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Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB91 Aula 09 Crise do Antigo Sistema Colonial Objetivos da Aula Os objetivos desta aula visam permitir a você compreender de que forma as transformações da sociedade européia se refletiram na economia brasileira do período colonial Ao final desta aula, você deverá estar apto a correlacionar e comparar as várias transformações históricas ocorridas no Brasil durante o período colonial, bem como saber como interpretar as razões da implantação de um capitalismo tardio no Brasil. Nesta aula, pretendemos abordar como as transformações pelas quais passava as nações do continente europeu se refletiam no Brasil colonial. Vejamos alguns pontos importantes a serem previamente analisados: • O desenvolvimento do capitalismo, o qual se restringiu basicamente à circulação de mercadorias (fruto da Revolução Comercial dos séc. XVI e XVIII), e desencadeado a partir da mecanização industrial, passa a desviar a acumulação de capitais da atividade comercial para o setor de produção. • Este processo denominado de Revolução Industrial trouxe grandes mudanças, de ordem tanto econômica quanto social, possibilitando a definitiva implantação do modo de produção capitalista; Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB92 • Com a Revolução Francesa, ruía na Europa um mundo velho, feudal, absolutista e aristocrático, ao mesmo tempo em que nascia uma nova ordem com as promessas e esperanças de Liberdade, Igualdade e Fraternidade; • Na colônia do Brasil, de um modo geral, o sistema colonial- mercantilista entrava em crise, aprofundando-se as contradições do colonialismo português, na mesma medida em que a metrópole procurava apertar ao máximo os laços e restrições que limitavam a economia brasileira. Vejamos agora uma análise mais pormenorizada de alguns dos principais motivos que desencadearam na crise do modelo colonial com repercussões no Brasil colônia, com base em alguns textos elucidativos. Os textos da aula de hoje serão: 1. A crise do colonialismo mercantilista; e 2. Progresso agrícola e colonialismo Estes textos se referem às mudanças ocorridas na passagem do séc. XVIII para o séc. XIX, e aos limites do sistema colonial. Muito importante para esta aula serão as leituras que você realizou na 2ª aula da disciplina Dimensão Humana Contemporânea, na qual foram vistos temas, tais como: Iluminismo, Revolução Francesa e Revolução Industrial. Por isso, solicitamos que volte a relê-los mais atenciosamente, pois serão de grande relevância para os tópicos desta aula. Boa leitura!!! A crise do colonialismo mercantilista Vejamos agora como este sistema caminha para a sua superação. A crise do mercantilismo foi gerada a partir de seu próprio funcionamento Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB93 – já que por definição o mercantilismo constitui-se em uma etapa transitória de desenvolvimento -, responsável pelo abandono das relações servis almejando o objetivo de se instaurar um capitalismo industrial integral. Para entendermos esta questão, analisemos mais detidamente a estrutura econômico-social encontrada nas colônias à época. Já vimos que a economia colonial se dividia em dois grandes setores. Um deles – o principal -, voltado para a produção exportadora, tinha como base o trabalho escravista nos moldes já aqui discutidos. Apareciam aí os famosos produtos do período – açúcar, tabaco, algodão, etc. –, que eram vendidos à metrópole no esquema de exclusividade comercial. É importante destacar que, se tratava de um setor escasso em capital, sem estímulo a aumentos de produtividade, pela própria natureza do trabalho escravo, e cuja situação subumana é condição para a dominação escravista. Assim, o crescimento deste setor ocorria a partir de aumentos de escala, com a incorporação de novas terras e escravos. Era uma economia dilapidadora, pois estava restrita à abundância de fatores de produção. O segundo setor – complementar ao primeiro –, constituía-se nas culturas de subsistência, e na produção de bens que não eram importados da metrópole. Neste setor, mais do que no primeiro, faltava capital, o que reduzia também as possibilidades de incorporação do progresso técnico. Sua diferença principal estava na existência de trabalho livre e autônomo, mas por se tratar de setor muito estreito, não representava grandes mudanças na colônia como um todo. Em resumo, era uma economia muitíssimo dependente – diretamente dependente do primeiro setor e indiretamente do segundo. O mercado interno era deveras restrito, já que as parcas rendas geradas desviavam- se para pagamentos de importações metropolitanas, ou ainda para a compra de escravos provenientes de comerciantes negreiros. Some-se Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB94 a isto o trabalho escravo sem remuneração de salários, e a existência de vastas áreas de produção de subsistência, e teremos, desta forma, uma economia cuja dinâmica se assenta quase que exclusivamente no exterior com um mercado interno bastante reduzido. Em termos sociais, sabemos que a colônia tinha basicamente duas classes: os escravos, e os grandes proprietários de terras. É fato que também, com o avanço da ocupação territorial, e o surgimento de aglomerados urbanos, aparece uma classe intermediária com outras funções sociais, tais como: funções militares, religiosas e administrativas, as quais introduziram mais complexidade ao sistema social, sem alterar, entretanto, o seu funcionamento básico. Enquanto os proprietários produziam para a Europa explorando o trabalho escravo; o restante da economia flutuava ao sabor deste setor meramente exportador, estando sempre subordinada aos seus interesses econômicos. Neste caso, estamos tocando em um ponto chave no que diz respeito ao funcionamento do sistema colonial. A concentração de poder e de renda – da pequena parcela que sobra à colônia –, nas mãos dos senhores escravistas era fundamental para a manutenção do equilíbrio colonial. Estes, ao se beneficiarem do esquema, eram responsáveis por administrá-lo e reproduzi-lo, aumentando os lucros europeus. Na realidade, como bem mostra Novais (1993), a burguesia européia explorava a elite colonial, que por sua vez explorava os escravos. Fechava-se, assim, o ciclo exploratório. Este equilíbrio social contribuía, portanto, no sentido de favorecer a primitiva acumulação de capitais nos centros metropolitanos. Até então não apareceram muitos problemas, pois o sistema colonial trabalhava de forma coerente para o Velho Mundo. Se quisermos compreender onde está a contradição deste processo deveremos deslocar nossa análise para o capitalismo mercantil europeu, pois lá encontraremos o que realmente buscamos. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB95 Já vimos também que a colonização colocou os novos territórios nos trilhos, canalizando os excedentes produtivos para o enriquecimento europeu. Nada mais natural, então, do que as metrópoles sendo capazes de dirigirem seus lucros para as classes burguesas darem então o salto industrial. De fato, é o que ocorreu com a Inglaterra. A partir da capitalização atingida neste período, direcionando-se toda a riqueza obtida à sua matriz institucional (a metrópole inglesa), os ingleses foram capazes de realizar a chamada Revolução Industrial. Não temos aqui nem o espaço nem o intuito de analisar esta que talvez tenha sido uma das maiores transformações já ocorridas na civilização. A nós interessará, entretanto, o impacto do início da produção mecanizada e de larga escala para compreendermos melhoro nosso esquema colonial. Aparece, neste caso, a grande contradição do sistema colonial. Pois, enquanto a produção de bens metropolitanos era de baixa escala e limitada, necessitava-se então de poucos e pequenos mercados para sua vazão. Com o advento da mecanização, e subseqüente confecção de bens em larga escala, surgiu a grande necessidade de novos mercados que consumam a produção metropolitana. As colônias, com seu reduzido mercado interno, passaram, portanto, a representar um bloqueio. e não um estímulo ao avanço capitalista. Completa-se aqui, de certa forma, a transição por nós então discutida. Pode-se dizer que, o sistema colonial cumpriu bem seu papel na etapa intermediária do capitalismo mercantil. Sendo que o Ultramar contribui para gerar as estruturas que acabaram sendo responsáveis pela dissolução do Antigo Regime, e também do Antigo Sistema Colonial, conforme resume Novais. Se recordarmos bem o que indicamos ante o propósito do capitalismo comercial como fase intermediária entre a desintegração do feudalismo, e a Revolução Industrial, podemos salientar que, o sistema colonial mercantilista apresentou-se de modo a atuar sobre os dois pré-requisitos básicos de passagem para o capitalismo industrial: efetivamente, a exploração colonial ultramarina promoveu, por um lado, a primitiva acumulação capitalista por parte da camada empresarial; sendo que por outro lado, ampliou o mercado consumidor de produtos manufaturados. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB96 Atuou, pois, simultaneamente, de um lado, criando a possibilidade do surto maquinofatureiro (decorrente da acumulação capitalista); e por outro lado, gerando a sua necessidade premente (decorrente da expansão da procura dos produtos manufaturados). Criaram-se assim, os pré-requisitos para a Revolução Industrial, ou seja, o processo histórico da emergência do capitalismo. Assim, pois, chegamos ao núcleo da dinâmica do sistema colonial, ou seja: ao funcionar plenamente, ele foi criando ao mesmo tempo as condições de sua crise e necessária superação. Na verdade, não foi preciso que o avanço industrial se completasse como um todo para que o sistema entrasse em colapso. Já nos primeiros passos, a partir dos anos de 1700, surgiram tensões de toda ordem que vão minando o funcionamento colonial. Nas disputas acirradas entre as metrópoles com o objetivo de manter a sua exclusividade comercial – agora cada vez mais importante ainda –, e com o fortalecimento das elites locais que passam também, aos poucos a acumular capitais, enfim em todo o mundo colonial começaram a surgir os reflexos da mercantilização das relações de produção. As conseqüências sociais e políticas se fizeram sentir em paralelo ao processo capitalista. Como bem diz Novais (1993), não foi preciso que o capitalismo industrial atingisse seus mais altos graus de desenvolvimento e expansão para que o sistema colonial escravista entrasse em colapso. Em 1776, assistimos à independência americana que significou a inadmissível, diga-se de passagem, ruptura do pacto colonial. Iniciava- se, assim, a então chamada crise do Antigo Regime Colonial. Progresso agrícola e colonialismo O desenvolvimento da agricultura de exportação no alvorecer do período colonial não representou, em nenhum momento, qualquer perspectiva de alteração do caráter da colônia ou de mudança de suas estruturas essenciais. Ao contrário, o quadro em que se deu o Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB97 fato é perfeitamente enquadrado nos mecanismos do colonialismo mercantilista, e estes mecanismos foram, de certa forma, muito mais estritos do que no início do período colonial. Já no nível imediato da produção, o caráter da colônia se apresentou integralmente nas novas áreas produtoras e nas novas unidades organizadas. A clássica plantation latifundiária e escravista, produzindo em regime de monocultura para o mercado externo, mantém-se idêntica à do século XVI. O caráter predatório da exploração também é o mesmo. Tanto que, às vésperas da Independência, os produtores coloniais continuavam destruindo matas por intermédio das queimadas, usando métodos rudimentares de plantio, trato e colheita. Os engenhos de açúcar continuaram queimando lenha desbragadamente, quando em outras colônias, inglesas por exemplo, já se usava rotineiramente o bagaço da cana como combustível. A terra continuou a ser desgastada rapidamente, sem qualquer descanso ou adubação. Quanto às técnicas, não houve qualquer preocupação em aperfeiçoá-las. A tração animal para as moendas de cana era usada, em 1777, em Pernambuco, em cerca de 351 engenhos, havendo apenas 18 deles que utilizavam água corrente como força motriz, ou seja, com rendimento quase que dobrado. O algodão sofreria logo as conseqüências do atraso técnico. Desde 1792, nossos concorrentes norte-americanos do sul passaram a usar a descaroçadeira mecânica da Whitney, a saw-gin. No Brasil, durante muitas décadas ainda se usaria o método manual churca, de milenar origem oriental, o que ocasionaria em muito a derrota competitiva frente aos mercados internacionais, em razão da sua baixa produtividade. Se no nível da produção persistia (e ainda persistiria por muito tempo) o típico atraso colonial, no nível da comercialização o sistema mercantil fazia valer suas limitações e restrições. Desde o tempo de Pombal, com a criação das Companhias de Comércio, o atrelamento dos produtores da colônia aos interesses comerciais monopolistas da Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB98 metrópole era total. Enquanto em escala atlântica, o sistema colonial dava os primeiros sinais de crise; na Europa, o regime absolutista luso reforçava seus laços com o Brasil, do qual ele se acostumara efetivamente a viver, do ponto de vista da exploração econômica. Restrições e Proibições – Na verdade, tudo se passava como se o próprio fantasma da crise do colonialismo, tornado assustador pela Independência dos EUA, em 1776, estimulasse o absolutismo mercantilista português a tomar novas medidas de defesa de seu domínio. Além do esforço da vigilância nos portos (que não impedia o contrabando mas o dificultava), a administração lusa ampliou as suas restrições, não apenas à liberdade de comércio mas também à própria produção. A mais importante medida neste sentido foi o Alvará de 5 de janeiro de 1785, de proibição de manufaturas, baixado por D. Maria I. O alvará ordenava que todas as manufaturas pudessem ser extintas, e abolidas em qualquer parte onde se achassem nos domínios da Coroa Portuguesa no Brasil, sob pena de confisco e multa, excetuando-se as pequenas manufaturas (normalmente de caráter doméstico), que produziam tecidos grosseiros para escravos ou para enfardar e ensacar artigos. A proibição era justificada, no preâmbulo do alvará, tendo em vista que as manufaturas desviavam braços da lavoura e das minas. Justificativa evidentemente insustentável, por duas razões: em primeiro lugar, porque o declínio da mineração havia liberado mão- de-obra das lavras; e em segundo lugar, porque, nos outros setores, a importação de escravos africanos havia sido mantida em larga escala, ou seja, o número de manufaturas existentes não era grande, nem usava muita mão-de-obra, a ponto de prejudicar a lavoura, ainda mais se levarmos em conta que nos engenhos do nordeste os artesãos que produziam tecidos grosseiros, e outros artigos eram os próprios escravos da lavoura, não muito ocupados nas épocas de entressafra. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB99 Na verdade, tratava-se de uma restriçãode âmbito muito mais amplo, baseada em preocupações que iam além das incipientes e escassas manufaturas coloniais. Estas não podiam representar uma concorrência com a metrópole, em vista do seu atraso, baixa produtividade e caráter doméstico. Além disso, em razão da concorrência, elas só podiam se fazer presentes no setor de tecidos desde que isto não afetasse diretamente a indústria portuguesa; pois esta, como já vimos anteriormente, nunca foi muito florescente, uma vez que era por demais dependente das importações inglesas. A título de curiosidade, em 1796, dos cerca de 558 contos de lãs reexportadas de Portugal, apenas 300 eram de lãs compradas pelos britânicos 15. Ao invés de concorrer com a produção reinol, a pobre Manufatura brasileira poderia eventualmente se dedicar ao comércio monopolizado que os mercadores metropolitanos desenvolviam a partir de produtos comprados em outras terras, e reexportados para a colônia. Mas, um dos que mais se batera pela proibição de 1785, o chefe de polícia Pina Manique, ofereceu outras pistas interessantes para explicar o alvará de Maria I. Em repetidas representações ao ministro Martinho de Melo e Castro, Pina insistia nos prejuízos que a produção de tecido na colônia acarretava à Fazenda de Sua Majestade. Este homem era membro proeminente da burocracia lusa, acumulando os cargos de intendente-geral de polícia, administrador da alfândega de Lisboa, feitor-mor de todas as alfândegas de Portugal, diretor das casas pias, administrador da limpeza e das calçadas das ruas, e empresário da iluminação da Capital do Reino.16 Sua argumentação não se limitava às queixas acerca da concorrência que as manufaturas brasileiras pudessem oferecer. Pelo contrário, insistia “no contrabando de tecidos que os ingleses realizavam em nossos portos, vendendo-nos tecidos que ainda não fabricávamos a preços muito mais baixos que os artigos congêneres da metrópole”. 15. Cf. AZEVEDO, J. Lúcio. Épocas de Portugal Econômico. São Paulo: Editora Teixeira, 1929, p. 457. 16. LIMA, H. Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil. São Paulo: Editora Nacional (col. Brasiliana), 1970, p. 65. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB100 Segundo Martinho de Melo e Castro, ... “doze navios ingleses, o menor dos quais de 500 a 600 toneladas, com artilharia proporcionada e 40 a 50 homens de equipagem, dedicavam-se a esse comércio ilegal, deixando “um lucro de 30 a 40 por cento abatidos todos os riscos”, conforme relação publicada pelo cônsul inglês em Lisboa”. Na impossibilidade de vigiar os portos, e impedir completamente o contrabando inglês, as autoridades coloniais lusas resolveram impedir a produção local de panos, para que os tecidos contrabandeados não se confundissem com aquela outra produção; o contrabando, intensificado ao extremo nesta época de início da crise do sistema colonial, exigia do colonialismo mercantilista português medidas que reforçassem de alguma forma sua exclusividade comercial. O alvará de 1785 tinha, assim, um claro sentido político. Na sua execução, muitas manufaturas foram destruídas, registrando-se logo de início pelo menos 16 casos, no Rio de Janeiro, em que as oficinas foram desmontadas e remetidas para Lisboa, ficando os produtos nelas encontrados, uma metade em poder dos denunciantes, e outra metade em poder dos oficiais que executaram a medida. Além do alvará, muitas outras medidas restricionistas foram adotadas nas últimas décadas do século XVIII, tentando preservar o sistema monopolista às vésperas de sua crise definitiva. Além da proibição do fabrico de açúcar no Maranhão em 1761, deu-se ordem para que fossem desmontados os engenhos de Minas Gerais, cujos regulamentos chegavam a exigir o fim da criação de muares, e o fim também de outras restrições confusas as quais nunca puderam ser adotadas na prática, chegando-se a ordenar inclusive que as pessoas muito ricas se mudassem para o Reino, segundo Lemos Brito.17 Este conjunto de restrições, coincidindo com o renascimento agrícola e o decorrente crescimento das exportações, serviu para evidenciar junto à elite agrária da colônia, as contradições do colonialismo mercantilista, que necessitava do desenvolvimento da produção 17. BRITO, Lemos. Pontos de Partida para a História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional (col. Brasiliana), 1939. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB101 brasileira, mas tinha de controlá-lo, dificultando-o, portanto. O sistema de exclusividade monopolista do comércio, fazendo os produtores coloniais comprarem manufaturas mais caras do que as dos contrabandistas ingleses, ao mesmo tempo em que os obrigava a vender seus produtos a preços impostos pelos mercadores lusos, e, portanto, bem mais baixos que os de livre intercâmbio internacional, tornava-se cada vez mais odioso para os senhores da terra. Estes sentiam todo o peso do sistema quando percebiam que o preço do açúcar, vendido aos mercadores reinóis, era de 2 mil réis a arroba, enquanto estes mesmos reinóis o vendiam na Europa a 4 mil réis.18 E quando começaram a perceber que poderiam então vender muito mais de seus produtos se pudessem vendê-los para todas as nações possíveis, e a preços concorrenciais, ou seja, a partir deste momento começaram a levar mais em conta as idéias até então estranhas da minoria de seus intelectuais que se havia embebido nas escolas européias de certos postulados do liberalismo. E é esta elite colonial justamente quem começou a falar como o Bispo Azeredo Coutinho costumava dizer: “O meio de promover e adiantar a indústria da nação... é deixar a cada um a liberdade de tirar um maior interesse de seu trabalho...”19 LIBERALISMO E LIVRE-COMÉRCIO As mudanças ocorrida na Inglaterra, dentro das condições de produção, conforme o seu aparato técnico disponível, e as suas relações sociais presentes, possibilitaram a emergência de novos grupos no seio de sua camada dominante. Estes grupos que ascendiam, fortalecidos economicamente, traziam interesses próprios que procuravam fazer valer politicamente. As instituições parlamentares inglesas eram flexíveis o bastante para permitir certa mobilidade na representação de classes. Claro que, dentro dos limites do que citamos acima, ou seja, 18. ARRUDA, J.J. de Andrade, op. cit., p. 323. 19. op. cit., p. 28. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB102 “...o dinheiro não só falava, como também governava. Tudo o que um industrial necessitava adquirir para ser admitido entre os regedores da sociedade era bastante dinheiro”. A representação no Parlamento não era apenas simbólica, mas realmente definidora do grau de poder. Lutava-se pelo controle do Estado, de forma a adequar sua legislação e administração, mesmo sendo à força de persuasão e repressão aos novos interesses que se criavam agora com a produção industrial. Tais interesses opunham-se à velha política de proteção, concessões, privilégios e monopólios que só beneficiavam aqueles que até então haviam contado com a graça do poder real. Ao Estado “amo do poder econômico” sucedia-se agora o estado “criatura do poder econômico”. Sua função passava a ser a de criar as melhores condições possíveis para o livre desenvolvimento do capital, quer dizer, sua máxima reprodução em um mínimo de tempo. Desta forma, a liberdade econômica era o valor maior apregoado pelos grupos burgueses em ascensão. Já na segunda metade do século XVII, aboliram-se na Inglaterra muitas das regulamentações que restringiam a indústria doméstica; pois o sistema de grêmios e corporações sofria muitas transformações diante do aparecimentode novos sistemas concorrentes; etc. A liberdade de comércio, embora não sem retrocessos, e foi-se afirmando muito durante o século XVIII. O crescimento do comércio minava os direitos de monopólio das grandes companhias regulamentadas, possibilitando o aparecimento de comerciantes independentes ou livres, e dos chamados não autorizados. As práticas liberais, à medida que se desenvolviam, iam-se consubstanciando numa crítica à velha política intervencionista, agora chamada pejorativamente de mercantil, e em um corpo de doutrinas e valores que alcançou sua máxima expressão com os escritos de Ricardo e Adam Smith. A intervenção do estado foi sendo limitada, a passo que o monopólio desaparecia, e a concorrência, conseqüentemente, aumentava. O crescimento da produção industrial era a principal causa destas tendências, ao mesmo tempo em que era reforçado por elas. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB103 Na passagem do século XVIII para o XIX, quando os interesses capitalistas se impunham como dominantes no Parlamento inglês, a Grã-Bretanha aparecia como a grande defensora do livre-comércio no plano internacional. Pois, o avanço na sua produção industrial, ao mesmo tempo que exigia, para sua continuidade, uma constante expansão de mercados, dava-lhe maiores vantagens sobre seus concorrentes. Portanto, a Inglaterra aparecia então como uma ameaça para as demais potências competidoras, que tomavam como contrapartida uma reafirmação da política protecionista, tanto sobre seu território como sobre os de suas colônias. As vantagens do comércio livre, com estas últimas medidas, ficavam patentes, pois como bem ressalta Eric Williams: “O velho sistema colonial havia-se baseado na idéia de que, sem um monopólio do mercado colonial, as manufaturas britânicas não venderiam. O outro aspecto do quadro monopolista, isto é, o monopólio colonial do mercado metropolitano, se baseava na mesma presunção. O velho sistema colonial, em outras palavras, era uma negação do princípio de que o comércio deve achar suas saídas naturais. A independência norte-americana desbaratou essas falácias. Em julho de 1783, uma Ordem no Conselho decretou o tráfico livre entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. As importações britânicas das colônias americanas aumentaram em cinqüenta por cento entre 1784 e 1790”. Não passaram também desapercebidas a contemporâneos, como Merivale, as vantagens dos novos tipos de relações que se estabeleceram com o livre-comércio: “O comércio entre a Mãe pátria e a colônia era só um tráfico de mascates, comparado como esse vasto intercâmbio internacional, o maior que o mundo já conheceu, que cresceu entre eles quando substituíram o laço da sujeição pelo da igualdade.” OS LIMITES DO SISTEMA COLONIAL A expansão colonial nos velhos moldes mercantis encontrava seus limites na forma predatória de exploração dos recursos existentes. Embora Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB104 estes ainda não se esgotassem, a sociedade que envolvia a colonização deixava também poucas margens para o desenvolvimento de uma economia de mercado, devido fundamentalmente ao predomínio do trabalho escravo. Tal conformação do mundo colonial respondia, de certa forma, ao funcionamento do sistema, pois, enquanto que as economias metropolitanas se desenvolveram apenas no nível da acumulação primitiva de capitais, a produção industrial se expandira no nível meramente artesanal, ou mesmo ainda manufatureiro. Quando, porém, esta etapa foi ultrapassada, com a mecanização da produção em um volume e ritmo que passaram a exigir do ultramar mais amplas faixas de consumo, o que se tornava imprescindível era o aprofundamento da economia de mercado livre. Então, a partir daí, o sistema se teve de comprometer muito mais do que a sua capacidade produtiva lhe permitia, e isto fez com que ele entrasse, vertiginosamente, em crise. Acontecia, portanto, que o próprio desenvolvimento da estrutura levava à sua crise e conseqüente superação. Antes que se esgotassem suas possibilidades, quer dizer, antes que se atingissem os limites da exploração colonial, já as tensões geradas em decorrência dela impunham necessárias transformações urgentes. Portanto, não foi necessário o pleno desenvolvimento do capitalismo para que o sistema mercantil-escravista entrasse em crise. Bastaram- se apenas os primeiros passos da Revolução Industrial para que a crise se efetivasse. Não era por pura coincidência então que a Grã-Bretanha havia sido a primeira nação a passar por esta revolução, e a ganhar a competição que se desenvolvia entre as metrópoles européias a partir da dominação pelo ultramar. Desde 1763, a Inglaterra havia imposto novas restrições e controles sobre suas colônias americanas, tendo intensificado a penetração comercial nas colônias ibéricas, quer tenha sido via metrópole, quer tenha sido pelo próprio contrabando. Entretanto, funcionando plenamente, “o sistema restritivo engendrava tensões de toda ordem. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB105 Quanto mais se avançava neste processo, menos a Inglaterra podia suportar o comércio ‘independente’ feito por seus colonos americanos; e cada vez mais o contrabando com as colônias ibéricas se tornava insuficiente para o escoamento de sua produção fabril. Foi dentro desse contexto de tensões no sistema colonial, a exigir mudanças, alterações e readaptações, que se produziram as lutas de independência.” Esta aula foi dedicada ao estudo da crise do regime colonial. Nos textos que foram lidos, pudemos apreender as seguintes situações: a-) como as transformações ocorridas no continente europeu, principalmente em decorrência da Revolução Industrial, afetaram as estruturas socioeconômicas das colônias americanas; b-) como se comportou a metrópole portuguesa diante desta crise, e quais as conseqüências para a economia brasileira. Na próxima aula, veremos a situação econômica ao final do século XVIII, e o declínio econômico nas primeiras décadas do século XIX. Até lá! Referência Bibliográfica REGO, José M. & GALA, Paulo. A Crise do Colonialismo Mercantilista. In REGO, José & MARQUES, Rosa M. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 68-70 MENDES JR. Antonio, RONCARI, Luiz e MARANHÃO , Ricardo. Brasil Historia: texto e consulta – 2 Império. São Paulo: Brasiliense, 1979, pp. 42-43 e 52-54
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