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Abcesso nos animais domésticos: aspectos clínicos e cirúrgicos Humberto Pereira Oliveira Índice Introdução Conceitos Gerais Considerações sobre a ação fagocitária Evolução do Abcesso Sintomatologia Tratamento Referências bibliográficas Introdução Os processos supurativos nos animais domésticos são relativamente freqüentes, em virtude de acometimentos de doenças infecto-contagiosas de curso purulento, da agressividade do meio em que vivem e, em particular, do uso de instrumentos contaminados, a exemplo de seringas e agulhas, por pessoas pouco informadas sobre regras de antissepsia. A prática de vacinação em massa, principalmente de bovinos, tem levado ao aparecimento de abscessos nos locais de aplicação, devido ao fato de que a troca de agulhas e a antissepsia do local de aplicação representam, muitas vezes, um transtorno no rendimento do processo. Isso ocorre com maior freqüência em rebanhos de gado de corte. No gado de leite e em criações de eqüinos selecionados incidência é relativamente pequena, em face da melhor atenção às regras de antissepsia. Pelas próprias condições do ambiente onde vivem, os animais apresentam sujidades na pele e são expostos a traumatismos pela vegetação agressiva ou pelas instalações mal conservadas, onde se incluem os despojos em locais de trânsito constante dos animais. As precárias condições sanitárias do rebanho, por si, podem ser responsabilizadas pelo surgimento de doenças infecciosas que se relacionam com a formação de abscessos em diferentes órgãos, a exemplo da piobacilose, linfadenites supurativas e tuberculose. Evidentemente, os processos supurativos acessíveis são os mais passíveis de intervenção cirúrgica; os demais nem sempre se revelam de pronto e , na maioria das vezes, ficam na dependência da resposta a terapias específicas. A conscientização do pessoal envolvido com o serviço de enfermagem é muito importante para minimizar a ocorrência de processos supurativos nos locais de administração de medicamentos, tanto ao nível de clínicas estabelecidas, como em fazendas de criação assistidas por veterinários em visitas periódicas. Conceitos Gerais A supuração é um processo formação de pus, onde estão presente o tecido necrótico, neutrófilos, líquido orgânico e enzimas proteolíticas e geralmente se produz na superfície das feridas contaminadas ou preenche uma cavidade. O pus é tipicamente um líquido de consistência cremosa, espessa ou semi-sólido (caseificado), e com pontos de calcificação (tuberculose), cuja coloração geralmente varia de acordo com os tecidos comprometidos e com o tipo de germes predominantes. O exsudato formado em superfícies mucosas geralmente é mucopurulento, pela participação do muco, e nas superfícies serosas se apresenta fibrinopurulento. Podem apresentar floculações A coleção purulenta que se forma nas camadas da epiderme recebe o nome de pústula; quando o pus se acumula livremente em uma cavidade serosa, denomina-se empiema. O abscesso é uma coleção circunscrita de pus que se forma em diferentes tecidos, geralmente em resposta ao desenvolvimento de bactérias denominadas piogênicas. Ao se formar, possui uma parede ou cápsula de tecido fibroso que o separa dos tecidos vizinhos. O tamanho varia desde dimensões microscópicas a volumes relativamente grandes. A invasão bacteriana é a causa mais comum de produção de abscessos nos animais domésticos, mas estes podem ser produzidos inicialmente por efeito de agentes irritantes de natureza química ou mecânica e posterior desenvolvimento bacteriano. O flegmão ou inflamação flegmonosa é um processo no qual um volume apreciável de pus se difunde em um tecido, de ordinário no tecido subcutâneo. Por não possuir cápsula, o flegmão tende a se disseminar progressivamente, ao contrário do abscesso, no qual a reação e o agente causal se encontram confinados. Os germes mais comumente associados a formação de abscessos são os estafilococos e os estreptococos. O Corynebacterium pyogenes é causador de abscessos em muitas espécies domésticas, mais principalmente nos bovinos; o Corynebacterium pseudotuberculosis é responsável pelas linfangites ulcerativas e linfadenites caseosas nos ovinos, produzindo abscessos. Alguns abscessos se relacionam com a presença de germes como a Escherichia coli, Actinomyces necrophorus, Mycobacterium tuberculosis, Pseudomona aeruginosa, além de outros. Considerações sobre a ação fagocitária Não se deve entender que a mera presença de germes, por si, é bastante para originar a produção de abscessos. Outros fatores são necessários. Dada a existência de microorganismos nos tecidos, é também essencial que: A "virulência" bacteriana não tenha sido diminuída pela exposição a condições impróprias, como o calor, luz solar, antissépticos, presença ou ausência de oxigênio (de acordo com a particularidade do microorganismo em questão), etc.; a vitalidade dos tecidos tenha sido comprometida ou que a afecção ou lesão local ou geral tenha diminuído a resistência orgânica; os germes estejam presentes em número suficiente. Em definitivo, independente das condições acima, o organismo normalmente possui elementos de defesa, que são representados pelos leucócitos e por respostas imunes. Os neutrófilos são os elementos de defesa mais importantes, frente ao desenvolvimento bacteriano, principalmente em tecidos extravasculares. São células primárias responsáveis pela contenção e eliminação das infecções bacterianas agudas que invadem o organismo, especialmente as causadas por infecções piogênicas. Os eosinófilos e os basófilos não têm papel importante neste contexto e os primeiros possuem capacidade de fagocitar partículas de matéria. Os monócitos são células fagocitárias importantes e geralmente são considerados como a primeira linha de defesa frente a alguns tipos de bactérias intracelulares. Encontram-se no sangue periférico, mas são mais efetivos contra as bactérias invasoras, quando migram para os tecidos e se tornam macrófagos. Os línfócitos não fagocitam bactérias. São necessários três condições para que os neutrófilos sejam efetivos na defesa do organismo, frente a uma invasão bacteriana. Assim, os neutrófilos devem: • Migrar para a área de penetração dos germes. Isto ocorre por diapedese, do sangue periférico para os tecidos invadidos, guiados por gradientes quimiotáxicos, que estimulam diretamente a migração direcional das células fagocitárias; • fagocitar as bactérias. A fagocitose da maioria das bactérias patogênicas requer fatores séricos, especialmente anticorpos antibacterianos e de complemento, enquanto que a maior parte das bactérias não patogênicas são facilmente fagocitadas na ausência de soro. Várias opsoninas podem alterar a superfície das bactérias, fazendo com que possam se unirem ao fagócito. A fagocitose das bactérias ocorre em seguida a união da membrana celular; • destruir a bactéria fagocitada. Nessa fase, atuam algumas enzimas lisosomais. A lisozima destrói, por si mesma, algumas bactérias e colaboram com os anticorpos e complemento na destruição de outras. Evolução do Abcesso As bactérias formadoras de abscessos penetram geralmente no organismo animal por uma ferida na pele ou nas mucosas e por meio de agulhas de seringas ou instrumentos contaminados. Podem penetrar também pela mucosa intestinal, quando esta se encontra em estado de debilidade por constipação, diarréia, inflamação; por meio de glândulas sebáceas e sudoríparas ou de qualquer tecido em contato com meios contaminantes. Ao penetrarem, os germes iniciam a sua multiplicação e produzem toxinas que irritam os tecidos circundantes, o que determina o surgimento de todos os sinais de um processo inflamatório. Inicialmente, a lesão é um microabscesso, que por invasão produz outros que praticamentese interligam, deixando bridas conjuntivas entre eles. Os leucócitos neutrófilos, principalmente, e de monócitos circundam a área invadida e assumem a defesa do organismo, pela fagocitose bacteriana. Na área invadida, os restos celulares, por efeito da destruição dos tecidos, as bactérias e os leucócitos mortos, além de líquidos que extravasam dos capilares da rede linfática e dos tecidos que limitam o processo constituem o pus ou material do abscesso. A multiplicação de fibroblastos determina a formação de uma barreira conjuntiva ao redor da lesão. O tecido que se forma pode ser espessado ou permanece delgado e os capilares e vênulas que comporta suprem a área com os elementos de defesa do organismo. Internamente, a cápsula assim formada é revestida por um membrana piogênica. Neste ponto, praticamente a área central do abscesso interrompe as trocas com o resto do organismo. As bridas conjuntivas sofrem digestão, em função da baixa nutrição e do pH baixo e formam uma cavidade única. O processo não cessa até que os germes sejam controlados por ação dos neutrófilos, anticorpos ou por efeito de terapia adequada. O abscesso cresce gradativamente, acomodando a pressão promovida pela aumento do conteúdo que se forma no seu interior. Paralelamente, mais tecido conjuntivo é formado ao redor da membrana piogênica. À medida que a cavidade aumenta e cessa a multiplicação bacteriana com redução do processo inflamatório e liquefação do pus, a cápsula se adelgaça e tende a fistular no ponto de menor resistência tissular. O local de fistulação pode significar uma diminuição relativa da velocidade de formação da cápsula, diante de um processo acelerado de produção de material purulento. Quando localizado na superfície, a pele se torna fina e o abscesso apresenta-se menos firme. Dependendo do volume do conteúdo, pode-se detectar ondas de choque do conteúdo com a parede, quando se faz palpação seguida de percussão digital. Quando mais profundamente situado, o abscesso ao romper-se pode causar graves alterações no organismo, pela formação de sítios purulentos migratórios e interligados, além de septicemia fatal. Neste aspecto, são incontroláveis os seus efeitos e, nos animais domésticos, o diagnóstico é impreciso quando se trata de órgãos parenquimatosos. Em alguns casos, com a morte bacteriana, o conteúdo pode sofrer absorção e a membrana piogênica regride com o restante da cápsula; noutros, o material dessecado se mantém encapsulado, por tempo indeterminado, sem trocas significativas com o restante do organismo, podendo sofrer calcificação. O meio adverso à multiplicação dos germes, em virtude do pH, do baixo suprimento de oxigênio, da fagocitose e das condições de nutrição no interior da coleção purulenta, dentre outros, justificam a falta de crescimento de germes em cultivos laboratoriais. Sintomatologia Por ocasião da formação dos abscessos superficiais, estão presentes todos os sintomas inflamatórios clássicos. O animal pode apresentar hipertermia nos dias iniciais. O centro do processo apresenta-se elevado, mais ou menos firme, com aumento da temperatura e da sensibilidade. A periferia tem limites pouco precisos, por efeito do edema difuso, e cede mais facilmente à palpação. Os pêlos tendem a se elevarem, por distensão da pele. Nesta fase, o abscesso é denominado imaturo. À medida que evolui para a resolução, a parte central se torna delgada, pouco edemaciada e cede ao toque; a periferia revela contornos cada vez mais definidos, pela evidência dos limites da cápsula conjuntiva. Em torno de uma semana, o processos inflamatório se faz menos pronunciado, cessam os sintomas gerais e ocorre a maturação do abscesso. Em geral, abscessos evoluem dentro de um período de tempo mais ou menos previsível, com evidência de todos os fenômenos inflamatórios, denominando-se agudos ou "quentes". Em função do agente causal, necessitam de um tempo relativamente longo para a sua completa evolução, acompanhando ou finalizando o curso enfermidades tais como: tuberculose, actinobacilose, botriomicose, pseudotuberculose ovina, linfadenite eqüina, etc. São denominados abscessos crônicos ou "frios". Igual denominação é dada àqueles que, apesar de agudos, não são drenados espontânea ou intencionalmente e permanecem circundados por tecido fibroso, permanecendo mais ou menos estacionários. Devido a grande variedade de formas e de etiologia dos abscessos crônicos, somente é possível comentar os aspectos gerais dos mesmos. Os processos inflamatórios podem ser apreciáveis na superfície do corpo, como na actino e botriomicoses, ou podem não sinalizarem a sua presença, até que o animal seja sacrificado, como nos casos de tuberculose pulmonar. Se a localização é superficial, apresentam-se firmes, sem elevação de temperatura e evoluem lentamente, sem outras manifestações clínicas importantes. Eqüinos com abscessos de cernelha , por efeito de botriomicose, brucelose, etc., ou ao nível do cordão espermático, após castração contaminante, às vezes desenvolvem atividades durante semanas, principalmente no primeiro caso. Alguns animais praticamente não evidenciam transtornos funcionais durante o desenvolvimento de abscessos, dependendo da localização e da gravidade da afecção. Os abscessos situados mais superficialmente em locais que podem comprometer a atividade de outros órgãos, a exemplo das regiões articular e faringeana, podem produzir efeitos colaterais muito mais importantes do que os efeitos locais primários. Os situados em órgãos parenquimatosos, principalmente decorrentes de enfermidades gerais, podem confundir os sintomas, dificultando ou tornando impossível o diagnóstico por meios rotineiros e representam graves riscos de vida para os animais. Nestes casos, os recursos clínicos e cirúrgicos são de pouca valia, estando na dependência da sua localização, do acesso cirúrgico, da resposta a antibióticos, da espécie animal, da finalidade a que se destinam e do valor econômico. Tratamento Na fase inicial, o uso se antibióticos de amplo espectro, por via parenteral, pode contribuir para mudar o curso da formação do abscesso, aliando-se às respostas orgânicas do animal. À medida que evolui, o uso de substâncias emolientes e que principalmente ativem a circulação local melhoram a perfusão e, por conseqüência, as condições de nutrição e de defesa celular. Na fase resolutiva, isto é, quando o abscesso se apresenta "maduro", a drenagem se faz necessária, a fim de remover todo o material purulento e acelerar o desbridamento cavitário. Na drenagem de abscessos superficiais, deve ser considerado o seguinte: • Podem ser lesados artérias, veias e nervos importantes na contigüidade dos tecidos, a exemplo dos abscessos sufocantes localizados na região faringeana; • a abertura da cavidade do abscesso deve ser feita mediante uma incisão ampla, para evitar a retenção do pus e reativação do abscesso e o mais afastada possível de qualquer nova fonte de infecção, como o prepúcio, ânus, etc.; • na ocorrência de fistulação espontânea, em pontos mais altos, não favorecendo a drenagem por gravidade, deve-se fazer uma contra-abertura que corrija o problema; • a curetagem da membrana piogênica, imediatamente após a drenagem, não é recomendada, para prevenir septicemia ou disseminação local de germes ainda ativos, optando-se pela irrigação com antisséptico de eficiência comprovada; • os drenos devem, inicialmente, preencher toda a cavidade drenada, prevenindo o colabamento da cápsula nos limites com os tecidos circundantes, para maior eficiência do antisséptico utilizado, e, nos dias seguintes, trocados por outros menores, de modo a conduzir a cicatrização de dentro para fora; • as bordas da incisão devem ser protegidas, evitando a interferência de insetos, o que se consegue pelo uso de substâncias repelentes; • é recomendávela antibioticoterapia parenteral, a partir do momento da drenagem e principalmente quando se faz a curetagem, como medida preventiva à invasão bacteriana nos tecidos vizinhos e septicemia; • a drenagem do material purulento em locais de grande confinamento animal requer cuidados especiais para evitar a contaminação de outros, inclusive ação de moscas, mormente quando próximo de ambientes destinados a ordenha, maternidade e creches; • nem sempre os abscessos são primários e a identificação do fator ou de fatores causais dever ser considerada, uma vez que vários indivíduos podem ser comprometidos, e podem perpetuar a afecção em animais da mesma espécie ou de espécies diferentes. Referências bibliográficas (Constante no Plano de Curso da Disciplina de Patologia e Clínica Cirúrgica Veterinárias)
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