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Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB191 Aula 13 O comércio do café e a industrialização Objetivos da Aula Os objetivos desta aula visam possibilitar a você estudar como o ciclo econômico do café permitiu o aparecimento e o estabelecimento de um incipiente processo de industrialização. Neste caso, trataremos de verificar os fatores indutores ao surgimento de unidades manufatureiras na economia brasileira, tendo a economia cafeeira como matriz de acumulação de capital necessária ao estabelecimento daquele sistema. Ao final desta aula, você deverá estar apto a ter uma clara noção dos fatores originários da conformação do processo de industrialização brasileira, tendo como pólo o Estado de São Paulo. Desta forma, você deverá ser capaz de analisar, de um ponto de vista histórico-econômico, os condicionantes e os fatores indutores do desenvolvimento econômico brasileiro. Nesta aula vamos estudar dois textos muito interessantes, são eles: As tentativas de industrialização no século XIX; e Primeiras fábricas e formação do capital industrial. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB192 As tentativas de industrialização no século XIX As tentativas de industrialização na colônia, especialmente no século XVIII, sofreram forte oposição de Portugal. Apesar de haver sempre alguma atividade artesanal nas cidades e nas fazendas, elas não evoluíram na constituição de uma produção fabril. A indústria colonial logo que aparecia e começava a se desenvolver era objeto de perseguição pela metrópole. As indústrias têxteis e de ferro são importantes exemplos dessa situação, pois elas assumem um papel estratégico nas revoluções industriais ocorridas em vários países. A indústria têxtil surge como atividade artesanal nas cidades e nas fazendas, mas se desenvolve e tende a tornar-se atividade autônoma e com dimensões razoáveis, aproveitando a matéria-prima local abundante e o mercado de certo porte. Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro aparecem, na segunda metade do século XVIII, manufaturas autônomas e relativamente grandes. Temendo essa concorrência, a metrópole proíbe, em 1785, toda a atividade têxtil na colônia, com exceção da fabricação dos panos grossos de algodão para as vestimentas dos escravos e para sacaria. Esse será um duro golpe na indústria têxtil da colônia. A indústria do ferro também foi duramente perseguida. Em Minas Gerais, especialmente, a siderurgia contava com matéria-prima abundante e com o amplo mercado do setor de mineração, bastante prejudicado pelos altos preços de importação e dificuldades de transporte. Mas a defesa do monopólio do comércio pela metrópole levou à perseguição até dos profissionais que sabiam fundir metais. Somente em 1795, os ventos mudam e passam a ser permitidas as manufaturas de ferro, com as forjas produzindo instrumentos de trabalho e ferraduras. As aspirações industrialistas no século XVIII também estão presentes no ideário da Inconfidência Mineira, já que as manufaturas ocupam Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB193 papel importante na nova ordem econômica a ser instaurada. José Alves Maciel é o inconfidente encarregado de cuidar dessa industrialização, em função da sua estada na Inglaterra, país em que pode observar o desenvolvimento industrial. Com a vinda da Corte para o Brasil haverá tentativas de industrialização no quadro do mercantilismo estatal, baseado nas experiências colbertistas, já utilizadas com certo êxito por Pombal, em Portugal. O Alvará de 1º de abril de 1808 revogou as proibições do regime colonial e expôs os compromissos com a industrialização para o aumento da riqueza nacional ao promover o desenvolvimento demográfico, dando trabalho aos que não se enquadravam na estrutura econômico-social vigente. O Alvará de 28 de abril de 1809 estabelecia medidas práticas: [...] concedendo isenção de direitos aduaneiros às matérias-primas necessárias às fabricas nacionais, isenção de impostos de exportação para os produtos manufaturados no país, utilização de artigos nacionais no fardamento de tropas reais, concessão de privilégios exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas máquinas e a distribuição anual de 60 mil cruzados, produtos de uma loteria do Estado, às manufaturas que necessitassem de auxílio, particularmente as de lã, algodão, seda, ferro e aço. Trata-se da instituição de verdadeiros monopólios fabris, uma situação já vivida na era medieval na Europa, característica de períodos anteriores às revoluções industriais. O Tratado de 1810 com a Inglaterra, bem como a sua continuidade após a Independência, pelo Tratado de 1827, reduziu as tarifas de importação a níveis bastante baixos, impedindo qualquer competição entre uma possível produção industrial interna e os produtos importados da Inglaterra e França, que realizaram suas revoluções industriais no último quartel do século XVIII. Esta é a posição assumida por autores como Caio Prado Junior e Roberto Simonsen. Nícia Vilela Luz, por exemplo, chama a atenção para o desenvolvimento da indústria Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB194 têxtil no país durante a década de 1840, após expirar o tratado com a Inglaterra em 1843. Posição oposta é a de Celso Furtado, para quem os Tratados de 1810 e 1827 não foram obstáculos à industrialização do país. Segundo Furtado, a forte desvalorização sofrida na época pela moeda nacional em função da queda dos preços dos produtos exportados teve o efeito protecionista semelhante a uma tarifa de importação de 50% ad valorem. Para Celso Furtado, comparando o desenvolvimento industrial do Brasil com o dos Estados Unidos, as especificidades norte-americanas começam pela própria base social que dominava o país, constituía-se por pequenos agricultores e grandes comerciantes urbanos. No Brasil, o poder político e econômico era dos grandes agricultores escravistas. Além disso, o desenvolvimento industrial das colônias americanas foi muito mais intenso que no Brasil. Como na colônia inglesa, a agricultura de exportação não deu resultados, e foram admitidas indústrias que produzissem para o mercado interno sem competir com a produção da metrópole. A produção de ferro foi fomentada para permitir à Inglaterra reduzir sua dependência em relação aos países bálticos. Após a independência norte-americana, ocorre enorme aumento da demanda por algodão, provocado pela revolução industrial, engajando os EUA nesse processo desde o seu início. E os Estados Unidos serão os grandes fornecedores dessa matéria-prima, que chegou a responder por mais da metade do valor das suas exportações. As ações estatais em prol da industrialização e na construção da infra-estrutura básica, especialmente na primeira metade do século XIX, conforme preconizara Hamilton, mais a colaboração de capitais ingleses, serão fundamentais para um desenvolvimento industrial intenso, num circulo virtuoso que será exponenciado pelo grande crescimento da imigração para o país. Com a expiração dos tratados de livre-comércio no Brasil no início dos anos 1840, é promulgada, em 1844, a tarifa Alves Branco, que institui uma tarifa de importação de 30% para a maior parte dos produtos, Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB195 inclusive os tecidos e algodão, que chega a 60% no caso de alguns produtos já fabricados no país. Essas tarifas inauguram uma nova fase da industrialização, com o benefício de tarifas protecionistas, e com o abandono dos privilégios e subvenções estatais. A maior expansão econômica do país na metade do século impulsionou aindústria têxtil especialmente na Bahia, além do Rio de Janeiro, Minas Gerais, e mesmo em Alagoas. Em 1884, as maiores fábricas têxteis ainda eram aquelas que foram criadas nos anos 1840, em função da reforma tarifária de 1844 e da facilidade na importação de equipamento estabelecida em um decreto de 1846. A indústria metalúrgica também se desenvolve em pequena escala na região açucareira, principalmente em Recife. Mas o exemplo mais notável nesse setor é o de Irineu Evangelista de Sousa, com seu estaleiro próximo a Niterói, que chega a construir até barcos a vapor. Esses esforços, entretanto, não conseguiram consolidar o desenvolvimento industrial do país nas décadas de 1840 a 1870. As fábricas que subsistiram nesse período foram beneficiadas com privilégios de exploração, subvenções governamentais e isenções de impostos de importação. A supremacia dos interesses agrários, com a proeminência do café, impedia o uso das tarifas de importação efetivamente protecionistas. Essas tarifas tinham sempre um interesse fiscal, na medida em que a maior parte da arrecadação de impostos era representada pelas tarifas de importação. Na verdade, com as reformas alfandegárias de 1857 e 1860, não foram atendidos nem os interesses industriais, nem os princípios liberais, defensores do livre- comércio. As tarifas de importação, ao mesmo tempo que cumpriam o seu papel fiscal, não podiam contrariar os interesses da agricultura monocultora de exportação, que exigia o barateamento dos gêneros de primeira necessidade, boa parte importada. É interessante observar que essas primeiras tentativas de industrialização já trazem no seu nascedouro aquilo que Maria Conceição Tavares chamou de duplo caráter do processo de substituição de importações. Se por um lado, a produção interna de Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB196 um bem antes importado substitui importações, por outro provoca uma mudança na pauta de importações do país. Por exemplo, a produção de tecidos no país provoca a importação de máquinas têxteis inglesas, conforme pode ser verificado na Tabela 4.9. Assim, não ocorre uma redução das exportações inglesas para o Brasil, mas um deslocamento: a exportação de tecidos de baixa qualidade e de baixo valor agregado para o país é substituída por máquinas e tecidos de luxo. Exportações da Grã-Bretanha para o Brasil entre 1850-1904 (em %) Período Produtos têxteis Bens de consumo não - têxteis Bens de capital Outros Total 1850-54 75,55 9,82 14,23 3,40 100 1855-59 65,88 11,48 18,04 4,60 100 1860-64 68,02 10,69 14,90 6,39 100 1865-69 68,48 10,18 15,77 5,57 100 1870-74 57,39 9,78 26,01 6,82 100 1875-79 60,24 8,94 23,56 7,26 100 1880-84 56,54 9,26 26,93 7,27 100 1885-89 56,73 9,92 28,36 4,99 100 1890-94 48,85 9,20 36,79 5,16 100 1895-99 47,14 9,72 38,96 4,18 100 1900-04 45,11 6,99 41,60 6,30 100 Fonte: GRAHAM, 1968, p. 330, apud DOWBOR, 1982, p. 99. No final da década de 1860 haverá uma retomada das atividades industriais, em função da guerra civil norte-americana e da Guerra do Paraguai. A guerra nos Estados Unidos provocou grande desenvolvimento da produção de algodão no Brasil, resultando no renascimento da indústria do algodão no país. Já a Guerra do Paraguai teve repercussões bem mais amplas, extrapolando a indústria de tecidos e envolvendo outros setores, como o de produtos químicos, Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB197 instrumentos óticos e náuticos, couros, vidros, chapéus, cigarros, papel, etc. Além das emissões monetárias provocadas pela guerra, as necessidades fiscais levaram à elevação das tarifas de importação, aumentando o grau de proteção à industria nativa. A crise do açúcar e algodão ocasionada pela queda de seus preços no mercado internacional vai desviar para as atividades industriais parte dos capitais antes empregados na agricultura. No período 1870-1875 são criadas algumas fábricas de certa importância no Rio de Janeiro, como a Brasil Industrial, a Petropolitana e a São Pedro da Aldeia, bem como algumas unidades no interior de São Paulo. Em 1884, das 27 fábricas existentes com data de fundação conhecida, 10 haviam sido criadas no período destacado acima e respondiam por 47% do estoque de teares. Em 1875, a crise econômica nos países industrializados, iniciando o longo período da primeira grande depressão capitalista, atinge o Brasil, provocando entre outras coisas, a falência dos Bancos Nacional de Mauá. A economia brasileira ingressa também em um período de instabilidade, que será agravada pela crise cafeeira da primeira metade dos anos 1880. Simultaneamente, a incipiente indústria nacional tem de enfrentar uma concorrência européia cada vez maior, potencializada pelo progresso técnico de suas indústrias, pelo desenvolvimento dos transportes, especialmente a penetração das ferrovias pelo interior do país, bem como a instalação de linhas telegráficas. Em função disso, em 1880 é fundada a Associação Industrial, voltada para a defesa das atividades industriais no país. Seu primeiro presidente é Antonio elicio dos Santos, empresário do setor têxtil. Em seu primeiro manifesto, defende a industrialização do país para conseguir a independência econômica, atrair capitais e mão-de-obra estrangeiros, empregar a população urbana desocupada, livrar o país da dependência da economia monocultora exportadora e diminuir as importações, equilibrando a balança comercial. No final do Império, em 1887, temos a tarifa Belisário, novamente Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB198 determinada por interesses fiscais, que sofreu oposição dos industriais por aumentar as taxas sobre suas matérias-primas e diminuí-las sobre a importação de sacaria, beneficiando, mais uma vez, a agricultura. Primeiras fábricas e formação do capital industrial 1.Antecedentes As primeiras fábricas surgiram, no Brasil, nas décadas iniciais do século XIX. Eram estabelecimentos de pequeno porte e tiveram, em geral, vida efêmera. Somente a partir de 1870 começaram a aumentar, em número e em importância, num processo que se intensificava entre os anos de 1885-1895. Muitos autores situam, nesse período, aquilo que se convencionou chamar de “nosso primeiro surto industrial”. Tratava- se, porém, de uma “industrialização” que possuía características bem diferentes daquelas assumidas pelo mesmo processo na Inglaterra, na Alemanha e em outros países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Para podermos entender essas diferenças e explicar porque surgiram e se mantiveram tais traços específicos, é necessário analisar, ainda que rapidamente, a situação geral da indústria brasileira no período colonial e as primeiras tentativas industrializantes efetuadas após a Independência. Atividades Industriais na colônia – Durante os três primeiros séculos de nossa história as atividades industriais (aqui entendidas no sentido genérico do termo) reduziam-se, praticamente, à fabricação do açúcar nos engenhos e à mineração. As técnicas utilizadas em ambos os casos eram bastante rudimentares, havendo pouca diferença entre o processo de fabricação do açúcar e da aguardente no século XVI e no início do século XIX. A produção de ouro era já bem reduzida em 1808, entretanto a mineração em decadência, cada vez mais acentuada, apesar da contratação de técnicos e engenheiros Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB199 europeus e de outras medidas adotadas por D. João VI. Durante esse longo período colonial, uma série de outras atividades industriais – artesanais e manufatureiras –, foram aqui desenvolvidas, porém, todaselas com caráter de atividade acessória, ocupando um papel secundário no conjunto da economia. É o caso, por exemplo, das diferentes tentativas de exploração metalúrgica com fundições de ferro, ou ainda da fabricação de tecidos e da construção naval. De fato, o minério de ferro era há muito conhecido no Brasil onde, especialmente na zona aurífera mineira, era aproveitado em pequenas forjas de tipo catalão para a fabricação de ferramentas, picaretas, pás, enxadas, machados, facas, facões, panelas, ferraduras, etc., tudo isso em quantidades ínfimas1. Aliás, tais explorações siderúrgicas datam do século XVI, quando Afonso Sardinha pôs em funcionamento a primeira “fábrica de ferro” do continente americano em Araçoiaba, nas proximidades da atual Sorocaba. Também a produção de tecidos data dos primeiros anos da colonização. O algodão, que já era conhecido e utilizado pelos indígenas, continuou a ser cultivado pelos portugueses em certas capitanias, dando origem a uma produção têxtil doméstica de certa importância, principalmente no Maranhão e no Pará, que chegou a exportar tecidos para o Reino. Também no Ceará e em São Paulo e, algum tempo depois, em Minas Gerais, desenvolveram-se manufaturas de tecidos. A distância que a separava do litoral e as dificuldades de transporte fizeram com que na região da mineração, em meados do século XVIII, começassem a surgir manufaturas de uma certa importância para atender às necessidades locais da população. Em alguns lugares, os tecidos eram finos e se exportavam para fora da Capitania, o que prejudicava os interesses de Lisboa. 1.Cf. ELLIS, Myriam. A mineração no Brasil no século XIX. In: História Geral da Civilização Brasileira, Tomo II, 4º volume. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB200 O próprio Marques de Lavradio, vice-rei do Brasil na época, confessava que “à força de eu reclamar, algumas fábricas que se iam fazendo mais públicas, como as do Pamplona e outras, se suprimiram; porém, as particulares que há em cada uma das fazendas, ainda a maior parte delas se conserva2. Eram teares com que se faziam panos e estopas e “diferentes drogas de linho, algodão e lã”. A construção naval foi a atividade industrial que reuniu, junto com os engenhos, o maior número de trabalhadores por unidade de produção durante a Colônia. Nela, a divisão do trabalho era bastante acentuada e exigia-se, para certas tarefas, uma especialização muito grande. No início, eram serviços de assistência aos navios em trânsito, quando necessitados de reparos. Logo a seguir, ainda no século XVI, pequenas embarcações para o desenvolvimento da navegação de cabotagem começaram a ser construídas. O estaleiro mais importante era o da Bahia, por ser a capital da colônia e por estar Salvador na rota dos navios da Carreira da Índia. No século XVIII foi relativamente grande o número de navios ali construídos, inclusive galeões para a travessia oceânica, naus, fragatas, corvetas e escunas. Havia estaleiros menores em Belém, São Luis, Recife, Ilhéus, Rio de Janeiro e São Vicente. O de Salvador apresentava-se como um complexo de edifícios ocupando largo espaço da ribeira e comportando fundições, carpintaria, armazéns, casa de velas, oficinas de pintores, alfaiates, etc. Assemelhar-se-ia a uma colméia...3 O Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro também passou a construir embarcações de grande porte a partir de 1764. Essa indústria de construção naval estimulou o aparecimento de várias outras manifestações manufatureiras nos séculos XVII e XVIII: confecção de cordas, velas, cabos, estopas e óleos. 2. LIMA, Heitor Ferreira, “Formação Industrial do Brasil”, Rio, editora Fundo de Cultura, 1961. pp. 152-154. 3. LAPA, J.R. Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. Brasiliana, vol. 338. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968, p. 62. Sobre a construção naval, ver, ainda do mesmo autor Economia Colonial, São Paulo: Perspectiva, 1973, cap. 4, “Historia de um navio”, pp. 231-278. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB201 Além das atividades acima mencionadas, ainda poderíamos lembrar a produção de charque e de produtos alimentícios, a preparação de fumo de corda, a fabricação do anil, a extração do sal, a produção de azeite de baleia usado na iluminação pública, a confecção de móveis, a construção civil (casas, pontes, aquedutos), como manifestações de atividades industriais e manufatureiras no Brasil Colônia. Sem falar na atividade artesanal que era exercida, tanto nos engenhos e fazendas, como nas cidades, por ferreiros, serralheiros, carpinteiros, calafates, seleiros, ourives, sapateiros, alfaiates, caldeiros, lapidadores, tanoeiros, latoeiros, curtidores, oleiros, e outros. A enumeração de todas essas atividades, porém, não deve nos fazer perder de vista o verdadeiro caráter geral da colonização brasileira que foi o de “uma colônia destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais de grande expressão econômica. É para isso que se constituiu. Nossa economia subordinar-se-á por isso inteiramente a tal fim, isto é, se organizará e funcionará para produzir e exportar aqueles gêneros. Tudo mais que nela existe, e que, aliás, será sempre de pequena monta, é subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar possível a realização daquele objetivo essencial”4. À medida em que a população colonial foi crescendo e começando a procurar outras iniciativas em que aplicar suas atividades, a política de restrições econômicas por parte da metrópole se acentuou. Foi proibido o cultivo da vinha, da oliveira, da pimenta, da canela e outras culturas que interferiam no comércio de Portugal com o Oriente. Tentou-se, por todos os meios, impedir a produção de sal em Cabo Frio e Mossoró, e as manufaturas de tecidos. Finalmente, em 1785, a Rainha D. Maria I promulgou um alvará mandando fechar as manufaturas existentes no Brasil. Indústrias no Reino e no Império – Com a transferência da Corte para o Brasil algumas medidas liberalizadoras foram adotadas. 4 PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1974, 17ª edição, p. 41. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB202 O alvará de 1º de Abril de 1808 revogou as peias do regime colonial, formulando os princípios de uma nova orientação no que diz respeito à indústria. O de 28 de abril de 1809 estabeleceu medidas de ordem prática, concedendo isenção de direitos aduaneiros às matérias- primas necessárias às ”fábricas nacionais”, isenção de imposto de exportação para os produtos manufaturados no país, concessão de privilégios exclusivos, por 14 anos, aos inventores de novas máquinas, e empréstimos às manufaturas de algodão, lã, seda, ferro e aço. Esses incentivos enquadravam-se no espírito tradicional do mercantilismo. Se, no passado, a concessão de monopólio e privilégios tinha tido certa eficácia, o mesmo não se dava ao início do século XIX – em que as mudanças e o avanço da tecnologia se davam em ritmo acelerado. As medidas adotadas por D. João VI quase nenhum resultado prático teriam. Nossas “fábricas nacionais” lembravam palidamente as manufaturas reais de Colbert, pelo fato de estarem sob a tutela do Estado, que as fiscalizaria, sem, entretanto, tomá-las sob sua direção. 5 As conseqüências do tratado de 1810, imposto a D. João VI pela Inglaterra, fizeram morrer no ovo as primeiras tentativas industrializantes. De 1810 a 1844, o Brasil viveu praticamente num regime de livre-câmbio. Após a Independência, novos tratados comerciais foram assinados, dando a outros países europeus certas vantagens concedidas à Inglaterra em 1810. “Não era possível,até então, implantar aqui qualquer manufatura de valor que pudesse, desde o início, competir, no preço e na qualidade dos artigos, com a indústria inglesa”. Faltava proteção alfandegária, é verdade, mas o principal obstáculo, os maiores entraves ao processo de industrialização eram a escravidão e a divisão do mercado mundial pelas grandes potências. O protecionismo pode servir de acelerador para o crescimento industrial. O que ele não consegue é criar condições para o início deste processo num país economicamente atrasado e dependente5. 5 SIMONSEN, Roberto. Evolução Industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973, p. 9. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB203 De fato, na primeira metade do século passado, além de um sistema de transportes totalmente deficiente e rudimentar, o desenvolvimento da técnica, que constitui um dos elementos impulsionadores da expansão industrial, era entre nós freado pelo regime escravista herdado da colônia. Predominava o latifúndio, no campo, e nas pequenas cidades da época, um atraso cultural enorme. As maiores limitações, porém, vinham do controle exercido pela Inglaterra sobre nosso mercado e de uma escassez muito grande de capitais. Dentro de tão vasta extensão territorial, os grandes centros populosos espalhavam-se a grandes distâncias uns dos outros. A população, no início do século XIX, era de pouco mais de três milhões de habitantes, dos quais quase um milhão de escravos. Numa sociedade desse tipo os consumidores ativos eram poucos. Sem eliminação da escravidão, a solução do problema da terra e a conquista de uma real independência para a nação, uma verdadeira industrialização não poderia surgir. Além disso, é preciso ressaltar que sem o surgimento de um mercado de trabalho, isto é, sem a existência de um grande número de trabalhadores livres e assalariados à disposição dos empresários, não era possível o pleno desenvolvimento das relações capitalistas de produção. A população dos Estados Unidos, na época, não era quantitativamente muito superior. Porém as diferenças sociais eram profundas. Nos Estados Unidos, uma classe de pequenos agricultores surgiria ao longo do povoamento das colônias do norte e, junto com um grupo de grandes comerciantes urbanos, dominavam o país após haver obtido a independência em relação à Inglaterra, através de uma guerra de libertação, verdadeira revolução social burguesa no interior do país. Já as classes dominantes brasileiras, formadas ao longo de um processo de colonização muito diferente, mostravam-se incapazes de seguir o mesmo caminho. Imensas riquezas tinham sido extraídas de nosso solo mas o país continuava pobre. Em meados do século XVII, a exportação de açúcar brasileiro chegara a ultrapassar, durante largos Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB204 períodos, 3 milhões de libras anualmente. Nessa época a exportação total da Inglaterra não alcançava aquela cifra.6 No século XVIII o Brasil extraiu e exportou para a Europa, em pouco mais de 50 anos, “um volume de ouro equivalente a 50% de todo o ouro produzido no mundo nos três séculos anteriores e igual a toda a produção apurada na América de 1493 a 1850!” 7 Essas são as causas mais profundas que explicam o atraso do país e o fracasso das várias tentativas industrializantes: essa imensa riqueza aqui produzida durante os primeiros séculos foi drenada para a Europa, mais precisamente para os banqueiros ingleses, dado o tipo de relação mantida por Portugal com a Inglaterra desde os tratados de Methuen. Enquanto esse ouro brasileiro contribuía para a acumulação primitiva de capital que iria possibilitar, na Inglaterra, a Revolução Industrial em fins do século XVIII, nossas classes dominantes, recém-saídas do período colonial, não tinham ficado sequer com as migalhas. Estima- se em 9 a 10 mil contos todo o numerário existente no país ao findar a era colonial, sendo 2/3 em ouro e 1/3 em prata. “Tal era o montante dos recursos de que dispunhamos como meio circulante para todas as transações de negócios. Para o viajante Aguirre, isso não dava para permitir economias consideráveis aos particulares, nem para a acumulação de capitais, não havendo, no Rio de Janeiro de 1782, um único que dispusesse de capital de cem contos de réis. Assinalavam- se, como coisa extraordinária, as casas cujos donos tinham cinqüenta contos de fortuna.”8 Não obstante essas circunstâncias tão desfavoráveis, houve, durante a primeira metade do século XIX, várias tentativas de implantação de indústrias. Em 1819 já se instalara, no Rio, uma fábrica de tecidos, o mesmo se dando em 1824 em Minas Gerais. 6.SIMONSEN, Roberto, op. cit., pp. 5-6 7.Idem, ibidem, p. 6 8.TAUNAY, Affonso de , “No Rio de Janeiro de Vice-Reis”. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB205 Mas é apenas com a proteção relativa oferecida pela tarifa Alves Branco, em 1844, que as fiações e tecelagens puderam desenvolver- se um pouco mais. Surgiram na Bahia, nos anos quarenta do século passado, as primeiras fábricas modernas. Até o final da década de 60, a Bahia seria o maior “centro” têxtil do país, sendo então ultrapassada sua produção pelas tecelagens do Rio de Janeiro. Apesar disso, sua produção era minúscula. No Brasil todo havia apenas 9 fábricas de tecido em 1886. Até 1850, os ritmos das transformações por que passava a sociedade brasileira eram bastante lentos. A vida econômica era atrasada. “As cidades contavam com apenas uma pequena proporção da população. Eram pacatas e provincianas, construídas de casas de taipa ao longo de ruas lamacentas, sem iluminação, onde mulas de carga e escravos tropeçavam sobre porcos e galinhas.” 9 Na agricultura, as técnicas eram primitivas e a produtividade baixa. Nem a mecanização nem os fertilizantes eram conhecidos. As estradas eram péssimas; carros de boi, tropas de mulas e escravos eram praticamente os únicos meios usados para o transporte de mercadorias por via terrestre. O analfabetismo era generalizado, não havendo nenhuma escola técnica. O Brasil, por outro lado, era o único país do hemisfério que ainda conservava a monarquia como forma de governo. A constituição havia sido outorgada pelo Imperador em 1824, após o fechamento da Assembléia Constituinte. Muitos anos depois, após a reforma eleitoral de 1881 que ampliou os direitos dos votantes, apenas 150.000 eleitores se qualificaram em uma população de 12.000.000, ou seja, pouco mais de 1% da população.10 O eleitorado era quase inteiramente limitado aos membros da classe dos grandes proprietários rurais e comerciantes. O latifúndio e a escravidão entravavam o desenvolvimento do capitalismo e da indústria. 09.GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil. São Paulo: Editora Brsiliense, 1973, p. 20 10.FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Porto Alegre. Editora Globo, 1975, p. 375. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB206 Temos aí uma visão geral da sociedade brasileira em meados do século passado. Nesta mesma época, a Inglaterra, que já concluíra sua Revolução Industrial, estendia rapidamente seus interesses econômicos sobre todo o mundo. Sua produção estava totalmente mecanizada e o vapor era empregado em grande escala. Eram os maiores produtores mundiais de ferro, aço e carvão. Em 1850, apenas 25 anos após a construção da primeira ferrovia inglesa, seis mil quilômetros de linhas férreas cortavam o país em todas as direções. A marinha mercante britânica era a maior da época. “Finalmente, os melhoramentos radicais da indústria ferramenteira na décadade 1850-60 e a aplicação das teorias científicas aos problemas técnicos, tais como as da termodinâmica, facilitaram enormemente a derrubada dos últimos obstáculos para a contínua corrente de mudanças tecnológicas.” 11 Os anos seguintes a 1850 foram de rápida expansão da economia britânica, verificando-se um grande acúmulo de capital. Em 1862, foram regulamentadas as sociedades anônimas, o que provocou um aumento imediato do número de companhias. “Em 1880, o jornal Economist, de Londres, demonstrou que a subscrição anual de novos capitais tinha quase que duplicado nos últimos três anos. Devido ao seu rápido acúmulo, este capital era freqüentemente desviado para investimentos no exterior.” 12 O mundo se tornava cada vez mais, parte de um único sistema econômico, um sistema dominado pela Grã-Bretanha. O Brasil, assim como as demais nações latino-americanas, foi sendo integrado nesse mercado mundial capitalista e nessa nova divisão internacional do trabalho. O número de indústrias aumentou, entre nós, a partir de 1850. Nesta data, o país contava com apenas 50 estabelecimentos industriais, incluindo-se aí várias salineiras. Há referências a 2 fábricas de tecidos, 10 de produtos alimentares, 2 de caixas e caixões, 5 de pequena metalurgia e 7 de produtos químicos. 11.GRAHAM, Richard, op. cit., p. 13 12.GRAHAM, Richard, op. cit., p. 4 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB207 Em 1866, como já dissemos, o país possuía ainda apenas 9 fábricas de tecido. Nessa mesma época, mais de 1.000 estabelecimentos desse gênero funcionavam nos Estados Unidos. 13 Em 1875, já havia 30 fábricas de tecido, número que se elevou a 48 em 1885, assim distribuídas: 13 em Minas Gerais, 12 na Bahia, 11 no Rio de Janeiro, 9 em São Paulo, 1 em Alagoas, 1 em Pernambuco e 1 no Maranhão. As do Rio de Janeiro eram as maiores. “O mercado de tecidos já estava feito, ao passo que o mercado de grande número de outras manufaturas existia apenas de forma embrionária.” 14 Isso explica, em parte, o desenvolvimento do setor têxtil como a primeira verdadeira indústria moderna surgida no Brasil. Assim como na Europa, o setor têxtil teve uma presença pioneira e ocupou uma posição de destaque nos primeiros momentos do processo de crescimento industrial. Isso se deve, também, ao fato de os tecidos constituírem uma mercadoria básica de consumo dos próprios proletários, necessária para a reprodução da força de trabalho. A economia brasileira, que começara um lento processo de transformações a partir da abolição do tráfico de escravos em 1850, modifica-se ainda mais após o final da Guerra do Paraguai. As exportações de café haviam criado um superávit em nossa balança comercial e possibilitado uma acumulação de capital em mãos de fazendeiros paulistas. As ferrovias modernizavam os transportes, aproximando populações até então isoladas. Por outro lado, o sistema ferroviário facilitou o escoamento da produção cafeeira das fazendas até os portos, tendo criado uma infra-estrutura básica para a circulação de mercadorias. A imigração européia intensificou-se após a abolição da escravidão em 1888, suprindo as necessidades de forças de trabalho e contribuindo para o desenvolvimento urbano. 13.SIMONSEN, Roberto, op. cit., p. 15 14.FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. DF: Editora UnB, 1963, p. 130. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB208 A partir de 1885 apareceram indústrias em número cada vez maior, configurando aquilo que se convencionou chamar de “primeiro surto industrial” do Brasil. Entre 1880 e 1884 foram aqui fundados 150 estabelecimentos industriais; de 1885 a 1889 esse número sobe para 248, totalizando, no ano da proclamação da República, 636 estabelecimentos no país todo. Eram aí empregados 54.169 trabalhadores.15 Sob o termo “estabelecimentos industriais” as estatísticas da época arrolavam não só as fábricas modernas, onde a produção era mecanizada e onde se empregava o vapor ou a energia hidráulica, mas também as pequenas oficinas e manufaturas. Isso torna difícil, inclusive, a diferenciação entre os proletários propriamente ditos e os artesãos e semi-assalariados. A primeira fábrica de tecidos que utilizou máquina a vapor na Província de São Paulo havia sido fundada em Itu, em 1869. Nesta província, a produção de algodão havia aumentado muito durante os anos da guerra civil norte-americana. Após 1865, os preços baixos do algodão favoreceram o aparecimento de fiações e tecelagens nos arredores do Rio de Janeiro e em Minas Gerais e, a partir dos anos setenta, na capital de São Paulo e em cidades do interior como Sorocaba, Jundiaí, Itu, Taubaté, Tatuí, Salto e outras. A maior parte da produção era de tecidos grosseiros pois aí não se verificava concorrência por parte dos produtos ingleses. Ou então de sacaria (juta ou algodão) para a exportação de nossos produtos agrícolas. Alem dos tecidos grosseiros (bens de consumo para os assalariados, colonos, escravos), certas empresas têxteis nacionais poderiam ter produzido tecidos finos para o consumo das classes dominantes. Porém, nesta área, sofriam a concorrência dos tecidos ingleses importados. Neste caso, a qualidade dos tecidos não melhorava, não por incapacidade técnica dos fabricantes brasileiros mas por falta de uma política protecionista por parte do governo, o que era impossível enquanto o país permanecesse dependente politicamente da Grã-Bretanha. 15 SIMONSEN, Roberto, op. cit., p. 16 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB209 Na Exposição Industrial de Viena de 1873, por exemplo, várias fábricas da Bahia que aí expunham seus produtos receberam menção honrosa pela qualidade de seus tecidos. 16 2. Indústria de Capital Estrangeiro À medida em que nos aproximávamos do final do século XIX, aumentava o afluxo de capitais estrangeiros e crescia o grau de controle exercido por firmas britânicas sobre setores básicos da economia brasileira. Quase todas as estradas de ferro foram construídas com empréstimos feitos em Londres. Devido à baixa das taxas cambiais, a própria Companhia Paulista de Estradas de Ferro, constituída por capital nacional, viu-se forçada a tomar emprestadas 150.000 libras em 1878; saldo seu empréstimo no prazo estipulado, pagando, porém, “mais do que o dobro da quantia em mil-réis originalmente emprestada”.17 Outras não puderam saldar suas dívidas e foram encampadas pelos ingleses, como a Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, fundada por brasileiros em 1872 e hipotecada pelos credores britânicos em 1897. Não foi, porém, com empréstimos, mas sim no campo dos investimentos diretos, que os capitalistas ingleses exerceram sua maior influência no sistema de transportes do Brasil. Em 1880, havia 11 companhias inglesas de estradas de ferro em nosso país. Em 1895 havia 25, incluindo-se aí a mais rica e importante ferrovia do país, a “Santos-Jundiaí”, “propriedade da São Paulo Railway Company Limited”, que foi , na sua época, “a mais lucrativa empresa ferroviária britânica na América Latina”. 18 No nordeste era importante, entre outras, a “Great Western” de Pernambuco. Também a construção de portos esteve em mãos de firmas inglesas. 16 STEIN, Stanley. The Brazilian Cotton Manufacture. Harvard University Press, Cambridge, 1957, p. 24. 17 GRAHAM, Richard, op. cit., p. 63. 18 Idem, ibidem, p. 73. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB210 É o caso da Ceará Harbor Corporation (1884) e da C. H. Walker & Co. Esta última conseguiu o contrato para a modernização do porto do Rio de Janeiro “sem concorrência pública”, 19 em 1904. A questão da penetraçãode capitais estrangeiros está intimamente relacionada com o tipo de crescimento industrial que o país iria conhecer, desde suas origens até os dias atuais. Por isso, é importante observar ainda o seguinte: além das ferrovias, os ingleses controlavam as maiores firmas exportadoras e importadoras, as companhias de navegação, as agências de seguro e os bancos financiadores. As exportações de açúcar do nordeste eram controladas, em sua maior parte, por grandes casa exportadoras britânicas instaladas em Recife. Saunders Brothers e J.H. Boxwell eram as maiores. Como grande parte do produto ia para a Inglaterra, podiam eles exercer domínio em ambos os lados do negócio, exportando, aqui do Brasil, e distribuindo lá na Europa. Quando o café progrediu em nossa pauta de exportações, os Estados Unidos passaram a ser nossos maiores compradores, tendo adquirido, em 1900, 43% de nossas exportações. Porém, a comercialização do café era feita pelos ingleses, inclusive a exportação para os Estados Unidos, feita por Phipps Brothers & Co., E, Johnston & Co. e outras grandes firmas. Esta última mantinha negócios nos portos de Santos, Nova Orleans e Liverpool, controlando, assim, parte considerável de nossas exportações. A primeira era a maior de todas. Já no ano de 1870, sozinha, negociara mais de meio milhão de sacas do café brasileiro, ou seja, cerca de 13% de nosso principal produto de exportação. Quando se sabe que, naquele mesmo ano, o café representa 50,3% de nossas exportações, porcentagem que se elevaria para 64,5 no final do século,20 percebe-se claramente a influência e o enorme poder econômico concentrado nas mãos de um punhado de capitalistas 19 Idem, ibidem, p. 99. 20 TAUNAY, Affonso de E. Pequena História do Café no Brasil. Rio de Janeiro: Dep. Nac. do Café, 1945, p. 548. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB211 estrangeiros que controlavam, assim, o comércio exterior de toda uma nação. E isso vinha de longa data. Segundo o historiador norte-americano R. Graham, já na década de 1840 “quase metade da exportação brasileira de açúcar, metade da de café, e mais da metade da de algodão estavam sendo exportadas por firmas britânicas”.21 As dificuldades técnicas de fabricação poderiam ser resolvidas. O que faltava era força para os primeiros empresários, incapazes de defender o mercado brasileiro diante das potências estrangeiras. Incapazes também de ampliá-lo, através de um pequeno número de grandes latifundiários. O domínio do transporte marítimo do Brasil pela Inglaterra facilitava às firmas britânicas o controle de nosso comércio de importação- exportação. Navios britânicos conduziam os produtos agropecuários brasileiros para o resto do mundo, trazendo de volta produtos manufaturados ingleses. 22 Quase metade dos vapores entrados no Rio de Janeiro nos últimos anos do século XIX eram ingleses. Os franceses contavam também com 15%. Das companhias britânicas, a mais importante era a Royal Mail, porém a maior transportadora de exportações cafeeiras era a “Liverpool, Brazil and River Plate Steamship Company”, que iniciara um tráfego regular entre o Brasil, Estados Unidos e Europa em 1865. Além dessas duas, outras 13 companhias de navegação interoceânicas inglesas transportavam nossas mercadorias, fazendo também grande parte da navegação costeira. Inclusive as companhias de barcaças da maior parte dos portos brasileiros eram de propriedade de capitalistas ingleses. Os navios que saíam dos portos nacionais eram segurados em companhias de seguros britânicas estabelecidas no Brasil. 21 GRAHAM, Richard, op. cit., p. 82. 22 Idem, ibidem, pp. 94-96. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB212 3. Indústria e Capital Cafeeiro Graças ao aumento da produção e exportação de café nas últimas décadas do século XIX, numa época em que os preços desse produto eram favoráveis no mercado internacional, lucros consideráveis foram realizados, o que permitiu uma acumulação de capital, por parte de fazendeiros paulistas principalmente. Ao contrário do que havia sucedido com as classes dirigentes nordestinas ligadas à economia açucareira, a nova classe de fazendeiros ligados ao café conseguiu impedir a separação rigorosa das fases produtiva e comercial da economia cafeeira. Apesar da presença majoritária dos ingleses, a burguesia paulista nascente investia nas estradas de ferro, na comercialização feita nos portos, nas primeiras fábricas, em algumas companhias de seguro, na organização bancária. No último quartel do século, “os termos do problema econômico brasileiro se haviam modificado basicamente. Surgira o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial; concluída sua etapa de gestação, a economia cafeeira encontrava-se em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão subseqüente.” 23 A indústria brasileira no período que vai de fins do século XIX até à grande crise de 1929-1932 caracterizou-se pela subordinação do capital industrial ao capital cafeeiro. 24 Muitas das primeiras fábricas foram implantadas graças a empréstimos obtidos junto aos importadores-exportadores estrangeiros, que às vezes se associavam aos projetos industriais. Ashworth & Company, por exemplo, financiara três fiações de São Paulo; a Companhia Lupton, firma inglesa, financiara uma usina de açúcar em Capivari, o mesmo acontecendo com outras importadoras na década de 1890. 25 Porém, no essencial, o capital investido em industrias pela burguesia brasileira tinha sua origem no capital cafeeiro. 24 FURTADO, C., op. cit., p. 146 25 A esse respeito, cf. SÉRGIO, Silva. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976, cap. IV. 26 DEAN, Wareen, “A industrialização de São Paulo”, São Paulo, Difel, 1971, pp. 25-48 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB213 O café passou a ser “o elemento diretor e indutor da dinâmica da acumulação do complexo, determinando, inclusive, a grande parte da capacidade para importar da economia brasileira no período”26 , compreendendo-se aí a importação de máquinas, equipamentos industriais, ferramentas e outros insumos e bens de capital. A diversificação do complexo cafeeiro provocou o início de uma formação industrial caracterizada pela implantação, quase que exclusiva, de indústrias produtoras de bens de consumo não-duráveis. Os resultados do censo industrial de 1919 dão-nos uma idéia da estrutura produtiva da indústria de transformação no Brasil: 30,7% do valor bruto da produção naquele ano provinham das indústrias alimentícias; 29,3% da têxtil e 6,3% das fábricas de bebidas e cigarros. Apenas 4,7% tinham sua origem na metalurgia e indústrias mecânicas juntas; 2,0% na indústria química! Com exceção de certas máquinas utilizadas no beneficiamento do café – produzidas no Brasil desde o século XIX –, e de algumas poucas ferramentas e equipamentos, a indústria nacional não produzia bens de capital, só bens de consumo. Esse fato é grave em suas conseqüências, pois foi tornando a nação cada vez mais dependente do exterior em mais esse aspecto – a tecnologia industrial. É interessante precisar melhor a forma especifica que assumiu, no Brasil, esse processo de acumulação e de formação do capital industrial neste período inicial de que ora nos ocupamos. A expansão cafeeira tende a se dar de forma cíclica, através de fases “de expansão do plantio (e posteriormente da produção) encadeadas com fases em que os preços se deprimem. Na fase de expansão, grande parte dos recursos disponíveis são investidos na formação das plantações, e, com a chegada dos preçosbaixos, fazendo baixar a lucratividade média da cafeicultura, criam-se condições para que parte dos lucros cafeeiros sejam investidos em outros segmentos do complexo 26 CANO, Wilson, “Raizes da concentração industrial em São Paulo”, Tese de doutoramento, IFCH- Unicamp, 1975, mimeogr., pp. 118-119. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB214 (bancos, estradas, indústrias, usinas, etc.)”.27 Pode ocorrer, porém uma grande onda de expansão de plantio (por exemplo, a de 1886-1897) e assim mesmo os fazendeiros diversificavam o investimento de seus lucros, possibilitando, apesar da alta do café, a transformação de parte do capital cafeeiro em capital industrial. “As plantações feitas no início dessa onda (1886), cinco anos depois, começam a produzir e a gerar lucros (1891) enquanto ainda segue a onda expansionista para as demais frações do todo cafeeiro. Assim, parte desses novos lucros (e, evidentemente, parte dos lucros nesse momento gerados por plantações mais antigas) podem perfeitamente se transferir, direta ou indiretamente, da atividade nuclear para a indústria, mesmo que a expansão do plantio ainda siga por mais algum tempo.” 28 Os resultados do censo industrial de 1919 dão-nos uma idéia da estrutura produtiva da indústria de transformação no Brasil: 30,7% do valor bruto da produção naquele ano provinham das indústrias alimentícias; 29,3% da têxtil e 6,3% das fábricas de bebidas e cigarros. Apenas 4,7% tinham sua origem na metalurgia e indústrias mecânicas juntas; 2,0% na indústria química! Com exceção de certas máquinas utilizadas no beneficiamento do café – produzidas no Brasil desde o século XIX –, e de algumas poucas ferramentas e equipamentos, a indústria nacional não produzia bens de capital, só bens de consumo. Esse fato é grave em suas conseqüências, pois foi tornando a nação cada vez mais dependente do exterior em mais esse aspecto – a tecnologia industrial. É interessante precisar melhor a forma especifica que assumiu, no Brasil, esse processo de acumulação e de formação do capital industrial neste período inicial de que ora nos ocupamos. A expansão cafeeira tende a se dar de forma cíclica, através de fases “de expansão do plantio (e posteriormente da produção) encadeadas com fases em que os preços se deprimem. 27 CANO, Wilson, op. cit., p. 119 28 Idem, ibidem, p. 119. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB215 Na fase de expansão, grande parte dos recursos disponíveis são investidos na formação das plantações, e, com a chegada dos preços baixos, fazendo baixar a lucratividade média da cafeicultura, criam- se condições para que parte dos lucros cafeeiros sejam investidos em outros segmentos do complexo (bancos, estradas, indústrias, usinas, etc.)”. Pode ocorrer, porém uma grande onda de expansão de plantio (por exemplo, a de 1886-1897) e assim mesmo os fazendeiros diversificavam o investimento de seus lucros, possibilitando, apesar da alta do café, a transformação de parte do capital cafeeiro em capital industrial. “As plantações feitas no início dessa onda (1886), cinco anos depois, começam a produzir e a gerar lucros (1891) enquanto ainda segue a onda expansionista para as demais frações do todo cafeeiro. Assim, parte desses novos lucros (e, evidentemente, parte dos lucros nesse momento gerados por plantações mais antigas) podem perfeitamente se transferir, direta ou indiretamente, da atividade nuclear para a indústria, mesmo que a expansão do plantio ainda siga por mais algum tempo.” Empresariado – Quando afirmamos que a formação industrial brasileira está intimamente vinculada ao processo de gestação e diversificação da economia cafeeira, não queremos dizer que os fazendeiros de café foram os únicos a investir em indústrias. Também os comerciantes o faziam, como vimos, além dos bancos e dos investimentos diretos feitos tanto por firmas estrangeiras como por um pequeno número de imigrantes ricos ou que aqui puderam enriquecer (ligados em geral às firmas importadoras). Entre os fazendeiros poderíamos citar Antonio Prado, ligado a vários empreendimentos industriais, entre outros o da fábrica de vidros Santa Marina; o Coronel Anhaia, que introduziu a máquina a vapor pela primeira vez na tecelagem paulista, fundando a Fábrica São Luis, de Itu, em 1869; o Coronel Rodovalho, fundador da primeira fábrica de cimento do Brasil, em 1897, e outros tantos. Entre os imigrantes empresários, devem-se ressaltar: Antonio Pereira Ignácio e Nicolau Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB216 Scarpa, envolvidos em diferentes ramos industriais tais como descaroçadores de algodão, uma companhia telefônica, fábricas de sabão e de tecidos, entre estas a Votorantim, de Sorocaba a segunda maior fábrica de São Paulo; Francisco Matarazzo, os irmãos Jaffet, Rodolfo Crespi, Pugliesi Carbone, Giovanni Briccola, Alexandre Siciliano, Giuseppe Martinelli e Francisco Schimidt acumularam fortunas enormes através de investimentos nos mais variados setores da economia, tanto na indústria como na agricultura, no comércio e nos bancos. Com o passar dos anos foi havendo um entrosamento perfeito entre as famílias e os interesses desses empresários imigrantes e dos fazendeiros de café. 29 Estava-se formando, nesse processo, uma nova classe social no Brasil, a burguesia. Esta formação estava apenas se iniciando no período que ora nos ocupa. Não se tratava, ainda, de um processo acabado. Surgiam os primeiros empresários industriais; começavam a cristalizar-se os primeiros interesses burgueses propriamente ditos. A burguesia, porém, ainda não se tornara uma “classe para si”, isto é, não conseguira formular um projeto político próprio. Compunham-na empresários capitalistas que aqui tinham o centro de seus negócios e o grosso de seu capital; capital este que aqui tinha-se originado, em sua maior parte pelo menos. Fossem brasileiros natos ou não, enquanto formavam eles, em seu conjunto, uma fração de classe com interesses próprios e diferenciados dos interesses das burguesias européia e norte-americana. Seus interesses muitas vezes conflitavam com os objetivos das empresas estrangeiras. Essas contradições, porém, não eram antagônicas. A burguesia dita nacional já nascera associada e dependente do capital estrangeiro. O mercado mundial, do qual faz parte o mercado brasileiro, já havia sido dividido pelas burguesias imperialistas entre si. 29 DEAN, Warren, op. cit. pp. 75-88. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB217 A burguesia nacional brasileira, assim como a burguesia dos países economicamente atrasados em geral, não tem acesso direto a esse mercado mundial a não ser em circunstâncias muito especiais. Esse mercado é fechado e defendido pelo imperialismo, que o explora e monopoliza. As burguesias nacionais atrasadas só tem acesso a ele quando associadas ao imperialismo, que compartilha, então, com elas, os lucros. Cabendo sempre às burguesias nacionais, evidentemente, a parte de sócio menor. É o que vimos no caso do café. A acumulação e formação do capital cafeeiro deu origem, em boa medida, à burguesia nacional brasileira, porém, concomitantemente, gerou somas fabulosas para o imperialismo, sempre presente e associado às várias fases da produção, transporte, financiamento e exportação do café. Além de tudo que já foi dito nas páginas anteriores, basta lembrar, de passagem, que por volta de 1913, “apenas 2 firmas brasileiras se incluíam entre as 15 maiores casas exportadoras de Santos.” 30 4. Investimentos Estrangeiros Diretos Não foi só associando-se ao capital nacional que os ingleses marcaramsua presença. Fizeram inúmeros investimentos diretos na indústria, desde o século XIX, tanto em moinhos de trigo, como na mineração, indústria de calçados e nas primeiras usinas de açúcar. Até meados da década de 1880, todo o trigo consumido no Brasil era importado (embora na Colônia fosse produzido). Em 1886, organizou-se uma companhia inglesa a fim de instalar um moinho no Rio – a “Rio de Janeiro Flour Mills and Granaries, ltd.” –, usualmente conhecida como Moinho Inglês. “Um moinho moderno é uma unidade complexa que exige processos de produção em massa, maquinaria automática e uma hábil organização administrativa. Os acionistas do Moinho Inglês foram “amplamente recompensados”. Em 1893, a empresa distribuiu seu primeiro dividendo e desde estão nunca mais deixou de fazê-lo. 30 MONBEIG, Pierre. Pionnniers et planteurs de São Paulo. Paris: Fondation Nacionale de Sciences Politiques, 1952. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB218 Em 1900, o dividendo foi de 10%, e, no ano seguinte, alcançou 17,8%. Em 1902, o mesmo representou 21,4% do capital e a companhia decidiu dar uma bonificação de 10 novas ações para cada 7 antigas, e a dobrar seu capital. Depois disto, os dividendos nunca foram inferiores a 15% até após a I Guerra Mundial.”31 Os britânicos mantiveram ainda o monopólio do mercado de linhas de coser, antes da I Guerra, produzindo em sua fábrica instalada em São Paulo, a “J.&P. Coates (Machine Cottons, ltd.)” A firma escocesa “Clark Shoe Company” vendia sapatos para o Brasil desde antes de 1840, chegando a manter 30 filiais em todo o nosso território e aqui passando a produzir diretamente seus calçados a partir de 1898, como uma das precursoras de um processo que se intensificaria na década de 1930 e que seria conhecido como de “substituição de importações”. Também a “São Paulo Alpargatas Company” era firma inglesa do mesmo ramo. Na mineração, a presença britânica também era grande. A decadência do ouro no final do século XVIII tinha-se traduzido numa impossibilidade de se continuar explorando tal minério por meio de processos rudimentares como os que até então eram utilizados nas lavras. Com o esgotamento do ouro nas camadas superficiais foi necessário procurá-lo nas profundidades, o que já exigia grandes somas de capital, conhecimentos especializados e máquinas. Das 22 grandes firmas de mineração que exploraram ouro em Minas Gerais no século XIX, 14 eram inglesas, 7 brasileiras e 1 francesa. Só duas alcançaram êxito, inglesas por sinal: a “SaintJohn d’El Rey Mining Company”, de Morro Velho, e a “The Ouro Preto Golden Mines of Brazil”, da mina da Passagem. Nem sempre, porém, os capitalistas estrangeiros tinham interesse em desenvolver a mineração. 31 GRAHAM, Richard, op. cit., p. 153. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB219 Além do ouro, o manganês talvez seja a única exceção, pois sua exploração foi iniciada durante a I Grande Guerra, em Minas Gerais, por uma subsidiária da “United States Steel Corporation”, a Companhia Meridional de Mineração. Já no que diz respeito ao minério de ferro, os próprios grupos financeiros internacionais obstaculizaram sua exploração durante anos. No início do século vários grupos estrangeiros, entre eles a “Itabira Iron Ore Co.”, ligada à casa Rothschild, “tinham adquirido a maior parte das vastas áreas do Estado de Minas Gerais onde se encontram as ocorrências do minério”. 32 O objetivo de tais grupos era apenas obter o controle das reservas brasileiras e impedir seu acesso a concorrentes. Somente depois de 1930 é que o Brasil começou efetivamente a exportar o minério. Sua exploração industrial em grande escala se deu com a instalação do alto-forno da Belgo-Mineira em Sabará, em 1921, firma formada de capitais franco-belgo-luxemburgueses. Pequena e Grande Indústria – A maneira como se desenvolveu a siderurgia e a metalurgia no Brasil é típica dos países economicamente atrasados. Em 1864, segundo o Conselheiro Crispiniano Soares, Presidente de Minas Gerais, havia naquela província 120 “fábricas de ferro”, entre grandes e pequenas. Algumas vinham do início do século passado, como foi o caso da Fábrica de Ferro do Prata, em Congonhas do campo, organizada pelo engenheiro alemão Eschwege. Ao lado da Real Fábrica de Morro do Pilar, dirigida pelo Intendente Câmara, nas proximidades do Tijuco, atual Diamantina, e a fábrica de Ipanema na região de Sorocaba, foi ela uma das primeiras a produzir ferro industrialmente no Brasil. Alguns anos mais tarde o engenheiro francês Monlevade instalaria um alto-forno e faria correr ferro gusa pela primeira vez em Minas Gerais. Além de enxadas, ferraduras, pás, machados, facões, por volta de 1850 esta fábrica produzia “engenhos de serrar madeira, moendas para cana, trituradores e aguilhões”. 33 32 PRADO JR., Caio, op. cit., p. 269. 33 ELLIS, M., op. cit., p. 25. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB220 Só na Mina de Morro Velho trabalhavam dia e noite 36 pilões, cujos trituradores eram blocos de ferro de oitentas quilos, substituídos a cada três meses e fabricados no Brasil. Quase todas essas empresas malograram. Quando os trilhos da ferrovia D. Pedro II chegaram à zona metalúrgica, no último quartel do século, as fábricas aí existentes entraram em crise devido ao barateamento do preço do transporte e à rapidez com que os produtos similares importados, mais baratos, chegavam à região. Para enfrentar a concorrência dos produtos estrangeiros teria sido necessário, além da proteção alfandegária, diminuir os custos de produção mediante uma mecanização a mais completa possível e uma organização racional do trabalho em todos os níveis. Ora, isso era impossível numa sociedade politicamente dependente que não produzia as máquinas de que necessitava e onde predominava o trabalho escravo. O aparecimento de fábricas modernas e a abolição da escravatura abalaram profundamente o regime herdado do longo passado colonial, abrindo um período de transição que dura até os dias de hoje. A questão agrária e a completa independência nacional em relação ao imperialismo continuam, porém, sem solução, o que tem impedido o livre desenvolvimento da indústria sobre bases realmente nacionais. Ainda sobre a siderurgia poderíamos observar o seguinte: as fundições e “fábricas de ferro” do século XIX não deram origem à moderna siderurgia brasileira instalada em meados do século XX. Não se verificou, no Brasil, um crescimento e concentração das pequenas e médias empresas para dar origem à grande empresa industrial moderna, ao contrário do que ocorrera na Inglaterra e nos países hoje altamente industrializados. A siderurgia moderna já nasce sob a égide da grande indústria e com um grau precoce de concentração, sendo implantada pelo capital financeiro internacional ou pelo Estado, com raras exceções. O mesmo ocorre com a metalurgia, a indústria química, a mecânica e outros ramos de base da grande indústria. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB221 É o caso da “Pullman Standad Car Export Corporation”, instalada no Rio em 1913, como oficinas de montagem de material ferroviário. Carnes congeladas e enlatadas não resultaram da evolução das charqueadas do século XIX, mas foram diretamente criadas, em sua maioria, por frigoríficos pertencentes a firmas. Alguns anos depois, a Ford e a General Motors também se instalaram. Inclusive no tradicional ramo das indústrias alimentícias, o fenômeno pode ser observado: as grandes indústrias de subsidiárias de trustes internacionais, tais como: a Swift, Anglo, Armour, Continental e Wilson& Company instalaram-se durante a I Grande Guerra, ou pouco antes, e não visavam o mercado brasileiro, mas a exportação de carne para a Europa. Tecnologia Industrial - Essas grandes empresas, cuja presença imperialista aumenta cada vez mais a partir do início do século XX, trouxeram da Europa e dos Estados Unidos, uma tecnologia avançada e métodos de organização do trabalho que eram o resultado de toda uma evolução do capitalismo durante já mais de um século. Essa tecnologia, portanto, não nasceu aqui, não foi fruto de uma longa experiência acumulada por um artesanato local durante séculos, utilizada em seguida nas manufaturas e, posteriormente, graças à divisão do trabalho cada vez mais acentuada, desenvolvida em ritmo acelerado. Nada disso ocorrera aqui. Isso foi o que ocorreu na Inglaterra, que é o exemplo clássico por ter sido o berço da indústria moderna. Os demais países hoje industrializados aproveitaram-se em parte da experiência inglesa, porém desenvolveram, a partir daí, uma tecnologia própria. Já no Brasil, ocorreu o fenômeno seguinte: os processos de fabricação continuaram rudimentares e primitivos durante o século XIX. Quando se implantaram as ferrovias, o telégrafo e as primeiras indústrias, uma tecnologia importada aperfeiçoadíssima passou a coexistir com os métodos rudimentares que não desapareceram completamente, sobrevindo até os dias atuais. Num mesmo processo, combinam-se técnicas avançadas herdadas do passado colonial. Na industria têxtil, por exemplo, o surgimento de grandes fábricas Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB222 modernas não implicou o desaparecimento da produção doméstica, artesanal ou manufatureira. Isso também ocorre nos países capitalistas avançados. Porém aqui a desigualdade ainda é mais acentuada. Entretanto, apesar da coexistência verificada acima, a própria dinâmica da acumulação tende a eliminar a produção artesanal e manufatureira em beneficio da grande indústria. Essa eliminação, porém, nunca é completa. Pelo contrário, o capitalismo cria e reproduz formas atrasadas de produção, não só no interior de uma nação mas também a nível internacional. 5. Concentração A concentração de capitais e da indústria é outra característica do desenvolvimento do capitalismo. Isso fez com que certas cidades e regiões brasileiras fossem se tornando cada vez mais industrializadas, enquanto outros Estados, como os do centro-oeste e o do Espírito Santo, quase não possuíssem indústrias no período que estamos estudando. O Rio de Janeiro (área do antigo Distrito Federal), até 1889, detinha 57% do capital industrial brasileiro. Suas fábricas tinham uma dimensão média superior à dimensão média das fábricas paulistas.34 O censo de 1919 reflete o aceleramento da concentração industrial no Estado de São Paulo nos anos anteriores. “Em dez dos vinte ramos industriais, essa indústria (paulista) concentrava mais de 30% da produção nacional similar e, em cinco ramos, o grau de concentração atingia níveis superiores a 45%.” 35 Na década seguinte, a concentração em São Paulo torna-se efetiva com a instalação de um compartimento produtor de bens de produção (ainda incipiente): fábricas de cimento, aço, metalurgia mais complexa e indústria química com plantas de maior porte. O desenvolvimento desigual do país pode ser visto nas cifras seguintes, relativas à porcentagem do valor bruto da produção industrial de alguns Estados em relação ao total do Brasil, no ano de 34 CANO, W., op. cit., p. 245. 35 Idem, ibidem, pp. 240-242. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB223 1919: São Paulo: 31,5%; antigo Distrito Federal e Estado do Rio: 28,2%; Rio Grande do Sul: 11,1%; Pernambuco: 6,8%; Minas Gerais 5,6%; Paraná: 3,2%; Bahia: 2,8%; Santa Catarina: 1,9%; Região Norte no seu conjunto: 1,3%; Goiás e Mato Grosso juntos: 0,4%.36 À medida em que aumentava o número de indústrias, crescia o mercado de trabalho e a população urbana, levando a um aumento de demanda por produtos industriais na própria cidade. O mercado em expansão atraía para as cidades, provocando nova expansão industrial. A população do município de São Paulo era de 31.385 habitantes em 1872; passou a ser de 64.934 em 1890, atingindo, em 1900, 239.820 habitantes. No final do período que estamos estudando, isto é, em 1920, ela já era de quase 580.000 habitantes. Esse crescimento urbano, verificado também, embora em menores proporções, em outras capitais brasileiras, trouxe como conseqüência um crescimento do ramo industrial da construção civil. As empresas construtoras eram de capitalistas brasileiros ou imigrantes. Porém todos os serviços de grande vulto ligados à infra- estrutura urbana que se ia desenvolvendo pertenciam a empresas estrangeiras ligadas ao capital financeiro internacional. A primeira usina elétrica paulista começou a funcionar em 1901, e pertencia a uma firma internacional constituída por capitais ingleses, belgas e franceses. Em 1904, organizou-se no Canadá, com capitais ingleses principalmente, uma firma que viria a concentrar em suas mãos a maior parte dos serviços públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e toda a região circunvizinha: a Light & Power, proprietária de nossas empresas de gás, água, esgotos, luz e energia elétrica, transportes urbanos e telefone. Alguns anos depois, uma subsidiária da Eletric Bond & Share, o maior truste mundial de produção e distribuição de energia elétrica, passaria a assegurar o fornecimento de energia elétrica e serviços conexos para o Estado da Bahia, parte de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de certos Estados do nordeste. 36 Idem, ibidem, pp. 298. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB224 Esse crescimento urbano vinculado à expansão industrial também se verificou em outras cidades, como por exemplo, Porto Alegre, Blumenau, Belo Horizonte e Recife. “A correlação que se observa entre a industrialização e crescimento demográfico não se explica pelo aumento do emprego industrial, que por si só absorve geralmente uma fração muito pequena e decrescente da população ativa da cidade. (...) O que acontece é que o desenvolvimento da indústria acarreta forte expansão do setor terciário da economia. Os assalariados industriais gastam grande parte de seu rendimento em serviços pessoais: educação, saúde, recreação, higiene, esporte, etc. Além disso, a indústria apresenta forte demanda por serviços especializados: de transporte, financeiros, seguros, consultoria técnica, jurídica, propaganda” 37 etc. Apesar de absorver uma parcela pequena da população ativa, o que se vê, portanto, é que a indústria foi o fator principal do crescimento urbano. Capital Financeiro - Para finalizar, é necessário precisar um pouco mais a questão do papel do capital financeiro internacional no desenvolvimento da indústria no Brasil, naquele período histórico. Como se sabe, nas últimas décadas do século XIX verificou-se um grande desenvolvimento das forças produtivas em escala internacional, inclusive no Brasil. A concentração de indústrias e de capitais na Europa e nos Estados Unidos acelerou-se fazendo surgir, no final do século passado, e início deste, cartéis e trustes gigantescos que influenciavam, e até mesmo subordinavam os governos de seus países, passando em seguida a dividir o mercado mundial entre si. À divisão dos mercados seguiu-se uma divisão política do mundo em áreas de influência das grandes potências. No decorrer deste processo, desapareceu a livre concorrência e surgiram os monopólios. Os bancos passaram a jogar um papel cada vez maior na produção industrial.37 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1974, pp. 368-369 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB225 Da fusão do capital industrial com o capital bancário surgiu o capital financeiro, característico desta etapa de capitalismo denominada imperialismo, em que o sistema passou a apresentar sintomas de decadência a nível mundial, principalmente após o final da guerra de 1914-18. Já não eram apenas firmas ou empresas estrangeiras que investiam seu capital diretamente no Brasil. Os bancos começaram a jogar, aqui também, um papel cada vez maior no processo de implantação de indústrias. Os fazendeiros de café haviam criado alguns bancos antes da República, como o Banco União, por exemplo, porém, foi a partir de 1890 que se verificou uma expansão do sistema bancário no Brasil. Com a crise bancária de 1900 nada menos de 17 bancos nacionais foram à falência. No período 1896-1906. “são inúmeras as transformações bancárias que ocorrem, como falências, novos bancos, fusões, etc. (...). Tomando-se as informações para 1910, quando a situação bancária já está plenamente recuperada, nota-se que, dos 14 bancos existentes em São Paulo, 7 eram de propriedade estrangeira, detendo 70% dos ativos e 70% dos empréstimos e descontos bancários”. 38 O Brasil havia sido integrado no mercado mundial capitalista controlado pelas diferentes burguesias imperialistas. Sua integração tinha-se dado tardiamente, tendo sido feita sob a égide do capital financeiro internacional. A nação como um todo não conquistou ainda sua independência definitiva. A debilidade social da burguesia que aqui se ia formando, sua origem rural, seus vínculos econômicos e de parentesco com os latifundiários, assim como sua dependência em relação ao capital estrangeiro com o qual estava, muitas vezes, associada, tornavam-na incapaz de solucionar a questão agrária, assegurando uma independência efetiva para o resto da nação em relação aos interesses imperialistas. Sem a solução dessas tarefas democrático-burguesas não poderia dar-se no país um autêntico processo de industrialização. 38 CANO, Wilson, op. cit., pp. 56-57. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB226 Em conseqüência disso, o crescimento industrial sofreu inúmeras deformações e distorções, desde o início, como demonstramos nas páginas anteriores. Porém, a indústria trouxera consigo um novo tipo de trabalhador: o proletário moderno. Suas condições de vida e de trabalho, suas origens e a forma como se deu, no Brasil, o processo de sua formação como classe constituem objeto de análise dos capítulos que formam a Parte 18 do presente volume. Porém, a indústria trouxera consigo um novo tipo de trabalhador: o proletário moderno. Suas condições de vida e de trabalho, suas origens e a forma como se deu, no Brasil, o processo de sua formação como classe constituem objeto de análise dos capítulos que formam a Parte 18 do presente volume. Estudamos aqui como se deu a formação e o estabelecimento do processo de industrialização brasileiro, a partir das atividades mercantis da produção cafeeira. Na próxima aula, vamos nos dedicar a outras duas facetas deste processo, causa e, ao mesmo tempo, efeito das circunstâncias em que ele ocorreu: a urbanização da sociedade brasileira e o protagonismo de novos atores sociais. Estamos dando mais um passo, aliás, um grande passo, para a compreensão de nossa formação econômica. Até lá! Referências Bibliográficas BOCCHI, João Idelbrando. Século XIX: Renascimento Agrícola, Economia Cafeeira e Industrialização, item 4.4. As tentativas de industrialização no século XIX. In REGO, José M. e MARQUES, Rosa Maria. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.85-89. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB227 MENDES JR., Antonio et alii. BRASIL HISTÓRIA-Texto & Consulta, volume 3: República Velha. Capítulo LXIX, Primeiras Fábricas e Formação do Capital Industrial. São Paulo: Editora Brasiliense, 1976, pp. 205-216
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