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EMPREGADOS DOMÉSTICOS E A NOVA LEI COMPLEMENTAR 150/15 Vólia Bomfim Cassar1 1. HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO LEGAL A palavra “doméstico” deriva do latim domus – casa. Daí por que foi inserido no conceito que doméstico é o trabalhador que executa seus serviços na casa do patrão. As primeiras leis aplicáveis aos domésticos foram as Ordenações do Reino. Mais tarde, o Código de Postura Municipal de São Paulo de 1886, art. 263, autorizava a contratação para os serviços domésticos de “pessoa de condição livre”. O Código Civil (1916) passou a reger qualquer tipo de “locação de serviços”, aí incluído o trabalho doméstico (art. 1.216 e segs. do CC). O Decreto nº 16.107/23 conceituou os domésticos, incluindo como tais os cozinheiros e ajudantes de cozinha, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões, porteiros, serventes, amas-secas ou de leite, costureira, damas de companhia, e equiparou alguns trabalhadores, cujos serviços fossem de natureza idêntica aos domésticos, mesmo que o trabalho fosse desenvolvido em hotéis, restaurantes, casas de pasto, pensões, bares, escritórios etc. Concedia certos direitos e autorizava a justa causa para os casos de incapacidade decorrente de doença. Depois, o Decreto-Lei nº 3.078/412 conceituou domésticos como aqueles que, “de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”. Portanto, excluiu os trabalhadores de restaurantes, pensões e demais pessoas jurídicas da condição de doméstico. Aqueles passaram à condição de urbanos (CLT). Concedeu, ainda, aviso prévio de oito dias, um período de prova de seis meses, justa causa e despedida indireta. Posteriormente, a CLT definiu o trabalhador doméstico, revogando as regras anteriores, 1 Vólia Bomfim Cassar é desembargara do TRT da 1ª Região, Mestre e Doutora em direito, pós-graduada em direito e processo do trabalho, coordenadora do curso de direito da Unigranrio, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, professora e autora do livro Direito do Trabalho, da editora Gen. 2Há quem sustente que o Decreto-Lei nº 3.078/41 jamais teve aplicabilidade, porque não editada a regulamentação determinada pelo art. 15 deste Decreto. salvo a regra geral contida no Código Civil de 1916, e o excluiu dos direitos previstos na CLT – art. 7º, a. Finalmente, a Lei nº 5.859/72 e o Decreto nº 71.885/73 passaram a regulamentar exclusivamente os direitos do doméstico, até sua revogação pela Lei Complementar (LC) 150/15. A Constituição de 1988, em seu art. 7.º, parágrafo único (hoje alterado pela EC 72/2013), estendeu aos domésticos alguns dos direitos concedidos aos rurais e urbanos. Todavia, isto não quis dizer que o art. 7º, a, da CLT foi revogado, isto é, até hoje, mesmo depois da citada Emenda Constitucional, não se aplicam muitas das disposições e direitos contidos na CLT aos domésticos, já que regidos por lei própria. Logo, o art. 7º, a, da CLT ainda se aplica parcialmente ao doméstico e deve ser interpretado conforme à Constituição. Em 2001 foi publicada a Lei nº 10.208/2001, estendendo ao doméstico, de forma facultativa para seu empregador, o FGTS e seguro-desemprego. A Lei nº 11.324/06, por sua vez, estendeu ao doméstico outros direitos: estabilidade à gestante, férias de 30 dias, e proibição de descontos por concessão de algumas utilidades e feriados. No dia 02.04.2013 foi promulgada a EC 72/2013, que alterou o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal e concedeu aos domésticos outros direitos, antes só garantidos aos urbanos (CLT) e rurais. Entre os novos direitos estão: jornada de 8 horas diárias, limitadas a 44 horas semanais; hora extra com acréscimo de 50% e, na forma da lei, adicional noturno, FGTS acrescido de multa de 40%, em caso de despedida imotivada etc. A Lei Complementar 150/15 revogou a Lei 5.859.72 e regulou alguns dos novos direitos constitucionais e deixou outros para o futuro decreto. Para que um trabalhador seja considerado doméstico, mister se faz o preenchimento de alguns requisitos. 2. CONCEITO (a) Doméstico é a pessoa física que, de forma subordinada, (b) continuada e mediante salário, preste serviços pessoais para outra (c) pessoa física ou família que (d) não explore atividade lucrativa, no (e) âmbito residencial desta e trabalhe por mais de dois dias semana, conforme art. 1º da Lei Complementar nº 150/15. a) Doméstico a.1. Enquadramento Legal O enquadramento legal (CLT, rural, doméstico ou estatutário) de um trabalhador não deve ser analisado pela atividade que exerce e sim para quem trabalha. Assim, se uma empregada exerce a função de cozinheira, este fato por si só não a enquadra em nenhuma das leis mencionadas, pois será necessário que se pesquise quem é seu empregador. Se o seu empregador for uma pessoa física que não explore a sua mão de obra para fins lucrativos, será doméstica; se o seu empregador for um restaurante, um hotel ou uma loja comercial, será urbana; se seu empregador for rural, será rural. É preciso lembrar que para ser doméstico basta trabalhar para empregador doméstico, independentemente da atividade que o empregado doméstico exerça, isto é, tanto faz se o trabalho é intelectual, manual ou especializado. Portanto, a função do doméstico pode ser de faxineira, cozinheira, motorista, piloto de avião, médico, professor, acompanhante, garçom do iate particular, segurança particular, caseiro, cuidador, enfermeira etc. O essencial é que o prestador do serviço trabalhe para uma pessoa física que não explore seus serviços com intuito de lucro, mesmo que estes não se limitem ao âmbito residencial do empregador. Desta forma, o médico que trabalha todos os dias durante meses na casa de um paciente para acompanhá-lo, oito horas por dia, por exemplo, é doméstico. O piloto do avião particular do rico executivo é doméstico. A enfermeira da idosa que executava seu serviço em sistema de trabalho de 12 horas por 24 horas de descanso, durante anos, na residência da idosa, ou em forma particular em hospital, acompanhando a patroa, é doméstica. Percebe-se, dos exemplos acima, que o doméstico não é só a cozinheira, a babá, a faxineira, o motorista, a governanta, o vigia, o jardineiro, o mordomo, a copeira e a lavadeira, mas também podem ser domésticos: o professor, a enfermeira, o piloto, o marinheiro do barco particular, o piloto, a enfermeira e a cuidadora etc. b) Continuidade A antiga lei do doméstico (Lei nº 5.859/72, art. 1º), bem como a nova Lei Complementar 150/15, preferiu a expressão “forma contínua” no lugar da expressão utilizada pela CLT (art. 3º) “natureza não eventual” dos serviços. Tal diferenciação fez surgir duas interpretações e muitos debatidas antes da nova lei complementar. A primeira corrente entendia que era irrelevante a diferença e que os critérios para apuração do trabalho “contínuo” deveriam ser os mesmos para o trabalho “não eventual” da CLT, isto é, o que importaria seria a necessidade permanente da mão de obra do doméstico para o tomador, demonstrada pela repetição de seu trabalho durante todo o contrato, mesmo que exercido uma só vez por semana, por quinzena ou mês, mas durante muitos meses ou anos. Alguns autores chamam esta corrente de teoria da (des)continuidade. Para os defensores,3-4 desta tese, seria doméstico tanto o empregado que trabalhava de segunda a sexta, durante seis anos para uma família, como aquele que trabalhava apenas às segundas- feiras para a mesma família, durante estes mesmos seis anos. DOMÉSTICA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO PELO PERÍODO ANTERIOR AO REGISTRO. SERVIÇO DE NATUREZA CONTÍNUA E SERVIÇO DIÁRIO. DISTINÇÃO. Descontinuidade não se confunde com intermitência para os efeitos de incidência da legislação trabalhista.A referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o art. 1º da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades (tácito ou expresso), que lhe confere feição de permanência, em contraponto à ideia de eventualidade, que traz em si acepção oposta, de esporadicidade, do que é fortuito, episódico, ocasional, com manifesta carga de álea incompatível com o perfil do vínculo de emprego. Desse modo, enquanto elemento tipificador do contrato de emprego, a continuidade a que alude a legislação que regula o trabalho doméstico não pressupõe ativação diária ou ininterrupta e muito menos afasta a possibilidade de que em se tratando de prestação descontínua (não diária), mas sendo contínua a relação, torne-se possível o reconhecimento do liame empregatício. Vale dizer que mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não sequenciais), porém certos, sem 3 MAGANO, Otávio Bueno, op. cit., p. 125. 4 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 135. qualquer álea, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo pelo período anterior ao registro, de empregada doméstica que prestou serviços três vezes por semana, por quase uma década, em residência familiar, mormente em vista da circunstância de que o próprio empregador veio a anotar-lhe a CTPS no terceiro ano trabalhado, sem fazer prova de que a partir daí teria havido qualquer mudança nos misteres. Inteligência do art. 1º da Lei nº 5.859/72. Ac. 20050677254. Proc. 01336.2003.025.02.00.6. 4ª T. SP, Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, julgado em 27/09/2005, publicado em 07/10/2005. Outra corrente entendia que foi proposital a distinção, porque o conceito de serviço de natureza “não eventual” previsto na CLT (art. 3º da CLT) relaciona-se com a atividade empresarial, com seus fins e necessidades de funcionamento e o empregador doméstico não explora atividade econômica lucrativa, pois não é empresa. Neste sentido, a corrente defendia que trabalho “contínuo” tinha conexão com o seu conceito linguístico, isto é, vinculava-se com o tempo, a repetição, com o trabalho sucessivo, seguido, sem interrupção, como conceitua o Dicionário Aurélio. Segundo a doutrina5-6-7-8-9-10 e a jurisprudência majoritária da 5 Godinho defendia que o trabalho desenvolvido uma ou duas vezes por semana, quinzena ou mês ensejava uma relação eventual, logo, não poderia ser considerado empregado doméstico e sim diarista. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 360. 6 Alice Monteiro de Barros, adotando o modelo contido na legislação argentina, defendia que o trabalho doméstico deveria se dar por mais de quatro dias na semana, por mais de quatro horas por dia, por um período não inferior a um mês para ser considerado empregado. Se assim não ocorresse seria trabalhador doméstico eventual – diarista, sem vínculo de emprego. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 324. 7 Carrion não se referia ao número de dias da semana necessários para caracterizar o vínculo de emprego doméstico. Mencionava simplesmente que “o diarista intermitente (...) não está, em princípio protegido pela lei dos domésticos, mesmo que compareça certo dia na semana, (...)”. Esta afirmação nos levava a crer que um dia por semana não era suficiente para a relação de emprego doméstico. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. Atualizado por Eduardo Carrion, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 44. 8 Evaristo apontava como critérios diferenciadores por diarista sem vínculo o empregado doméstico: “não é considerado empregado doméstico o prestador de serviços a várias famílias, sob a forma de diarista ou de avulso. Esses são considerados autônomos, por conta própria, para todos os efeitos, quer trabalhistas, quer previdenciários.” MORAES FILHO, Evaristo; MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 268. 9 Prunes mencionava que os domésticos que trabalham um ou mais dias na semana, mas não em todos os dias da semana, não poderiam ser considerados empregados e sim diaristas sem vínculo de emprego. PRUNES, José Luiz Ferreira. Contrato de Trabalho Doméstico e Trabalho a Domicílio. Curitiba: Juruá, 1995, p. 72. 10 A Súmula 19 do TRT da 1ª Região dispõe que: “TRABALHADOR DOMÉSTICO. DIARISTA. PRESTAÇÃO LABORAL DESCONTÍNUA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A prestação laboral doméstica realizada até três vezes por semana não enseja configuração do vínculo empregatício, por ausente o requisito da continuidade previsto no art. 1º da Lei 5.859/72.” época, a repetição dos trabalhos domésticos deveria ser analisada por semana, desprezando o tempo de duração do contrato, de forma que, se o trabalhador executasse seus serviços três ou mais dias na semana (antes da nova lei complementar), por mais de quatro horas por dia, por período não inferior a 30 dias seria empregado doméstico. Se trabalhar todos os dias, mas por apenas 1 hora, como seria o caso do personal trainer, da manicure, do professor particular etc., não seria empregado doméstico e sim diarista doméstico, sem vínculo de emprego. Há posicionamentos divergentes para menos e para mais, isto é, havia entendimentos que a quantidade de dias da semana deveria ser, ora maior ora menor. O TST11 já apreciou questão similar no RR 17.179/01.006.09.40.7, negando o vínculo de emprego doméstico para a diarista que afirmava ter trabalhado três vezes por semana na casa da família, sob o argumento de que, além de comprovado o trabalho em apenas dois dias semanais, recebia pagamento por semana e prestava serviços para outras famílias do mesmo condomínio. Outras decisões do TST (RR-2300-89.2002.5.01.0040) negavam vínculo de emprego para trabalho por 4 dias da semana (toda esta discussão era anterior à LC 150/15). Havia ainda aqueles12 que diferenciam o trabalho eventual do intermitente, para concluir que o trabalho executado por dois ou mais dias na semana, durante o contrato, configurava o vínculo de emprego doméstico por intermitente e não eventual. Resumindo: Antes da Lei Complementar 150/15, a doutrina e a jurisprudência majoritárias adotavam a tese de que o trabalho prestado num só dia da semana para tomador doméstico, como, por exemplo, a faxineira, a passadeira, a arrumadeira, a congeleira etc., não gerava vínculo de emprego, por não ser contínuo o serviço prestado. Até o advento da Lei Complementar 150/15, defendíamos a corrente que “trabalho contínuo” era aquele desenvolvido três ou mais dias na semana, por mais de quatro horas a cada dia, por período não inferior a 30 dias. Todavia, era possível, excepcionalmente, acolher como empregado doméstico aquele que trabalhava apenas dois dias, mas que ficava à disposição por 24 horas por dia, nestes dias,13 como, por exemplo, no caso das enfermeiras particulares, acompanhantes ou seguranças particulares. Só o caso concreto poderia demonstrar o trabalho contínuo. Todavia, toda esta controvérsia está superada pelo artigo 1º da Lei Complementar 150/15, pois conceitua empregado doméstico como aquele que presta serviços “por mais de 2 (dois) dias por semana”. Desta forma, a partir de sua vigência, diarista, sem vínculo de emprego, será aquela trabalhadora que prestar serviços dois ou menos dias na semana. 11 Todavia, há uma decisão contrária do TST em que foi mantida a decisão do Regional que reconheceu o vínculo doméstico para empregada que prestou serviços apenas um dia por semana – RR- 18756/2003-002-09-00.0.A questão era muito controvertida antes da Lei Complementar 150/15. 12 Süssekind afirmava que “é empregado doméstico o motorista contratado para conduzir o automóvel da família às terças e sextas-feiras, no horário das 09:00 às 17:00 horas. Da mesma forma, a lavadeira que se obrigava a cumprir jornada de trabalho na residência do contratante, duas vezes por semana”. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 151. 13 Na verdade, o trabalho executado em dois plantões de 24 horas pelo doméstico, equivaleria, proporcionalmente, ao trabalho desenvolvido por 8 horas em três dias por semana. Não seria crível a comparação de um doméstico que trabalha duas horas por dia, com aquele que trabalha 24 horas deste mesmo dia. De forma diversa, será empregado doméstico aquele (a) que trabalhar três ou mais dias na semana. Nossa crítica sobre o atual conceito legal de doméstico permanece, pois deveria vincular a carga horária semanal ao número de dias trabalhados. A situação ideal seria o legislador estabelecer que empregado doméstico é aquele que executa seus serviços para o mesmo tomador por três dias ou mais por semana ou que trabalhe ou permaneça à disposição por, pelo menos, 24 horas semanais. Desta forma, a professora particular que frequenta a casa da família 4 (quatro) dias por semana, por apenas duas horas por dia, continua não sendo empregada doméstica ou o personal trainer que vai todos os dias à casa da cliente e a treina por 1 hora por dia não é empregado doméstico, apesar de lhe prestar serviços TODOS os dias da semana. Convém ressaltar que, ao ser contratado o doméstico deve fornecer a CTPS ao patrão, mediante recibo, para este a assine em 48 horas, na forma do artigo 9º da Lei Complementar 150/15. A Delegacia Regional do Trabalho poderá autuar o empregador doméstico caso não assine a sua Carteira de Trabalho no prazo de 48 horas (Lei nº 12.964/14 c/c Instrução Normativa 110/14 do MTE e art. 44 da Lei Complementar 150/15). c) Pessoa Física ou Família c.1. Pessoa Física Não pode a pessoa jurídica ser a tomadora do serviço doméstico. Portanto, não são considerados domésticos os empregados em atividades assistenciais, beneficentes, comerciais (lavadeira de hotel ou pensão), industriais (cozinheira da fábrica). Também não pode um profissional liberal ser o tomador do serviço doméstico, quando tomar os serviços do trabalhador para sua atividade econômica (faxineira do escritório de um advogado, engenheiro, médico etc.). Mesmo os entes jurídicos especiais, sem personalidade formal, não podem contratar empregados como domésticos, como é o caso da massa falida e do condomínio. c.2. Família Quando o serviço é prestado para a família, o real empregador do doméstico é esta. Todavia, como a família não tem personalidade jurídica, a responsabilidade pela assinatura da CTPS ficará a cargo de um dos membros que a compõem. Sendo assim, todos os membros capazes da família que vive na mesma unidade, que tomam os serviços do doméstico, são empregadores. O conceito de família deve ser entendido como reunião espontânea de pessoas para habitação em conjunto, mesmo que não haja vínculo de parentesco entre elas. Desta forma, é possível equiparar ao conceito de família, para fins de caracterização do empregador doméstico, amigos que coabitam numa mesma casa, casal homossexual, famílias irregulares14 etc. Comunidades maiores15 (colégios, albergues, conventos) devem ser 14 No mesmo sentido MAGANO, Otávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. Direito Individual do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1992, v. 2, p. 120. 15 Em sentido contrário Magano, que defende que o trabalho doméstico deve ser prestado “em uma casa de habitação”, isto é, no lugar onde seu empregador viva ou habite, sozinho ou em companhia descartadas, por perderem a semelhança com a família e por não importarem em reunião espontânea do grupo. Se o casal, com dois filhos menores, contrata uma doméstica, é certo afirmar que ambos são empregadores e, por isso, solidariamente responsáveis por este contrato, mesmo que apenas um deles trabalhe para sustentar o grupo, arcando, por isso, com os salários da doméstica. Da mesma forma, quando três amigas coabitam, uma paga a doméstica, a outra as despesas da casa e a terceira contas extras. Apesar de apenas uma arcar diretamente com os salários da doméstica, todas são igualmente empregadoras, já que todas tomam os serviços domésticos e pela equivalência com a família. Todos os membros maiores e capazes da família são coempregadores domésticos e respondem solidariamente pelos encargos trabalhistas, mesmo aqueles que não trabalham. Se, por exemplo, um filho casa e vai morar com sua esposa em outro imóvel e a doméstica da casa da mãe é por ela cedida, dois dias por semana, para trabalho na casa do filho, permanecendo os três outros dias da semana na residência dos pais para o labor doméstico, mas ainda remunerada pelos pais pelos cinco dias da semana, conclui-se que a família foi alargada, passando a ser também empregadora a esposa do filho. Isto porque o local da prestação de serviços (imóvel) domésticos não descaracteriza o vínculo, desde que o empregado seja pago e comandado pela mesma unidade familiar. De forma diversa, se o filho passasse a tomar os serviços da mesma doméstica, por três dias da semana, pagando do seu próprio bolso e dando ordens, o vínculo se formaria com ele (isto é, com o novo casal), salvo ajuste de consórcio de empregador doméstico efetuado entre ele e seus pais. Convém ressaltar, porém, que apenas uma pessoa vai assinar a Carteira. Demandado em juízo apenas um cônjuge ou amigo, o outro poderá representar o réu demandado como corresponsável, sem necessidade de carta de preposição, por também ser considerado empregador. Ocorrendo separação do casal (ou das amigas), o cônjuge que se afastar e, por isso, não mais receber os serviços da doméstica, deixa de ser responsável por aquele contrato. Caso a Carteira tenha sido por ele assinada, basta uma anotação (no local destinado para as observações gerais) de que o responsável exclusivo pelo contrato permanece apenas o outro, a partir daquele momento. Não deve ser procedida a baixa, nem anotado outro contrato, pois o pacto permanece o mesmo, de forma única, apenas com responsáveis diferentes. d) Atividade de Natureza Não Lucrativa Sob a ótica do tomador dos serviços e não do seu prestador, o trabalho exercido não pode ter objetivos e resultados comerciais ou industriais, restringindo-se tão somente ao interesse do tomador ou sua família. Logo, o patrão não pode realizar negócios com o resultado do trabalho do empregado. A energia de trabalho despendida pelo empregado doméstico não pode ter como finalidade o lucro do patrão. Dessa maneira, quando na residência há um pensionato ou sistema de fornecimento de alimentos, tanto a faxineira quanto a cozinheira deixam de ser domésticas para serem empregadas comuns (urbanas). de pessoas, independente se muitas ou poucas. Conclui afirmando que é doméstico aquele que trabalha para comunidades religiosas, em conventos ou locais semelhantes. Ibidem, p. 121. Todavia, a matéria não é pacífica como parece. A controvérsia se origina da comparação do texto contido no art. 7º, a, da CLT com o conceito de doméstico contido no art. 1º da revogada Lei nº 5.859/72, atual artigo 1º da Lei Complementar 150/15, isto porque a CLT se refere à atividade não econômica e a lei do doméstico à atividade não lucrativa. Deve-se, portanto, analisar se o art. 7º, a, da CLT foi revogado pela lei do doméstico, já que esta última repete o conceito de forma diversa, ou, se o legislador de 1972, ao conceituar doméstico,conceito mantido pela lei nova, cometeu apenas um lapso, vigorando, até hoje, a alínea a, do art. 7º, da CLT? A resposta é de extrema importância, pois atividade econômica é toda movimentação de bens e serviços,16 enquanto atividade lucrativa17 é toda movimentação de bens e serviços organizados com fins lucrativos. Ex. 1: Empregado que cuida do canil e dos 200 cães do patrão, dando treinamento, remédio, comida, banho, levando para passear etc., tudo para fins de exposições e competições, sem intuito de lucro, pois quando vencedor, o prêmio é doado. Neste caso o empregado é doméstico ou urbano? Ex. 2: Empregada que cozinha e prepara 100 quentinhas para a patroa doméstica doar para um orfanato ou um asilo, praticando, portanto, atividade econômica, mas não lucrativa. É doméstica? Como dito, a matéria suscita controvérsias. Para a primeira corrente, prevalece o disposto na alínea a, do art. 7º, da CLT, logo, qualquer atividade econômica, mesmo que sem fins lucrativos, descaracteriza a atividade doméstica. Nos exemplos acima, o trabalhador seria urbano, tendo direito à aplicação da CLT. Neste sentido, Amauri Mascaro,18 Martins Catharino,19 Délio Maranhão,20 João Lima Teixeira,21 José Augusto Rodrigues Pinto,22 Russomano23 e aparentemente Godinho.24 A segunda corrente se posiciona no sentido de que o empregador doméstico não pode explorar atividade lucrativa, mas pode usar a mão de obra de seu empregado para atividades econômicas não lucrativas, prevalecendo o conceito da antiga Lei nº 5.859/72 e atual Lei 16 As associações beneficentes, as entidades filantrópicas, as cooperativas, a maioria das universidades, dentre outras, são exemplos de atividades econômicas, sem fins lucrativos. 17 As indústrias, as sociedades comerciais, bancos etc., são exemplos de atividades econômicas com fins lucrativos. 18 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 270. 19 CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1983. 20 MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio Barbosa. Direito do Trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1993, p. 78. 21 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2003, v. 1, p. 179. 22 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 113. 23 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. Curitiba: Juruá, 1999, p. 285. 24 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 341. Complementar 150/15. Adotamos esta corrente. Neste sentido também Süssekind,25 Alice Monteiro,26 Carrion27 e Sergio Pinto Martins.28 Da mesma forma Magano29 e Orlando Gomes,30 que acrescentam que “trata-se de atividade de mero consumo, não produtiva”. Assim também a jurisprudência majoritária: EMPREGADO DOMÉSTICO. FINS LUCRATIVOS. DESCARACTERIZAÇÃO. Nos termos da Lei nº 5.859/72, considera-se empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destes. Assim, comprovados os fins lucrativos na utilização da propriedade em que os serviços eram prestados, resta descaracterizada a relação doméstica, sendo o obreiro empregado celetista. TRT/RJ – Processo nº: 00301.2000.511.01.00.0 – Rel. Designado: Juiz Antônio Carlos Areal. DJ/RJ 11/04/2003. Assim sendo, para estes últimos, é doméstico aquele que executa suas tarefas para pessoa física, de forma contínua, para, por exemplo, atender a entrega de cem quentinhas por dia para uma instituição de caridade; ou aquele trabalhador que prepara diariamente inúmeras refeições para os cães de competição não lucrativa do canil que o empregador possui, enquanto para os primeiros, estes não são domésticos e sim empregados regidos pela CLT. Há empregadores domésticos que executam seu trabalho dentro de sua residência (home office). Se não utilizar a energia de trabalho do empregado para atendimento de seus clientes, agendamento, arquivamento de papéis etc, não estará descaracterizada a relação doméstica, mesmo que faça a limpeza do local. Lembramos que a matéria é controvertida e merece maior atenção. e) Âmbito Residencial Há um equívoco na redação contida no art. 1º da revogada Lei nº 5.859.72, infelizmente mantido pelo artigo 1º da Lei Complementar 150/15, quando se refere ao trabalho executado no âmbito residencial do empregador doméstico, pois o trabalho pode ser exclusivamente externo e ser caracterizado como doméstico, como ocorre com o motorista, segurança, o piloto, a acompanhante etc. Melhor teria sido a expressão “para” o âmbito residencial, isto é, é doméstico quem executa serviços para a família, para o âmbito residencial, para o consumo da pessoa física, e não para terceiros. Sob outro ponto de vista, é importante salientar que o doméstico pode executar seus serviços tanto na unidade familiar principal do patrão, como em residências mais distantes, como a casa de praia, casa de campo etc. Isto porque o deslocamento para fora da residência 25 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 152. 26 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 310. 27 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed., atualizado por Eduardo Carrion, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 45. 28 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo, 2001, p. 133. 29 MAGANO, Otávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. Direito Individual do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1992, v. 2, p. 124. 30 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 104. principal, no exercício das funções domésticas, não descaracteriza a relação (motorista em viagens). 3. EFICÁCIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DO EMPREGADO DOMÉSTICO Mesmo os enunciados genéricos contidos na norma constitucional têm eficácia e, como a Constituição está no ápice da hierarquia formal das demais normas, ela irradia seus efeitos e amplia seu alcance às demais normas infraconstitucionais. Alguns destes comandos constitucionais têm todas as características para produzir seus efeitos tendo, por isso, eficácia plena, imediata. Outros dependem de regulamentação para sua efetivação plena, sua concretização no plano concreto. O art. 5º, § 1º, da CRFB determina que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Os direitos contidos no parágrafo único do art. 7º da CRFB são direitos fundamentais. Portanto, é dever do intérprete afastar todas as dificuldades para dar efetividade aos direitos constitucionalmente reconhecidos aos domésticos, já conhecidos pelos outros trabalhadores, mas, pela primeira vez, destinados também aos domésticos. 4. DIREITOS Alguns dos direitos do doméstico estão no parágrafo único do art. 7º, da CRFB, outros tanto na revogada Lei nº 5.859/72, como na atual Lei Complementar 150/15, bem como em leis especiais. Direitos Constitucionais: O art. 7º, parágrafo único, da CRFB concedeu aos domésticos: • relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória (parcialmente regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário (parcialmente regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • fundo de garantia do tempo de serviço (parcialmente regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • salário mínimo; • irredutibilidade salarial;• décimo terceiro salário; • remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (só regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; • salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei (depende de regulamentação); • duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (eficácia desde a EC 72/13 e depois também regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; • remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; • gozo de férias anuais com acréscimo de um terço; • licença à gestante de 120 dias, sem prejuízo do emprego e dos salários; • licença-paternidade; • proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; • aviso prévio (eficácia desde a CF de 1088 e depois regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; • integração à Previdência Social; • assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (depende de regulamentação); • reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; • seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (parcialmente regulamentado pela Lei Complementar 150/15); • proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; • proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; • proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Alguns dos direitos acima serão estudados de forma mais aprofundada abaixo. 4.1. Salário Mínimo Assim dispõe o inciso IV do art. 7º da CRFB: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; Ao doméstico não era garantido o salário mínimo. Foi a Constituição de 1988 que lhe estendeu tal direito. As consequências desta novidade são múltiplas: a) Valor e Recibo A partir de 5/10/88 o doméstico passou a ter garantido o salário mínimo hora, dia ou mês. Isto significa que não há a obrigação de pagar o valor mensal fixado por lei, se a doméstica não trabalhar de segunda a sábado. Se trabalhar dois dias por semana, deverá receber, pelo menos, o valor do salário mínimo dia, multiplicado pelo número de dias trabalhados no mês, mais o RSR (arts. 2º e 3º da Lei Complementar 150/15). Este resultado será inferior ao salário mínimo mensal, pois proporcional ao trabalho executado. Nem seria justo alguém que trabalha 30 dias ganhar o mesmo valor que outro que trabalha 10 dias no mês. Da mesma forma a OJ nº 358 da SDI-I do TST. O pagamento do salário deverá ser feito mediante recibo. Portanto, também se aplica ao doméstico o art. 464 da CLT.31 O recibo deve apontar cada uma das parcelas a serem pagas, sob pena de salário complessivo, que é vedado (Súmula 91 do TST). b) Periodicidade e Época do Pagamento Em virtude da necessidade de se dar efetividade aos direitos constitucionais criados para o doméstico (art. 5º, § 1º, da CRFB), regulamentando-os e, sabendo que a Lei Complementar 150/15 foi silente a respeito do tema, aplica-se ao doméstico o comando contido no art. 459 da CLT, que trata da periodicidade e época do pagamento do salário. Desta forma, o doméstico não pode ser contratado para pagamento trimestral de seu salário, nem pode receber seu pagamento no dia 15 de cada mês. O pagamento deverá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente e o salário deve ser ajustado com a periodicidade máxima mensal, de forma que todo mês haja pagamento de salário. c) Descontos A Carta simplesmente enumerou, de forma genérica, os direitos estendidos ao doméstico, dentre eles, o salário mínimo, sem, contudo, conceituar ou regular tal direito, deixando margem para o intérprete buscar, nas regras gerais existentes a respeito da matéria, a regulação pertinente para dar efetividade a este direito. Ao relacionar as utilidades a que se destinava o salário mínimo, o constituinte também se referiu, implicitamente, aos percentuais que cada uma destas deve equivaler e às possibilidades de desconto quando concedidas in natura. Por outro lado, ao conceder o salário mínimo também estendeu as proteções a este salário. Da mesma forma, mesmo que por outro fundamento, forçoso é concluir que o salário é cercado de proteção, seja pela sua natureza alimentar, seja pelo princípio da proteção ao trabalhador. Isto porque os princípios trabalhistas são aplicáveis a todos os empregados, inclusive aos domésticos. Dentre estes, o princípio da inalterabilidade contratual in pejus e os da intangibilidade e irredutibilidade salarial são mais importantes. Portanto, é vedado o desconto não autorizado em lei. Desta forma, conclui-se que até a inclusão do art. 2º-A à revogada Lei nº 5.859/72 e o 31 Da mesma forma, BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 336. advento da Lei Complementar 150/15, ao doméstico eram aplicáveis os arts. 81, 82, 458, 462 da CLT, na parte compatível. E, até hoje são aplicáveis as leis que fixam o salário mínimo (hora, dia e mês). Após a Lei nº 11.324/2006 foram vedados os descontos de algumas utilidades fornecidas pelo empregador. Com o advento da Lei Complementar 150/15, foram também proibidos os descontos por hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem, e, mediante acordo escrito, no limite de 20%, descontos pela concessão de seguro médico-hospitalar e odontológico, seguro e previdência privada. Logo, se o empregador fornecia uma utilidade, poderia efetuar o desconto correspondente32 (arts. 81 e 82 da CLT)33 até 20/07/2006; após esta data o desconto está proibido para algumas utilidades e após a Lei Complementar 150/15 deverão ser observadas suas regras e limitações. Se desejar efetuar desconto em virtude de dano, poderá fazê-lo, salvo se culposo, quando deverá haver cláusula contratual específica nesse sentido – art. 462 da CLT. O motorista, por exemplo, que comete infração de trânsito com o carro do patrão por excesso de velocidade, responde pelo dano culposo praticado (multa), desde que haja previsão expressa no contrato neste sentido, na forma do art. 462 da CLT. O pagamento mínimo em dinheiro será de, pelo menos, 30% do valor do salário – art. 82, parágrafo único, da CLT. Não será considerada falta ao serviço a ausência do empregado pelos motivos indicados nos arts. 131 e 473 da CLT (na parte que for compatível), além de outros previstos em leis especiais. Apesar de a norma estar prevista na CLT, ela visa proteger o salário pago ao empregado doméstico. O artigo 1º, parágrafo 2º da Lei Complementar 150/15 estabeleceu o mesmo divisor e forma de cálculo do valor do dia e da hora do salário previstos na CLT.Logo, os descontos devem obedecer estas regras. d) Utilidades Seguindo o mesmo raciocínio do item anterior, ao doméstico foram estendidas as utilidades. A Carta as enumerou uma a uma: salário mínimo, fixado em lei (...) capaz de atender a suas necessidades (...) como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (...) (grifos nossos). A partir daí dois lados do instituto podem ser explorados: o relativo aos descontos e o referente à integração ao salário, quando caracterizada a natureza salarial da benesse, observadas as limitações impostas pela antiga Lei nº 11.324/2006, hoje, Lei Complementar 150/15. Utilidade é tudo aquilo que não é dinheiro. O empregado pode receber seu salário em dinheiro e/ou em utilidade. A natureza salarial da utilidade depende de cinco requisitos 32 Da mesma forma Alice Monteiro de Barros, que defende a aplicação do art. 458 da CLT ao doméstico. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 335. 33 Empregador que nunca descontou a utilidade não poderá, para aquele mesmo empregado, no mesmo contrato de trabalho, passar a fazê-lo, sob pena de estar alterando prejudicialmente o contrato. cumulativos: ser benéfica, habitual, graciosa para o empregado; que seja concedida pelo trabalho e não para o trabalho, isto é, que seja forma de contraprestação do serviço e não uma ferramenta para a execução deste e desde que não haja lei retirando sua natura salarial34. A CLT (art. 458, § 3º) indica os percentuais de duas das utilidades referidas no salário mínimo, regra também aplicada ao doméstico: a habitação,35 que corresponde a 25% (vinte e cinco por cento) e a alimentação, que equivale a 20%36 (vinte por cento) do salário contratual. Os incisos I a VII do art. 458 da CLT retiraram a natureza salarial de algumas utilidades (transporte, saúde, previdência, educação e vestuário). Todavia, não impediu o desconto destas mesmas utilidades quando fornecidas até 20/07/2006. A partir daí, isto é, da Lei nº 11.324/2006, que acrescentou o art. 2º-A à revogada Lei dos domésticos, o desconto de algumas utilidades foi proibido, assim como a integração destas mesmas utilidades (alimentação, moradia, higiene e vestuário), o que foi mantido pela Lei Complementar 150/15. Para as demais utilidades, continua sendo aplicável a CLT (arts. 81, 82 e 458), limitada pelas novas regras impostas pela nova lei. Assim, o patrão podia descontar uma utilidade fornecida nos moldes e percentuais contidos da CLT. Hoje, porém, devem ser respeitados os parâmetros e limites impostos pela antiga Lei nº 11.324/2006 e depois pela atual Lei Complementar 150/15. Percebam que o artigo 18 da Lei Complementar 150/15 incluiu a proibição de desconto de alimentação, transporte e hospedagem nos casos de viagem para acompanhamento do patrão, regra antes inexistente. Foi também acrescido o comando de que a moradia concedida pelo patrão não gera qualquer direito de posse ou de propriedade da referida moradia. Foi silente quanto à obrigação de desocupação do imóvel com a extinção do contrato de trabalho, podendo ser aplicado, analogicamente, o artigo 9º, parágrafo 3º da Lei 5.889/73, dirigido ao trabalhador rural, por compatível. Nem sempre o empregado terá direito à integração de uma utilidade, pois algumas jamais terão natureza salarial. A partir da Lei nº 11.324/2006 a alimentação, vestuário, higiene e moradia do doméstico não poderão ter natureza salarial, nem podem ser descontados, salvo quando a moradia for em local diverso da residência em que o empregado prestar serviços, regra mantida pelo parágrafo 2º do artigo 18, da Lei Complementar 150/15, que acresceu as despesas com transporte, hospedagem e alimentação em viagem para acompanhar o patrão. 34 Há quem defenda que a norma coletiva também pode retirar a natureza salarial da utilidade. 35 Não se deve confundir habitação com pernoite ou cômodo provisório. O quarto que a doméstica permanece durante a semana para pernoite de segunda a quinta, cuja disponibilidade do espaço é da patroa, que limita a liberdade da empregada, não pode ser considerado como habitação. Logo, o desconto não poderá ser no percentual destinado à moradia. 36 O percentual de 20% referente à alimentação engloba as quatro refeições diárias: o desjejum, o almoço, o café da tarde e o jantar. e) Piso Salarial O piso salarial foi previsto no art. 7º, V, da CRFB e se difere do salário mínimo, porque este é nacionalmente unificado (um só valor para todo país), enquanto aquele deve levar em consideração a complexidade de cada atividade, profissão ou ofício para fixar valores salariais (pisos) diferenciados para cada uma. Por sua vez o art. 22, I, parágrafo único, da CRFB autorizou os Estados a legislarem sobre Direito do Trabalho, desde que autorizados por lei complementar. A Lei Complementar nº 103/2000, de 14/7/2000 (DO de 17/7/2000), autorizou os Estados e o Distrito Federal a fixarem pisos salariais superiores aos fixados nacionalmente por lei, excluindo os servidores públicos estaduais e municipais e autorizando a inclusão dos domésticos. A partir da publicação da LC nº 103/2000, alguns Estados passaram a fixar pisos diferenciados para cada classe de trabalhadores, aí incluído o doméstico. O empregador que admite doméstico, no Estado do Rio de Janeiro ou em outro Estado que tenha piso estadual fixado por lei, deverá recolher a contribuição previdenciária com base no salário efetivamente pago, que deve respeitar, no mínimo, o piso estadual, por ser este valor maior que o do salário mínimo (princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador). e.1) Constitucionalidade do Piso Estadual dos Domésticos Há quem sustente a inconstitucionalidade do § 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 103/2000, que determinou a extensão dos pisos salariais aos domésticos, isto porque a Constituição teria sido taxativa quanto aos direitos sociais, não incluindo o inciso V do art. 7º dentre estes direitos. Defendem que, como a Lei Complementar nº 103/2000 veio para regulamentar o inciso V do art. 7º da Carta, não poderia ter estendido o direito a quem a Constituição não conferiu tal benesse. Fundamentam na rigidez da Carta, que não pode ser alterada por lei. Outros acrescentam que o piso salarial de que cogita o art. 7º, V, da Carta Magna não é regional ou estadual, mas sim profissional. Deve ser fixado em proporção à extensão ou complexidade do trabalho. É o chamado salário profissional, que pode ser fixado, por exemplo, para metalúrgicos, bancários, comerciantes etc., e os domésticos não seriam considerados como profissionais. Em sentido contrário, temos a segunda corrente, à qual nos filiamos, pela constitucionalidade da regra. O princípio da prevalência da norma mais favorável está expressamente previsto no caput do art. 7º da CRFB:.“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (grifos nossos). Portanto, a norma mais favorável, ainda que infraconstitucional, deve ser aplicada ao trabalhador, mesmo doméstico. Ademais, o direito ao piso está previsto no inciso V do artigo 7º da CRFB. A jurisprudência também vem se posicionando neste sentido. f) Faltas justas ou legais e atrasos O doméstico tem direito às faltas justas previstas nos arts. 131 e 473 da CLT sem prejuízo do salário, naquilo que lhe for compatível. Isto quer dizer que: toda vez que o empregador não descontar a falta, ela não será considerada; toda vez que não tenha havido serviço (art. 131, IV e VI); em caso de morte de descendente e ascendente ou de casamento; em caso de doação de sangue,quando tiver que comparecer em juízo etc. (art. 473 da CLT). Como o doméstico tem direito ao salário mínimo (art. 7º, parágrafo único, da CRFB), os arts. 131 e 473 da CLT são aplicados para desautorizar os descontos sobre o salário por faltas justas do empregado. Outra consequência da aplicação de alguns dispositivos da CLT, utilizados para dar a máxima efetividade aos direitos constitucionais estendidos ao doméstico, é o impedimento de despedida imotivada durante os períodos de suspensão e interrupção contratual. Da mesma forma que os domésticos passaram a ter direito às horas extras depois da EC 72/2013, regulamentadas pela Lei Complementar 150/15, conclui-se que também é possível considerar ou descontar os atrasos superiores a 5 minutos, desde que não ultrapassem a 10 por dia, do empregado doméstico, devendo-lhe ser aplicada a regra contida no art. 58, § 1º, da CLT. 4.2. Irredutibilidade, Intangibilidade e Impenhorabilidade de Salário A irredutibilidade salarial é direito do trabalhador doméstico e está explícito no inciso VI do art. 7º da CR. Logo, o empregador não poderá reduzir o valor nominal do salário (expressão monetária) ou efetuar descontos não autorizados por lei. A proibição se estende inclusive quando o patrão reduz o salário em virtude da redução do trabalho. Ex.: O empregador contratou doméstico para trabalho de segunda a sábado, por um salário de R$ 2.000,00. Não poderá, depois de um ano reduzir o salário para R$ 1.000,00, sob o argumento de que o doméstico passará a trabalhar apenas três dias da semana. Ex.: O empregador que antes da EC 72/2013 pagava R$ 1.400,00 pelo trabalho diário de 14 horas, não poderá depois nova regra constitucional considerar embutidas as horas extras (as laboradas a partir da oitava hora) neste salário, pois isto importaria em redução de salário. Apenas os que recebem por hora ou por dia, dependendo da quantidade de trabalho, poderão ter salários variáveis. Se trabalharem mais dias, perceberão mais, desde que não ultrapasse o limite de 8 horas por dia e 44 h semanais. O inciso X do art. 7º da CR também garantiu aos domésticos as mesmas proteções legais do salário destinadas aos demais empregados, como a impenhorabilidade e intangibilidade, isto é, a proibição de penhora e de descontos (salvo as hipóteses previstas em lei), constituindo crime sua retenção dolosa. O artigo 2º da Lei Complementar 150/15 apontou a forma de cálculo do salário dia e do salário hora, de forma idêntica e já prevista na CLT. 4.3. Décimo Terceiro Salário Tem o doméstico direito ao décimo terceiro salário, que deverá ser pago na forma das Leis nºs 4.090/62 e 4.749/65. Aliás, o artigo 19 da Lei Complementar 150/15 é expresso nesse sentido. A gratificação natalina deve ser paga até o dia 20 de dezembro de cada ano, de acordo com o número de meses trabalhados pela doméstica, devendo o patrão adiantar 50% deste valor entre os meses de fevereiro e novembro de cada ano ou por ocasião das férias, quando requerido tempestivamente. 4.4. Repouso Semanal Remunerado e Feriados O direito ao repouso semanal remunerado foi estendido ao trabalhador doméstico em 1988 e está previsto no art. 7º, XV, da CRFB. Para regulamentar este direito, deve ser utilizada a Lei nº 605/49, na parte que for compatível e no artigo da Lei Complementar 150/15. O repouso deverá ocorrer no sétimo dia, preferencialmente aos domingos, e será de 24h consecutivas. Caso não concedido, o patrão deverá conceder folga compensatória, sob pena de pagamento em dobro (art. 2º, parágrafo 8º e art. 16 da Lei Complementar 150/15). A Lei nº 605/49, art. 6º, estabelece dois requisitos necessários para a aquisição do direito à remuneração do repouso e dos feriados, que devem ser aplicados aos domésticos por compatíveis. Assim sendo, na semana que antecede a cada dia de repouso ou na semana do feriado o empregado deve ser assíduo e pontual.37 Para os domésticos contratados para trabalho constante aos domingos, não é necessária a escala de revezamento a que se referem os arts. 67/68 da CLT e o art. 6º do Decreto nº 27.048/49. O empregador doméstico não pode ser considerado como “atividade que por sua natureza ou conveniência pública” tenha que funcionar aos domingos ou que as “exigências técnicas da empresa” autorizem o trabalho aos domingos (art. 6º do Decreto nº 27.048/49). Sendo assim, desnecessária a concessão de um domingo a cada sete semanas. Há corrente tímida em contrário, defendendo a aplicação da escala de revezamento aos domésticos. Mesmo que assim se entenda, o não cumprimento deste requisito importaria, apenas, em infração administrativa. Aos domésticos não foi estendido o direito aos feriados38 até o advento da Lei nº 11.324/2006, pois a Carta não o fez expressamente, e a Lei nº 605/49 expressamente os excluía de sua aplicação – art. 5º, a, da Lei nº 605/49. A partir da Lei nº 11.324/2006 (art. 9º), foi revogada a alínea a do art. 5º da Lei nº 605/49, sendo aplicado ao doméstico o direito ao repouso remunerado dos feriados ocorridos após 20/07/2006, o que foi ratificado pela nova lei. Via de consequência, se o doméstico trabalhar em dia de feriado ou de repouso semanal, terá direito a outra folga compensatória, sob pena de pagamento em dobro das horas trabalhadas nestes dias – Súmula nº 146 do TST. Essa regra hoje está expressa no artigo 16 da Lei Complementar 150/15. Para os domésticos cujo salário foi ajustado por quinzena ou mês a remuneração do 37 A EC 72/13 estendeu aos domésticos a jornada de trabalho. 38 Alice Monteiro, de forma diversa, estendia aos domésticos o direito aos feriados, mesmo antes da Lei nº 11.324/06. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 332. repouso semanal e do repouso em feriados já está embutido, inclusive quando a jornada for no sistema 12x36 (art. 10, parágrafo único da nova lei). Portanto, apenas para os que recebem por hora, por produção, por dia ou semana receberão o repouso semanal em rubrica destacada no contracheque. 4.5. Férias Acrescidas de 1/3 a) Férias de 30 dias Breve histórico Antes da CLT as férias de alguns empregados urbanos eram de 15 dias úteis. A CLT, em 1943, estendeu o direito às férias a todos os trabalhadores urbanos e aumentou seu período para 20 dias úteis. Em 1977, o Decreto-Lei nº 1.535 alterou o art. 130 da CLT, majorando para 30 dias corridos as férias dos empregados urbanos (empregados regidos pela CLT). A revogada Lei nº 5.859 (art. 3º) era de 1972 e concedia aos domésticos 20 dias úteis de férias (após 12 meses consecutivos de trabalho para a mesma pessoa ou família), exato número de dias concedido ao urbano pela regra da CLT, que vigorava a época. Todavia, quando o art. 130 da CLT foi alterado, a antiga lei do doméstico não o foi. A partir daí alguns passaram a defender que tal fato foi um lapso do legislador e, outros, que foi proposital a manutenção de regra especial, que concedia período menor de férias para os domésticos. A Constituição de 1988 apenas acrescentou o terço constitucional às férias, sem, contudo, mencionar o número mínimo de dias para gozo – art. 7º, XVII, da CRFB. Portanto, persistiu a controvérsia. A corrente39-40 majoritária à época posicionava-se no sentido de que o período de férias do doméstico era de 20 (vinte) dias úteis, tese que se manteve até o advento da Lei nº 11.324/2006. Até então, o pagamento deveria ser o correspondente a 20 dias úteis de trabalho (média de 26 dias corridos), acrescidos de 1/3. Dia útil é de segunda a sábado. Feriados e domingos não são considerados dias úteis. Após a Lei nº 11.324/2006 a controvérsia foi sepultada, porque estendido o período de 30 dias ao doméstico, em face da nova redação do art. 3º da revogada Leinº 5.859/72 (atual artigo 17 da Lei Complementar 150/15). Convém ressaltar que para os que trabalham em regime de tempo parcial (até 25 horas semanais) deve-se aplicar a redução do número de dias de férias, na proporção prevista no artigo 3º, parágrafo 3º da Lei Complementar 150/15. b) Férias proporcionais, dobra e abono pecuniário O antigo Decreto nº 71.885/73, que regulamentava a revogada lei do doméstico, em seu art. 2º, mencionava: “Excetuando o capítulo referente a férias, não se aplicam aos 39 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 366. 40 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 136. empregados domésticos as demais disposições da Consolidação das Leis do Trabalho.” Por outro lado, o art. 3º da antiga Lei nº 5.859/72 estabelecia como requisito para aquisição do direito às férias o período de 12 meses consecutivos de vigência do contrato. Mesmo após a alteração da redação do art. 3º, pela Lei nº 11.324/2006, manteve-se a mesma exigência: aquisição do direito após cada período de 12 (doze) meses de trabalho. Em virtude desta dicotomia entre a revogada lei e o seu decreto, alguns41 defendiam que não se aplicava ao doméstico o direito às férias proporcionais, porque contrariava a lei, que exigia um período mínimo de 12 meses de trabalho. O decreto teria extrapolado os limites da lei? Na jurisprudência havia inúmeras decisões negando ao doméstico o direito às férias proporcionais, sob o argumento de que a Lei nº 5.859/72, art. 3º, era expressa ao anunciar que “após cada período contínuo de 12 (doze) meses de trabalho prestado à mesma pessoa ou família, (...) o empregado doméstico fará jus a férias remuneradas (...)”. EMPREGADO DOMÉSTICO – FÉRIAS. Empregado doméstico. Férias. Aplicação da Lei nº 5.859/72. O fato da Constituição da República Federativa do Brasil ter estendido aos domésticos o direito ao gozo de férias remuneradas, com pelo menos 1/3 a mais do salário normal, não enseja a aplicação da regulamentação existente para outra categoria. É que a própria lei do doméstico (Lei nº 5.859/72) não prevê os direitos acessórios, decorrentes do principal, quais sejam, a proporcionalidade e a dobra, sendo certo, ainda, que as férias dos domésticos continuam a ser de 20 dias úteis, embora acrescidas do terço constitucional sobressalário normal. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial. TRT 1ª Reg, 1º T., Rel. Juiz Francisco Dal Pra, RO 6251/94, RORJ 04/11/96, p. III. EMPREGADO DOMÉSTICO. FÉRIAS PROPORCIONAIS. Indevido o pagamento das férias proporcionais ao doméstico, porquanto a lei regulamentadora das relações empregatícias envolvendo empregados domésticos, bem como a Constituição da República não lhe assegura tal vantagem. Embargos providos. TST, SDI-I, E-RR 324225/96, Rel. Min., Vantuil Abdala, DJU 26/05/2000, p. 339. Entretanto, após a Lei Complementar 150/15 foi pacificada a celeuma, pois o texto legal garantiu aos domésticos as férias proporcionais (art. 17, parágrafo 1º) quando da extinção do contrato de trabalho. Há discussão similar acerca do direito ou não à dobra42 incidente sobre as férias não concedidas no prazo legal, já que, para alguns, a dobra tem natureza de pena e, por isso, não poderia ser aplicada analogicamente ao doméstico. A matéria continuará em debate mesmo depois da lei nova, pois foi silente a respeito. Isto é, caso o empregador doméstico conceda 41 Neste sentido Sergio Pinto Martins, Valentin Carrion e Alice Monteiro. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo, 2001, p. 515; CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 45. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 331. 42 Carrion e Alice Monteiro concordam com essa corrente. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 45; BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 331. férias fora do prazo concessivo deverá pagá-las em dobro? RECURSO DE REVISTA. EMPREGO DOMÉSTICO. FÉRIAS EM DOBRO. INDEVIDAS. Segundo jurisprudência pacificada deste Tribunal Superior, inexistiu alteração nas férias do trabalhador doméstico acerca da quantidade de dias/ano após o advento da Constituição Federal de 1988. No caso sob análise, existe lei regulamentadora da profissão, que dispõe que o empregado terá direito a vinte dias úteis de férias a cada doze meses de trabalho (Lei nº 5.859/72). Não prevê a legislação específica pagamento de férias em dobro, pelo que resta indevido o pagamento dobrado das férias, no caso de descanso não concedido na época própria. Recurso de revista de que não se conhece. TST- RR-365686/00 – Rel. Designado: Juiz Convocado Guilherme Bastos. Há ainda aqueles43 que estendiam a discussão ao abono pecuniário (art. 143 da CLT) e demais peculiaridades das férias previstas na CLT. Em posição contrária, os que se inspiravam no princípio da norma mais favorável, corrente que nos filiamos, no sentido de que as férias proporcionais, a dobra e o abono são aplicáveis ao doméstico, seja porque não colidia com a revogada Lei nº 5.859/72, seja porque era direito mais favorável ao trabalhador. Até porque o patrão que demitiu imotivadamente antes de o empregado completar 12 meses não poderia alegar que o requisito não foi preenchido, quando foi ele mesmo quem impediu seu implemento. Mauricio Godinho,44 que também concedia ao doméstico o direito às férias proporcionais e dobra, subscreve seu posicionamento e uma jurisprudência no mesmo sentido: Em primeiro lugar, o Decreto nº 71.885/73, ao regulamentar a lei especial a que se reporta (Lei do Trabalho Doméstico, 5.859/72), determinou a aplicação do capítulo celetista referente a férias à categoria dos domésticos (arts. 2º e 6º do Decreto nº 71.885/73). Em segundo lugar, mesmo que não se aceite a extensão feita pelo Regulamento, da Lei do Doméstico, este diploma legal conferiu à categoria o direito ao instituto de férias anuais remuneradas, apenas com a particularidade do prazo de 20 dias úteis. Ora, a estrutura e dinâmica do instituto é dada pela CLT, que passou, desse modo, no compatível, a ser necessariamente aplicada à categoria doméstica. Por esta razão, cabem aos empregados domésticos as parcelas de férias proporcionais e a dobra celetista incidente sobre as verbas pagas a destempo. Em contraponto a isso, perde o direito a férias o trabalhador doméstico que faltar injustificadamente ao serviço, no montante proporcional ao estabelecido na CLT; também ficará privado de suas férias aquele doméstico que tiver gozado mais de 30 dias de licença remunerada concedida pelo empregador (arts. 130 e 133 da CLT). EMPREGADO DOMÉSTICO – FÉRIAS – FÉRIAS PROPORCIONAIS EMPREGADOS DOMÉSTICOS. CELETIZAÇÃO. FÉRIAS. 1 – A Lei nº 5.859/72 somente foi recepcionada no que compatível com a nova ordem constitucional: e a Constituição de 1988 no que estendeu direitos trabalhistas aos domésticos o fez sem quaisquer restrições ou diferenciação, nos mesmos termos concedidos aos demais trabalhadores pela CLT ou legislação consolidada (Constituição, art. 7º, XVII e parágrafo único; LICC, art. 2º e § 1º; 43 Alice Monteiro e Carrion neste sentido. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 331; CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 45. 44 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 341. CLT, arts. 130 e 146, parágrafo único). 2 – Direitoàs férias (anuais e proporcionais) na base de 30 (trinta) dias e com adicional de 1/3 (um terço). Recurso provido, em parte. TRT 1ª Reg. 3ª T., RO 4951/93, Rel. Juiz Azulino Joaquim de Andrade Filho, DORJ 18/03/93. Todavia, após a Lei Complementar 150/15 a matéria está parcialmente pacificada, pois é expressa ao garantir a férias proporcionais e o abono pecuniário. Infelizmente a lei foi silente quanto à dobra das férias após o período da concessão. Isto quer dizer, que nesta parte a controvérsia continuará, conforme exposto acima. O doméstico poderá gozar suas férias, descansos semanais, feriados e pausas na casa do patrão se lá habitar, desde que não trabalhe (art. 2º parágrafo 7º, da Lei Complementar 150/15). Fracionamento De acordo com o artigo 17, parágrafo 2º da LC 150, o período de férias poderá, a critério do empregador, ser fracionado em até 2 (dois) períodos, sendo 1 (um) deles de, no mínimo, 14 (quatorze) dias corridos. Esta regra difere daquela contida na CLT, pois para os empregados urbanos um dos períodos fracionados de férias não poderá ser inferior a 10 dias. 4.6. Licença-Maternidade, Paternidade e Estabilidade Gestante a) Licença-paternidade A licença-paternidade de cinco dias (consecutivos, contados a partir do nascimento) foi uma inovação concedida aos domésticos a partir da Constituição da República – art. 7º, XIX. A benesse só se estende ao pai biológico e não ao adotivo, e é o empregador quem arca com tal ônus, sem qualquer compensação da previdência. b) Licença-maternidade A licença-maternidade de 120 dias, por sua vez, foi um benefício ampliado, pois a doméstica já tinha direito à licença de 90 dias antes da Carta de 1988. O valor é pago diretamente pela Previdência45 (art. 73, I, da Lei nº 8.213/91), desde que preenchidos os requisitos, e de acordo com o valor do último salário da empregada. Ou seja, não há teto para este benefício nem carência. Neste período o contrato ficará suspenso (ou, segundo alguns, interrompido) desde o primeiro dia. Ao conceder o direito à licença-maternidade de 120 dias (art. 7º, XVIII, da CRFB), sem prejuízo do salário, a doméstica também passou a ter direito ao descanso em caso de aborto, previsto no art. 395 da CLT, bem como à licença em caso de adoção (art. 392-A da CLT). Para a doméstica é devido o salário-maternidade independentemente da carência,46 desde que tenha havido pelo menos um recolhimento em dia. Em casos excepcionais, os períodos de repouso anterior e posterior ao parto podem ser aumentados de mais duas semanas, mediante atestado médico específico – art. 93, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 c/c art. 392, § 2º, da CLT. 45 As demais trabalhadoras (urbanas ou rurais) recebem o salário-maternidade diretamente do empregador que, por sua vez, compensa este gasto com valores que deve à Previdência Social. 46 A benesse também se estende às empregadas urbanas e rurais. A doméstica segue a regra geral da Previdência, que só considera parto o evento ocorrido após a 23º semana de gestação, não importando o nascimento com ou sem vida (natimorto), pois o benefício é concedido assim mesmo. É proibido o trabalho durante a licença-maternidade. Todavia, se de fato foi executado, a trabalhadora terá direito não só ao salário-maternidade, como também aos salários do período trabalhado, como serviço extra (+50%). c) Estabilidade Até o advento da Lei nº 11.324/2006 não se aplicava à doméstica a estabilidade prevista no art. 10, II, b, do ADCT, já que este artigo regulamentou provisoriamente o inciso I do art. 7º da CRFB. O parágrafo único do art. 7º da Constituição não tinha incluído entre os direitos sociais estendidos aos domésticos o inciso I do mesmo art. 7º. Com a EC 72/2013, apesar de incluído o inciso I no citado parágrafo único, o legislador constitucional expressamente exigiu lei especial para regulamentar tal direito. Portanto, o doméstico não tem direito a outras estabilidades, salvo a da gestante e a do acidentado47. Somente após a edição da Lei nº 11.324/2006 a doméstica passou a ter direito à estabilidade da gestante, pois se acrescentou o art. 4º-A à revogada Lei nº 5.859/72, direito ratificado no parágrafo único do artigo 25 da Lei Complementar 150/15. Como se trata de uma estabilidade relativa, pode o empregador demitir a doméstica sem justa causa, desde que em virtude de motivo técnico, econômico ou financeiro. O motivo disciplinar enseja a justa causa. Durante a licença-maternidade a dispensa só poderá ocorrer por justa causa. A estabilidade à gestante pode ser adquirida inclusive no aviso prévio (art. 25). Apenas após a LC 150 foi estendido ao doméstico o artigo 19 da Lei 8.213/91 (acidente de trabalho). Todavia, ainda depende de regulamentação pelo decreto do executivo. Logo, a partir de então também será estendida ao doméstico a estabilidade contida no artigo 118 da mesma lei, desde que tenha recebido o auxílio doença acidentário. Cumpre ressaltar que antes destes comandos a doméstica não tinha qualquer tipo de estabilidade. À doméstica se aplicam as limitações à dispensa imotivada em virtude da suspensão ou da interrupção contratual. Isto se explica porque durante estes períodos o empregador não pode demitir o empregado sem justa causa. Apesar da suspensão e interrupção não se caracterizarem em estabilidade, são formas impeditivas da despedida imotivada. São casos de interrupção e, portanto, de falta justa, os previstos nos arts. 131 e 473 da CLT. c.1. Contribuições Previdenciárias e benefícios O doméstico é segurado obrigatório da Previdência Social. De acordo com o artigo 34 da Lei 8.213/91 47 A estabilidade do acidentado é controvertida, já que o doméstico foi incluído no artigo 19 da Lei 8.213/91 e não foi expressa quanto à aplicação do artigo 118 da mesma lei. Art. 34. O Simples Doméstico assegurará o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes valores: I – 8% (oito por cento) a 11% (onze por cento) de Contribuição Previdenciária, a cargo do segurado empregado doméstico, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; II – 8% (oito por cento) de Contribuição Patronal Previdenciária (CPP) para a Seguridade Social, a cargo do empregador doméstico, nos termos do art. 24 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; III – 0,8% (oito décimos por cento) de Contribuição Social para financiamento do seguro contra acidentes do trabalho; IV – 8% (oito por cento) de recolhimento para o FGTS; Por exemplo, se a doméstica recebe 1 salário mínimo (situação mais usual), o empregador deve recolher 8% e reter dela 8% da parte do empregado. Os percentuais variam de acordo com a tabela da Previdência Social. É responsabilidade legal do empregador o recolhimento do INSS em carnê próprio, efetuado até o dia 7 do mês subsequente (art. 35). Por isso, não se admite a escusa de seu dever, sob a alegação de que pagou o valor em dinheiro diretamente ao empregado, sob pena de arcar novamente com as contribuições. Em caso de doença, o doméstico deve ser afastado desde o primeiro dia da doença e encaminhado à Previdência, que efetua diretamente o pagamento – art. 72, I, do Decreto nº 3.048/99. Isto é, o empregador doméstico não está obrigado ao pagamento dos primeiros 15 dias da doença, pois fica a cargo da Previdência (art. 60 da Lei nº 8.213/91). São benefícios previdenciários, para os domésticos, apenas o auxílio-doença (inclusive por acidente de trabalho), a aposentadoria e o salário-maternidade. Portanto, se o empregado faltar ao trabalho em virtude de doença, antes de cumprir a carência, nem o empregador nem a Previdência estão obrigados a pagar os salários dos dias que o doméstico ficouafastado. A EC 72/2013 estendeu aos domésticos o Seguro contra Acidente de Trabalho (SAT) – inciso XXVIII do art. 7º da CRFB. Todavia, este direito só foi disciplinado pela Lei Complementar 150/15 e ainda depende de nova regulamentação pelo decreto do executivo. Portanto, só a partir de então é que a estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91. 4.7. Aviso Prévio, Contrato Determinado, Justa Causa e Verbas da Rescisão De acordo com o art. 7º, XXI, da CRFB c/c o parágrafo único do mesmo artigo, o doméstico tem direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, de, no mínimo, 30 dias, direito ratificado pelo artigo 23 da Lei Complementar 150/15. A nova lei foi expressa ao afirmar que o aviso proporcional ao tempo de serviço só se aplica ao empregado e não ao patrão, contrariando a reciprocidade da benesse defendida por nós. Antes da LC 150/15, era necessário, para dar eficácia plena ao aviso prévio, como determina o art. 5º, § 1º, da CRFB, a aplicação de alguns artigos da CLT, dentre eles os arts. 487 e seguintes. À época, para cumprimento da ordem constitucional de que o doméstico teria direito ao aviso prévio, deveriam ser utilizados (até a LC 150) os regramentos contidos na nova lei e alguns conceitos e dispositivos contidos na CLT (que é a regra geral), tais como: • conceito de despedida injusta e justa, pois só nas dispensas injustas o aviso é devido; • aviso prévio proporcional ao tempo de serviço de, no mínimo, 30 dias; • conceito de contrato indeterminado e determinado, pois só nos contratos indeterminados é devido o pré-aviso; • conceito de aviso prévio trabalhado e não trabalhado e demais regras regulamentadoras, para aplicação destas no caso concreto; • época do pagamento das parcelas da rescisão, já que o fato gerador do aviso prévio é a rescisão contratual; • limitação da dispensa imotivada em virtude da suspensão e interrupção contratual e, excepcionalmente, da estabilidade à gestante estendida ao doméstico após a Lei nº 11.324/2006; • redução de 2 horas por dia ou de sete dias consecutivos, nos casos que o empregado é o notificado da despedida imotivada. Como já estudado no item “efetividade dos direitos constitucionais concedidos aos domésticos”, era e ainda é necessária a aplicação de alguns artigos da CLT para dar eficácia ao aviso prévio criado constitucionalmente para o doméstico. Portanto, o aviso só será devido em contratos indeterminados, nas dispensas sem justa causa ou nos pedidos de demissão, pela parte notificante e nas rescisões indiretas. O aviso prévio integra o tempo de serviço para efeitos de baixa na Carteira de Trabalho e para fins de prescrição, na forma do art. 487, § 1º, da CLT c/c OJs nºs 82 e 83 da SDI-I do TST. No caso de culpa recíproca o aviso prévio é reduzido em 50% – Súmula nº 14 do TST. A rescisão indireta foi agora expressamente garantida aos domésticos, conforme artigo 27, parágrafo único da Lei Complementar 150/15. Nesta também é devido o aviso prévio. Pela via conexa, já era possível, mesmo antes da nova lei, ajustar contrato por prazo determinado. A única modalidade compatível era a prevista no art. 443, § 2º, c da CLT – contrato por experiência. Após a Lei Complementar 150/15 foram estabelecidas duas modalidades de contrato determinado: o de experiência e aquele para substituição de outros empregados ou necessidades transitórias da família (art. 2º da nova lei), com os mesmos prazos previstos na CLT e mesmos direitos decorrentes da extinção antecipada, podendo ser aplicada a CLT no silêncio da lei especial. As dispensas justas eram aquelas apontadas no art. 482 da CLT, quando compatíveis. Após a Lei Complementar 150/15, foram acrescidos alguns novos tipos: maus tratos à idoso, criança, enfermo, pessoa com deficiência ou sob os cuidados do doméstico, bem como violação de fato ou circunstância íntima do empregador ou da família. Defendemos que já eram aplicáveis os arts. 483 e 484 da CLT aos domésticos, mesmo antes da nova lei e do revogado art. 6º-A, § 2º, da antiga Lei nº 5.859/72, diante da necessidade de se regulamentar a despedida imotivada. Apesar de omissa a revogada lei do doméstico no que se referia à aplicação dos arts. 483 e 484 da CLT, éramos favoráveis, pelo princípio do tratamento isonômico e porque este direito já lhe tinha sido estendido desde a Carta de 1988. Entretanto, a nova lei garantiu aos domésticos a rescisão indireta e a rescisão por culpa recíproca. A distinção é que o artigo 27, VII da Lei Complementar 150/15 assegurou a rescisão indireta também nos casos de violência doméstica praticada contra a empregada. Era inaplicável a exigência de homologação da rescisão contratual do doméstico com mais de um ano de serviço ou do pedido de demissão, pois o “sindicato” dos domésticos não tinha legitimação sindical e a ele não se aplicavam as prerrogativas e privilégios sindicais. Todavia, a EC 72/2013 estendeu aos domésticos o direito às normas coletivas, o que poderia levar à aplicação dos prazos previstos no artigo 477 da CLT ao doméstico. Entretanto, a Lei Complementar 150/15 não estabeleceu qualquer prazo para pagamento das verbas da rescisão, nem qualquer penalidade decorrente. Assim, continuará a controvérsia da aplicação ou não dos prazos e penalidade previstos no artigo 477 da CLT. Defendemos que deve ser respeitado o prazo previsto no § 6º do art. 477 da CLT para pagamento das parcelas da rescisão do doméstico, já que não seria crível o empregador não ter prazo de vencimento de sua obrigação. Todavia, a jurisprudência não vinha concedendo a penalidade prevista no § 8º do mesmo artigo, nem aquela contida no art. 467 da CLT, ao fundamento de que pena não se interpreta de forma ampliativa nem pode ser aplicada por analogia. AS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 467 E 477, § 8º DA CLT NÃO SE APLICAM À CATEGORIA DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS. O empregado doméstico está regido por legislação específica, qual seja, a Lei nº 5.859/72, bem como pelas disposições contidas no parágrafo único do art. 7º da Carta Magna. Os preceitos legais mencionados não asseguram o direito ao pagamento das multas previstas nos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT. A alínea “a” do art. 7º da CLT, por sua vez, expressamente exclui os empregados domésticos dos preceitos contidos na norma consolidada. Portanto, ao explicitar o legislador constituinte que os direitos sociais outorgados aos domésticos seriam aqueles declinados no parágrafo único do art. 7º, deixou claro o propósito de excluir a categoria em questão das vantagens asseguradas aos empregados celetistas, a não ser aquelas expressamente ali ressalvadas. Ac. 20050332397, TRT 2ª Reg. 4ª T., Rel. Paulo Augusto Câmara, julgado em 31/05/2005, publicado 10/06/2005. A possibilidade de conversão do aviso prévio não trabalhado em pecúnia (erroneamente chamado de aviso prévio indenizado) ou de desconto dos salários quando o empregador for o notificado, também está prevista no art. 487, §§ 1º e 2º, da CLT e na Lei Complementar 150/15 (art. 23). Quando o pré-aviso for trabalhado e o empregado for o notificado, deverá o empregador reduzir duas horas por dia ou, à escolha do trabalhador, sete dias consecutivos de trabalho, sem redução do salário. 4.8. Vale-transporte O direito ao vale-transporte foi criado pela Lei nº 7.418/85 e regulamentado pelo Decreto nº 95.247/87, que estendeu este direito ao doméstico no seu art. 1º, II. Portanto, o empregador deverá fornecer o vale-transporte ao empregado doméstico de acordo com os gastos com o transporte efetivamente utilizado pelo trabalhador. Para tanto, deverá pedir que o empregado declare o itinerário de casa-trabalho e vice-versa, os valores (tarifas comuns) e a periodicidade. Os domésticos que residem com a família empregadora não terão direito ao benefício, pois não utilizam transporte para o trabalho.
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