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ANÁLISE HISTÓRICA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 1. INTRODUÇÃO Inicialmente, esclareça-se que será traçada uma visão histórica genérica das Constituições brasileiras, com ênfase na preeminência dos poderes com o propósito de evidenciar os conflitos existentes entre os fatores sociais, políticos e econômicos dos textos constitucionais. Na panorâmica da pesquisa, as Cartas Magnas já vigorantes devem ser compreendidas como documentos principais para que se entenda a perspectiva e os temas relevantes dos diferentes momentos históricos brasileiros. Assim sendo, estudá-las não é apenas propício, mas necessário para garantir aos indivíduos condições materiais tidas como essenciais para usufruir dos seus direitos. A hermenêutica dos textos em espeque apresenta uma reflexão do atual estágio de desenvolvimento do Estado brasileiro, possibilitando entender muitos dos avanços conquistados, e até mesmo os absurdos que ainda hoje se sustentam, eis que se apresentarão, dentre outras características, a evolução na Organização dos Poderes e na Estruturação do Estado. Portanto, o estudo da história das constituições brasileiras tem como foco a análise de cada uma das sete cartas magnas, procurando-se situá-las, como dito, a partir de um cenário político, econômico e social, buscando- se, outrossim, elucidar fatores comuns entre os textos e divergências marcantes. 2. A CONSTITUIÇÃO DE 1824 A primeira Carta Magna do cenário brasileiro foi concebida na época do Império de Dom Pedro I, eis que o próprio imperador determinou a instituição de um Conselho de Estado, que tinha por objetivo criar os textos legais constitucionais, respeitando a vontade do poder moderador. Referido diploma foi outorgado, ou seja, imposto aos cidadãos, sem maiores discussões sociais, e caracterizou-se por determinar forte centralismo político e administrativo, aliado ao absolutismo monárquico em decorrência do poder da “Majestade Imperial”. A divisão geográfica da época fragmentava o Brasil em Províncias, cujo Presidente era nomeado pelo Imperador, que podia intervir na vida pública do País. Em 1834, com a edição do Ato Adicional n. 16, aos doze dias do mês de agosto, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em “Município Neutro”, ou “Município da Corte”, entidade territorial para a sede da Monarquia3. Ainda acerca da primeira Carta Maior de nossa histórica, lembra-se do aspecto religioso, eis que o Império tinha a católica apostólica romana como religião oficial, embora outras fossem permitidas em lugares restritos. Lembre-se também, marcante fator do diploma em análise, tangente à Organização dos Poderes, porquanto foi a única de nossa história que possuiu quatro, e não três “Poderes”. Nesse sentido, havia previsão do Legislativo, representado pela Assembleia Geral, composta do Senado (com membros vitalícios e escolhidos pelo Imperador) e da Câmara dos Deputados (cujos cargos eram temporários e escolhidos por eleições indiretas, firme no sufrágio censitário), do Executivo, gerido apenas pelo Imperador, tendo como aliado os Ministros, do Judiciário, composto em primeira instância por juízes e jurados, e em segunda instância pelas chamadas “Relações”, e ainda, do Poder Moderador. Este último, verdadeira força do Imperador, que o utilizava com exclusividade, podendo através do mesmo, concretizando a possibilidade de moderação prevista na Constituição, fiscalizar e rever os atos dos demais poderes. Por isso, o Imperador estava “acima da lei e de todos”, fato mais marcante deste período histórico constitucional brasileiro. Por fim, cite-se que a forma de Estado adotada à época: Estado Unitário, e a forma de Governo: Monarquia. 3. A CONSTITUIÇÃO DE 1891 Embora tenha ocorrido a independência de Portugal e a outorga da Constituição de 1824, a situação fática no Brasil pouca coisa mudou nos tempos de Império. Com o passar do tempo, a força e o apoio ao imperador diminuíram, o que culminou na proclamação da República no ano 1889. Diante da nova fase, necessário era uma nova Constituição, porquanto o diploma antigo regulava um Império, e não uma República. Nesse diapasão, através da Assembleia Nacional Constituinte de 1890, forte na autoridade do Senador Rui Barbosa, foi promulgada a segunda Carta brasileira, a Constituição de 1891. Declarou-se, através de tal ato, a união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias, que passaram a ser então, Estados, vedando-se qualquer possibilidade de secessão, segregação do pacto federativo. Várias foram as mudanças, em especial no que toca à capital do Brasil, que “ganhou” nova denominação: Distrito Federal, mantida a sede no Rio de Janeiro. Ademais, o Brasil fora transformado pela Carta Magna em país leigo, laico ou não-confessional5, ou seja, não mais possuía religião oficial. No que tange à organização dos poderes, o diploma republicano optou pela clássica divisão idealizada por Montesquieu, que fragmenta o poder estatal em Legislativo, Executivo e Judiciário. O primeiro, composto pelo Congresso Nacional, dividido em Senado Federal, cujos representantes tinham mandato de nove anos, e Câmara dos Deputados, na qual os membros possuíam permanência de três anos. O Poder Executivo era chefiado pelo Presidente da República, eleito para um mandato de quatro ano, com auxílio dos Ministros de Estado. Quanto ao Poder Judiciário, é relevante a informação de que seu órgão máximo passou a se chamar “Supremo Tribunal Federal”, composto na época por quinze juízes. 4. A CONSTITUIÇÃO DE 1934 Apesar da Constituição de 1891 ter concretizado a forma de governo republicana no Brasil, na prática, pouca coisa mudou. O poder continuou concentrado nas mãos de poucos, e a classe trabalhadora que surgia era explorada e desamparada. Nesse contexto, Getúlio Vargas chega à Presidência do Brasil, em 1930, inaugurando longo período conhecido como “Era Vargas”. Em 1934, fora promulgada nova Constituição, com o objetivo de se adequar à realidade da época, já que o diploma anterior era carente de direitos sociais e trabalhistas. Embora tenha mantido alguns dispositivos da Carta pretérita, como a forma republicana de governa, o sistema presidencialista, é possível afirmar, ao mesmo no plano jurídico, que a nova Constituição mudou a vida de boa parte dos brasileiros, eis que garantidos foram melhores condições de trabalho, educação, saúde e cultura, ainda que a princípio, apenas formalmente. A capital do Brasil continuou a ser no Distrito Federal, com sede no Rio de Janeiro. Permaneceu também a inexistência de uma religião oficial, embora tenha se invocado novamente, o nome “Deus” no preâmbulo (retirado na Constituição anterior em razão de desavenças com a Igreja católica) Quanto à organização dos Poderes, permaneceu a mesma, destacando-se a oficialização da Justiça Eleitoral, e a diferenciação acerca do tempo de mandato dos deputados, que foi aumentado para quatro anos, ao passo que o dos senadores foi diminuído para oito anos. A despeito das novidades trazidas, a Constituição em epígrafe vigorou por apenas três anos, eis que, em 1937, justificando a possibilidade de um golpe comunista no Brasil, Getúlio Vargas outorgou um novo diploma, e assim resumiu a Carta anterior, antes considerada inovadora: “Uma constitucionalização apressada, fora de tempo, apresentada como panaceia de todos os males, traduziu-se numa organização política feita ao sabor de influências pessoais e partidarismo faccioso, divorciada das realidades existentes. Repetia os erros da Constituição de 1891 e agravava-os com dispositivos de pura invenção jurídica, alguns retrógrados e outros acenando a ideologias exóticas. Os acontecimentos incumbiram-se de atestar-lhea precoce inadaptação! 5. A CONSTITUIÇÃO DE 1937 O grande marco da Constituição de 1937 foi o golpe de Estado que o então Presidente Getúlio Vargas realizou, com justificativa em suposta intentona comunista. Referido diploma foi outorgado, e concentrou poderes no Executivo, determinando um período histórico marcado pela forte centralização política e pelo autoritarismo. A Carta em estudo ficou conhecida como “Polaca”, cuja explicação oficial é de inspiração na autoritária Constituição da Polônia, eis que, à época, chegavam em grande número ao Brasil, fixando-se em São Paulo, refugiados das más condições econômicas e das perseguições naquele país. Além disso, mulheres polonesas, para sobreviverem e sustentarem seus filhos, viram-se forçadas à prostituição, de maneira que, apelidar a Constituição de polaca, para os paulistas, refletia a conotação pejorativa de uma “Constituição prostituta”7. Quanto aos demais aspectos, a Carta outorgada não trouxe religião oficial, mantendo o Brasil um país laico, leigo ou não-confessional. A organização dos poderes e a estrutura do Estado se mantiveram, ao menos formalmente, já que na prática o Legislativo e o Judiciário foram “esvaziados”, em razão das arbitrariedades do Presidente. 6. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 Tamanha a centralização político-administrativa promovida por Getúlio Vargas, aliada a fortes marcas de repressão e arbitrariedades, que seu governo perdeu força política, culminando-se o fim da “Era Vargas” em 1945. O Presidente seguinte foi o general Eurico Gaspar Dutra, e em janeiro de 1946, foi promulgada nova Constituição, desta vez baseada em ideias liberais e democráticas, tais como a igualdade e a liberdade, devolvendo- se a autonomia aos Estados e redemocratizando-se o país8. Importante nota histórica da época tange ao famoso “Plano de Metas”, de Juscelino Kubitschek, traduzido no jargão “50 anos em 5”. Além de suas importantes realizações econômicas, implementou a construção de Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960, passando a ser a nova capital federal. Foi restabelecida a harmonia e o mútuo controle entre os poderes, mantendo-se a estrutura tripartite. O detalhe é que, ao Presidente e Vice da República, fora determinado um mandato de cinco anos, diferente dos diplomas anteriores. Quanto ao Judiciário, estabeleceu a nova Constituição que era composto pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal, Tribunal Federal de Recursos, Juízes e Tribunais Militares, Juízes e Tribunais Eleitorais e Juízes e Tribunais do Trabalho. A experiência democrática, no entanto, não durou muito, já que no início da década de sessenta, como é sabido, ocorreu o golpe militar, mergulhando o país numa ditadura intensa, que perdurou até os meados da década de oitenta. 7. A CONSTITUIÇÃO DE 1967 Como dito, após vivenciar a redemocratização, por um curto período de tempo, o Brasil voltou à fase do autoritarismo. Com o “Golpe Militar de 1964”, sob pressão dos militares, foi idealizada uma nova Constituição, semi-outorgada, que buscou institucionalizar o regime recém implantado. Dentre as características desta Carta Magna, estão as severas restrições aos exercícios de direitos, prática de torturas, censura e repressões. Aliados à Constituição epigrafada, foram editados vários atos institucionais, sendo o mais conhecido deles o “A.I. n. 05”, de 1968. Foi o diploma mais repressivo de toda a história do direito constitucional brasileiro, e permitiu ao Presidente, dentre outras disposições, decretar o recesso do Congresso Nacional, decretar Intervenção nos Estados e Municípios, suspender direitos políticos, caçar mandatos de parlamentares, suspendendo-se a garantia do habeas corpus e excluindo- se da apreciação do Judiciário, todos os atos praticados tendo por base o A.I. n.5. Em síntese, trecho da obra de Celso Bastos, que bem sintetiza os acontecimentos explanados com relação à organização dos poderes à época: “... no fundo existia um só, que era o Executivo, visto que a situação reinante tornava por demais mesquinhas as competências tanto do Legislativo quando do Judiciário...”. 8. A EMENDA N. 01 DE 17/10/1969 Não satisfeitos com os repressivos e autoritários diplomas já existentes, os militares, no ano de 1969, introduziram uma emenda à Constituição que a bem da verdade, dado o seu caráter revolucionário, tratou-se de verdadeira manifestação do poder constituinte originário, outorgando uma nova Carta que “constitucionalizava” a utilização dos Atos Institucionais11. Dentre outras previsões inusitadas, referida emenda majorou o tempo de mandato do Presidente da República para cinco, embora tivesse sido reduzido para quatro anos pela própria Constituição de 1967. Por isso é considerada por grande parte da Doutrina, materialmente, uma nova Constituição, e isso a despeito de possuir forma de emenda. 9. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Com o desgaste do regime militar, em razão do endividamento externo, crise política, pressões sociais, a redemocratização do pais tornou-se imperiosa. Importantes acontecimentos políticos e sociais marcaram a época, a exemplo do movimento pelas “diretas-já”, e da Lei de Anistia, na qual concedeu-se anistia a todos que praticaram crimes políticos e conexos durante a ditadura militar. Com a democracia, não mais se sustentava, diploma autoritário como o de 1967/69, razão pela qual foi instituída uma Assembleia Nacional Constituinte, para discussão, votação e aprovação da nova Constituição. Nessa perspectiva, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, marcada pela rigidez e pela extensão. Tal diploma foi recheado de direitos fundamentais e de várias normas programáticas, até como forma de se evitar tratamento efetivo de temas, já que era grande o embate político entre apoiadores da ditadura e combatentes desta. Foi conservada a inexistência de uma religião oficial, e a capital mantida em Brasília, sede do Governo Federal. Quanto à organização dos Poderes, manteve-se a estrutura tripartite, com vários dispositivos que permitem o controle mútuo e a inter-relação entre os mesmos. Nesse diapasão, o Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, é formado pelo Congresso Nacional, do qual fazem parte o Senado Federal, cujos representantes são eleitos para mandato de oito anos, e a Câmara dos Deputados, cujos membros são alterados a cada quatro anos no poder. O Executivo, por sua vez, é chefiado pelo Presidente e Vice-Presidente da República, com auxílio dos Ministros, livremente nomeados e exonerado por aquele. A eleição permite ao Presidente que fique no poder por quatro anos, possibilitando-se também, atualmente, a reeleição por uma única vez para igual período. No concernente ao Poder Judiciário, após a Emenda Constitucional n. 45/04, é composto pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares, e Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. No que tange à Forma e Sistema de Governo, a própria Constituição previu a convocação de um Plebiscito no ano de 1993, para que a população decidisse pela manutenção ou não da República Presidencialista, o que de fato ocorreu, e permanece até os dias de hoje. Ao analisar o histórico das Constituições brasileiras, faz-se importante revisão sobre o conteúdo e os acontecimentos fáticos da época de cada texto constitucional, do Império até os dias de hoje, o que é essencial não só aos discentes, mas a qualquer dos operadores do Direito, eis que se possibilitaa correta compreensão e interpretação de muitos dos dispositivos da hodierna Carta Maior. Note-se que, as conjecturas econômicas, sociais e políticas de cada época estão refletidas nas linhas mestras de cada uma de nossas Cartas Magnas, não sendo diferente o diploma atualmente vigente. Isto posto, tema sempre importante tange ao estudo dos acontecimentos pretéritos, conforme apresentado neste trabalho, vez que contribui para o entendimento dos diplomas atuais, bem como para a firmeza dos ideais de concretização dos direitos trazidos na Constituição de 1988, sob pena de tornarem-se meras utopias, ou servirem de meros indicativos, como já acontecera em nossa história recente, o que se afasta da noção de sociedade justa e digna, que se tenta construir, após a redemocratização do país, e que deve ser mantida e evoluir a cada período histórico.
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