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“A cartografia na Estratégia de Saúde da Família: instrumentos para incorporação do território na Atenção Primária à Saúde” por Roberta Argento Goldstein Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública. Orientador: Prof. Dr. Christovam de Castro Barcellos Neto Rio de Janeiro, agosto de 2012. Esta tese, intitulada “A cartografia na Estratégia de Saúde da Família: instrumentos para incorporação do território na Atenção Primária à Saúde” apresentada por Roberta Argento Goldstein foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof. Dr. Luiz Henrique Guimarães Castiglione Prof.ª Dr.ª Helen da Costa Gurgel Prof.ª Dr.ª Gracia Maria de Miranda Gondim Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos Prof. Dr. Christovam de Castro Barcellos Neto – Orientador Tese defendida e aprovada em 13 de agosto de 2012. Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública G624c Goldstein, Roberta Argento A cartografia na Estratégia de Saúde da Família: instrumentos para incorporação do território na atenção primária à saúde. / Roberta Argento Goldstein. -- 2012. 63 f. : il. ; mapas Orientador: Christovam Barcellos Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2012. 1. Regionalização. 2. Atenção Primária à Saúde. 3. Estratégia Saúde da Família. 4. Mapeamento Geográfico. 5. Agentes Comunitários de Saúde. 6. Participação Comunitária. 7. Território. I. Título. CDD – 22.ed. – 362.12 AGRADECIMENTOS Agradeço inicialmente aos meus pais (Luiza e Mauro Argento) pelo constante incentivo, ao meu orientador Christovam Barcellos, por toda dedicação, compreensão, paciência e coragem; e acima de tudo, pela motivação que me deu durante este sofrido processo de desenvolvimento desta tese. Agradeço especialmente a minha família, que foi constituída no decorrer deste processo. A paciência do meu marido Victor Salomon Goldstein, as perguntas incessantes da minha pequena Liora, tal como: “O que é essa tal de tese, que você se preocupa tanto?”; e as noites que ganhei com meu pequeno David (ainda que acordado) lendo alguns artigos. Ao meu pai Mauro Argento, pela dedicação na leitura dos diversos rascunhos, e as discussões sem fim sobre confluência entre os campos da geografia e da saúde. A minha mãe Luiza Argento, irmã Carla, minha sogra Teresa Goldstein, minha dinda Myriam Argento (in memoriam), e ao meu sogro Salomon Leopold Goldstein (in memoriam), pela motivação para tentar terminar logo, o que infelizmente não aconteceu. Aos meus professores da ENSP, pelo apoio e discussões durante as disciplinas que me fizeram pensar e repensar e pensar novamente sobre o tema e sua relevância na área da saúde. Ao Departamento de Endemias Samuel Pessoa, que me acolheu no início de minha carreira profissional na ENSP, em especial a Prof.ª Sandra Hacon pelo apoio profissional imprescindível no começo de qualquer carreira. As boas risadas dadas com o Prof. Salvatore Siciliano no decorrer deste processo que parecia não ter fim, mas que fez com que esta empreitada ficasse um pouco mais divertida. Não poderia deixar de agradecer aos funcionários da Secretaria da ENSP, em especial o Eduardo, que me aturou durante todo esse processo. Um especial agradecimento as minhas fies escudeiras, amigas, companheiras, colegas de trabalho e quase irmãs Monica Magalhães e Renata Gracie, por me aguentar nas horas mais difíceis e sempre, sempre me motivaram para continuar, mesmo eu achando que tudo estava horrível. Muito Obrigado mesmo. Aos colegas do :Labgeo (Heglaucio, Fabiane- pequenininha, Wanderlei, Diego, Izabel, Patrícia, e tantos outros que passaram por lá) muito obrigado pelo incessante apoio nos momentos que em pesava em desisti. Obrigado do fundo do coração. A todos que contribuíram de forma direta ou indireta para o desenvolvimento desta tese, MEU MUITO OBRIGADO. "Feliz é aquele que transfere o que sabe, e aprende o que ensina." (Cora Coralina) RESUMO O presente trabalho apresenta o processo de mapeamento realizado pelos Agentes comunitários de saúde pertencentes a Estratégia de Saúde da Família (ESF) na identificação dos seus territórios de atuação. A natureza holística da ESF faz com que os profissionais deste programa abracem a participação comunitária e social como uma alavanca de força para o desenvolvimento das diversas atividades realizadas. No entanto, sabe - se pouco sobre o processo de mapeamento, ou construção de croquis dos territórios de atuação. A investigação deste trabalho desenvolvid0 através de abordagens participativa para o mapeamento apresenta-se como importante estudo para o desenvolvimento e planejamento das ações da ESF. A partir deste processo se buscou estruturar documentos cartográficos sob da ótica dos agentes comunitários de saúde (ACS) e não dos Cartógrafos ou Geógrafos. Este trabalho abordou a visão dos ACS em relação ao seu território de atuação e as variáveis ambientais e de saúde que julgaram relevantes para o processo de mapeamento. Neste contexto esta pesquisa objetivou utilizar técnicas de cartografia participativa e de geoprocessamento na estruturação de um SIG próprio para ESF. Para atender a esse objetivo foram desenvolvidas atividades de elaboração dos croquis e posteriormente na construção do SIG através dos documentos cartográficos gerados pelos agentes. Os resultados, até então apresentados, demonstram a importância de primeiramente atentar para o tema cartografia participativa no âmbito da saúde pública, na busca de mecanismos operacionais que auxiliem as atividades doa ESF. ABSTRACT This paper presents the mapping process conducted with community health agents belonging to the Family Health Strategy (FHS) in the identification of its territories of operation. The holistic nature of the FHS professionals makes a program community participation and social power as a lever for the development of various activities. However, the mapping process so construction of a sketch of the territories of operation. The investigation of this activity developed through participatory approaches for mapping presents as an important study for the development and planning of actions of the FSF. From this process sought the structuring of cartographic documents under the perspective of the community worker and not the Cartographers and Geographers. This study addressed the perspective of the ACS in relation to its territory of activity and environmental variables and health that judged relevant to the mapping process. In this context, this research aimed to use participatory mapping techniques and GIS in the structuring of a GIS for FHS. The aim, we have worked in the drafting of sketches and later in building the GIS cartographic documents through agents. The results attention from participatory mapping of public health to search for operational mechanisms to assist the activities FHS. SUMÁRIO 1. Introdução 1 2. Objetivos 10 3. Aspectos metodológicos 10 4. Organização da tese 14 5. Publicação 1 - Geoprocessamentoe participação social: Ferramentas para vigilância ambiental em saúde. 15 6. Publicação 2 A experiência de mapeamento participativo para a construção de uma alternativa cartográfica para ESF 33 7. Considerações gerais 61 8. Bibliografia Geral 64 LISTA DE ABEVIATURAS E SIGLAS SUS: Sistema Único de Saúde NOB Norma básica ABS: Atenção Básica em Saúde APS: Atenção Primária em Saúde PSF: Programa de Saúde da Família ESF: Estratégia de Saúde da Família SIG: Sistema de Informação Geográfica PSA: Programa de Saúde Ambiental SIAB: Sistema de Informação de Atenção básica IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PACS: Programa de Agentes Comunitários de Saúde ACS: Agentes Comunitários de Saúde PGIS: Participatory Geographic Information System BDG: Banco de Dados geográficos PROESF: Programa de Expansão e Consolidação da Estratégia de Saúde da Família RRA: Rapid Rural Appraisal PRA: Participatory Rural Appraisal PLA: Participatory Learning Action LISTA DE FIGURAS E TABELAS E QUADROS FIGURAS Figura 1: Processo de aprendizagem da construção e delimitação dos mapas Base. 46 Figura 2: Sobreposição das áreas de atuação das equipes do ESF e a análise de renda média do responsável pelo domicílio e cobertura do ESF 49 Figura 3: Distribuição das taxas de visitas e consultas para o segundo semestre 2005. 50 TABELAS Tabela 1: Diagnostico cartográfico 44 Tabela2: Comparação entre metodologias de estimativa de cobertura para a ESF. 48, 49 QUADROS Quadro 1: Etapas para o processo de mapeamento 52,53 1 1. Introdução Os problemas de saúde apresentam uma diversidade de determinações sociais e ambientais. O entendimento do processo saúde-doença tem evoluído consideravelmente de um pensamento clínico (monocausal) até as concepções ampliadas que articulam saúde com condições de vida. Esta tendência está compatível com a Carta de Ottawa e com todo o movimento contemporâneo que incorporam, plenamente, a promoção social da saúde. Conhecer o território e as condições de vida e saúde dos diversos grupos populacionais é uma etapa indispensável do processo de planejamento da oferta de serviços e da avaliação de impacto das ações de saúde. A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (NOB-SUS) de 01/1996 expressa que “o enfoque epidemiológico atende ao compromisso da integralidade da atenção, ao incorporar, como objeto das ações, a pessoa, o meio ambiente e os comportamentos interpessoais” (Brasil, 1997). Dentre os instrumentos da política nacional de saúde, destaca-se o Programa de Saúde da Família – PSF, criado pelo Ministério da Saúde com o propósito de “reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família e, com isso, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros” (Brasil, 1997). Atualmente, o PSF é definido com Estratégia Saúde da Família (ESF), ao invés de programa, tendo em vista que o termo programa aponta para uma atividade com início, desenvolvimento e finalização, o que não se aplicava, tendo em vista que é continuo desenvolvimento. Há um consenso entre os profissionais que trabalham com atenção básica e a epidemiologia da necessidade do planejamento das ações de saúde e das constantes avaliações de seus respectivos impactos. Estas avaliações de impactos da deve estar associada ao conhecimento das condições de vida e de saúde dos diversos grupos 2 populacionais. Saúde Pública e Ambiente estão, portanto, intimamente relacionados e são fortemente influenciados pelos padrões de ocupação espacial. Neste sentido, não é suficiente quantificar ou descrever as características das populações, mas torna-se fundamental localizar, o mais precisamente possível, onde estão ocorrendo os agravos; como a população está sendo atendida, quais serviços esta população procura ou necessita, e quais os locais com potencial de risco ambiental (Brasil, 2000). O processo de territorialização consiste em um dos pressupostos da organização do trabalho e das práticas de saúde, onde vem sendo desenvolvida diversas iniciativas como a Estratégia de Saúde da Família, o Controle de Endemias e a Vigilância Ambiental em Saúde. O espaço e o território são categorias de análise que permeiam inúmeros debates na Geografia. No entanto, estas categorias não são utilizadas unicamente pelos Geógrafos. É notório que os epidemiologistas também se utilizam destas categorias para melhor compreender os seus objetos de estudo. Neste sentido, torna-se possível afirmar que a Ciência Geográfica vem contribuindo com seu arsenal teórico a respeito das categorias espaço e território em prol dos mecanismos associados ao desenvolvimento de ações na área da saúde pública. Observa-se um intenso debate sobre a incorporação do conceito de espaço geográfico no campo da saúde coletiva (Silva, 1997; Rojas, 1998, Czeresnia & Ribeiro, 2000). Atualmente, é marcante a preocupação no âmbito da saúde pública o estudo do espaço geográfico e do território de forma integrada, dentro de uma abordagem holística e sistêmica. Os conceitos geográficos propostos por Milton Santos constituem uma das referências mais significativas para as análises da relação entre espaços e doenças, especialmente as produzidas no Brasil. 3 O conceito de espaço apresentado por Santos (1988:26) salienta que: “o espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e de outro, a sociedade em movimento”. Czeresnia & Ribeiro (2000), enfatizam que uma das mais importantes elaborações teóricas do conceito de espaço geográfico vinculado ao estudo de doenças transmissíveis foi feita por Pavlovsky na década de 30. O conceito de foco natural expressa uma apreensão espacial que integra o conhecimento das doenças transmissíveis com a Geografia e a Ecologia. Ao nos apoiarmos nas considerações de Pessoa expostas por Czeresnia & Ribeiro (2000) pode-se perceber a significância da integração das condicionantes ambientais para o entendimento do processo saúde-doença. “Se pode, em um mapa, delimitar as áreas de endemicidade ou epidemicidade da cólera, da peste, da malária, das leishmanioses, etc., é que pelo termo geografia deve-se considerar não só a geografia física, o clima e os demais fenômenos meteorológicos, que caracterizam geograficamente a região, mas ainda as geografias humanas, social, política e econômica. E os fatores que mais intervêm na variação e propagação das doenças, são justamente os humanos” (Pessoa, 1978:153). Conforme destaca Santos (1996), a técnica é um elemento fundamental para compreender o processo de organização espacial. É a técnica que intermedia a interação homem–natureza, onde “o indivíduo em sociedade forma um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais realiza sua vida produzem e, ao mesmo tempo, cria espaço”. Não se adiciona técnica a um pretenso meio natural. A técnica produz um espaço que é “um misto, um híbrido, um composto de formas e conteúdo, de objetos e fluxos”. Portanto, as técnicas transformam o espaço e a relação da sociedade com a natureza. Por 4 outro lado, a técnica também pode ser usada para compreender essa relação e sua nova configuração espacial. Ao falarmos em técnicas para representação do espaço geográfico,podemos destacar as técnicas geoprocessamento, que vêm sendo amplamente utilizado no campo da Epidemiologia com o intuito de facilitar a análise da dinâmica espacial das doenças, identificar as regiões e grupos expostos a agravos de saúde, sendo também um significativo instrumento de apoio às atividades de vigilância epidemiológica e ao planejamento de ações de prevenção e controle de doenças (Medronho, 1995). Esse conjunto de técnicas vem sendo gradativamente incorporado à prática de vigilância à saúde auxiliado na organização e análise espacial de dados sobre ambiente, sociedade e saúde, e permitido a elaboração de diagnósticos de situação e o intercâmbio de informações entre setores (Rojas, 1998). A utilização desta ferramenta tem aumentado a capacidade de formular e avaliar hipóteses sobre a distribuição espacial das condições ambientais e sociais que interferem na saúde humana, através da confecção rápida de mapas temáticos, que permitem o inter- relacionamento de dados de diferentes origens e formatos (Vine et al,1997). Através das técnicas de geoprocessamento, podem-se integrar informações de diversas fontes, como, por exemplo, dados de saúde, sociais e ambientais que permitam determinar uma melhor localização e associação das problemáticas a serem estudas, facilitando assim, o planejamento de ações por parte do ESF e da sociedade civil organizada. Por suas características, as técnicas de geoprocessamento, em especial o Sistema de Informação Geográfica – SIGs e o Sensoriamento Remoto podem ser um poderoso instrumento para um melhor planejamento, monitoramento e avaliação no processo de atuação das Equipes de Saúde da Família. Câmara & Davis (1999) afirmam 5 que haverá a necessidade de se utilizar um SIG toda vez que o “onde” for importante na identificação e resoluções de problemas. Na área de saúde, tão importante quanto conhecer a etiologia da doença, é também, o conhecimento do espaço geográfico onde ocorre a doença e suas interações com as condições econômicas e ambientais do lugar, possibilitando estabelecer padrões quantitativos e qualitativos de saúde em uma determinada área. Pode-se reforçar essa afirmação citando o exemplo do estudo elaborado por John Snow em Londres sobre a Cólera, e bastante difundido no âmbito da Saúde Pública (Carvalho et. al 2000) No final da década 80 a área da saúde começa a discutir e experimentar as diversas tecnologias do geoprocessamento tendo os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) seu papel destacado. Estes estudos abordam que as condições de saúde da população podem ser conhecidas, de forma minuciosa, com a utilização de mapas que permitem observar a distribuição espacial de situações de risco e dos problemas de saúde. Na década de 90, Vaine, (1997), Corvalán & Kjellström (1995) e Pina (1998) reforçam que a abordagem espacial permite a integração de dados demográficos, socioeconômicos e ambientais, promovendo o inter-relacionamento das informações de diversos bancos de dados. Segundo Carvalho MS e Souza–Santos (2005) o desenvolvimento do uso de SIGs e ferramentas de análise espacial em saúde pública, dependerão da implantação e da demanda teórico metodológica de mapeamento e análise espacial na área de saúde. Entretanto, embora bastante extenso, e talvez por causa disso, a integração das abordagens participativas ao SIG são pouco utilizadas na área da saúde pública no âmbito nacional. Alguns artigos publicados nos últimos anos procuram fazer a integração às abordagens participativas na área da saúde e os sistemas de informações geográficas (Beyer KM, et al 2010; Seguinot-Medina S (2006); Maman et al. (2009); Liam R O'Fallon et al, 2008). 6 Sob esse ponto de vista, o processo de associação entre as técnicas de mapeamento participativo e SIG podem auxiliar o acompanhamento da dinâmica e da complexidade das mudanças do território e as suas relações ou associações com a saúde humana. A operação entre camadas de informações obtidas de diferentes fontes de dados gera como resultado uma nova informação, que seria de difícil obtenção através apenas de dados tabulares (Barcellos & Bastos, 1996). Nos estudos espaciais, as unidades geográficas de análises definem a escala de observação dos fenômenos (Barcellos & Bastos, 1996), porém esta escala é limitada pela disponibilidade de informações referenciadas a estas unidades espaciais hoje utilizadas nos sistemas de informações, tais como: estados, municípios e setores censitários. No nível local, o setor saúde, principalmente a ESF apresenta outro recorte territorial. Não condizente tanto com dados ambientais quanto com dados sócios demográficos. No caso brasileiro, o setor censitário é a unidade espacial com menor nível de agregação de dados de população. Assim, há a necessidade de se buscar ferramentas que orientem as equipes de ESF no entendimento e mapeamento dos conteúdos de seus territórios de atuação. Pois atualmente o que as equipes de ESF entendem por mapeamento está relacionado apenas com o limite da área de atuação de cada agente, sem levar em consideração a especificidade socioambiental e o conteúdo do seu território de atuação. A efetivação das atividades de atenção à saúde se baseia no entendimento de como funcionam e se articulam num território as condições econômicas, sociais e culturais, como se dá à vida das populações, quais atores sociais envolvidos e a sua íntima relação com seus espaços, seus lugares (Monken & Barcellos, 2005). 7 A identificação de problemas de saúde no território deve superar a listagem de agravos notificáveis. O ponto de partida desse processo é a territorialização do sistema de saúde através do reconhecimento e o detalhamento das condições socioambientais do território, segundo a lógica de relações entre condições de vida, saúde e acesso às ações e serviços de saúde, o que implica em um processo de coleta e sistematização de dados demográficos, socioeconômicos, políticos-culturais, epidemiológicos, sanitários e ambientais em uma escala de detalhamento compatível com a ESF (Teixeira et al, 1998). Daí vem à importância de integrar as técnicas de mapeamento participativo ao geoprocessamento, especificamente ao SIG nas práticas do ESF, buscando um maior detalhamento das informações do território de atuação dos agentes e, consequentemente, o entendimento das relações ambiente e saúde. Algumas experiências de mapeamento de dados da ESF foram realizadas em algumas cidades ao longo dos últimos anos. Podemos destacar a experiência realizada em Montes Claros (Pereira & Paranhos, 2002), utilizando o Sistema de Informação Geográfica (SIG) sem a integração de dados ambientais apenas para a construção de mapas que permitam a geração de indicadores de saúde voltados para a gerência do ESF no nível intra-urbano. Outro estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz e UFPE (Portugal, 2003) em Caruaru que mostrou a viabilidade de georreferenciar às residências como referências primárias para a construção de agregados espaciais de micro-áreas e áreas d a ESF. Em nenhum dos trabalhos citados acima houve a preocupação de se discutir o processo de mapeamento do território de atuação das equipes do ESF de forma participativa. Em trabalho mais recente que visa analisar a gestão territorial do Programa de Saúde Ambiental (PSA) (Bezerra, 2008), relaciona o território dos agentes de saúde com dados ambientais para o melhor entendimento da relação saúde e ambiente. O autor acredita que os atuais territórios, sob gestão de cada agente, não trabalham o princípio de equidade adotado pelo PSA. O presente trabalho 8 apresenta uma metodologia para o mapeamentodas áreas do Programa de saúde ambiental em Recife, porém não trabalha a vertente participativa. A ESF segue alguns princípios básicos, dentre os quais a territorialização e o cadastramento da clientela. Conforme abordado por Pereira & Barcellos (2006), a simples alusão à quantidade de ocorrências populacionais descritas no estabelecimento dos recortes territoriais da ESF, sem nenhuma proposta de tipificação destes territórios, limita a eficácia das ações preventivas e de controles em termos da saúde da população. Em decorrência desse fato, torna-se necessário que a fase do planejamento se transforme em um momento adequado para a construção de mapas temáticos prévios para subsidiar o entendimento da realidade socioambiental do território de atuação da ESF. Em geral, este procedimento prévio não é feito e o trabalho de divisão de áreas e micro-áreas acaba por perder sua referência territorial. Entretanto, supõe-se que a maneira como foi concebido o SIAB, por si só não permite que os dados das famílias coletados pelos agentes possam ser espacializados com facilidade na escala local, daí a necessidade de se buscar mecanismos para inserção das técnicas de geoprocessamento através de uma visão participativa no processo de coleta de dados da EFS. Um dos principais problemas já detectados é que os dados produzidos pelo SIAB são insuficientes para se buscar esta associação entre saúde e os problemas ambientais necessitando de um maior detalhamento no processo de coleta de dados. A territorialização de políticas de saúde com base na espacialização dos agentes de saúde se apresenta instrumento dúbio, pois auxilia o processo de gestão do território, mas ao mesmo tempo dificulta a operacionalização por partes dos agentes e gestores. Conforme ressaltado por Bezerra (2008) há um hiato entre a teoria e a pratica que necessita ser preenchido através de discussões e proposições que visem o aperfeiçoamento da prática de territorialização e, 9 consequentemente, do processo de representação deste território, através de croquis ou mapas. Desta forma, o mapeamento participativo do território de atuação pode auxiliar no processo de coleta de dados não existentes em nossos sistemas de informações tais como, condições de vida e os dados ambientais em micro escala. Neste caso, seria necessária a estruturação base georrefereciada atrelada ao entendimento de territorialidade pelos agentes comunitários de saúde e coerente com a hierarquização proposta pela ESF (micro- áreas, área, segmento e município). A construção desta base, é em foco de interesse da presente proposta. Conforme salientam Monken & Barcellos (2005), há a necessidade de se buscar novas metodologias para o campo da Saúde Coletiva que devem ser acompanhadas pelo desenvolvimento de métodos que articulem os níveis do indivíduo e das coletividades. Dessa forma, a ESF carece de instrumentos que incorporem a dimensão do lugar, como expressão do relacionamento entre grupos sociais e seu território. Portanto, fica aqui patente a necessidade de se compreender a dimensão geográfica na escala local, do cotidiano das atividades de saúde das equipes da ESF, visando auxiliar não só o caráter explicativo como também a busca da identificação de situações problemas para a saúde no espaço e no tempo, podendo este fato se revestir de grande utilidade para a vigilância ambiental em saúde. Assim, esta tese foi desenvolvida buscando a associação entre o mapeamento de cunho participativo com o uso dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG) com a base de dados do SIAB (Sistema de Informação de Atenção Básica) e Censo (IBGE). Como o cerne da questão relacionada à territorialização da ESF está a delimitação da área de atuação do ACS, a cartografia então, assume um papel fundamental como meio 10 da estruturação de procedimentos para a delimitação destas áreas. Contudo, atualmente convive-se com uma grande dificuldade de cunho operacional, associada à construção de mapas digitais que representem as especificidades do ambiente para projetos de micro escala de detalhamento, como no caso da ESF. Como base epistemológica, a proposta está baseada na afirmativa “a produção de doença resulta do acúmulo de situações históricas, sociais e de ambientes” (Barcellos, 2000). Nesta perspectiva, entende-se o ambiente como sendo “as condições, circunstâncias e influências sob as quais existe uma organização ou um sistema, que pode ser afetado ou descrito pelos aspectos físicos, químicos e biológicos, tanto naturais como construídos pelo homem” (Brackley, 1988 apud Christofoletti, 1990) Acredita-se que a relevância desta proposta está no fato de se buscar a adoção da abordagem participativa em mapeamento para estudos de saúde integrados a técnicas de geoprocessamento, no sentido de criar uma base geoinformacional definida através do entendimento e delimitação do território de atuação por parte das equipes da ESF. Assim, esta proposta foi construída buscando associar os subsídios teóricos e operacionais voltados para o desenvolvimento de estratégias que possam integrar dados e saberes técnicos e locais. 2.Objetivos 2.1.Objetivo Geral Esta de tese tem como objetivo principal estruturar procedimentos metodológicos para inserção das técnicas de mapeamento participativo atrelado as técnicas de geoprocessamento nas práticas de trabalho da Estratégia de Saúde da Família (ESF), visando contribuir no processo de entendimento e mapeamento do território de atuação das equipes. 11 2.2. Objetivos Específicos Em termos específicos, esta tese visa estabelecer um exemplo aplicado, um modo operacional para as equipes da ESF integre os dados produzidos em base geoinformacional em conjunto por agentes comunitários de saúde, além de: Contribuir para a discussão da inserção das técnicas de geoprocessamento no processo de vigilância ambiental em saúde. Estruturar passos metodológicos para construção dos croquis desenvolvidos pelos agentes comunitários de saúde da ESF para auxiliar o diagnóstico de saúde ambiental. Em síntese, esta tese visa, prioritariamente, gerar mecanismos operacionais voltados para produção de instrumento de vigilância proposto para a ESF. 3. Aspectos Metodológicos Esta tese se estrutura em um nível de microescala de análise visando desenvolver procedimentos metodológicos e operacionais para a delimitação da área de atuação de uma equipe da ESF e incorporação de variáveis socioeconômicas ausentes no SIAB. Pretende contribuir para o Programa de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, assim como, para as equipes da ESF no processo de entendimento do seu território de atuação. 12 Esta tese esta desenvolvida a através dos seguintes passos metodológicos: Revisão bibliográfica: O presente projeto contempla uma revisão bibliográfica abrangente aos principais temas: a) abordagens participativas; b) técnicas de geoprocessamento; c) processos cartográficos, d) Vigilância Ambiental em Saúde e e) Estratégia de Saúde Família. Estruturar passos metodológicos para construção dos croquis pelas equipes do ESF. Além de um levantamento bibliográfico concernente as metodologias relacionadas: a) construção de croquis através de metodologias de cunho participativo, b) adequação cartográfica de croquis. Esta atividade é considerada de fundamental importância para o entendimento do território de atuação das equipes da ESF, devido à ausência da obrigatoriedade de espacialização (croquis /mapeamento) e/ou metodologia na delimitação das áreas e micro-áreas de atuação no âmbito da vigilância em saúde. Percebe-se quecada equipe elabora a delimitação da área de atuação do seu modo, onde muitas das vezes apenas contam com as ruas, sem levar em consideração as características físicas e ambientais do território de atuação. Nota-se que o principal problema está no processo de planejamento da delimitação, onde muitas vezes encontra-se a mesma a família cadastrada em micro- áreas distintas. Estes problemas operacionais destacados acima, acabam por dificultar a compreensão tanto por parte dos agentes quanto das coordenações das equipes do significado do território para o pleno desenvolvimento da ESF. 13 O desenvolvimento desta atividade foi apoiado na metodologia proposta por Monken (2003), onde podemos identificar os problemas saúde e condições de vida do território de atuação da ESF, utilizando como base de referencial teórico o Programa PROFORMAR desenvolvido pela Fiocruz através da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. O desenvolvimento desta etapa do trabalho na tese se deu de forma interativa e participativa com os agentes de saúde. O processo de produção de croquis foi utilizado como técnica potencializadora para o entendimento de conceitos, visando observar o nível compreensão dos atores sociais (equipes da ESF) sobre determinado tema ou no “brainstorming” (chuva de ideias) de um projeto. As técnicas de visualização gráfica devem ser utilizadas de forma objetiva e clara no processo de vigilância saúde. As experiências participativas significam uma reformulação ampla das abordagens de saúde (coletada de dados da comunidade, sem retorno de informação), com ênfase no aprendizado a partir das diversidades de iniciativas locais. A utilização de ferramentas de representação gráfica é uma estratégia essencial para se adquirir um conhecimento do seu espaço geográfico necessário para a efetiva participação social. Shiffer (1996) e outros (Craig, 1998, Krygier,1998, Pieplow, 1998) vêm demonstrando, em seus estudos que a utilização destas tecnologias de espacialização de informações, incluindo: SIGs (Sistemas de Informações Geográficas), imagens de satélite e fotos aéreas, simulações digitais, dentre outras) auxiliam na discussão e no processo de tomada de decisão de acordo com as necessidades dos atores sociais envolvidos. Estas abordagens são utilizadas com o intuito de melhor entender o ambiente local destacando as características socialmente construídas a sua potencial relação com as questões de saúde. 14 Adequação de croquis para inserção em um Sistema de Informação Geográfica. Esta atividade foi desenvolvida apoiada na metodologia proposta por Magalhães & Pina (1995) que consiste em adaptar os croquis/desenhos dos setores censitários a um mapa georreferenciados através da digitalização em um "software" de Sistema de Informação Geográfica. Assim, pretende-se adaptar os croquis elaborados pelos agentes de saúde a uma base cartográfica georrefereciada de rua e/ou setores censitários que será associada ao mapeamento das condicionantes ambientais. 4. Organização da tese Optou-se por apresentar a tese na forma de dois artigos científicos; considerando esta estrutura mais objetiva que o modelo de tese tradicional, uma vez que esta tese tem um caráter operacional e assim propicia uma divulgação mais prática e rápida dos resultados e percepções obtidas. Este formato está de acordo com as normas do Curso de Pós-Graduação da ENSP. Esta tese foi concluída no formato de dois(2) artigos já publicados e consta com uma consideração geral e respeito da temática retratada. Primeira Publicação 2008 - artigo sobre a revisão bibliográfica relacionada a abordagens participativas e democratização das ferramentas de geoprocessamento. (Desenvolvida em 2007 a publicada em 2008) Segunda Publicação 2012. Apresentação do segundo artigo sobre o processo de construção e adequação dos croquis ao sistema de informação geográfica. (http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=9991) Considerações gerais 15 5. Publicação 1 A primeira publicação fruto desta tese de doutorado se deu através de um capítulo do livro Território e Saúde, produzido pela editora Fiocruz em 2008 através da coordenação dos Pesquisadores Christovam Barcellos e Ary Miranda. O capitulo 11- Geoprocessamento e participação social: Ferramentas para vigilância ambiental em saúde foi desenvolvido em parceria com o Prof. Christovam Barcellos. Trata-se de uma revisão uma bibliográfica até 2008 que busca a integração das técnicas de geoprocessamento com a participação social e a sua importância para o processo de vigilância de ambiental em saúde, uma das ferramentas propostas para Estratégia de Saúde da Família(ESF). Geoprocessamento e Participação Social: ferramentas para vigilância ambiental em saúde Roberta Argento Goldstein e Christovam Barcellos In: Território, Ambiente e Saúde, 2008. Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro Organização: Ary Carvalho de Miranda, Christovam Barcellos, Josino Costa Moreira, Maurício Monken 16 Geoprocessamento e participação social: Ferramentas para vigilância ambiental em saúde. Roberta Argento Goldstein & Christovam Barcellos O presente capítulo pretende esclarecer algumas questões relacionadas às abordagens participativas, incluindo o mapeamento através da inserção de técnicas de geoprocessamento e a sua utilização para o processo de vigilância ambiental em saúde. A vigilância ambiental em saúde se configura como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de alterações nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variável ambiental (SVS, 2003). As tarefas fundamentais da vigilância ambiental em saúde referem-se aos processos de produção, integração, processamento e interpretação de informações visando o conhecimento dos problemas de saúde existentes, relacionados aos fatores ambientais, sua priorização para tomada de decisão e execução de ações relativas às atividades de promoção, prevenção e controle. A vigilância ambiental em saúde tem, necessariamente, um caráter integrador inter e intra-setorial, considerando-se que é impossível realizar atividades de vigilância e controle de riscos ambientais sem uma avaliação e ação conjunta de todos os setores envolvidos com o ambiente e a saúde humana em um determinado território. A utilização do espaço geográfico como categoria de análise ressalta a função do contexto social e dos componentes ambientais, atrelada a outros conjuntos de determinantes que atuam sobre a saúde humana. Em épocas mais recentes, a poluição ambiental vem atraindo a atenção dos gestores de saúde que começam a compreender a 17 importância do processo de mapeamento das áreas de risco para a vigilância ambiental em saúde dos municípios (Rojas et al., 1999). O caminho racional e sustentável de um processo de desenvolvimento que visa envolver os diversos atores sociais passa pela participação ativa dos mesmos no processo de desenvolvimento, implementação e avaliação do projeto. A participação popular, assim como a descentralização das decisões, tem se mostrado como sendo o caminho mais adequado para se enfrentar os inúmeros problemas, sejam eles no âmbito da saúde ou na área ambiental. Desse modo, a participação é o caminho para a motivação e o entusiasmo das pessoas, ingredientes necessários para o desenvolvimento de um processo participativo. Para tal, faz-se necessária a transparêncianos processos decisórios dos diversos setores ambientais e de saúde. Esta transparência pode ser efetivada quando agregada à participação social desde o processo de discussão do problema no âmbito da saúde e/ou ambiente até a implementação do projeto e avaliação do mesmo. Segundo Chambers (1999) a participação não deve ser vista meramente como um instrumento necessário para a solução dos problemas mas, sim, como uma necessidade do homem de se auto afirmar, de interagir com a sociedade, de criar, de realizar, de contribuir. Pode-se analisar a importância de um processo participativo por dois ângulos: Instrumental: será sempre mais eficaz se fizermos a coisa em conjunto; Afetivo: sentimo-nos seguros, mais confiantes, trabalhando em sociedade. Os países da América Latina e Caribe encontram-se em um processo de transição cultural de participação da cidadania e as instituições públicas buscam de maneira pouco eficaz desenvolver algumas atividades através de ações participativas. No âmbito da saúde, a participação vem sendo bastante amplificada pelos diversos mecanismos de 18 promoção à saúde. O envolvimento dos diversos setores da sociedade civil em projetos e programas vem sendo cada vez mais priorizado pelos organismos internacionais, assim como pelo poder público, ressaltando a participação dos atores sociais envolvidos em projetos ambientais e de saúde coletiva que acarretem impactos diretos ou indiretos às comunidades estabelecidas sob a sua área de influência. O uso de mapas pode ser utilizado como técnica potencializadora de processos de discussão em grupos focais associados a métodos participativos. Ele também pode ser utilizado como instrumento isolado, na formação de uma rede de conceitos, visando observar o nível de entendimento de um grupo sob determinado tema ou no brainstorming (chuva de ideias) de um projeto ou ideia. Logo, as diversas técnicas de visualização gráfica, destacando aqui os mapeamentos, podem ser utilizadas para se obter objetividade e clareza aos processos de vigilância ambiental em saúde. É importante ressaltar que as diversas técnicas, instrumentos ou métodos participativos não têm um fim em si mesmo. Eles por si só não irão resolver os problemas locais. Poucos são os pesquisadores que percebem, quando se trabalha em grupo de forma participativa, que não existem receitas a serem seguidas. Para cada grupo, para cada situação específica, para cada contexto institucional é necessário se ajustar, adaptar e mesclar os instrumentos de pesquisa disponíveis integrando as informações disponibilizadas pelos grupos sociais. Contudo, a busca de se equacionar esses problemas (metodologias e comunicação) tem sido o fator fundamental para o sucesso de propostas que envolvam o viés da participação e ação da comunidade. Logo, a participação deve ser desde o início do processo de planejamento até a finalização do mesmo. 19 Na concepção participativa do desenvolvimento, considera-se que a população deve organizar-se em torno dos problemas que consideram mais importantes para adquirir uma capacidade coletiva de decisão e, ao mesmo tempo, exercer o controle quanto à utilização de recursos existentes em seus territórios. A partir da década de 90, houve uma expansão das experiências participativas por todo o país, aproveitando a conjuntura política favorável e o incentivo dos organismos mundiais e agências governamentais de financiamento (Tenório & Rozenberg, 1999). Sobre as abordagens participativas A participação como princípio básico na concepção de projetos, programas e políticas públicas tem tido aceitação cada vez maior, porém o seu efetivo significado acabou se perdendo. A palavra participação surge atualmente como um “slogan” ou bordão técnico/político na busca de incentivos financeiros para projetos em geral, mas sua maior repercussão tem sido vista em projetos de cunho ambiental. As percepções do que vem a ser participação variam muito, permeando entre a ideia de participação passiva (onde é dito às pessoas o que elas devem fazer para participar no âmbito do projeto ou programa), passando por diversas formas como a de autoajuda e cogestão (onde as pessoas são atores ativos nas mudanças através de seus projetos), até a ideia da ativa participação política na sociedade. Participar, então, é repensar o seu saber em confronto com outros saberes, participar é fazer “com” e não “para” (Tenório, 1995). Primeiramente deve-se entender o que vem a ser participação. Frequentemente a palavra é usada no sentido normativo, considerando que qualquer ação “participativa” necessariamente há de ser positiva e promotora de capacitação. Segundo Ortiz (2005) participar significa fazer parte de um grupo, tomar parte das decisões e ter parte do resultado. O importante não é o quanto se toma parte, mas o como 20 se faz. Deste modo, “a participação comunitária é um processo mediante o qual as diversas camadas têm parte no planejamento, na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma comunidade”. Com relação às questões importantes referentes à abordagem participativa, pode-se destacar: i) A importância da informação às comunidades e organizações locais e /ou regionais a buscarem atividades alternativas para a reabilitação das áreas degradadas; ii) As vantagens para as comunidades locais em aumentar a capacidade e a compreensão dos grupos intervenientes: social, econômica e ambientalmente afetados pela atividade de mineração artesanal do ouro. As experiências acumuladas nos últimos anos no país vêm demonstrando a importância da participação efetiva das comunidades locais no planejamento, desenvolvimento e resultados de projetos socioambientais. A experiência precursora no país que reflete o processo de abordagem participativa se desenvolve pelo viés das ciências sociais com Michel Thiollant. Thiollant define então, pesquisa-ação como: “um tipo de pesquisa social, com base empírica, que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. (Thiollant, 1947). 21 O processo participativo engloba diferentes níveis de interesse por parte das populações a serem estudas: Nível econômico, com a presença ativa na tomada de decisões das unidades de produção, sendo possível detectar várias experiências de cogestão, empresas comunitárias, cooperativas etc. Área sociocultural, compreende ações em diferentes instituições da sociedade onde se articulam interesses de classes ou grupos, circulam valores, normas, pautas de conduta, manifestação de criatividade artística. Área política, corresponde à participação no processo de tomada de decisão, desde a estrutura do poder local até o plano nacional. De acordo com Bandeira (1999), “a participação deve, portanto, ser vista como um instrumento importante para promover articulação entre os atores sociais, fortalecendo a coesão da comunidade para melhorar a qualidade das decisões, tornando mais fácil alcançar objetivos de interesse comum". Porém, cabe ressaltar que as decisões obtidas por meio da participação sempre dependerão do grau de capacitação da comunidade ou de seus representantes para identificar as soluções relevantes para os seus problemas. A participação dos diferentes segmentos sociais nas discussões da problemática local funciona para a consolidação de uma identidade local, que pode ser entendida com o sentimento de compartilhamento de uma comunidade territorialmente localizada. Assim,cabe ressaltar que a identidade local e/ou regional é construída historicamente, surgida de processos políticos, sociais, econômicos e culturais que fazem com que os habitantes de um determinado território consolidem a sua percepção e, levando em conta, claro, as diferenças, divergências e os fortes interesses que possam ter em comum. 22 As experiências participativas significam uma reformulação ampla das antigas abordagens de saúde e ambiente (coleta de dados da comunidade, sem retorno de informação), com ênfase no aprendizado a partir das diversidades de iniciativas locais. Uma relação que envolva a participação entre seres humanos no exercício de sua cidadania não acontece através de divisão de poderes e responsabilidades induzidas de cima para baixo, mas pode e deve ser um processo contínuo e socialmente construído de baixo para cima. De acordo com Alencar (1990), “na abordagem participativa, a comunidade é vista como um sistema social internamente diferenciado, em decorrência da natureza heterogênea da estrutura social de uma comunidade”. As abordagens participativas aplicadas tanto na área da saúde quanto ambiental derivam das comumente utilizadas em planejamento estratégico de empresas. A Democratização das técnicas de geoprocessamento A localização espacial da informação no processo de gestão do ambiente e da saúde vem sendo cada vez mais valorizada, por apontar novos subsídios ao processo de vigilância através dos mapeamentos das áreas de riscos provendo um instrumento de ações corretivas e/ou preventivas no contexto da gestão socioambiental. Uma das ferramentas para auxiliar o processo de visualização das informações são as técnicas de geoprocessamento, aplicadas à realidade local. Através da utilização de técnicas de geoprocessamento, pode-se sobrepor informações socioambientais que permitam uma melhor localização das problemáticas a serem estudas, facilitando, assim, o planejamento de ações por parte tanto do poder público quanto da população local. Sob esse ponto de vista, a utilização dessa ferramenta para auxiliar no acompanhamento da dinâmica e a complexidade das mudanças no espaço, visam a fornecer subsídios para a elaboração de estratégias e ações direcionadas ao planejamento, conservação, preservação e gerenciamento socioambiental. 23 Segundo Rodrigues (1990), geoprocessamento é o conjunto de tecnologias de coleta, tratamento e desenvolvimento de informações espaciais. Enfatiza ainda que há vários tipos de técnicas, cada qual com funções específicas, tais como as de digitalização, conversão de dados, modelagem digital do terreno, processamento digital de imagens, SIGs (Sistema de Informação Geográfica), dentre outras. De uma maneira mais ampla, essas técnicas objetivam a localização, delimitação, qualificação, quantificação e o monitoramento da evolução de fenômenos ambientais (Cruz,1999). Assim, o geoprocessamento se torna uma ampla ferramenta de diversas aplicabilidades do campo das ciências ambientais, pela sua capacidade de análise de diversas variáveis, assim como o acompanhamento espaço-temporal de fenômenos sociais e ambientais. Os mapas temáticos se caracterizam por representar as relações estruturais de um tema ou objeto selecionado, sendo resultantes de um processo de análise concebido para responder a uma questão pré-definida, ou auxiliar no processo de tomada de decisão. “Um mapa temático fornece tanto informações diretas, representadas pela distribuição espacial dos temas que simbolizam as classes do objeto mapeado, quanto informações geradas pela síntese de duas ou mais informações primárias” (Pina et al., 1998). Não se pode negar a importância da base cartográfica digital para se trabalhar com as técnicas de geoprocessamento. Segundo Argento (1990), “no Brasil, é uma realidade a ausência de bases de dados consistentes associada a uma coleta sistemática e atrelada a uma escala de detalhamento compatível ao fornecimento de informações que possam atender, objetivamente, às questões políticas como, também, comunitárias”. 24 A utilização de ferramentas de orientação espacial é essencial para se adquirir um conhecimento do seu espaço geográfico necessário para a efetiva participação social. Shiffer (1996) e outros (Craig, 1998, Krygier, 1998, Pieplow, 1998) vêm demonstrando, em seus estudos, que a utilização dessas tecnologias de espacialização de informações, incluindo o SIG (Sistema de Informações Geográficas, imagens de satélite e fotos aéreas, simulações digitais, dentre outras), auxiliam na discussão e no processo de tomada de decisão de acordo com as necessidades da população local. Tendo em vista a grande importância atribuída às tecnologias de geoprocessamento tanto na área ambiental e, recentemente, na saúde coletiva, a geração de informações nem sempre são condizentes e aplicáveis em nível local. Diversos pesquisadores (Macnab,1998; Stevens & Thopson, 1996; Howard, 1998; King, 2002) vêm divulgando a importância de se gerar informações para que as populações locais participem ativamente do processo de tomada de decisão. Recentemente foram realizados vários estudos independentes que focalizam a ideia de associação das técnicas de geoprocessamento e instrumentos participativos descritos como Participatory GIS (PGIS). Os principais estudos ressaltados pela literatura são: The Kipersol (África do Sul), de Weiner et al., 1995; The Namibian Wildlife GIS, de Tagg et al., 1996 e o Namaqualand GIS (África do Sul), de Cinderby et al, 1998. Todos os três estudos foram desenvolvidos na África e visavam a fornecer subsídio à população local para auxiliar na formulação de políticas de desenvolvimento local fundamentadas no plano de desenvolvimento do país. Nos trabalhos citados foram desenvolvidas técnicas participativas para definir a percepção geográfica de espaço, como também compartilhar os conhecimentos gerados de maneira conjunta sobre cada região, permitindo o planejamento e uso dos 25 recursos naturais existentes em cada uma das áreas estudadas (Cinderby, 2000). Nestes trabalhos foram utilizados instrumentos participativos como a produção de um mapa de percepção buscando incorporar as preocupações e o conhecimento em uma base cartográfica. O uso de referências espaciais, como os mapas temáticos e as fotografias aéreas, permitiu a integração destes mapas de percepção em um GIS, gerando um sistema de informação simples e de fácil acesso à consulta e análise para a população local. A coleta de dados, utilização de geotecnologias e a participação efetiva da comunidade no Brasil são muito pouco divulgados. Alguns destes estudos foram realizados na área ambiental por Bronw et al (1995) no mapeamento de seringais, no Estado do Acre, com o auxílio de Sensoriamento Remoto. Este estudo contou com a participação efetiva dos seringueiros que, no decorrer do processo participativo, aprenderam a interpretar as imagens de satélite e, consequentemente, a gerenciar melhor o seu espaço geográfico. Shiffer (1996) afirma que a aplicação dos temas geográficos integrados a estas novas tecnologias de visualização de dados espaciais (fotos áreas, imagens de satélites, cartografia digital, animações e simulações digitais) ajuda na participação ativa do público e promove também a sua orientação geográfica. Através desses estudos, a utilização das técnicas de geoprocessamento realizadas envolvendo a participação local ganha maior visibilidade no cenário mundial. Segundo Sparrow (1992, apud Pina et al, 1998), “o SIG, como outros métodos de mapeamentos, podem ser utilizados como instrumentos didáticos e de debate com a população leigasobre suas condições socioeconômicas e inserção em seu território”. O principal problema encontrado atualmente é a dificuldade de obtenção de dados coletados num formato georreferenciados para que possam ser transformados em informações especializadas de interesse comunitário, ou seja, que reflitam à sua 26 realidade (Argento,1995). Essas ferramentas tecnológicas têm contribuído para uma mudança na abordagem tradicional de mapeamento, transformando o mapa não mais em um produto final de um processo de pesquisa e sim em uma ferramenta de auxílio para se conhecer primeiramente uma determinada região, a sua distribuição e dinâmica espacial, inserindo, assim, a população em um processo participativo de conhecimento do seu “meio ambiente”, facilitando assim, a compreensão de sua realidade e/ou problemática vigente. A utilização das técnicas de geoprocessamento como ferramenta de auxílio no emprego de metodologias participativas busca fornecer subsídios para o processo de tomada de decisão, seja ele, voltado para a área de planejamento ou gerenciamento ambiental ou social. Dessa forma, a inexistência de um Banco de Dados Georreferenciado (BDG) que possa atender as propostas vinculadas às questões do meio ambiente e saúde coletiva também se torna, hoje, uma realidade que deve ser analisada e priorizada, no sentido de se buscar mecanismos alternativos que possam estruturar uma base operacional, capaz de subsidiar informações para um criterioso planejamento socioambiental. Logo, a integração entre a base cartográfica e o geoprocessamento torna-se um ponto básico para a consistência técnica de um projeto na área socioambiental. Os mapas são alguns dos resultados esperados de projetos de desenvolvimento de SIG. Por outro lado, estes sistemas não são só constituídos por mapas. O que diferencia o SIG de um mapa digital é a capacidade intrínseca do sistema armazenar, processar e recuperar informações, relacionando os dados gráficos (pontos, linhas, polígonos e imagens) aos dados tabulares (Burrough, 1995). Os SIGs têm, por isso, as funções de manutenção de dados, mas, ao mesmo tempo, de análise e comunicação desses dados (Souza e Katuta, 2002). 27 Portanto, estruturar um SIG para se avaliar os riscos ambientais e/ou de saúde em um processo de vigilância ambiental em saúde apoiado em métodos participativos significa atrelar a base operacional de um sistema (hardware e software) a um conjunto de informações produzidas por diferentes atores sociais. Isto irá permitir uma maior aproximação entre técnicos (mapmaker) e população (mapuser), logo, entre codificadores e decodificadores das informações cartográficas. Devemos então, encarar o processo de produção dos mapas georreferenciados como uma efetiva ação a ser desenvolvida em projetos no campo da vigilância ambiental em saúde. Porém, estes mapas devem ser pensados e produzidos a partir um processo educativo de ambas as partes (técnicos e população envolvida), na busca de um melhor conhecimento sobre o território, os determinantes e condicionantes ambientais e sociais e sua influência no desenvolvimento dos agravos de saúde da população. 28 BIBLIOGRAFIA EM ORDEM ALFABÉTICA. Argento, M. S. F."A Participação comunitária no processo de Gestão Ambiental". In: Desenvolvimento Social: Desafios e Estratégias. M. I. D. Neto. Rio de Janeiro, Cátedra UNESCO de Desenvolvimento Durável UFRJ/EICOS. II, 1995. Brown, IF, Alechandre A., Sassagawa H, and Aquino M. Empowering Local Communities in Land-Use Management: The Chico Mendes Extractive Reserve, Acre, Brazil. Cultural Survival Quarterly Winter: 54-57p, 1995. Burrough. 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Roberta Argento Goldstein; Christovam Barcellos; Monica Avelar Mafra Magalhães; Renata Gracie & Francisco Viacava. Ciência e Saúde Coletiva 559/2012. http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=9991 32 A experiência de mapeamento participativo para a construção de uma alternativa cartográfica para ESF. Roberta Argento Goldstein; Christovam Barcellos; Monica Avelar Mafra Magalhães; Renata Gracie & Francisco Viacava. Ciência e Saúde Coletiva 559/2012 RESUMO: Os mapas e os procedimentos de mapeamento são ferramentas úteis para sistematização e comunicação dos resultados de pesquisa, assim como, na conversão de dados coletados em informação relevantes a nível local. Os desafios envolvidos na incorporação de novos métodos de pesquisas utilizando o mapeamento participativo associado às aplicações de Sistema de Informações Geográficas - SIG para as ações no setor saúde tem enfrentado dificuldades tanto na falta de recursos financeiros para aquisição de software, quanto no treinamento para a utilização das ferramentas de mapeamento digital. Este artigo apresenta uma alternativa para operacionalizar o território da atuação dos agentes comunitários de saúde através da experiência do processo de mapeamento participativo associado ao um Sistema de Informação Geográfica – SIG para o Programa de Saúde da Família - ESF. ABSTRACT Maps and mapping procedures are useful tools for systematic and communication of research results, as well as the conversion of data collected from relevant local information. The challenges involved in incorporating new methods of research using participatory mapping associated with the applications of Geographic Information System - GIS for the actions in the health sector has faced difficulties both in the absence of financial resources for purchasing software, and in training for the use digital mapping tools. This paper presents an alternative to operationalize the territory of the performance of community health workers through the experience of the process of participatory mapping associated with a Geographic Information System - GIS for the Family Health Program – ESF. 33 1. INTRODUÇÃO. As agências governamentais de saúde tendem a produzir uma enorme quantidade de dados, mas as análises intra-urbanas ainda sofrem com problemas de espacialização dos dados (Barcellos, et al 2008). Este fato colabora para que as informações ao nível local se mantenham desordenadas. Embora as práticas de investigação dos serviços de saúde produzam resultados que deveria permitir a melhora da qualidade do atendimento, dos serviços e das políticas públicas, o fato é que estes indicadores ainda não auxiliam o processo de trabalho das equipes do ESF tanto como poderia. Ao ESF foi creditada possibilidade de desenvolver as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) a nível local. Segundo Costa Neto (2000) por um lado o ESF é entendido como uma estratégia, porque contém uma série de características que permite a reorientação do modelo de assistência a partir da atenção básica se difundindo para os demais níveis, conforme preconizado pelo SUS. Por outro, possui uma série de características dos programas de saúde propostos anteriormente, como objetivos, metas e normas preestabelecidas. O componente chaves deste processo é o Agente Comunitário de Saúde - ACS é considerado um elo entre a comunidade e o sistema de saúde. Contudo, algumas barreiras persistem para a efetivação dessas ações. Segundo Silva (2001) os agentes não dispõem de instrumentos de tecnologia e capacitação para as diferentes ações esperadas do seu trabalho. Logo, há a necessidade de se buscar alternativas, ferramentas e métodos que auxiliem no processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde e das equipes associada a sua realidade local. 34 Nas palavras de Capistrano Filho (1999), “os ACS, que são parte integrante da população adscrita, e assim devem trabalhar para organizar a parcela de sociedade agrupada num determinado território, que é mais do que um espaço, pois incorpora uma população com sua estrutura, sua história, sua cultura, suas organizações”. Ao pensarmos o processo de operacionalização do território de atuação dos ACS é necessário avaliar o entendimento desta categoria geográfica de análise (o território) e a sua relação com o ESF. Esta abordagem teórica sobre o conceito de território no ESF vem sendo bastante abordada em diversos estudos (Monken & Barcelos, 2005; Riceto & Silva, 2008; Pereira & Paranhos, 2002 Pereira & Barcelos 2006; Gondim, et al 2008). Esses autores salientam a importância da classificação deste território, com um espaço singularizado e resultante de uma acumulação histórica, cultural, ambiental, e de disputas de poder nele existente. Reconhecer esta dinâmica social e política das áreas de atuação é, portanto, a primeira etapa para uma mudança na concepção da prática de trabalho dos ACS nestes territórios. As principais atribuições dos ACS são: a delimitação do seu território de atuação e o atendimento aos indivíduos ou famílias para intervenção ou prevenção de agravos. Assim, o mapeamento participativo surge como uma alternativa para o maior envolvimento dos agentes e da população no processo de territorialização. Neste artigo o termo participação é visto como o processo de sensibilização dos indivíduos, aumentando-lhes a responsabilidade para responderem as propostas de programas de desenvolvimento e encorajando iniciativas locais (Oakley e Marsden, 1985). O mapeamento de forma participativa, neste contexto, refere-se amplamente a qualquer método utilizado para obter e registrar dados espaciais em parceria com os ou atores sociais, sejam eles coordenadores de equipes de ESF, ou agentes comunitários de saúde. Sendo assim, o mapeamento não inclui apenas um conjunto de ferramentas, mas o 35 processo participativo de coleta de informação daquela localidade até a confecção de mapas para auxiliar o processo decisório. Este tipo de mapeamento tornou-se mais usual com o desenvolvimento de projetos ambientais tais como: delimitação de área bacias hidrográficas; delimitação de áreas de reassentamento com moradores de comunidades; localização de terras indígenas e seringais. De acordo com Ascerald (2008) há 150 casos de experiências classificadas de "mapeamento participativo" identificadas no Brasil, promovidas por ONGs, entidades ambientalistas, entidades associativas de quilombolas, indígenas e etc.; embora, nenhuma das experiências abordadas por este autor seja representativado setor saúde. Na área da Saúde pode-se destacar o Projeto Saúde e Alegria (2010), desenvolvido pelo CEAPS – Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (entidade civil) desde 1995, buscando promover e apoiar processos participativos de desenvolvimento comunitário, na região norte do país. Este projeto utiliza o mapeamento participativo, como uma de suas técnicas de documentação do território de populações as comunidades tradicionais - indígenas ribeirinhos e quilombola. (http://www.saudeealegria.org.br/portal/index.php/home/conteudo/13). A utilidade dos mapas e "softwares" de mapeamento para apresentação e divulgação de dados tem sido reconhecida no âmbito da saúde pública no Brasil (Barcellos & Bastos, 1996; Câmara & Monteiro, 2001 Skaba et al 2004; Carvalho & Souza-Santos, 2005), principalmente por mostrar a informação de maneira sucinta e objetiva alcançando diferentes públicos. Isso faz do mapeamento uma ferramenta relevante dentro do setor saúde promovendo o processo de desenvolvimento social e permitindo aos membros da comunidade, novos meios de identificar e expressar suas preocupações, necessidades e opiniões aos responsáveis políticos. 36 No âmbito da saúde, já foram realizadas em algumas cidades, ao longo dos últimos anos, experiências de mapeamento de dados do ESF. Montes Claros (Pereira e Paranhos, 2002), Vitória da Conquista, Belo Horizonte e Goiânia são exemplos de uso de SIG para a construção de mapas que permitam a geração de indicadores voltados para a gerência do ESF no nível intra-urbano, porém sem abordar a participação dos agentes ou comunidade envolvida. Um estudo piloto realizado pela Fundação Oswaldo Cruz e UFPE (Portugal, 2003) em Caruaru mostrou a viabilidade de georreferenciar as residências como referências primárias para a construção de agregados espaciais de micro-áreas e áreas do ESF. O presente artigo se baseia no estudo realizado pelo projeto denominado Bases cartográficas para o Programa de Saúde da Família financiado pelo projeto PROESF, onde buscou-se avaliar o processo de construção dos mapas base das áreas de atuação das equipes do ESF em 17 municípios das regiões norte e nordeste do País. Este artigo tem como objetivo contribuir para o processo de mapeamento do território do ESF; e assim, apresentá-lo como uma alternativa cartográfica para ESF. 2. CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA: UMA ALTERNATIVA. A ciência cartográfica considera os mapas como uma forma de comunicação de dados e também como instrumento de visualização científica. A relação entre o mapa (realidade representada) com o seu meio pesquisado possui sentido apenas de localização, porém, baseados nos conceitos principais da cartografia, tais como os sistemas de signos (sinais ali designados a representar algo da realidade mapeada), a redução (o conceito de escala) e projeção (desenvolvimento da superfície da Terra em um plano) Girardi (2000). A partir da década de 70 pode-se observar uma crescente explosão de iniciativas de mapeamentos participativos, também chamados de cartografia social, etnocartografia 37 ou mapeamentos humanísticos em diversos países. Estes métodos são baseados nas abordagens do desenvolvimento rural, chamados Rapid Rural Appraisal (RRA) Participatory Rural Appraisal (PRA), culminando o Participatory Learning Action (PLA). A partir de 1990 inúmeras iniciativas mundiais se propuseram a trabalhar com inclusão de populações locais nos processos de produção de mapas. No Brasil as experiências em cartografia participativa também podem ser observadas em trabalhos de cunho socioambiental realizados em comunidades (Ascerald, 2008). Assim, o mapeamento participativo, pode ser considerado como o processo de espacialização e registro do conhecimento de um dado grupo ou comunidade acerca de uma determinada paisagem ou localidade. O resultado de um mapeamento participativo não necessariamente gera mapas segundo as formalidades da cartografia. Relatos, ilustrações, trajetos, roteiros esquematizados podem ser objetos iniciais ou finais destes mapeamentos participativos. Normalmente esse mapeamento está relacionado tanto as questões ambientais como a de ordenamento do território. Atualmente, existem diversos tipos de mapas em desenvolvimento para diferentes propostas participativas. Em geral, um mapa é um retrato de uma área, com simbologias, referenciais geográficos e geodésicos. Segundo Flavelle (2002) podemos destacar o “sketch maps” (croquis em português) e “base maps” (mapas base) ambos são importantes em tarefas que utilizam o raciocínio geoespacial. “Sketch maps” (mapas esquemáticos ou croquis) é um desenho à mão livre onde se utiliza o conhecimento local, não requer qualquer tipo de mensuração, cálculo ou técnica especial, possuindo assim, uma baixa acurácia. Baseia-se na percepção local sendo considerada uma ótima ferramenta para se trabalhar 38 internamente com a comunidade na discussão de resolução de conflitos de uso da terra e questões ambientais. “Base maps” (mapas base): São bases cartográficas utilizadas para construir outros mapas através da adição novos informações de diferentes temas, e serve para realizar correlações geográficas, pois possui referenciais cartográficos e geodésicos, que permitem a sua sobreposição a outros mapas. A flexibilidade dos procedimentos participativos para o mapeamento é outra característica importante, pois se adapta a diferentes contextos e prioridades. No presente artigo usamos como modelo o “base maps”, tendo em vista a necessidade de inserção destas informações em ambiente no SIG. 3. A CARTOGRAFIA DO TERRITÓRIO DE ATUAÇÃO DO ESF. O trabalho do ESF está imbuído de noções próprias de território e de territorialização, e tem com um dos objetivos a inserção da participação comunitária nos assuntos de saúde. A “territorialização” é vista como uma etapa da implantação do PACS e ESF. A ideia de territorialização descrita nos documentos do Sistema Único de Saúde - SUS está baseada em aspectos gerenciais e técnicos. O processo de territorialização é entendido como a demarcação da área de abrangência das famílias adscritas a cada unidade básica. Potencialmente, estes territórios teriam como vantagem a possibilidade de agregação de dados demográficos, epidemiológicos, de condições de vida, e até ambientais, porém poucos trabalhos abordam esta associação de dados do ESF. Contudo, segundo Gondim (2008) esse território é também um espaço, porém singularizado e sempre tem limites que podem ser políticos-administrativos ou de ação de um determinado grupo de atores sociais; internamente é relativamente homogêneo, com uma identidade que vai depender da sua construção. O reconhecimento desse 39 território é um passo essencial para a caracterização da população e de seus problemas de saúde, bem como para avaliação do impacto dos serviços de saúde sobre esta população. A efetivação das atividades de atenção à saúde se baseia no entendimento de como funcionam e se articulam num território as condições econômicas, sociais e culturais e de como se dá a vida das populações, seus atores sociais e a sua íntima relação com seus espaços, seus lugares (Monken & Barcellos, 2005). A exclusiva referência apenas à quantidade de população para o desenvolvimento de recortes territoriais, sem nenhuma proposta de classificação ou identificação destes territórios, por ações ou problemas de saúde acaba por limitar a eficácia da atuação das equipes do ESF. Contudo, este processo de territorialização ainda que impreciso, confuso, desordenado em sua delimitação é a única fonte de dados para as análises
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