Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DOSSIÊ CURSO DA VIDA ADULTA E GERAÇÕES cadernos pagu (13) 1999: pp.11-35 Novas imagens do envelhecimento e a construção social do curso da vida* Tamara K. Hareven** Resumo A primeira parte deste artigo discute a emergência da “velhice” como uma nova etapa da vida no contexto da descoberta de outros estágios; a segunda parte aborda o surgimento de descontinuidades no curso da vida; a última parte discute a contribuição de mudanças históricas na família e no curso da vida para a segregação por idade. Palavras-Chave: Curso da Vida, Família, Gerações, Imagens do Envelhecimento. * Publicado em FEATHERSTONE, Mike and WERNICK, Andrew. Images of Aging. Cultural representations of later life. London and New York, Routledge, 1995, pp.119-134. (Tradução: Plínio Dentzien; Revisão: Guita Grin Debert.) O Cadernos Pagu agradece a autorização da Routledge e da autora para traduzir este artigo. ** University of Delaware, Dept. of Indiv. and Family Studies, Newark, USA. Novas imagens do envelhecimento 12 Changing Images of Aging and the Social Constructionof the Life Course Abstract The first part of this article discusses the emergence of “old age” as a new stage of life in the context of the discovery of other stages of life; the second part addresses the emergence of discontinuities in the life course; and the last part discusses the contribution of historical changes in the family and the life course to age segregation. Key words: Life Course, Family, Generations, Images of Aging. Tamara K. Hareven 13 Introdução A preocupação com a velhice em nossos dias focaliza esse estágio da vida, isolando-o do curso da vida como um todo. Sem negar os problemas que singularizam esse período, é importante interpretá-lo no curso da vida e no contexto histórico. No século vinte, o reconhecimento da velhice como um período singular é parte de um processo histórico mais amplo que envolve o surgimento de novos estágios da vida e seu reconhecimento social. É também parte de uma tendência contínua à segregação por idade na família e na sociedade mais ampla.1 Uma perspectiva histórica é útil, portanto, porque lança alguma luz sobre desenvolvimentos que afetam tanto a “meia idade” quanto a “velhice”. A primeira parte deste artigo discute a emergência da “velhice” como uma nova etapa da vida no contexto da descoberta de outros estágios; a segunda parte aborda o surgimento de descontinuidades no curso da vida; e a última parte discute a contribuição de mudanças históricas na família e no curso da vida para a segregação por idade. Não foi provavelmente por acaso que G. Stanley Hall, que formulara o conceito de “adolescência” nos anos 80 do século passado, ofereceu uma síntese de “senescência” como sua última obra criativa em 1920, quando ele mesmo tinha 80 anos: aprender que se é velho é uma experiência longa, complexa e dolorosa. A cada década, o círculo da Grande Fadiga se estreita em torno de nós, restringindo a intensidade e duração de nossas atividades. Enquanto seus contemporâneos davam atenção à deterioração característica da velhice, ou buscavam os segredos da 1 HAREVEN, Tamara K. The last stage: historical adulthood and old age. Daedalus: American Civilization: New Perspective 105 (4), 1976, pp.13-27. Novas imagens do envelhecimento 14 longevidade, Hall salientava os processos psicológicos singulares relacionados ao envelhecimento e sua significação social. Em vez de ver a velhice como um período de declínio e decadência, ele a via como um estágio de desenvolvimento em que as paixões da juventude e os esforços de uma carreira atingiam fruição e consolidação: Há uma certa maturidade de julgamento sobre os homens, coisas, causas e a vida, em geral, que nada no mundo senão a idade pode trazer; uma sabedoria real que só a idade pode ensinar.2 O interesse no significado do envelhecimento no começo do século vinte não derivou da mera curiosidade. Estava relacionado a questões sobre os limites da utilidade e eficiência no trabalho que acompanhavam a industrialização e o movimento por proteção social para os idosos. Em 1874, o psicólogo George Beard tinha começado a perguntar sobre as limitações da velhice: Qual é o efeito da velhice sobre as faculdades mentais?; até que ponto a responsabilidade dos homens é prejudicada pela mudança que as faculdades mentais sofrem na velhice? Analisando o registro das “maiores conquistas humanas”, tentou determinar com que idade se fizera “o melhor trabalho do mundo”. Descobriu que 70 por cento do trabalho criativo tinha sido realizado até os 45 anos e 80 por cento até os 50. Nesse âmbito, identificou o período dos 30 aos 45 como o período ótimo da vida. Embora fosse enfático sobre a necessidade de estabelecer uma idade para a aposentadoria dos 2 HALL, G. Stanley. Senescence: The Last Half of Life. New York, Appleton, 1922, p.366. Tamara K. Hareven 15 juizes, não recomendou uma idade determinada para a aposentadoria dos trabalhadores.3 A pesquisa de Beard representou a primeira tentativa de investigação científica da relação entre envelhecimento e eficiência, e montou a cena para o conceito do “homem aposentado” que viria em seguida. No fim do século dezenove, a sociedade norte-americana passou de uma aceitação da velhice como processo natural a uma visão dela como um período distinto da vida, caracterizado pelo declínio, fraqueza e obsolescência. A idade avançada, vista anteriormente como manifestação da sobrevivência do mais forte, passava a ser rebaixada como condição de dependência e deterioração: “Somos marcados pelos dedos deformantes do tempo com a feiura da idade”.4 Escritores começaram a identificar idade avançada com declínio físico e deterioração mental. A partir de 1860, as revistas populares mudaram sua ênfase da conquista da longevidade para a discussão dos sintomas médicos da senescência. No começo do século vinte a geriatria surge como ramo da medicina. Em 1910, I. L. Nascher, médico de New York, foi o primeiro a formular as características biológicas e necessidades médicas da senescência como processo do ciclo vital. Com base no trabalho de seus predecessores para conceptualizar o tratamento médico ele assentou, assim, os fundamentos da geriatria.5 Os problemas do envelhecimento são abordados de diversos ângulos pela literatura gerontológica: a perspectiva desenvolvimentista se interessa pelas mudanças biológicas e psicológicas relacionadas ao envelhecimento; a institucional sublinha o status sócio-econômico e os papéis dos idosos; e a cultural se concentra nos estereótipos e percepções dos idosos. 3 BEARD, George. Legal Responsibility in Old Age, Based on Researches into the Relationship of Age to Work. New York, Russells, 1874. 4 Apology from age to youth. Living Age CXCIII, 1893, p.170. 5 NASCHER, I. L. Geriatrics. Philadelphia, 1914. Novas imagens do envelhecimento 16 Algumas dessas perspectivas levaram à confusão dos “idosos” com um grupo de idade, ou como uma classe social em envelhecimento. Pouco esforço se fez para integrar essas visões ou interpretá-las como processos interrelacionados no curso da vida. A emergência da “velhice” como fenômeno social, cultural e biológico pode ser melhor entendida no contexto dos outros estágios da vida. As condições sociais das crianças e adolescentes numa dada sociedade estão relacionadas ao modo como o ser adulto é concebidonessa sociedade. De maneira semelhante, o papel e posição dos adultos e dos idosos estão relacionados ao tratamento das crianças e dos jovens. A formidável tarefa de investigar a sincronização do desenvolvimento individual com a mudança social requer uma perspectiva que leve em consideração o curso de toda a vida e várias condições históricas e culturais, em vez de simplesmente concentrar-se num grupo específico de idade. Como disse Erik Erikson: À medida em que chegamos ao último estágio [a velhice], nos apercebemos de que nossa civilização não tem um conceito da vida como um todo... Qualquer trecho do ciclo vivido sem significado vigoroso, no começo, no meio, ou no fim, põe em perigo o senso da vida e o sentido da morte em todos aqueles cujos estágios de vida se entrelaçam.6 A descoberta dos estágios da vida A idade e o envelhecimento estão relacionados a fenômenos biológicos, mas seus significados são determinados social e culturalmente. “Idade social” é um conceito relativo e varia em diferentes contextos culturais. Ao tentar entender as condições societais que afetam a idade adulta e a velhice é 6 ERIKSON, Erik. Insight and Responsibility. New York, 1964, pp.132-3. Tamara K. Hareven 17 importante perceber que as definições do envelhecimento, bem como as condições e funções sociais de cada grupo de idade, não só mudam significativamente ao longo do tempo, mas também variam entre diferentes culturas. Na sociedade ocidental, estamos acostumados a referir-nos a estágios da vida – infância e adolescência – como etapas reconhecidas de desenvolvimento que envolvem grupos específicos de idade, que também são acompanhadas por certas características culturais. A “descoberta” de um novo estágio é em si mesma um processo complexo. Primeiro, os indivíduos se tornam conscientes das características específicas de um dado período como uma condição distinta entre certas classes ou grupos sociais. Essa descoberta é então tornada pública e popularizada num nível societal. Profissionais e reformadores definem e formulam as condições singulares de tal estágio da vida, que passa a ser publicitado na cultura popular. Finalmente, se as condições peculiares a esse estágio forem associadas a algum problema social importante, ele atrai a atenção das agências públicas e se torna institucionalizado: suas necessidades e problemas passam a integrar a legislação e o estabelecimento de instituições direcionadas a resolvê-los. Essas atividades públicas, por sua vez, afetam a experiência dos indivíduos que estão passando por essa fase. Elas claramente influenciam o momento das transições de e para tal estágio ao dar apoio público e, às vezes, ao colocar limites que afetam o momento das transições. Na sociedade norte-americana, a infância surgiu como um estágio distinto na vida privada das famílias urbanas de classe média no começo do século dezenove. A nova definição do significado da infância e do papel das crianças estava relacionada ao refúgio da família na domesticidade, à separação entre local de trabalho e lar, à redefinição do papel da mãe como guardiã principal da esfera doméstica e à ênfase nas relações sentimentais e não instrumentais como base da própria vida familiar. De acordo com Philippe Ariès, a nova concentração da vida familiar Novas imagens do envelhecimento 18 urbana na Europa ocidental de fins do século dezoito e princípio do dezenove em torno da criança se caracterizava por seu foco no casal e na criança, e não mais no grupo familiar ou na linhagem. Era também uma resposta a duas mudanças demográficas importantes: o declínio da mortalidade infantil e o aumento da prática consciente de limitação de filhos.7 Tendo surgido primeiro na vida das famílias da classe média e tendo se tornado parte integrante de seu estilo de vida, a infância enquanto estágio distinto de desenvolvimento se tornou objeto de volumoso corpo de literatura sobre criação de filhos e conselhos às famílias. Esses livros e artigos de revistas popularizavam o conceito da infância e das necessidades das crianças, prescreviam os meios de permitir seu desenvolvimento e clamavam pela regulamentação do trabalho infantil. A descoberta da adolescência no final do século dezenove seguiu um padrão semelhante ao do surgimento da infância. Embora a puberdade em si mesma seja um processo biológico universal, os fenômenos sócio-psicológicos da adolescência só foram identificados e definidos gradualmente, notadamente por G. Stanley Hall, no final do século dezenove.8 Há evidência de que a experiência da adolescência, particularmente de alguns dos problemas e tensões a ela associados, foi percebida nas vidas privadas de indivíduos que alcançaram a puberdade durante a segunda metade do século dezenove.9 Educadores e reformadores urbanos começaram a observar a congregação de jovens com seus pares e a identificar estilos de comportamento que poderiam ser caracterizados como uma “cultura da adolescência” a partir de meados do século dezenove. A ansiedade relativa a essas condutas cresceu, particularmente nas 7 ARIÈS, Philippe. Centuries of Childhood: A Social History of Family Life. New York, Vintage, 1962. 8 HALL, G. Stanley. Senescence: The Last Half of Life. Op.cit. 9 DEMOS, John e DEMOS, Virginia. Adolescence in historical perspective. Journal of Marriage and the Family 31(4), 1969, pp.632-8. Tamara K. Hareven 19 grandes cidades, em que os reformadores alertaram para a ameaça potencial das gangues de jovens. No começo do século vinte, Hall e seus colegas definiram a adolescência como um novo estágio da vida. Esse novo estágio foi também amplamente popularizado na literatura. A extensão da idade escolar ao curso secundário na segunda metade do século dezenove, o aumento adicional do limite da idade para o trabalho infantil e o estabelecimento de reformatórios e de escolas vocacionais para jovens fazem parte do reconhecimento público das necessidades e problemas da adolescência.10 Os limites entre infância e adolescência, de um lado, e entre adolescência e idade adulta, de outro, foram ficando mais claramente marcados ao longo do século vinte. A experiência da infância e da adolescência se tornou mais geral entre grandes grupos da população norte-americana, à medida em que famílias imigrantes e da classe trabalhadora ingressavam na classe média. Keniston chegou a sugerir que no século vinte a extensão de uma moratória das responsabilidades adultas para além da adolescência resultou no surgimento de mais um estágio da vida – o da juventude.11 A despeito da crescente consciência desses estágios pré- adultos, os limites da vida adulta na América do Norte não surgiram claramente até mais tarde, quando a “velhice” se tornou proeminente como uma nova etapa da vida e, com ela, a necessidade de diferenciar seus problemas sociais daqueles da “meia idade”. Há muitas indicações de que uma nova consciência da “velhice”, juntamente com definições institucionais e reconhecimento social, surgiram no final do século dezenove 10 BREMNER, Robert H. et alii. Children and Youths in America: A Documentary History, vol I (1600-1865). Cambridge, MA., Harvard University Press, 1970; e BREMNER, Robert H. et alii. vol II (1866-1932). Cambridge, MA., Harvard University Press, 1971. 11 KENISTON, Kenneth. Psychological development and historical change. Journal of Interdisciplinary History 2(2), 1971, pp.329-45. Novas imagens do envelhecimento 20 e início do século vinte. A convergência do volume crescente da literatura gerontológica, a proliferação de estereótiposnegativos sobre os velhos e o estabelecimento da aposentadoria compulsória representam os primeiros movimentos de uma formulação pública e institucional da “velhice” enquanto um estágio distinto.12 A articulação dos novos estágios da vida e seu reconhecimento na sociedade norte-americana no passado vieram em geral como uma resposta a pressões externas e a um medo da desorganização potencial que poderia, de outra forma, seguir-se à negligência societal de um grupo de idade particular. No século dezenove essa apreensão foi particularmente dramática, pois se manifestava em atitudes relativas ao tratamento de crianças e adolescentes, quando jovens indisciplinados e não socializados eram vistos como as “classes perigosas”. Os idosos receberam comparativamente pouca atenção, porque não eram considerados perigosos para a ordem social. O argumento contra negligencia das crianças era que elas poderiam ser adultos perigosos e socialmente destrutivos. Nenhum argumento paralelo se aplicava aos idosos. Numa sociedade que perdera seu medo da vida após a morte, e em que a consciência e o contato com a morte não se integrava na vida quotidiana (pois a morte não tinha mais um poder mítico sobre os vivos), não havia razão para temer qualquer vingança dos idosos. Consequentemente, a primeira demonstração de poder político organizado dos idosos não se manifestou até o movimento Townshend nos anos 30, que teve sucesso em sua pressão sobre o governo federal pela instituição da previdência social. Muito antes, ao final do século dezoito, entretanto, a sociedade norte-americana tinha começado, pelo menos 12 FISCHER, David. H. Growing Old in America. New York, Oxford University Press, 1977. Tamara K. Hareven 21 gradualmente, a reconhecer a existência de vários estágios da vida e a desenvolver uma série correspondente de instituições. Como vimos, a infância foi “descoberta” na primeira metade do século dezenove e a adolescência foi “inventada” ao final do século. Ambos os estágios apareceram na consciência pública como resultado das crises sociais associadas a aqueles grupos de idade de modo semelhante ao do surgimento da velhice mais tarde. No entanto, a despeito da consciência crescente da infância, da adolescência e da juventude enquanto estágios pré-adultos, não surgiram limites claros para a idade adulta até muito depois, quando o interesse na meia-idade como segmento distinto da vida adulta surgiu da necessidade de diferenciar os problemas sociais e psicológicos da “meia idade” daqueles da “velhice”. As condições sociais e culturais do último meio século vêm contribuindo desde então para o refinamento dos limites entre os dois estágios. Mais recentemente, a própria velhice tem sido dividida em estágios – “jovens velhos” e “velhos velhos”.13 É claro, porém, que na sociedade norte-americana a “velhice” é hoje reconhecida como um período específico da vida adulta. Pelo menos até recentemente ela tinha um começo formal – 65 anos – no que diz respeito à vida de trabalho do indivíduo. Era institucionalizada por um rito de passagem – a aposentadoria e o ingresso na previdência social. Como boa parte da experiência adulta dependia do trabalho, especialmente para os homens, a aposentadoria freqüentemente também envolvia migração e mudanças nos arranjos da vida. Mais recentemente, a aposentadoria compulsória vem sendo revisada conforme nova legislação e as políticas da “despedida de ouro” adotadas por várias corporações. No começo do século vinte a preocupação e o interesse públicos com a velhice vinha de várias direções. Além dos 13 NEUGARTEN, Berenice L. e DATON, Nancy. Sociological perspectives on the life cycle. In: BALTES, Paul B. e SCHAIE, K. Warner. (orgs.) Life Span Development Psychology: Personality and Socialization. New York, Academic Press, 1973. Novas imagens do envelhecimento 22 médicos, psicólogos e escritores populares, especialistas em eficiência e reformadores sociais foram importantes para atrair a atenção para a velhice como problema social. Uma multiplicidade de estudos médicos e psicológicos, realizados por especialistas em eficiência industrial, deram atenção às limitações físicas e mentais da velhice. Ao mesmo tempo, reformadores sociais começaram a expor a pobreza e dependência sofrida por muitos idosos, como parte de uma pesquisa geral sobre a pobreza, e a militar em prol da previdência e da seguridade sociais.14 O reconhecimento governamental da velhice evoluiu de maneira mais gradual e surgiu primeiro ao nível estadual. Em 1920, apenas dez estados tinham instituído alguma forma de legislação sobre a velhice; todos os programas tinham âmbito limitado e a maioria deles foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte. Apesar disso, a militância em prol da previdência na velhice continuou, culminando no Social Security Act de 1935. Só nos anos quarenta, porém, a gerontologia passou a ser reconhecida como um campo novo e, mais recentemente, os cientistas sociais passaram a identificar a velhice como constituindo um novo e urgente problema para a sociedade ocidental. A definição social dos limites de idade e seu tratamento público através da reforma institucional, legislação sobre aposentadoria e medidas de bem estar representam o reconhecimento social mais recente desse estágio da vida.15 Tanto a literatura popular como as ciências sociais vem devotando atenção à demanda social e econômica dos mais velhos e a seu isolamento. Os principais fatores citados como 14 DOUGLAS, Paul H. Social Security in the United States. New York, 1936; EPSTEIN, Abraham. Facing Old Age: A Study of Old Age Dependency in the United States and Old Age Pensions. New York, 1922. 15 TIBBITS, Clark. Origin, scope and fiels of social gerontology. In: TIBBITS, Clark. (org.) Handbook of Social Gerontology. Chicago, 1960; PHILIBERT, Michael A. J. The emergence of social gerontology. Journal of Social Issues XXI (4) 1965, pp.4- 12. Tamara K. Hareven 23 explicações para esses problemas são: o impacto generalizado da urbanização e da industrialização, mudanças demográficas derivadas do aumento da expectativa de vida na infância e início da idade adulta e do prolongamento da vida na velhice devido a avanços na tecnologia médica; a proporção crescente dos idosos na população como resultado da diminuição da fertilidade e do aumento na expectativa de vida; a diminuição dos papéis produtivos que os mais velhos poderiam desempenhar como resultado da passagem de uma economia rural para uma industrial; a revolução tecnológica; e, finalmente, o desprezo pela velhice, que tem sido atribuído ao “culto da juventude”. Sem negar a importância dessas explicações, os estereótipos do envelhecimento e os problemas da velhice e do envelhecimento na sociedade norte-americana podem ser melhor compreendidos no contexto das mudanças na construção social e cultural de outros estágios da vida e nas descontinuidades históricas fundamentais no curso da vida em relação ao surgimento da segregação por idade no trabalho e nas orientações e funções da família. Como os limites de idade e os critérios da vida adulta variam significativamente entre culturas, classes e períodos históricos, seus significados não podem ser definidos meramente em termos de um estágio específico. Diferente da adolescência, que representa a passagem de uma pessoa pela puberdade, a vida adulta não pode ser claramente demarcada em termos biológicos. Em um mesmo grupo de idade, seu significado social e as funções a ela associadas variam entre culturas e segundo condições psicológicas. Por essas razões, é importantedeterminar até que ponto, e de que maneiras, os indivíduos no passado percebiam sua entrada na vida adulta e as transições para a velhice sob condições históricas diferentes. Novas imagens do envelhecimento 24 O surgimento das descontinuidades no curso da vida A experiência social de cada coorte é influenciada não só pelas condições históricas correntes, mas também pelo impacto cumulativo de eventos históricos passados sobre o curso da vida de seus membros. Consequentemente, a posição dos idosos na sociedade norte-americana foi formada, em parte, pelas condições sociais e econômicas que se combinaram para isolar sua família e sua vida produtiva quando eles chegavam aos sessenta ou setenta anos e, em parte, por sua experiência cumulativa prévia ao longo do curso da vida. Por exemplo, indivíduos que chegaram aos sessenta na década de 1890 e ainda trabalhavam tinham entrado para o mercado de trabalho mais cedo e nele continuariam até o fim da vida ou enquanto fossem capazes. Tendo crescido em períodos em que as transições eram marcadas ou institucionalizadas em termos menos rígidos, teriam achado a aposentadoria compulsória muito mais traumática que uma coorte que atingiu a mesma idade no começo do século vinte, quando tanto a entrada como a saída da força de trabalho eram muito mais claramente marcadas pela idade. A resposta da coorte mais velha à condições sociais e econômicas em transformação é, portanto, significativamente diferente da mais jovem, porque se baseia em experiências individuais e sociais muito diferentes.16 Ao tentar entender essas diferenças, é necessário considerar tanto o meio social contemporâneo em que os membros de uma coorte atingem tal idade quanto sua experiência cumulativa ao longo de suas vidas inteiras. Na sociedade pré-industrial, fatores demográficos, sociais e culturais se combinaram para produzir apenas uma diferenciação mínima entre os períodos da vida. A infância e a adolescência não eram vistas como estágios distintos; as crianças eram 16 HAREVEN, Tamara K. Historical changes in the social construction of the life course. Human Development 29 (3), 1986, pp.171-80; RILEY, M. W. Aging, social change and the power of ideas. Daedalus: Generations, 1978. Tamara K. Hareven 25 consideradas adultos em miniatura, que assumiriam gradualmente papéis adultos muito antes dos vinte anos e entrariam na vida adulta sem uma moratória relativa às suas responsabilidades. O adulto passava para a velhice sem disrupções institucionalizadas. Seus dois principais papéis – paternidade e trabalho – em geral se estendiam por toda a vida, sem qualquer intervalo de “ninho vazio” ou aposentadoria compulsória.17 Em comunidades rurais, a insistência dos mais velhos na auto-suficiência e seu controle continuado sobre o patrimônio familiar atrasou a independência econômica dos filhos adultos e deu aos pais que envelheciam poder de barganha para obter o sustento na velhice.18 A integração de atividades econômicas com a vida familiar também dava continuidade à utilidade dos mais velhos, particularmente das viúvas, ainda quando sua capacidade de trabalho estava em descenso. No entanto, não se deve idealizar as condições dos idosos na sociedade pré-industrial. John Demos indica que eles eram publicamente venerados, mas inseguros em suas vidas privadas. Alguns sintomas da insegurança e incerteza se refletem, por exemplo, em testamentos onde o sustento de uma mãe viúva aparece como condição para a herança do patrimônio familiar.19 Em todo caso, os idosos experimentavam segregação social e econômica com menor freqüência do que 17 CHUDACOFF, Howard P. e HAREVEN, Tamara K. From the empty nest to family dissolution: life course transitions into old age. Journal of Family History 41, 1979, pp.69-83. 18 GREVEN JR., Philip. Four Generations of Population, Land and Family in Colonial Andover, Mass. Ithaca, NY, Cornell University Press, 1970; SMITH, Daniel Scott. Parental power and marriage patterns: an analysis of historical trends in Hingham, Massachussets. Journal of Marriage and the Family 35 (3), 1973, pp.419-29. 19 DEMOS, John. A Little Commonwealth: Family Life in Colonial Plymouth. New York, Oxford University Press, 1969; ID. Old age in New England. In: VAN TASSEL, David. (org.) Aging, Death and the Completion of Being. Cleveland, Ohio, Case Western University Press, 1979. Novas imagens do envelhecimento 26 hoje e retinham suas posições familiares e econômicas até o fim de suas vidas.20 Se se tornavam “dependentes” devido a doença ou pobreza, eram sustentados por seus filhos ou outros parentes, ou colocados pelas autoridades locais nas casas de vizinhos, mesmo não parentes. Eram postos em instituições só em último caso.21 Descontinuidades no curso da vida Sob o impacto da industrialização e das mudanças demográficas do século dezenove, porém, uma diferenciação gradual entre os grupos de idade e uma maior especialização nas funções relacionadas à idade começaram a emergir, ainda que esses processos não estivessem acabados ao final do século. As descontinuidades no curso da vida individual ainda não eram marcadas e os grupos de idade ainda não eram completamente segregados de acordo com suas funções. Mesmo na família, as configurações de idade eram consideravelmente diferentes das de hoje: o declínio da mortalidade desde de 1870 aliado ao declínio da fertilidade afetou tanto o tamanho da família como as configurações de idade. Uma das principais mudanças históricas a esse respeito foi a transição da grande família para uma menor, e do amplo espectro de idade dos filhos na família para a família comprimida, com 2,3 filhos de idades próximas na sociedade norte-americana contemporânea.22 Antes da década de 1870 um grande número de filhos na família significava não só a presença de um grande número de irmãos, mas também a diversidade de suas idades. 20 SMITH, Daniel Scott. Parental power and marriage patterns... Op.cit. 21 GREVEN JR., Philip. Four Generations of Population... Op.cit. 22 UHLENBERG, P. Changing configurations of the life course. In: HAREVEN, Tamara K. (org.) Transitions: The Family and The Life Course in Historical Perspective. New York, Academic Press, 1978. Tamara K. Hareven 27 Em famílias com grande número de filhos, as configurações de idade eram consideravelmente diferentes das famílias com dois ou três filhos. Por exemplo, em famílias onde os filhos tivessem diferenças de dois ou três anos, se a família tivesse cinco ou seis filhos, o mais velho estaria pronto para deixar a casa ou casar-se quando o mais jovem ainda estivesse na escola primária. Como assinala Peter Uhlenberg: Consideremos, por exemplo, crianças numa família de oito ou nove filhos, comparadas com outras de dois. Na maior, o primogênito entra numa família de três membros, que vai se expandindo até 11. O mais jovem nasce numa unidade grande, que vai diminuindo à medida em que ele cresce, até que ele seja o único filho em casa. Além disso, as idades dos pais e as idades e número de irmãos presentes em diversos estágios da infância variam consideravelmente na família grande, dependendo de sua ordem de nascimento. Na pequena, ao contrário, os irmãos podem nascer com alguns anos de diferença e não ocorrem outras diferenças durante sua infância.23 Em famílias com maior diferença de idade entre os filhos, os mais jovens tendiam a ter mais contato com os irmãos mais velhos que com os próprios pais. Dada a idade dos pais no casamento, estes já seriam de meia-idade enquanto seus filhos mais jovens estivessem crescendo. Em tais circunstâncias,irmãos mais velhos (especialmente irmãs) funcionavam muitas vezes como encarregados de seus irmãos mais jovens. Quando um ou os dois pais morriam, os irmãos mais velhos agiam como pais substitutos. Essas variadas configurações de idade entre os irmãos tinha implicações significativas para suas relações, especialmente para sua interação ao longo do curso da vida. Filhos que cresciam em famílias com maiores diferenças de idade eram 23 ID., IB., p.77. Novas imagens do envelhecimento 28 expostos a diversos papéis e responsabilidades relativamente a seus próprios irmãos. O cuidado das crianças pelos irmãos mais velhos permitia que as mães trabalhassem fora de casa. Em famílias imigrantes de classe trabalhadora os jovens tomavam conta de seus irmãos pequenos.24 Até a virada do século, a paternidade não se limitava a certos períodos do curso da vida. Enquanto hoje os pais ainda tem um terço de sua vida pela frente quando completam suas funções de criação dos filhos, a paternidade no século dezenove era uma tarefa para toda a vida. A combinação do casamento relativamente tardio, curta expectativa de vida e alta fertilidade raramente permitia estágios de “ninho vazio”. Além disso, o casamento se rompia com freqüência pela morte de um dos esposos antes do final do período de criação dos filhos. Porque se casavam mais jovens e viviam mais, essa tarefa era mais comum para as mulheres. Viúvas ou não, porém, a extensão da maternidade pela maior parte do curso da vida continuou a envolver as mulheres em papéis familiares ativos até a velhice.25 Em condições em que o curso da vida era comprimido num período mais curto e mais homogêneo, as principais transições para a vida adulta – sair da escola, entrar na força de trabalho, sair de casa, estabelecer um lar, casar e ter filhos – não eram tão estruturadas como hoje. Com exceção do casamento e da formação de lares, elas nem chegavam a representar um movimento em direção a uma vida adulta independente. A ordem em que ocorriam variava significativamente em vez de seguir uma seqüência comum. Crianças e jovens mudavam da 24 HAREVEN, Tamara K. Historical changes in the life course and the family. In: J. YINGER, M. e CUTLER, S. J. (orgs.) Major Social Issues: A Multidisciplinary View. New York, Cambridge University Press, 1978, pp.338-45; ID. Family Time and Industrial Time: The Relationship Between the Family and Work in a New England Industrial Community. New York, Cambridge University Press, 1982. (Reeditado pela University Press of America, 1993.) 25 UHLENBERG, P. Changing configurations of the life course. Op.cit. Tamara K. Hareven 29 escola para o trabalho dependendo da estação, da disponibilidade de trabalho e das necessidades econômicas da família. A saída da escola não marcava um ponto de transição, assim como a entrada na força de trabalho também não implicava necessariamente no começo da vida adulta, num tempo em que o trabalho infantil era uma prática estabelecida. Sair de casa, um fenômeno hoje tipicamente associado com o começo da vida adulta, não tinha tal significado no período pré-industrial e no início da industrialização.26 Nas famílias rurais e urbanas de classe trabalhadora do século dezenove, os filhos e as filhas continuavam a viver em casa depois dos vinte anos, contribuindo com seus ganhos para o orçamento familiar comum. Alguns filhos deixavam a casa com pouco mais de dez anos para tornar-se serventes ou aprendizes, enquanto outros continuavam a viver com a família e a adiar o casamento e as responsabilidades da vida adulta até muito mais tarde. Famílias imigrantes irlandesas em Massachussets, por exemplo, costumavam manter em casa o filho mais jovem até os trinta anos. Entre outros trabalhadores industriais imigrantes na Nova Inglaterra, esperava-se que a última filha a permanecer em casa adiasse ou mesmo desistisse do casamento e continuasse a viver no lar para tomar conta dos pais enquanto vivessem. Quando filhos solteiros deixavam a casa paterna, freqüentemente passavam períodos de transição como pensionistas em famílias estranhas, antes de estabelecer seus próprios lares.27 26 MODELL, John, FURSTENBERG, Frank e HERSHBERG, Theodore. Social change and transitions to adulthood in historical perspective. Journal of Family History 1 (1) 1976, pp.7-32. 27 MODELL, John e HAREVEN, Tamara K. Urbanization and the malleable household: an examination of boarding and lodging in American families. Journal of Marriage and the Family 35 (3), 1973, pp.467-79; HAREVEN, Tamara K. The last stage: historical adulthood and old age. Daedalus: American Civilization: New Perspective 105 (4), 1976, pp.13-27; ID. Historical changes in the timing of family transitions: their impact on generational relations. In: FOGEL, Robert, RIESLER, Novas imagens do envelhecimento 30 Mesmo o casamento, usualmente visto como ato “adulto” na sociedade do século vinte, marcava menos a transição para a vida adulta autônoma no século dezenove. Em comunidades urbanas, onde a imigração produzia tanto a escassez de moradia como o desemprego, era difícil montar um lar, de modo que os recém casados freqüentemente traziam seus esposos ou esposas para morar nas casas de seus pais no período de transição. Mesmo quando viviam em separado, viviam geralmente próximos, muitas vezes no mesmo bairro. Nos primeiros anos do casamento e especialmente depois do nascimento do primeiro filho, os casais jovens de bom grado sacrificavam a privacidade em nome da assistência e do apoio paternos, o que se acentuava ainda mais em períodos de crise e depressão econômica, ou durante crises familiares geradas pelo desemprego, doença ou morte.28 A mudança histórica mais significativa no momento e na seqüência das transições da vida desde o começo deste século foi a emergência de maior uniformidade no ritmo em que uma coorte realiza uma dada transição. Isso é particularmente evidente nas transições para a vida adulta (sair de casa, casamento e o estabelecimento de um novo lar). Durante o século passado, as transições da vida se tornaram mais claramente marcadas, mais rápidas e mais comprimidas no tempo. Em contraste com nossos tempos, no final do século dezenove as transições da casa paterna para o casamento e para a chefia do próprio lar eram mais graduais e menos rígidas. O tempo necessário para que uma coorte realizasse tais transições era mais amplo e a seqüência em Sarah B., HATFIELD, Elaine e SHANAS, Ethel. (orgs.) Aging: Stability and Change in the Family. New York, Academic Press, 1981. 28 CHUDACOFF, Howard P. Newlyweds and familial extensions: first stages of the family cycle in Providence, R.I., 1864-1880. In: HAREVEN, Tamara K. e VINOVSKIS, Maris. (orgs.) Demographic Processes and Family Organization in Nineteenth- Century American Society. Princeton, N.J., Princeton University Press, 1978. Tamara K. Hareven 31 que as transições se davam era mais flexível. No século vinte, as transições para a vida adulta se tornaram mais uniformes para as coortes de idade, mais ordenadas em sua seqüência e mais rigidamente definidas.29 A consciência de entrar num novo estágio da vida e as implicações do movimento de um estágio para o seguinte ficaram mais firmemente estabelecidas. As mudanças históricas do século passado, em particular a crescente rapidez na sucessão das transições e a introdução de transições publicamente reguladas e institucionalizadas, convergiram para isolar e segregar grupos de idade na sociedade mais ampla. Aomesmo tempo, esses casos geravam novas pressões sobre o momento e na seqüência das transições, dentro e fora das famílias. A principal mudança histórica ao longo do século passado foi de momentos e seqüências mais articulados às necessidades coletivas da família para momentos e seqüências mais individualizados. A temporalidade passou a ser mais regulada por normas específicas à idade que pelas necessidades coletivas da família. Mudanças na família Em épocas anteriores, a ausência de transições dramáticas para a vida adulta permitia uma interação mais intensa entre diferentes grupos de idade dentro da família e da comunidade, dando assim maior sentido de continuidade e interdependência a pessoas em diversos estágios da vida. Mas, à medida que a maior diferenciação entre os estágios da vida começou a se desenvolver, as funções sociais e econômicas se tornaram mais relacionadas à idade, aumentando a segregação entre os grupos etários. As principais mudanças que levaram ao isolamento das pessoas mais velhas na sociedade de hoje se enraízam não tanto 29 MODELL, John, FURSTENBERG, Frank e HERSHBERG, Theodore. Social change and transitions to adulthood in historical perspective. Op.cit. Novas imagens do envelhecimento 32 em mudanças na estrutura familiar ou nos arranjos residenciais, como em geral se tem afirmado, quanto na transformação e redefinição das funções e valores da família. Entre essas mudanças, a erosão de uma visão instrumental das relações familiares – e o resultante recurso à sentimentalidade e à intimidade como as principais forças de coesão na família – levou a um enfraquecimento da interdependência entre membros da família nuclear e seus demais parentes. As relações afetivas substituíram gradualmente as instrumentais. Essa mudança aconteceu primeiro na classe média, por volta da metade do século dezenove, mas afetou em seguida a classe trabalhadora e diversos grupos étnicos, à medida em que o conformismo crescente introduzia valores de classe média nas vidas da classe trabalhadora. Desde então, a ênfase na domesticidade e na criação dos filhos como principais preocupações da família de classe média – especialmente no papel das mulheres como guardiãs do retiro doméstico – tendeu a isolar as famílias urbanas de classe média da participação e influência de parentes mais velhos e outros familiares. A partir de 1830, essas famílias se tornaram ávidas consumidoras da literatura popular de conselhos sobre a criação de filhos, não porque os parentes mais velhos não estivessem disponíveis para oferecer tais conselhos, mas porque a orientação baseada na experiência pessoal e na tradição vinha sendo gradualmente posta de lado em favor da informação semi-profissional “empacotada”. Essa transição aumentou a perda de poder e influência dos mais velhos na família. A ideologia da domesticidade, que surgiu durante a primeira metade do século dezenove, também entronizou a privacidade como valor maior na vida familiar. O lar era glorificado como refúgio do mundo e, ao mesmo tempo, como centro especializado de criação dos filhos. Philippe Ariès resumiu sucintamente essa mudança na sociedade européia ocidental: Tamara K. Hareven 33 A família moderna... se separa do mundo e opõe à sociedade grupos isolados de pais e filhos. Toda a energia do grupo é gasta em ajudar os filhos a subir na vida, individualmente e sem qualquer ambição coletiva: os filhos mais que a família.30 Sob o impacto da industrialização, a família acabou deixando para outras instituições sociais muitas das funções previamente concentradas no lar. A retirada e crescente privatismo da moderna família de classe média levou ao estabelecimento de fronteiras mais estritas entre família e comunidade e intensificou a segregação dos grupos de idade dentro da família, levando à exclusão dos mais velhos de papéis familiares viáveis. A transferência de funções de bem-estar, outrora concentradas na família, para instituições na sociedade mais ampla contribuiu ainda mais para a segregação dos idosos. O cuidado dos membros dependentes, doentes, delinqüentes e idosos da comunidade, que era considerada parte da obrigação das famílias no período pré- industrial, foi gradualmente transferido para instituições especializadas como asilos e reformatórios. A família deixava de ser a única fonte disponível de apoio a seus membros dependentes e a comunidade deixava de apoiar-se na família como principal agência de bem-estar e controle social.31 Conclusão A caracterização dos idosos como “inúteis”, “ineficientes”, “não atraentes”, “temperamentais” e “senis” acompanhou a expulsão gradual de pessoas da força de trabalho aos 65 anos 30 ARIÈS, Philippe. Centuries of Childhood... Op.cit. 31 BREMNER, Robert H. From the Depths: The Discovery of Poverty in the United States. New York, New York University Press, 1956; ROTHMAN, David. The Discovery of the Asylum. Boston, Little, Brown, 1971. Novas imagens do envelhecimento 34 desde o começo do século vinte. O desenvolvimento do que Erving Goffman chamou de “identidade deteriorada” ou que outros referiram como a “mística dos idosos” já começara a aparecer na literatura popular nos Estados Unidos ao final do século dezenove. O surgimento desses estereótipos negativos não deve ser considerado a causa do declínio imediato no status dos idosos, mas certamente refletia o início de uma tendência crescente a rebaixar os idosos na sociedade. Alguns autores atribuíram o surgimento de uma imagem negativa da velhice a um “culto da juventude” na sociedade norte- americana, mas, embora exista uma conexão inegável, um fator não pode ser considerado causa do outro. A glorificação da juventude e o rebaixamento da velhice são dois aspectos de um processo muito mais complexo. Ambos resultam da crescente segregação dos diferentes estágios da vida – e dos grupos de idade correspondentes – na moderna sociedade norte-americana. As mudanças sócio-econômicas e culturais do século passado levaram gradualmente a uma separação do trabalho de outros aspectos da vida e a um abandono da predominância dos valores familiares em favor do individualismo e da privacidade. A legislação sobre o trabalho infantil e a educação compulsória até os 14 (ou 16) anos favoreceram a segregação dos jovens, cada vez mais a partir de meados do século dezenove.32 De modo semelhante, a expulsão gradual dos mais velhos da força de trabalho, no começo do século vinte, e o declínio em suas funções paternas, nos últimos anos da vida, tenderam a separá-los de seus descendentes. Uma das mudanças mais importantes a afetar os idosos, portanto, foi a crescente associação de funções com a idade e a formação de grupos etários segregados. Essa segregação por idade ocorreu primeiro na classe média e só mais tarde se expandiu para o resto da sociedade. 32 BREMNER, Robert H. et alii. Children and Youths in America. Op.cit., 1971, vol. II. Tamara K. Hareven 35 Essas mudanças afetaram cada um dos estágios da vida: resultaram na segmentação do curso da vida em etapas mais formais, em transições mais uniformes e rígidas de um período para o próximo e na separação dos vários grupos etários entre si. Os problemas dos idosos na sociedade norte-americana são, em certos aspectos, singulares, mas, em outros, refletem, em sua forma mais aguda, problemas experimentados por outros grupos de idade e também em outros estágios da vida.
Compartilhar