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Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB66 Aula 07 Gestação e Funcionamento da Economia Mineira (século XVIII) Objetivos da Aula Ao final desta aula espera-se que o aluno tenha desenvolvido habilidades que o propiciem: • a compreensão desta sociedade e economia que se forma nas Minas Gerais; • aptidão parar correlacionar e comparar os ciclos históricos; • maior facilidade em identificar questões antigas, ainda não devidamente resolvidas, da nossa realidade contemporânea. Nesta aula, pretende-se abordar o tema do descobrimento das minas de metais preciosos na região das Gerais. Procurar-se-á, também, entender o funcionamento deste novo ciclo econômico, que teve duração menor – em termos históricos – do que o anterior, o da agromanufatura açucareira. Na verdade, como você já deve ter percebido que, em nossa história econômica, nossa evolução (às vezes também regressões e empobrecimento) foi movida, quase sempre por uma atividade principal, para a qual todos os esforços eram carreados, acompanhados por outras atividades secundárias ou de subsistência. Ao final de cada ciclo, concomitante à sua decadência, seguiu-se sempre o empobrecimento regional. Com o ouro não foi diferente, apesar do contexto e das circunstâncias em que se estabeleceu terem sido diversos do primeiro ciclo. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB67 O texto a seguir foi desenvolvido por mim, no intuito de familiarizá-lo com o tema e a compreensão do funcionamento do ciclo do ouro. Prof. Hélio B. Costa A descoberta do ouro nas Gerais, ao final do século XVII, foi muito providencial não só para a cambaleante economia da colônia, mas muito mais para a metrópole portuguesa. De fato, diante da concorrência holandesa, a partir da economia de produtos tropicais nas Antilhas, à estagnação de que se torna presa a economia brasileira, segue-se o aprofundamento do estado de empobrecimento. Neste contexto, a Coroa portuguesa retorna ao tão sonhado projeto de encontrar ouro e metais preciosos, que – em última instância – fora durante estes dois primeiros séculos, o mote da ocupação territorial. É, por isto, que a descoberta do ouro, nesta época, representou tanto a solução para a indefinição da situação econômica, como a possibilidade de restabelecimento do antigo sistema colonial e sua política econômica mercantilista. Não devemos nos esquecer que, nos dois séculos precedentes houve sempre a preocupação pela busca do ouro. (Aliás isto já foi devidamente estudado em aulas anteriores.) Mesmo quando os vicentinos, com suas entradas e bandeiras, praticavam a preação indígena, embrenhando-se pelo sertão afora, mantinha-se aceso o desejo da procura pelo precioso metal. Quando este tipo de expansão bandeirante teve seu declínio, principalmente depois da década de 1650, e devido sobretudo ao retorno do equilibro no mercado de escravos negros, incrementou-se, então, a busca pelas jazidas de prata, ouro ou metais preciosos. Por outro lado, nesta época, o próprio Estado Português decide, então, incentivar, de variados modos, esta busca incessante por novos metais preciosos. Pode-se dizer que, neste sentido, a descoberta do ouro esteve ligada aos seguintes fatos ou razões históricas: Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB68 • ao estabelecimento e ao equilíbrio do tráfico de escravos negros no Brasil, quando Portugal retomou antigas colônias da costa africana; • à redução do bandeirismo de aprisionamento indígena; • ao preço desestimulante do açúcar pelo aparecimento das Antilhas como novo e mais vantajoso centro de produção; • à escassez de metais na Europa pelo esgotamento das minas na América espanhola. Em suma, este movimento renovado de busca por ouro e outros metais e pedras preciosos, na segunda metade do século XVII, foi devido à demanda do mercado europeu, aos novos incentivos de uma nova política portuguesa em relação ao assunto e, finalmente, serviu também de alternativa à atividade bandeirante. Quais as primeiras conseqüências deste movimento? Tem início, primeiramente, uma certa devastação da terra, com a derrubada de matas e as queimadas de árvores e da vegetação nativa, a qual se estende por uma vasta área do planalto das Minas Gerais, e que tem como marco principal a serra da Mantiqueira, indo em direção à Cuiabá no estado do Mato Grosso até culminar no estado de Goiás. Diferente foi o primeiro tipo de ouro encontrado em terras brasileiras, em relação às minas de metais preciosos das colônias espanholas. O ouro brasileiro era aluvional, de fácil identificação e, por isso, não requeria nem técnicas nem métodos sofisticados para sua prospecção. Era encontrado em leitos fluviais e se localizava em depósitos então chamados de faisqueiros, em razão de seu reflexo à luz solar. Conhecidas as primeiras notícias da descoberta, pode-se imaginar o impacto causado na colônia, se lembrarmos o pequeno rendimento da exploração anterior, de ouro de lavagem. Com efeito, a notícia excitou ainda mais o imaginário da população na corrida ao ouro. Deslocam- se à região das minas, continentes de população, primeiro de São Vicente e depois de outras regiões do Norte e do Nordeste e, mesmo, Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB69 de Portugal. A região mineira foi ocupada e explorada com avidez e em curto espaço de tempo. Os núcleos iniciais de mineração, como Sabará, Ouro Preto e Ribeirão do Carmo tornam-se cidades prósperas ao final do século XVIII, assim como, outras tantas. O ciclo de ouro do Brasil teve como característica principal a predominância do antigo pacto colonial, baseado no velho mercantilismo. Em conseqüência, a política metropolitana estava assentada num forte cunho fiscal, que dominou todo o ciclo: • A exploração das minas estava regulamentada pelo regimento das minas; • As atividades subsidiárias (principalmente o comércio) eram restringidas em função com os seus vínculos com • a mineração; • Por outro lado, a arrecadação de impostos da Real Fazenda recaia tanto sobre a produção aurífera, como também sobre as mercadorias que entravam nas zonas mineiras (direitos • de entrada). O regimento mais importante foi o de 1702, que demonstrava a preocupação das autoridades metropolitanas em assegurar os privilégios da Coroa na atividade. Para tanto, ao mesmo tempo em que enfatizava o incentivo à produção, por outro, visava a facilitar a ação fiscal por meio da cobrança das rendas da Coroa proveniente do chamado imposto dos quintos. Este regimento também criou um governo especial para as zonas auríferas – a Intendência de Minas - , que se reportava diretamente à administração metropolitana. O imposto mais conhecido consistia na arrecadação da quinta parte de todos os metais preciosos extraídos em terras brasileiras, consideradas de domínio real português. Era conhecido pelo nome de quinto. Como funcionava a cobrança deste imposto, tão odiado pela elite econômica que se formou nas Minas e que – ao final do século XVIII – culminou na Conjuração Mineira? Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB70 Em linhas gerais, esse processo funcionava da seguinte forma: todo o ouro extraído (em pó ou em pepita) deveria ser levado às denominadas casas de fundição. Nesse local, o metal era fundido em barras, depois de deduzida a mencionada quinta parte correspondente ao tributo real. Depois, nessas barras cravava-se o selo real e, somente nessa forma, poderia circular na colônia. Sendo as jazidas de propriedade do rei, tão-somente este podia doá-las a particulares para exploração. A distribuiçãode lotes de terrenos aurífera (as datas) foi regulamentada pela legislação metropolitana. Esse processo de distribuição objetivava, também, o incentivo da produção mineira e o cuidado e atenção na fiscalização das jazidas para obter uma maior arrecadação tributária. Como já se referiu acima, o tipo do ouro brasileiro, em aluvião, marcou a técnica de extração e, por conseqüência, a forma da organização de sua exploração. Essa foi marcada pelos seguintes aspectos: 1. não demandou grandes empresas; 2. exigiu um capital fixo menor do que a empresa açucareira; 3. não exigiu o capital-terra, fundamental no ciclo anterior; 4. implicou em uma mobilidade das empresas; estas estavam organizadas de modo a poder deslocar-se, rapidamente e em curto prazo, dado ao esgotamento das jazidas; 5. por fim, usaram-se técnicas de exploração ou mesmo instrumentos mais rudimentares. No tocante às relações de trabalho, a economia mineira, embora baseada também na mão-de-obra escrava, implicou em uma mudança nessas relações sociais. Diz Celso Furtado 1 que a forma como se organizou o trabalho permitiu que o escravo tivesse maior iniciativa: Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB71 • podia trabalhar longe de seu senhor; • podia trabalhar por tarefas ou mesmo por conta própria (nesse caso, pagava periodicamente uma quantia a seu senhor); • dessa forma, aumentava as possibilidades da compra de sua alforria. A mencionada mudança nessas relações sociais era percebida também pela existência de homens livres na atividade exploradora mineira. Essa atividade se caracterizava, assim, por oferecer maiores possibilidades a essa camada da população. Permitia-lhes a organização de empresas de relativo tamanho, de acordo com seus investimentos no negócio. É ressaltado ainda por Furtado 2 que a presença de homens livres na região de Minas reflete uma particularidade essencial desta economia: dá uma maior mobilidade a uma estrutura rígida, como aquela inerente à economia açucareira. O clima de otimismo trazido pela febre do ouro trouxe altos lucros à empresa mineradora, já em seus primeiros momentos. Isso atraiu a atenção em todos os quadrantes do território da colônia, estimulando as pessoas a se deslocarem para a região aurífera. A conseqüência foi que, a partir do século XVIII, a circulação de mercadorias, homens e animais, passa a ser uma constante na formação brasileira, ao longo de todo o seu território. Esse processo – através da atividade mercantil – drenou importantes parcelas do cobiçado metal. Entretanto e apesar disto, o grande afluxo de pessoas para a área mineradora provocou sérios problemas de abastecimento, até pela circunstância da concentração de todos os esforços econômicos na atividade central, quer dizer, a extração de metais preciosos. Por conseguinte, carestia e a alta dos preços foram uma constante e evidenciava a atração que, sobre as regiões vizinhas, exercia o comércio das mercadorias nas nascentes cidades mineiras. Novamente, aqui, 1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Brasil/Portugal: Ed. Fundo de Cultura, 1964, p. 93. 2 Idem, op. cit., p. 93. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB72 lembre-se desta característica do sistema colonial: base econômica num produto principal para o qual se dirigiam todos os recursos; descuidava-se do resto por ser acessório e subsidiário. LEITURA SUPLEMENTAR: Como leitura subsidiária ao tema da aula de hoje, sugiro o texto do capítulo XIII de Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado: Povoamento e Articulação das Regiões Meridicionais. Povoamento e Articulações Das Regiões Meridionais Que poderia Portugal esperar da extensa colônia sul-americana, que se empobrecia cada dia, crescendo ao mesmo tempo seus gastos de manutenção ? Era mais ou menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar outro milagre similar ao do açúcar. Iniciara- se uma intensa concorrência no mercado de produtos tropicais, apoiando-se os principais produtores – colônias francesas e inglesas – nos respectivos mercados metropolitanos. Para um observador de fins de século XVII, os destinos da colônia deveriam parecer incertos. Em Portugal compreendeu-se claramente que a única saída estava na descoberta de metais preciosos. Retrocedia-se, assim, à idéia primitiva de que as terras americanas só se justificavam economicamente se chegassem a produzir ditos metais. Os governantes portugueses cedo se deram conta do enorme capital que, para a busca de minas, representavam os conhecimentos que tinham os homens do planalto de Piratininga do interior do país. Com efeito, se estes já não haviam descoberto o ouro em suas entradas pelos sertões, era por falta de conhecimentos técnicos. A ajuda técnica que então receberam da Metrópole foi decisiva. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB73 O estado de prostração e pobreza em que se encontravam a Metrópole e a colônia explica a extraordinária rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro nos primeiros decênios do século XVIII. De Piratininga a população emigrou em massa, do nordeste se deslocaram grandes recursos, principalmente sob a forma de mão-de- obra escrava, e em Portugal se formou pela primeira vez uma grande corrente migratória espontânea com destino ao Brasil. O fácies da colônia iria modificar-se fundamentalmente. Até esse momento, sua existência estivera ligada a um negócio que se concretizava num número pequeno de grandes empresas – os engenhos de açúcar - , sendo a emigração pouco atrativa para o homem comum de escassas posses. Transferir-se de Portugal para o Brasil só tinha sentido para aquelas pessoas que dispunham de meios para financiar uma empresa de dimensões relativamente grandes. Fora disso, a emigração deveria ser subsidiada e respondia a um propósito não econômico. Na região açucareira, os imigrantes regulares limitavam-se a artesões e trabalhadores especializados que vinham diretamente para trabalhar nos engenhos. Em São Vicente a imigração fora inicialmente financiada pelo donatário com objetivos econômicos que resultariam em fracasso. Em outras partes – no norte e no sul, principalmente – a imigração fora financiada pelo governo português, que pretendia criar colônias de povoamento com objetivos políticos. É fácil perceber que essa imigração toda não alcançava grandes números. Os dados sobre a população são precários e escassos, mas indicam claramente que a população de origem européia aumentou lentamente no século XVII. A economia mineira abriu um ciclo migratório europeu totalmente novo para a colônia. Dadas suas características , a economia mineira brasileira oferecia possibilidades a pessoas de recursos limitados, pois não se exploravam grandes minas – como ocorria com a prata no Peru e no México – e sim o metal de aluvião que se encontrava depositado no fundo dos rios. Não se conhecem dados precisos sobre o volume da corrente emigratória que, das ilhas do Atlântico e Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB74 do território português se formou com direção ao Brasil no correr do século XVIII. Sabe-se porém, que houve alarme em Portugal e que se chegou a tomar medidas concretas para dificultar o fluxo migratório. Se se tem em conta as condições de estagnação econômica, que prevaleciam em Portugal – particularmente na primeira metade do século XVIII, quando se desorganizaram suas pouco manufaturas - , para que a emigração suscitasse uma forte reação evidentemente deveria alcançar grandes proporções. Com efeito, tudo indica que a população colonial de origem européiadecuplicou no correr do século da mineração 69. Cabe admitir, demais, que o financiamento dessa transferência de população em boa medida foi feito pelos próprios imigrantes, os quais eram pessoas de pequenas posses que liquidavam seus bens, na ilusão de alcançar rapidamente uma fortuna no novo eldorado. Se bem que a base da economia mineira também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia açucareira. Os escravos em nenhum momento chegam a constituir a maioria da população. Por outro lado, a forma como se organiza o trabalho permite que o escravo tenha maior iniciativa e que circule num meio social mais complexo. Muitos escravos chegam mesmo a trabalhar por conta própria, comprometendo- se a pagar periodicamente uma quantia fixa a seu dono, o que lhes abre a possibilidade de comprar a própria liberdade. Esta simples possibilidade deveria constituir um fator altamente favorável ao seu desenvolvimento mental. No que respeita ao ambiente em que circula o homem livre – nascido na Metrópole ou na colônia – maiores ainda são as diferenças da economia mineira com respeito às terras do açúcar. Nestas últimas, abaixo da classe reduzida de senhores de engenho ou grandes proprietários de terra, nenhum homem livre lograva alcançar uma verdadeira expressão social. Ao estagnar-se a economia açucareira, as possibilidades de um homem livre para elevar-se socialmente se reduziram ainda mais. Em conseqüência, começou a avolumar-se Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB75 uma subclasse de homens livres sem positivo papel social, a qual em certas épocas chegou a constituir um problema. Na economia mineira, as possibilidades que tinha um homem livre com iniciativa eram muito maiores. Se dispunha de recursos podia organizar uma lavra em escala grande, com cem ou mais escravos. Contudo, o capital que imobilizava por escravo ou por unidade de produção era bem inferior ao que correspondia a um engenho real. Se eram reduzidos os seus recursos iniciais, podia limitar sua empresa às mínimas proporções permitidas pela disponibilidade de mão-de-obra, isto é, a um escravo. Por último, de seus recursos não lhe permitiam mais que financiar o próprio sustento durante um período limitado de tempo, podia trabalhar ele mesmo como faiscador. Se lhe favorecia a sorte, em pouco tempo ascenderia à posição de empresário. A natureza mesma da empresa mineira não permitia uma ligação à terra do tipo da que prevalecia nas regiões açucareiras. O capital fixo era reduzido, pois a vida de uma lavra era sempre algo incerto. A empresa estava organizada de foram a poder deslocar-se em tempo relativamente curto. Por outro lado, a elevada lucratividade do negócio induzia a concentrar na própria mineração todos os recursos disponíveis. A combinação desses dois fatores – incerteza e correspondente mobilidade da empresa, alta lucratividade e correspondente especialização – marcam a organização de toda a economia mineira. Sendo a lucratividade maior na etapa inicial da mineração, em cada região, a excessiva concentração de recursos nos trabalhos mineratórios conduzia sempre a grandes dificuldades de abastecimento. 69. A crer nas informações disponíveis, a população do Brasil teria alcançado 100.000 habitantes em 1600, um máximo de 300.000 em 1700 e ao redor de 3.250.000 em 1800. A população de origem européia seria de cerca de 30.000 em 1600 e dificilmente alcançaria 100.000 em 1700. Ignorando-se qualquer contribuição migratória européia ocorrida no século XVII, deduz-se que o crescimento vegetativo dessa Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB76 população permitia no máximo que a mesma triplicasse no correr do século. Se se admite esse ritmo de crescimento para o século seguinte, a população de origem européia deveria alcançar (ignorado o efeito migratório) cerca de 300.000 pessoas ao término do século XVIII. Como os dados de que se dispõe indicam para essa época uma população de origem européia de algo mais de um milhão, deduz-se que a emigração portuguesa para o Brasil no século da mineração não terá sido inferior a 300.000 e poderá haver alcançado meio milhão. Sendo assim, cabe deduzir que Portugal contribuiu com um maior contingente de população para o Brasil do que a Espanha para todas as suas colônias da América. A fome acompanhava sempre a riqueza nas regiões do ouro. A elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte nas regiões vizinhas constituiu o mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mineração. A pecuária, que encontrava no sul um habitat excepcionalmente favorável para desenvolver-se – e que, não obstante sua baixíssima rentabilidade, subsistia graças às exportações de couro – passará por uma verdadeira revolução com o advento da economia mineira. O gado do sul, cujos preços haviam permanecido sempre a níveis extremamente baixos, comparativamente aos que prevaleciam na região açucareira, valoriza-se rapidamente e alcança, em ocasiões, preços excepcionalmente altos. O próprio gado do nordeste, cujo mercado definhava com a decadência da economia açucareira, tende a deslocar-se em busca do florescente mercado da região mineira. Esse deslocamento do gado nordestino teria que acarretar a elevação dos preços que pagavam os engenhos, razão pela qual provocou fortes reações oficiais e tentativas de interdição. Outra característica da economia mineira, de profundas conseqüências para as regiões vizinhas, radicava em seu sistema de transporte. Localizada a grande distancia do litoral, dispersa e em região montanhosa, a população mineira dependia para tudo Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB77 de um complexo sistema de transporte. A tropa de mulas constitui autentica infra-estrutura de todo o sistema. A quase inexistência de abastecimento local de alimentos, a grande distancia por terra que deviam percorrer todas as mercadorias importadas, a necessidade de vencer grandes caminhadas em região montanhosa para alcançar os locais de trabalho, tudo contribuía para que o sistema de transporte desempenhasse um papel básico no funcionamento da economia. Criou-se, assim, um grande mercado para animais de carga. Se se considera em conjunto a procura de gado para corte e de muares para transporte, a economia mineira constituiu, no século XVIII, um mercado de proporções superiores ao que havia proporcionado a economia açucareira em sua etapa de máxima prosperidade. Destarte, os benefícios que dela se irradiam para toda a região criatória do sul são substancialmente maiores do que os que recebeu o sertão nordestino. A região rio-grandense, onde a criação de mulas se desenvolveu em grande escala, foi, dessa forma, integrada no conjunto da economia brasileira. Cada ano subiam do Rio Grande do Sul dezenas de milhares de mulas, as quais constituíam a principal fonte de renda da região. Esses animais se concentravam na região de São Paulo onde, em grandes feiras, eram distribuídos aos compradores que provinham de diferentes regiões. Deste modo, a economia mineira, através de seus efeitos indiretos, permitiu que se articulassem as diferentes regiões do sul do país. Ao contrário do que ocorrera no nordeste, onde se partiu de um vazio econômico para a formação de uma economia pecuária depende da açucareira, no sul do país a pecuária preexistiu à mineração. Com efeito, o advento da mineração ocorreu quando a economia de subsistência de Piratininga havia já atravessado século e meio de pobreza. Além disso, no Rio Grande e mesmo no Mato gRosso já existia uma economiapecuária rudimentar de onde saía alguma exportação de couros. Essas distintas regiões viviam independentemente e tenderiam provavelmente a desenvolver-se, num regime de subsistência, sem vínculos de solidariedade econômica que as articulassem. A economia Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB78 mineira abriu um novo ciclo de desenvolvimento a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das terras e do rebanho. Por outro fez interdependentes as diferentes regiões, especializadas umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais mercados consumidores. É um equivoco supor que foi a criação que uniu essas regiões. Quem as uniu foi a procura de gado, que se irradiava do centro dinâmico constituído pela economia mineira. Estudamos na aula de hoje a formação e o funcionamento da economia mineira, isto é, do ciclo econômico do ouro na economia colonial brasileira. O resumo que fiz acima serviu de base para você entender a dinâmica deste ciclo. Sugiro que não deixe de ler o capitulo do livro de Celso Furtado, referenciado acima. Em síntese, o que deve ser ressaltado no aparecimento e consolidação da economia mineira é a fissura que este ciclo abre no sistema colonial: a formação de um incipiente mercado interno. Este se estabelece com a criação, em torno das regiões mineradoras, de novas áreas produtivas voltadas ao abastecimento das regiões das minas. Este mercado teve o condão de mobilizar e incentivar correntes comerciais entre diferentes pontos da colônia, que se encontravam política e economicamente isolados, até então. Para tanto, desenvolveu- se um sistema de transporte, em cima dos lombos de muares, que fez surgirem núcleos populacionais, origem de muitas das cidades brasileiras. Por outro lado, todo este movimento traz para o interior da colônia o seu eixo econômico e a sua razão de ser: retira do Nordeste açucareiro a sua dinâmica e a implanta no centro-sul. Na próxima aula, abordaremos o fluxo de renda e o declínio do ciclo do ouro. Conto com você: não perca! Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB79 Referência Bibliográfica FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Capítulo IX, Fluxo de Renda e Crescimento. Brasil/Portugal: Editora Fundo de Cultura, 1959.
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