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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 1 www.medresumos.com.br MEDICAMENTOS ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS A classe dos medicamentos anti-inflamatórios pode ser dividida em não-esteroidais e esteroidais. Vale salientar, entretanto, que há uma diferença marcante entre essas duas classes. Uma delas é que os anti-inflamatórios não- esteroidais agem interagindo com enzimas; já os esteroidais agem semelhantemente aos hormônios endógenos conhecidos como “esteroides”, estando relacionados, portanto, com receptores intracelulares. Independente de serem esteroidais ou não-esteroidais, as ações farmacológicas de ambos são: antiiinflamatória, analgésica e antipirética (antitérmica). Os medicamentos anti-inflamatórios não-esteroidais (MAINEs ou AINEs) são ácidos orgânicos fracos (ou seja, que não se ionizam completamente ou com facilidade) usados para tratar sinais e sintomas da inflamação e a dor. Esses medicamentos são utilizados para tratar processos inflamatórios instalados. Apresentam como ações farmacológicas: efeito anti-inflamatório, analgésico e antipiréticos. O fato de os AINEs serem ácidos fracos auxilia na sua absorção, visto que, se fossem ácidos fortes, dependendo do pH do meio, apresentariam um alto grau de ionização, interferindo na absorção e distribuição do fármaco e, por conseguinte, na sua atuação. O intestino é o local ideal de absorção de fármacos no geral. Entretanto, como os anti-inflamatórios são fármacos ácidos, sua absorção pode ser iniciada já no estômago (de forma mínima, pois a superfície de contato gástrica, quando comparada a do intestino, é pequena). Os salicilatos e outros fármacos semelhantes utilizados no tratamento da doença reumática compartilham a capacidade de suprimir os sinais e sintomas da inflamação. Essas drogas também exercem efeitos antipiréticos e analgésicos, porém as suas propriedades anti-inflamatórias é que as tornam de grande utilidade no tratamento de distúrbios em que a dor está relacionada à intensidade do processo inflamatório. Embora nem todos os AINEs sejam utilizados para toda gama de doenças reumáticas, todos são provavelmente eficazes na artrite reumatoide, nas espondiloartropatias soronegativas (Ex: artrite psoriática e artrite associada à doença intestinal inflamatória), osteoartrite, síndromes musculoesqueléticas localizadas (Ex: entorses e distensões, dor lombar) e gota (à exceção da tolmetina, que parece ser ineficaz nesta doença). Os AINEs, por serem incluídos em um grupo de medicamentos cuja apresentação de receita médica controlada não é necessária, são extremamente conhecidos e largamente utilizados diariamente. Por esta razão, é de extrema importância ao profissional de saúde em formação o conhecimento destas classes, uma vez que representam uma das classes mais utilizadas de remédios na prática médica. BASES BIOQUÍMICAS DO PROCESSO INFLAMATÓRIO Os sinais clássicos do processo inflamatório são: dor, calor, rubor e edema. Eles são mediados por substâncias endógenas (como as citocinas). O processo é dividido ainda em três fases distintas: fase aguda, fase subaguda e fase proliferativa crônica. O processo inflamatório é uma resposta dos organismos vivos homeotérmicos, mediada por prostanoides, a uma agressão sofrida. Entende-se como agressão qualquer processo capaz de causar lesão celular ou tecidual. Esta resposta padrão é comum a vários tipos de tecidos e é mediada por diversas substâncias produzidas pelas células danificadas e células do sistema imunitário que se encontram eventualmente nas proximidades da lesão. Este processo se desenvolve nas seguintes fases: 1. Fase aguda: resposta inicial e transitória. Ocorre vasodilatação local e aumento da permeabilidade do vaso, em resposta a liberação de prostaglandinas (PGE2 e TXA2) e de citocinas (IL-1 e IL-6) pelo foco inflamatório. A vasodilatação aumenta o fluxo sanguíneo próximo ao foco inflamatório para melhorar o acesso das células inflamatórias à região e tentar debelar a inflamação. Estes fenômenos geram rubor, edema e calor na região inflamada. O vaso, além de dilatar, ainda por meio da ação de citocinas, sofre modificações em nível molecular, aumentando as suas fenestrações e expressando um maior número de moléculas de adesão, o que facilita o acesso das células inflamatórias para o foco. As células endoteliais, nesta fase, passam a sintetizar e liberar quantidades supra-basais de prostaglandinas E2 e prostaglandinas I2 (prostaciclinas), o que aumenta a vasodilatação e a permeabilidade dos vasos. 2. Fase subaguda tardia: resposta imune em que ocorre infiltração de leucócitos e macrófagos (ainda por meio da liberação de PGE2 e TXA2). Essas células, por meio do mecanismo de quimiotaxia, migram em direção ao foco inflamatório. 3. Fase proliferativa crônica: ocorre degeneração tecidual (necrose) e fibrose por incapacidade do organismo de reverter o quadro inflamatório. Trata-se de uma fase indesejada, sendo necessário, portanto, a interferência de um medicamento anti-inflamatório não-esteroidal ainda na fase subaguda para evitar o desenvolvimento desta 3ª fase. Arlindo Ugulino Netto. FARMACOLOGIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 2 www.medresumos.com.br A inflamação, como se sabe, nada mais é que um mecanismo de defesa do organismo, sendo, portanto, um fenômeno natural e benéfico em que as células de defesa do sistema imune atacam agentes invasores. Portanto, a droga anti-inflamatória não pode ser administrada em qualquer fase deste evento: para realizar um efeito benéfico, o anti-inflamatório não deve agir nas fases de ativação e de ação das células de defesa; o processo inflamatório, entretanto, se não for dosado e atenuado, desencadeia a sua terceira e última fase caracterizada por lesão tecidual, sendo esta a fase ideal para sofrer intervenção de um MAINE. Em alguns casos, porém, os pacientes tomam medimentos antes da estauração de processos infecciosos. Esta conduta não é conveniente, pois além de impedir a resposta imune, pode provocar o aparecimento de mecanismos de resistências desenvolvidos por estes agentes infecciosos aos medicamentos administrados. As fases aguda e subaguda são mediadas por substâncias derivadas de uma cascata de eventos que ocorrem nas células do endotélio: são os mediadores pró-inflamatórios ou prostanoides (prostaglandias, tromboxanos, prostaciclinas e leucotrienos). A fase em que o anti-inflamatório deve ser administrado é, portanto, durante a transição da fase 2 para a fase 3, no intuito de impedir a fase proliferativa crônica. Caso contrário, o processo inflamatório evolouirá, trazendo consequencias como lesões, degeneração e necrose tecidual. CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS AINES Existem diversos modos de classificar os AINE, por potência inibidora de COX-2 sobre COX-1, concentração para atingir efeitos clínicos, etc. Abaixo, estão classificados de acordo com sua estrutura química: Salicilatos: ácido acetilsalicílico ou AAS (Aspirina®, Somalgin®); Clonixinato de lisina; Salsalato; etc. Derivados indol-acéticos: Acemetacina; Glucametacina; Indometacina; Sulindac; etc. Derivados arilo-acéticos: Aceclofenaco; Diclofenaco (Cataflam®, Voltaren®); Etodolaco (Flancox®); etc. Ácidos enólicos: Meloxicam; Piroxicam; Tenoxicam; Fenilbutazona; Metamizol ou Dipirona (Anador®, Novalgina®); etc. Derivados arilpropiônicos: Ibuprofeno (Alivium®); Naproxeno (Flanax®); etc. Fenematos: Ácido meclofenâmico; Ácido mefenâmico (Ponstan®); etc. Outros: Nimesulida; Coxibes (Colecoxib, Rofecoxib, Valdecoxib); Acetaminofeno ou Paracetamol (Tylenol®). CADEIA DA FOSFOLIPASE A2 E MECANISMO DE AÇÃO DOS AINES Cabe, neste momento, estudar o mecanismo pelo qual os AINEs interferem na cadeia da inflamação, no intuito de impedir a indesejada fase 3 do processo inflamatório. Ela se dá a partir da via transdução da fosfolipase A2. Assim como qualquer fármaco, os AINEs, para realizarqualquer efeito molecular em nível celular, deve se ligar a um receptor farmacológico específico e desencadear sua atividade intrínseca. Ao ser ativado, o receptor inicia uma cascata de eventos que culmina em uma transdução de sinal. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 3 www.medresumos.com.br O objetivo inicial da via da fosfolipase (mais especificamente, a fosfolipase A2, que quebra, em especial, fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina) é gerar os prostanoides (PGE2 e PGI2), que servirão como metabólitos que intensificam o processo inflamatório, desencadeando as fases 1 e 2. Em outras palavras, as prostaglandinas e as prostaciclinas (geradas na cascata da fosfolipase A2) são mediadores pró-inflamatórios responsáveis por desencadear a fase 1 (vasodilatação e aumento da permeabilidade celular); os tromboxanos e leucotrienos são substâncias responsáveis pela fase 2 (efeito quimiotáxico para eosinófilos, neutrófilos e macrófagos). Como vimos, a fosfolipase A2 quebra fosfolipídios específicos da membrana plasmática das células endoteliais (fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina) formando, como resultado desta quebra, o ácido araquidônico. Primeiramente, acontece um estímulo determinante para desencadear a resposta inflamatória: este estímulo pode ser de natureza antigênica (bactéria, helminto, etc.) ou traumática. Com a lesão das membranas celulares da região, cria-se um foco inflamatório, região em que a liberação de citocinas será fundamental para estabelecer a resposta imune. Este evento estimula a quebra de fosfolipídios de membrana por meio da enzima fosfolipase A2, produzindo grandes concentrações de ácido araquidônico. Uma vez degradados fosfolipídios de membrana pela ação da fosfolipase A2, ocorre a formação do ácido araquidônico (que funciona, nesta via, como 2º mensageiro), o qual é substrato para duas enzimas presentes no citoplasma: a lipoxigenase e a ciclo-oxigenase (COX). Caso o ácido araquidônico sofra a ação da lipoxigenase, serão formados leucotrienos que apresentam funções diretas no processo inflamatório (agem, por exemplo, como substâncias quimiotáxicas que conseguem atrair células do sistema imune para o tecido inflamado) promovendo, além disso, broncoconstrição e permeabilidade vascular. Já se o ácido araquidônico sofrer ação da ciclo-oxigenase (COX), ocorrerá a formação de prostaglandinas, tromboxanos e prostaciclinas. As prostaglandinas e as prostaciclinas são substâncias que irão promover um aumento da permeabilidade celular, vasodilatação (para que mais sangue chegue à região inflamada e, concomitantemente, mais células tenham acesso a este tecido). Todo este mecanismo tem o intuito de iniciar o processo inflamatório. Uma vez que a COX atua sobre o ácido araquidônico, apenas por meio desta enzima é que serão formados mediadores pró-inflamatórios para intensificar o processo inflamatório. OBS 1 : As células já apresentam no seu interior as enzimas lipoxigenase e ciclo-oxigenase (são enzimas intracelulares). À medida que o estímulo chega à célula, ele desencadeia um aumento intracelular das concentrações de ácido araquidônico. Este estímulo ativa ainda a fosfolipase A2, que é uma enzima de membrana celular. Ela, uma vez ativada, degrada fosfolipídeos de membrana (mais especificamente, fosfolipídios cíclicos: fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina) formando, cada vez mais, ácido araquidônico. Portanto, é dessa forma que estímulos externos aumentam a concentração do ácido araquidônico dentro da célula. Este ácido, uma vez em altas concentrações dentro da célula, pode sofrer ação das enzimas lipoxigenase e ciclo-oxigenase presentes na célula. O aumento da atividade da ciclo-oxigenase, portanto, favorece o aumento das prostaglandinas pré-inflamatórias, que medeiam o mecanismo do processo inflamatório, além de estarem relacionadas com a promoção da dor e, de um modo indireto, da febre. Em resumo, o mecanismo de ação dos AINEs é agir na cascata do ácido araquidônico, inibindo a síntese de prostaglandinas através do bloqueio da enzima ciclo-oxigenase (COX). OBS 2 : Alimentos considerados “carregados” (como os crustáceos) interferem, de fato, no processo inflamatório. Esse tipo de alimento apresenta uma grande quantidade de fosfolipídios, que servem de substrato para a fosfolipase A2. Na membrana das células dos crustáceos, existe uma grande quantidade de fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina, que são precursores do ácido araquidônico. Consequentemente, o processo inflamatório tende a ser potencializado (uma vez que: aumentando o substrato, aumenta-se o produto). Por este motivo, durante o tratamento com anti-inflamatórios, a dieta exclusa deste tipo de alimento deve ser adotada para que não haja interferência na ação dos fármacos, uma vez que este tem por finalidade inibir a enzima cujo substrato é aumentado pela dieta rica em alimentos deste tipo. AÇÃO ANTI-INFLAMATÓRIA DOS AINES E CLASSIFICAÇÃO QUANTO À FARMACODINÂMICA Como foi visto, o mecanismo de ação principal da maioria dos AINEs é a inibição da enzima COX. Atualmente, três isoformas de COX são reconhecidas: COX-1, COX-2 e COX-3 (sendo esta última descoberta mais recentemente). A COX-1 é expressa de forma constitutiva, isto é, ela existe independente da instalação ou não do processo inflamatório. Encontra-se principalmente nas plaquetas, células endoteliais e na mucosa gastrointestinal. Sua função é manter a homeostase, na medida em que viabiliza uma adequada hemostasia primária (formação do “tampão” plaquetário) e estimula mecanismos de defesa contra a ação corrosiva do ácido gástrico (ex: produção de muco). A COX-2 tem expressão tanto constitutiva quando indutiva (isto é, que necessita de um estímulo inflamatório para ser sintetizada). A forma induzível da COX-2 é responsável pelo processo inflamatório em si e, portanto, deve ser o “alvo terapêutico” quando se quer utilizar um AINE. Por outro lado, a forma constitutiva da COX-2 é continuamente expressa em cérebro, rim e no endotélio vascular (também possui efeitos homeostáticos significativos: gera mediadores anti-inflamatórios, vasodilatadores e antitrombóticos de ação local, mantendo a “saúde” do endotélio). A COX-3 é uma variante da COX-1 expressa de forma constitutiva no SNC, e sua função é pouco compreendida. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 4 www.medresumos.com.br OBS 3 : Em resumo, podemos dizer que os paraefeitos clássicos dos AINEs (úlcera péptica e tendência ao sangramento) são mediados pela inibição indesejada da COX-1 (mucosa gastroduodenal e plaquetas), ao passo em que os efeitos terapêuticos são secundários à inibição da forma induzível da COX-2 (tecidos inflamados). Conclui-se que não é adequado nem desejado inibir a COX-1, uma vez que ela exerce funções relacionadas com a homeostase. Tomando posse deste conhecimento, devemos entender que existe uma classificação dos AINEs com relação ao seu mecanismo de ação: os inibidores não seletivos são mais antigos e testados, mas o inibidores seletivos da COX-2 tem menos efeitos adversos (observados após comercialização com auxílio da farmacovigilância) e colaterais (já conhecidos). Inibidores seletivos da COX-1: AAS (em baixas doses). Inibidores não-seletivos da COX: inibem tanto a COX-2 como a COX-1 e, por isso, apresentam mais efeitos colaterais. Principais representantes: AAS (em altas doses), Ibuprofeno, Naproxeno, Paracetamol (Acetaminofeno), Diclofenaco, Indometacina, Piroxicam. Inibidores preferencialmente seletivos da COX-2: tais AINEs exibiram in vitro maior seletividade que in vivo para a referida enzima e não devem ser confundidos com os "seletivos". Principais representantes: Meloxicam, Etodolaco, Nimesulida, Salicilato. Inibidores altamente seletivos da COX-2 (“Coxibs”): são fármacos mais recentes e de alto custo. Alguns autores os consideram como "específicos" para a COX-2, mas na realidade, podemtambém interagir com a COX-1, embora em baixíssima escala. Principais representantes: Colecoxibe, Paracoxibe, Etoricoxibe, etc. Infelizmente, apesar de sua menor toxicidade gastroduodenal e plaquetária, esta subclasse também possui efeitos colaterais significativos, como um aumento no risco cardiovascular (ex: maior incidência de infarto agudo do miocárdio, AVC e tromboses), o que levou várias drogas a serem retiradas do mercado. A explicação para esse aumento de risco é a inibição indesejada da COX-2 endotelial constitutiva (e consequente perda de “fatores protetores” vasculares). OBS 4 : Na verdade, já está bem estabelecido que todos os AINEs e Coxibs (exceto o AAS em baixas doses) aumentam o risco cardiovascular! Como visto, os diferentes AINEs exercem seus efeitos competindo com o ácido araquidônico pelas COX. Assim, todos os AINEs (exceto o AAS) promovem inibição reversível das COX (o efeito “passa” após 24-48 horas). O AAS, por sua vez, é o único que bloqueia o a COX de maneira irreversível (o efeito do AAS só passa quando as plaquetas são naturalmente substituídas por plaquetas novas, o que ocorre após 7-10 dias). AÇÃO ANALGÉSICA DOS AINES As citocinas do processo inflamatório (principalmente a IL-1 e a IL-8) induzem a produção de COX (principalmente a COX-2) por meio do aumento da transcrição gênica desta enzima. O aumento da COX promove o aumento da síntese de PGE2, que tem a função de sensibilizar os receptores de dor (nociceptores). Quando o nociceptor é ativado e sensibilizado, o limiar de dor diminui, o que pode desencadear esta modalidade sensitiva com maior facilidade. Como os MAINEs inibem a COX, há uma diminuição das concentrações de PGE2, fazendo com que o limiar de dor dos nociceptores seja restabelecido. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 5 www.medresumos.com.br OBS 5 : A combinação de AINEs (que têm ação periférica) com drogas de ação central (Ex: paracetamol, opioides) é altamente eficaz em aliviar a dor. AÇÃO ANTITÉRMICA (ANTIPIRÉTICA) DOS AINES No SNC, mais especificamente no hipotálamo, existem vasos sanguíneos dotados de um endotélio especializados que sintetiza prostaglandinas em resposta a produção de citocinas pirogênicas endógenas (principalmente, a IL-1 e a IL-6) e exógenas (ex: LPS bacteriano). São essas prostaglandinas sintetizadas (principalmente a PGE2) que cruzam a barreira hematoencefálica e estimulam os centros de termorregulação a produzir a febre. A IL-6 induz a uma maior produção de COX no sistema nervoso central (especialmente a COX-3 no centro termorregulador do hipotálamo). Os AINEs, através do bloqueio da COX e da síntese da PGE2, exercem efeitos antipiréticos. OBS 6 : A inibição da COX-3 não é tão importante no que diz respeito ao mecanismo de ação da maioria dos AINEs, uma vez que eles cruzam pouco a barreira hematoencefálica. Entretanto, o paracetamol (acetaminofeno) e a dipirona parecem ser capazes de inibir a COX-3 no SNC, o que justificaria, em parte, seus efeitos antipiréticos e analgésicos. Vale ressaltar que a dipirona e o paracetamol não inibem as outras COX, logo, não podem ser classificados como AINEs – seu real mecanismo de ação até hoje não foi elucidado e, provavelmente, envolve outros fatores (eles são descritos neste capítulo apenas por uma inclusão didática). OBS 7 : O paracetamol não apresenta efeitos anti-inflamatórios ou antiplaquetários, mas sim, efeitos antipiréticos e analgésicos. É, portanto, o fármaco de escolha para tratamento de quadros de febre em caso de suspeita de dengue. PRINCIPAIS REPRESENTANTES ÁCIDO ACETILSALICÍLICO (AAS) O ácido acetilsalicílico (AAS) é um ácido simples com pKa de 3,0 (a aspirina possui um pKa de 3,5) que além de exercer uma ação anti-inflamatória, apresenta efeito antipirético, analgésico e antiplaquetário (sendo este efeito um dos mais importantes para a clínica médica). Os salicilatos são rapidamente absorvidos na porção superior do intestino delgado, produzindo níveis plasmáticos máximos de salicilatos dentro de 1-2 horas. O AAS é absorvido na sua forma inalterada, sendo rapidamente hidrolisada (meia vida sérica de 15 minutos) em ácido acético e salicilato (que se liga imediatamente a albumina sanguínea por meio de uma ligação saturável) por esterases presentes nos tecidos e no sangue. A alcalinização da urina aumenta a taxa de excreção de salicilato livre e seus conjugados hidrossolúveis. As principais ações farmacológicas do AAS utilizadas na clínica médica são: anti-inflamatório; antiagregante plaquetário; analgésico (alívio da dor de intensidade leve a moderada, sendo pouco eficaz para dor visceral); antipirético. Efeitos anti-inflamatórios: o AAS é um inibidor não-seletivo de todas as isoformas da COX; entretanto, este salicilato é muito menos eficaz na inibição de qualquer uma dessas isoformas. Efeitos analgésicos: tem uma grande eficácia em reduzir a dor de intensidade leve a moderada através de seus efeitos sobre a inflamação e pelo fato de inibir provavelmente os estímulos dolorosos num sítio subcortical. Efeitos antipiréticos: o efeito antipirético do AAS é provavelmente mediado pela inibição da COX no sistema nervoso central e inibição da IL-1 (que é liberada pelos macrófagos durante episódios de inflamação). Entretanto, é pouco utilizado atualmente com antipirético devido a sua baixa eficácia. Efeitos antiplaquetários: o AAS é o único AINE que bloqueia a COX de uma maneira irreversível, através de um processo de acetilação (transferência do radical acetil da molécula de AAS para a COX, com formação de uma ligação covalente) – tal efeito só se encerra quando as plaquetas inibidas são naturalmente substituídas por plaquetas novas, o que ocorre após 7-10 dias de suspensão do fármaco. Esta propriedade é interessante para pacientes com alto risco cardiovascular (diabéticos, por exemplo) ou que já sofreram infarto, no intuito de evitar novos eventos trombóticos. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 6 www.medresumos.com.br OBS 8 : É por este mecanismo de antiagregação plaquetária que o AAS é contraindicado em casos de suspeita de dengue, uma vez que esta doença, por si só, já apresenta isoformas que predispõem ao sangramento por inativação plaquetária generalizada. OBS 9 : O fato de o AAS promover uma ligação irreversível com as plaquetas exige com que pacientes que façam uso prolongado deste fármaco com finalidade antiplaquetária suspendam-no caso necessitem se submeter a procedimentos cirúrgicos com pelo menos 7 a 10 dias de antecedência, para evitar o risco de hemorragias durante o procedimento. O mecanismo de ação do AAS depende diretamente da sua dose diária utilizada: 500 mg, 4 vezes ao dia Ação analgésica 1000 mg, 6 vezes ao dia Ação anti-inflamatória e antitérmica 100 a 200 mg/dia Ação antiagregante plaquetária PARACETAMOL OU ACETAMINOFENO O paracetamol (muito conhecido pela sua especialidade farmacêutica Tylenol®) ou acetaminofeno (mais conhecido deste modo nos EUA) é um dos fármacos mais importantes utilizados no tratamento da dor leve a moderada e da febre quando não há necessidade de efeito anti-inflamatório. Isso porque sua ação farmacológica esta baseada na ação analgésica e antipirética (agindo seletivamente na COX-3 do SNC), porém é um fraco agente anti- inflamatório, apesar de estar enquadrado na classe dos AINEs devido ao seu mecanismo de ação. O paracetamol não atua sobre a inflamação por não se ligar à COX-2 produzida no foco inflamatório. Isto ocorre pois o meio em que o processo inflamatório acontece é repleto de ânions peróxidos (como o H2O2), substâncias liberadas por leucócitos para tentar debelar o antígeno e que se ligam à molécula do paracetamol, impedindo que esta se ligueà COX-2. Portanto, em meios inflamados a ligação do paracetamol à enzima COX é quase impossível. Doses altas de acetaminofeno (> 4 a 6 g/dia) estão relacionadascom hepatotoxicidade, podendo causar degeneração dos hepatócitos e insuficiência hepática grave. Pacientes com problemas hepáticos devem evitar o uso deste fármaco. OBS 10 : Em casos de suspeita de dengue, o principal AINE a ser prescrito quando se quer debelar a febre é o paracetamol. Para efeitos analgésicos, mesmo em caso de suspeita de dengue, pode-se considerar a prescrição de dipirona, mesmo que ela apresente certa atividade anti-plaquetária – pois esta droga se liga e inibe a COX-1 das plaquetas de maneira reversível (diferentemente do que faz o AAS). DICLOFENACO O diclofenaco (Cataflam®, Voltaren®) é um derivado do ácido fenilacético relativamente não-seletivo como inibidor da COX-2. É um fármaco amplamente difundido, sobretudo em unidades de emergência médica para tratamento da dor de caráter osteoarticular. Entretanto, seu uso pode estar associado a efeitos adversos em uma boa parcela de pacientes, como distúrbios gastrintestinais e ulceração gástrica. IBUPROFENO E NIMESULIDA São AINEs amplamente utilizados na prática clínica por serem muito acessíveis, relativamente baratos e implicando em menos efeitos colaterais quando comparados ao Diclofenaco. São úteis, por exemplo, no tratamento da dor osteoarticular e faringites (inflamação de garganta). MECLOFENAMATO E ÁCIDO MEFENÂMICO O meclofenamato e o ácido mefenâmico (Postan®) inibem tanto a COX quando a fosfolipase A2, o que diminui a sensibilização de nociceptores. O meclofenamato potencializa o efeito dos anticoagulantes orais, sendo contraindicado durante a gravidez. O ácido mefenâmico é provavelmente menos eficaz do que o AAS como fármaco anti-inflamatório, sendo claramente mais tóxico. Não deve ser administrado em crianças. PIROXICAM E TENOXICAM O piroxicam e o tenoxicam são inibidores não-seletivos da COX que, em altas concentrações, inibem a migração dos leucócitos polimorfonucleares, diminuim a produção de radicais de oxigênio e inibem a função leucocitária. Apresentam em comum meia vida longa (permitindo menos administrações diárias), eficácia e perfil de toxicidade. CELECOXIB E ROFECOXIB O celecoxib e o rofecoxib são potentes inibidores seletivos da COX-2, sendo eficazes no tratamento da artrite reumatoide, osteoartrite e atuam ainda como analgésicos e antipiréticos (assim como outros AINEs). Estes fármacos exercem pouco efeito sobre as prostaglandinas da mucosa gástrica ou sobre a agregação plaquetária. O colecoxib não causa mais edema ou efeitos renais do que outros membros do grupo do AINEs; embora tenha sido documentada a ocorrência de edemas e hipertensão. Já o rofecoxib, em altas doses, está associado à ocorrência ocasional de edemas e hipertensão. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 7 www.medresumos.com.br OBS 11 : A Dipirona não deve ser classificada como um AINE por motivos já explicados. Mantendo, entretanto, um padrão didático, cabe aqui ressaltar uma particularidade importante de sua posologia: admite-se que seu efeito analgésico só é garantido a partir de 1 grama, podendo ser administrado de 6 em 6 horas. INDICAÇÕES PARA A PRESCRIÇÃO DE AINES Processos inflamatórios no geral; Dores osteoarticulares (artrites, artroses, etc.) e musculares; Fraturas / Dor traumática (entorses, luxações, pancadas); Cefaleias primárias (dor de cabeça); Dismenorreia e cólicas menstruais; Febre. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 8 www.medresumos.com.br EFEITOS COLATERAIS A maioria dos efeitos colaterais relacionados com o uso de AINEs é devida à inibição da COX-1. Dispepsia (“indigestão”); Hemorragia gástrica; Em administração prolongada, risco de úlcera gástrica; Náuseas; Vómitos; Alergias como urticária na pele, eritemas e até raros casos de choque anafilático; Insuficiência renal reversível com a cessação da medicação; Nefropatia associada ao uso de analgésicos e anti-inflamatórios: por vezes irreversível, decorre do uso contínuo de aspirina, paracetamol, indometacina, ibuprofeno, diclofenaco. O consumo crônico (por mais de três anos) de AINEs pode levar a formas irreversíveis de nefrotoxicidade. Síndrome de Reye - grave condição causada raramente pela aspirina em crianças. A overdose de aspirina causa acidose metabólica. OBS 12 : Um dos principais efeitos colaterais dos AINEs é o desenvolvimento de gastrites e úlceras gástricas. Isso ocorre porque inibindo a COX-1, há uma diminuição nas concentrações da prostaglandina E2 (PGE2), responsável por estimular as células principais do estômago a produzirem muco e bicarbonato que recobre e protege as paredes do estômago do próprio ácido clorídrico (liberado pelas células parietais do estômago). Por este motivo, a administração dos AINEs deve ser feita junto à refeição, evitando-se utilizá-los durante o jejum. Este fato está relacionado com a função da COX-1 que, dentre outras funções, é responsável pela produção de muco no estômago. Daí a importância de se administrar AINEs durante as refeições: o alimento, por si só, diminui o pH do estômago e causa um efeito protetor à mucosa gástrica, o que diminui a ação corrosiva do ácido à mucosa. OBS 13 : A administração de AINEs geralmente é feita junto a medicamentos protetores gástricos (como o Omeprazol, um inibidor da bomba de cloro gástrica) e/ou por meio de outra via de administração que não seja oral (como a via endovenosa ou intramuscular). Esta conduta é largamente utilizada para pacientes com úlceras gástricas graves. O Misoprostol (Cytotec®) é a versão sintética da prostaglandina E1 (PGE1) também é uma droga protetora gástrica utilizada por pacientes que apresentam graves úlceras gástricas. O Misoprostrol, entretanto, pode causar aborto como efeito colateral: este medicamento age ainda como a PGF2α, que apresenta, entre outras funções, a capacidade de intensificar as contrações uterinas (podendo ser utilizada como auxiliar no trabalho de parto normal, quando bem indicada). Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● FARMACOLOGIA 9 www.medresumos.com.br CASOS CLÍNICOS Um paciente ambulatorial (que não é interno, ou seja, continuará seu tratamento em casa), deu entrada ao hospital previamente reclamando de uma dor lombar, foi encaminhado a um reumatologista. Este indicou o uso de Piroxicam (um AINE não-seletivo de COX) via oral. O médico, neste momento, foi avisado que há um mês, o paciente havia feito uma endoscopia que mostrou a presença de uma úlcera gástrica em grau avançado. Mesmo assim, o médico continuou com a prescrição. A conduta do médico foi adequada? Que conduta terapêutica deve fazer o médico caso ele queira manter a prescrição do piroxicam ao paciente? Resposta: A conduta da prescrição do AINE para um paciente com úlcera gástrica não foi adequada. Se o médico quiser manter a prescrição, ele deve indicar junto ao AINE um protetor gástrico (como o omeprazol). Além disso, o médico deve optar por outra via de administração: deve evitar a via oral e optar por uma via parenteral (sendo a via intramuscular a mais indicada). Um indivíduo que sofreu exposição aos raios solares durante todo um quente dia de verão chega ao ambulatório, à noite, queixando-se de febre intensa. Disse ao médico que fez uso de paracetamol, mas não sentiu melhora do quadro. Por que a febre não foi debelada? Resposta: Embora o paracetamol seja a droga mais indicada para quadros de febre (por ser uma droga inibidora de COX-3), o paracetamol de nada vai servir para amenizar a temperatura do paciente. Isto porque o problema do mesmo não é causado por um problema central (não é uma febre de etiologia ligada com a produção de PGE2 pela COX-3). O corpo do paciente está emitindo calor devido a um processo de “radiação”, em que o calor absorvido ao longo do dia está sendo emitido naquele momento. O melhor modo de debelar este incômodo é por meio de compressas geladas (banhosfrios, panos com água fria, hidratantes). Um paciente chega ao pronto socorro com quadros de febre intensa. O médico, no intuito de debelar a febre indicou AAS ao paciente. O problema é que o profissional não percebeu que o paciente apresentava focos hemorrágicos, além de dor retro-orbitária e nas articulações, o que pode sugerir um caso suspeito de dengue. A conduta adotada pelo médico foi adequada? Qual seria uma conduta opcional? Resposta: A conduta de prescrever AAS foi extremamente equivocada e perigosa com relação à saúde do paciente. A presença de focos hemorrágicos já prova a gravidade de se administrar um AINE de ação antiplaquetária, por inibir de maneira irreversível a COX-1 das plaquetas, o que pode agravar ainda mais o quadro hemorrágico. O AAS é completamente contraindicado em casos de suspeita de dengue. A dipirona, assim como o AAS, inibe a COX-1 constitutiva das plaquetas. Porém, ela é mais indicada que o AAS para os casos de febre em pacientes como em questão pois ela inibe esta enzima de maneira reversível as plaquetas, apresentando, portanto, um menor efeito desagregante. Outra opção seria o paracetamol. Um paciente cardiopata de 75 anos passou a usar AAS diariamente depois da prescrição de seu cardiologista, como medida preventiva, para evitar a formação de trombos. Em seguida, o paciente precisou se submeter a um procedimento cirúrgico. Que conduta terapêutica deve ser adotada pelo médico? Resposta: Em primeiro lugar, o médico deve suspender o uso do AAS com cerca de 7 a 10 dias anteriormente ao procedimento cirúrgico, no intuito de evitar complicações hemorrágicas durante ou após a cirurgia. Foram prescritas, para dois pacientes, dosagens diferentes de AAS: o paciente A queixava-se de um processo inflamatório; o paciente B era coronariopata, e fazia uso de AAS para evitar a formação de novos trombos nas artérias coronárias. Qual deve receber a maior dosagem? Resposta: O paciente A, pois o sítio de ação do AAS neste caso (que servirá como um anti-inflamatório) é o tecido inflamado e, para que a droga chegue neste tecido em concentrações adequadas, ele deve ter passado previamente por processos de absorção, biotransformação, entre outros. Daí a necessidade de doses mais altas. Diferentemente do paciente B, no qual o sítio de ação do AAS é o próprio compartimento vascular (nível plaquetário), exigindo doses menores.
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