benefícios. O mandato conferido pela Cúpula de Joanes-
burgo teve como foco o terceiro objetivo da Convenção, a partir do reconhecimen-
to da necessidade de implementá-lo de forma efetiva. A inclusão do acesso na 
pauta de discussão do escopo do regime somente foi permitida no entendimento 
de que o acesso somente poderá ocorrer com o consentimento e com a autoriza-
ção do país de origem dos recursos, e com o respeito às legislações nacionais de 
acesso. 
É preciso sempre sublinhar que os benefícios devem ser repartidos de forma 
justa e eqüitativa, de forma a não permitir a perpetuação de sistemas meramen-
te compensatórios que, negociados com base em relações de hiposufi ciência da 
parte provedora, não permitem que os recursos explorados transformem-se em 
desenvolvimento sócio-econômico. 
Esse desenvolvimento somente poderá ser alcançado se o resultado fi nal das 
negociações refl etir preocupações atinentes à linguagem utilizada, que poderá ter 
conseqüências jurídicas distintas do que se busca obter. O Brasil tem defendido 
que a repartição dos benefícios deve ser feita com os países de origem dos re-
cursos genéticos, e não com os países provedores. De acordo com o artigo 2º da 
Convenção, “país de origem” signifi ca aquele que possui o recurso em condições 
in situ, enquanto “país provedor” é aquele que fornece o recurso genético retirado 
de fontes in situ ou ex-situ, o qual pode ou não ser originário deste país. Conside-
rando-se o histórico de apropriação indevida de recursos provenientes dos países 
megadiversos, que se encontram atualmente em coleções ex-situ localizadas nos 
países usuários daqueles recursos, a preocupação busca impedir que se legitime 
um sistema que resulte em alienação dos países em desenvolvimento, por meio 
da transferência de recursos genéticos de um país desenvolvido para outro.
O progresso nas negociações esbarra, ainda, em tentativas de desviar os es-
forços que devem centrar-se na negociação do regime, por meio da proposição de 
pautas eivadas de discussões protelatórias. Não há sentido em realizar reuniões 
para apresentar as iniciativas para implementação das Diretrizes de Bonn, se já 
está consagrado o entendimento de que essas Diretrizes não são sufi cientes para 
garantir a repartição de benefícios. Documentos produzidos no âmbito da própria 
CDB reconhecem que poucas medidas foram adotadas pelos países usuários para 
esse fi m25.
Há que se enfrentar, igualmente, a faltade conhecimento sobre o tema. Mui-
tos países em desenvolvimento, diretamente interessados em garantir a reparti-
ção de benefícios, carecem de estrutura que permita participação ativa e qualifi ca-
da. Ainda são poucos os que possuem legislação sobre o tema ou que realizaram 
discussão interna sobre formas e meios de regulamentar o acesso e a repartição 
de benefícios ou o consentimento prévio informado. Tanto o acesso aos recursos 
genéticos quanto a proteção dos conhecimentos tradicionais são matérias novas 
da legislação da maioria dos países, em particular aqueles que os detêm em maior 
25 Ver documento UNEP/CBD/WG-ABS/5/3.
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
grau em seu território. Exemplos de legislações já existentes são as Decisões 391 
e 486 da Comunidade Andina, a Lei de Acesso do Equador e a Executive Order 
no 247 das Filipinas.
No Brasil, a partir de 1990, vários dispositivos legais foram adotados para 
disciplinar a coleta, o acesso e a remessa de recursos da diversidade biológica 
brasileira, bem como para normatizar questões conexas com a biodiversidade, 
como a biossegurança, a propriedade industrial e a proteção dos cultivares.26 A 
consciência da importância político-estratégica desses recursos levou o Executivo 
a propor um projeto de emenda à Constituição, que lista o patrimônio genético, 
exceto o humano, entre os bens da União arrolados no artigo 20. Vários Projetos 
de Lei foram apresentados, entre eles o Projeto de Lei no 306/95, de autoria da 
então Senadora Marina Silva (PT-AC), que estabelecia regras e instrumentos de 
controle para acesso a recursos genéticos no país. O Projeto de Lei nº 306 foi fun-
dido com o projeto substitutivo de autoria do Senador Osmar Dias (PMDB-PR), 
em novembro de 1997. Em agosto de 1998, o Poder Executivo também enviou seu 
projeto de lei, que resultou de estudos aprofundados de um Grupo Interministe-
rial coordenado pela Casa Civil. No momento, encontra-se sob exame na Casa Ci-
vil anteprojeto de lei elaborado no âmbito do Conselho de Gestão do Patrimônio 
Genético (CGEN).
O CGEN, órgão colegiado composto por representantes do governo e da 
sociedade civil, é a autoridade nacional com função normativa e deliberativa so-
bre as autorizações de acesso a recursos genéticos e a conhecimentos tradicionais 
associados. Coordena, ainda, a implementação de políticas para a gestão do pa-
trimônio genético e estabelece normas e diretrizes, entre outras atribuições. Na 
ausência de lei que regule o tema de acesso e repartição de benefícios, a estrutura 
jurídica centra-se principalmente na Medida Provisória 2.186-16/01, que regula-
menta os artigos 8(j) e 15 da CDB; no Decreto 3.945/01; e nas Resoluções adotadas 
pelo CGEN. Não procedem, portanto, alegações de que no Brasil haveria lacuna 
jurídica nesta questão.
 A estrutura jurídica é o instrumento básico para normatizar as ações re-
lativas ao intercâmbio de material genético, seus produtos derivados e o conhe-
cimento a eles associado. Pode criar mecanismos para estimular o acesso aos re-
cursos genéticos e incentivar sua conservação e utilização sustentável, além de 
garantir ao país justa e eqüitativa participação nos benefícios. Os dispositivos 
legais revestem-se, ainda, de grande importância para a atuação diplomática do 
país. Mediante a vigência de regras modernas e em sintonia com os interesses da 
sociedade brasileira, a diplomacia passa a ter a seu dispor um arsenal de conceitos 
e de regras que lhe permitem atuar de modo muito mais claro nas discussões in-
ternacionais sobre assuntos em que o Brasil tem um peso específi co importante. 
A Medida Provisória (MP) 2.186-16 estabelece normas para acesso e reparti-
ção de benefícios referentes aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicio-
26 Decreto no 98.830, de 15 /01/90; Lei 8.974, de 05/01/95; Lei 9.279, de 14/05/96; Lei 9.465, de 25/04/97.
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ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
nais a eles associados. A MP reconhece, entre outros, o direito das comunidades 
de decidir sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais. Exige, como condição 
para o acesso aos conhecimentos, o consentimento prévio informado das comu-
nidades que os detenham, além da necessidade de identifi cação da origem do 
conhecimento tradicional em pedidos de concessão de direitos de propriedade 
industrial sobre processos ou produtos obtidos a partir daquele conhecimento.
As discussões acerca da estrutura legal vigente – seja em debates com a so-
ciedade civil, seja no momento de sua aplicação no âmbito do CGEN –, assim 
como as questões que se refl etem na elaboração da lei de acesso, têm um impor-
tante papel a desempenhar no processo de defi nição do interesse brasileiro na ne-
gociação do regime internacional. Internamente, o caminho a ser trilhado é talvez 
ainda mais complexo. 
Sacramentados no regime internacional os princípios da repartição justa e 
eqüitativa de benefícios e do consentimento prévio informado e consubstancia-
dos estes na legislação nacional, resta defi nir nesta mesma legislação as formas 
para aquela repartição e para aquele consentimento. Além de política e economi-
camente sensível, essa regulamentação esbarra em temas na fronteira do conhe-
cimento jurídico e científi co, como a titularidade do patrimônio genético (bem 
da União ou bem de uso comum do povo)27; a defi nição de valores mínimos para 
repartição de benefícios; as reais possibilidades de identifi cação da origem de um 
recurso genético; a detecção segura da utilização de um recurso na fabricação de 
um produto ou de seus derivativos. 
Mesmo na presença de consenso sobre os princípios a serem salvaguarda-
dos, a eleição dos instrumentos adequados para sua implementação enfrenta con-
trovérsias. Para citar apenas mais um exemplo dentre os inúmeros temas confl i-
tuosos, discute-se a criação de fundos para a gestão da repartição de benefícios 
resultantes do acesso a recursos genéticos ou a conhecimentos tradicionais asso-
ciados, mas há divergência sobre a fi nalidade desses fundos e a parcela dos bene-
fícios que seriam destinados a eles. 
A enumeração das difi culdades existentes no debate interno demonstra ape-
nas a amplitude do exercício que deve ser feito internamente para que se logre 
a repartição dos benefícios. O regime internacional não as solucionará, pois cabe 
a cada país, no exercício soberano reconhecido pela Convenção, encontrar o for-
mato de legislação que atenda a seus interesses específi cos. O tema do acesso aos 
conhecimentos tradicionais associados demonstra com clareza as peculiaridades 
que impedem obter um instrumento jurídico internacional que atenda às necessi-
dades específi cas de nações tão díspares. 
27 Tramita no Congresso Nacional brasileiro a já citada Emenda Constitucional, enviada pelo Poder Executivo 
em 1998, que pretende incluir entre os bens da União o patrimônio genético, à semelhança do que já acontece 
com os recursos minerais e naturais da Plataforma Continental e da Zona Econômica Exclusiva. Há quem 
defenda, entretanto, que o patrimônio genético seja considerado “bem de uso comum do povo”. 
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
Conhecimentos Tradicionais Associados
A Convenção sobre Diversidade Biológica também inovou ao estabelecer, 
em seu artigo 8(j),28 que cada Parte deve respeitar e preservar o conhecimento 
ancestral e coletivo das comunidades indígenas e locais tradicionais, bem como 
promover sua aplicação mais ampla e encorajar a repartição eqüitativa dos bene-
fícios derivados da utilização desse conhecimento. 
A proteção aos conhecimentos tradicionais é um dos temas mais complexos 
e de negociação mais delicada no momento. A Conferência das Partes da Conven-
ção sobre Diversidade Biológica, em sua quarta reunião (COP-4, Bratislava, maio 
de 1998), acordoua criação de um grupo específi co para tratar dos conhecimentos 
tradicionais e verifi car meios e modos de assegurar proteção a eles, mediante o 
reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas e tradicionais.29 O grupo 
realizou, desde então, quatro reuniões.
O Brasil defende que tão importante quanto examinar a proteção dos conhe-
cimentos tradicionais é assegurar a proteção dos direitos das comunidades sobre 
aqueles conhecimentos. Para o Grupo de Países Megadiversos Afi ns, que vem 
atuando como demandante no tema, é necessário que se elaborem instrumentos 
internacionais que assegurem o respeito às legislações nacionais sobre acesso aos 
conhecimentos tradicionais e que se promova e se garanta efetivamente a repar-
tição de benefícios. 
A elaboração de um regime jurídico de proteção, a esses conhecimentos é 
um dos temas que ainda desafi a a comunidade acadêmica, o setor privado e os 
governos. O direito de propriedade intelectual não é sufi ciente para assegurar 
essa proteção, uma vez que se inscreve no âmbito dos direitos individuais, ao 
passo que os conhecimentos tradicionais estão relacionados aos direitos coletivos 
e possuem caráter intergeracional, com sistema de transmissão comumente oral. 
Cumpre, portanto, encontrar fórmulas jurídicas e políticas que possibilitem o es-
tabelecimento de um regime sui generis para a proteção e a adequada repartição 
de benefícios com as comunidades que detêm os conhecimentos tradicionais.
Estima-se que o acesso ao conhecimento tradicional, proveniente de comu-
nidades tradicionais que utilizam a biodiversidade não apenas para alimentação, 
mas igualmente com fi ns medicinais, em rituais, no combate a pragas e na agri-
cultura, pode proporcionar uma redução de até 50% nos custos de pesquisa e de 
desenvolvimento de um novo produto bioquímico. 
28 Artigo 8(j): “Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: em conformidade 
com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comuni-
dades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização 
sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação 
dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios 
oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas”.
29 O Grupo de Trabalho ad hoc Intersessional sobre o artigo 8(j) e Disposições Correlatas da CDB foi criado 
pela Decisão IV/9.
25
ADRIANA SADER TESCARI
EVERTON VIEIRA VARGAS
O potencial econômico desses conhecimentos associados à biodiversidade 
resulta em debates polêmicos, como o da criação de bancos de dados. Distin-
guem-se nesse debate países megadiversos que se posicionam a favor de registros 
ou bases de dados – sobretudo porque os conhecimentos tradicionais estão, nes-
ses países, predominantemente disseminados na sociedade – e países como o Bra-
sil, em que os conhecimentos tradicionais são detidos por comunidades indígenas 
e locais que advogam o direito de não registrá-los ou de torná-los públicos. No 
entendimento dos países que se aliam ao Brasil, tais bases de dados ou registros 
não estariam protegendo ou preservando os conhecimentos, mas sim facilitando 
sua apropriação indevida, em desrespeito aos direitos das comunidades. O Brasil, 
tanto no âmbito da CDB quanto no da Ompi, tem enfatizado a necessidade de se 
resguardar a confi dencialidade dos conhecimentos tradicionais que não estejam 
em domínio público (e cujo eventual acesso poderia vir a ser altamente rentável 
para a indústria farmacêutica, cosmética, alimentícia, entre outras). 
Qualquer discussão sobre a inclusão de conhecimentos tradicionais em ban-
cos de dados deve partir do princípio de que o registro não é prova constitutiva 
de direito, ou seja, uma comunidade não precisa incluir um conhecimento tradi-
cional em bancos de dados para que possa provar ser detentora desse conheci-
mento ou para reivindicar direitos sobre ele. Em outras palavras, a existência e 
o reconhecimento dos direitos das comunidades sobre seus conhecimentos inde-
pendem de seu registro. 
Essa posição está respaldada não apenas nas conseqüências jurídicas do re-
gistro em um banco de dados, mas igualmente nas já citadas características do 
conhecimento tradicional. A difusão de um conhecimento, especialmente se esti-
ver investido de sacralidade ou relacionado a normas que o determinam – para 
citar um exemplo, que deve ser detido apenas por mulheres – pode resultar em 
dano sócio-cultural, ambiental e inclusive econômico para o grupo social que o 
possui.
O tema resvala, ainda, em discussões acerca da forma de se garantir que o 
consentimento prévio seja de fato informado. Há quem defenda que o regime 
internacional sobre acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios deter-
mine as regras para a obtenção de tal consentimento, mas esta posição é de difícil 
sustentação e aplicação prática, diante da imensa diversidade de estruturas sócio-
políticas existentes em cada país e em cada comunidade tradicional. Observe-se 
que, em alguns países, como a Índia, todo o conhecimento que está difuso entre 
a população pode ser considerado conhecimento tradicional, enquanto que em 
outros países ele é detido apenas por alguns grupos específi cos. No Brasil, co-
munidades tradicionais envolvem não apenas povos indígenas, mas igualmente 
comunidades locais, como os quilombolas e as comunidades ribeirinhas. 
Os representantes dos povos indígenas defendem que o uso de seus conhe-
cimentos deve ser precedido de amplo processo de discussão, com respeito a seus 
usos, costumes, organização social e forma de representação política. Essas medi-
das somente poderão ser garantidas por meio da legislação nacional, que o regi-
me internacional deverá fazer com que seja respeitada. 
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A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO
DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA
A legislação brasileira está em processo de constante aperfeiçoamento, pois 
apenas sua aplicação prática evidencia as lacunas, que deverão ser supridas a 
partir do debate. Comente-se, a título exemplifi cativo, o caso de conhecimentos 
detidos por mais de uma comunidade, por vezes além das jurisdições nacionais. 
Contrapõe-se o direito de cada um desses grupos de não consentir a utilização 
de seu conhecimento ao direito oposto de autorizar o uso do conhecimento e de 
usufruir dos benefícios resultantes. 
A complexidade do tema é evidente, ao se constatar a difi culdade de con-
senso ainda no que tange à defi nição do termo “conhecimento tradicional associa-
do”. Considerada insufi ciente da forma como se encontra na legislação em vigor, 
tem sido objeto de debates acalorados.
A MP 2186/01 defi ne-o como “informação ou prática individual ou coletiva 
de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, 
associada ao patrimônio genético”. De um lado, defende-se entendimento amplo, 
que abarque as informações contidas em publicações e o conhecimento associado 
à “domesticação” de recursos biodiversos associados à alimentação e à agricul-
tura. De outro, considera-se que tal abordagem prejudicaria a pesquisa científi ca, 
em especial aquela que visa à segurança alimentar. 
Conclusão
A Convenção sobre Diversidade Biológica procurou refl etir um consenso 
em torno de regras internacionais e internas que conformem um regime para a 
conservação e o uso sustentável dos recursos biológicos e de seus componentes, 
bem como a repartição justa e eqüitativa de benefícios decorrentes da utilização 
dos recursos genéticos, incluindo o acesso a estes e a apropriada transferência de 
tecnologia. O estabelecimento desse regime é o refl exo da vontade política das 
partes de lidarem com os dilemas resultantes da contraposição entre interesses 
e aversões comuns.30

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