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Investigação, 14(2):117-120, 2015 ISSN 21774780 117 RELATO DE CASO | RESUMO Uma égua Quarto de Milha foi atendida apresentando claudicação do membro torácico esquerdo. No exame clínico, notou-se aumento de volume na região palmar do boleto, dor a palpação da região dos ossos sesamóides proximais, e piora da dor na flexão passiva do boleto. Devido ao grau de claudicação optou-se pela realização direta dos bloqueios perineurais, sendo positivo o bloqueio em quatro pontos baixos acima do boleto. Foi feito exame radiográfico da articulação metacarpo-falangeana, onde visibilizou-se fratura mediana com dois fragmentos principais do osso sesamóide proximal medial. O proprietário, dentre os tratamentos preconizados, optou pela remoção cirúrgica dos fragmentos. Decorridos 14 dias, o animal obteve alta hospitalar sem apresentar claudicação. Concluímos que o uso dos bloqueios anestésicos associado ao exame radiográfico foram eficientes no diagnóstico de fratura mediana do osso sesamóide medial proximal e que o procedimento cirúrgico foi satisfatório no tratamento da claudicação do animal, que voltou a competir normalmente após repouso. Palavras-chave: anatomia cirúrgica, bloqueio perineural, claudicação, diagnóstico por imagem. Joel de Souza Montello Neto1,2*, Edmilson Rodrigo Daneze³, Bianca Paludeto Dias¹, Ana Luiza Garcia da Silveira¹, Carolina Fekete Moutinho². DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE FRATURA DE OSSO SESAMÓIDE PROXIMAL EM EQUINO Diagnosis and treatment of fracture sesamoid bone in horse - case report ABSTRACT A Quarter Horse mare was attended presenting claudication of the left forelimb. On clinical examination, showed an increase in volume on the palm of the fetlock, pain on palpation of the region of the proximal sesamoid bones, and worsening of pain in the passive flexion of the fetlock. Because of the degree of lameness was decided to direct realization of perineural blocks, with positive locking in four lows above of the fetlock. Radiographic examination of the joint metacarpal phalangeal was made, where visualized median fracture fragments with two main medial proximal sesamoid bone. The owner, of the treatments, opted for surgical removal of the fragments. After 14 days, the animal was discharged from hospital without showing claudication. We conclude that the use of anesthetic blocks associated with radiographic examination were effective in the diagnosis of median fracture of the medial proximal sesamoid bone and the surgical procedure was satisfactory in the treatment of the animal claudication, who returned to compete normally after rest. Keywords: lameness, diagnostic imaging, perineural block, surgical anatomy. 1. Faculdade Dr. Francisco Maeda - FAFRAM/FE, Ituverava, São Paulo, Brasil. *E-mail: jcvets@gmail.com 2. JCVETS, Uberaba, Minas Gerais, Brasil. 3. UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil. Rodovia Jerônimo Nunes Macedo, km 01, Bairro das Acácias, 14500-000, Ituverava-SP, Brasil. Investigação, 14(2):117-120, 2015 CLÍNICA E CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS Investigação, 14(2):117-120, 2015 ISSN 21774780 118 INTRODUÇÃO A claudicação é a principal causa de redução de rendimento esportivo, podendo limitar ou mesmo encerrar a atividade atlética de cavalos (JACKMAN, 2004; STASHAK, 2006). Assim sendo, deve-se identificar a localização e a provável causa para se recomendar o tratamento apropriado. Os ossos sesamóides proximais fazem parte do aparelho suspensório da articulação metacarpo-falangeana, impedindo a hiperextensão durante o exercício extenuante (VANDERPERREN e SAUNDERS, 2009). Artrose, exercício extenuante, cargas excessivas e não adaptação a remodelação são fatores que contribuem para que ocorram lesões (POOL e MEAGHER, 1990; RIGGS, 1999). As fraturas dos ossos sesamóides proximais podem ser apical, medial, basilar ou abaxial (BUKOWIECKI et al., 1985; HUBERT et al., 2001; ANTHENILL et al, 2006). São mais comuns em cavalos de corrida do que em cavalos que praticam outra atividade (FRETZ et al., 1984). Segundo Stashak (2006), o diagnóstico baseia-se nas alterações apresentadas pelo animal durante o exame clínico e radiográfico. Associado a esses, o bloqueio anestésico é comumente usado na prática com equinos (REDDING, 2001; STASHAK, 2006), sendo realizados de modo sistemático, começando da extremidade distal para a proximal (SCOTT, 1996; STASHAK, 2006). São fundamentais para fins de diagnóstico, pois não requerem equipamentos e podem ser viabilizados com baixo custo, bastando apenas conhecimentos de farmacologia dos anestésicos locais e da anatomia local, particularmente com relação ao suprimento nervoso e estruturas que possam ser danificadas por injeção indevida (LUNA, 1998). A escolha do tratamento apropriado depende da localização da fratura e na pretensão ou não do proprietário em voltar o animal à prática esportiva. Dentre as terapias conservativas podemos realizar repouso em baia, bandagens, talas ou aplicação de gesso. Os tratamentos cirúrgicos incluem excisão cirúrgica, fixação com parafusos, cerclagem e enxerto ósseo. No geral, a maioria dos equinos não utilizados para esporte ou reprodução não requer tratamento cirúrgico, sendo que bandagens de sustentação, talas ou gesso com repouso em baia são suficientes (STASHAK, 2006). O prognóstico está correlacionado ao tipo de fratura e ao dano das estruturas relacionadas (BRITT e TUCKER, 2010). Cavalos com fraturas basais apresentam prognóstico ruim para o retorno às corridas (FRETZ et al., 1984). RELATO DE CASO Um equino da raça Quarto de Milha, fêmea, pesando 450 kg, utilizado para Team Penning, foi atendido no Hospital Veterinário da Faculdade Dr. Francisco Maeda (FAFRAM/FE) apresentando claudicação do membro torácico esquerdo. Segundo o proprietário, a dificuldade locomotora se iniciou após treino há aproximadamente 30 dias, sendo instituído tratamento com anti-inflamatório não esteroidal e repouso, mas o animal não respondeu de maneira satisfatória. No exame físico, observou-se que o animal apresentava-se alerta, com claudicação grau 4/5 do membro torácico esquerdo e aumento de volume na região palmar da articulação metacarpo- falangeana (boleto). À palpação da região dos ossos sesamóides proximais observou-se que o animal sentia dor, sendo que a mesma piorava com a flexão passiva do boleto. Para melhor definição do local da lesão, optou-se pela realização de bloqueios perineurais sequenciados até a identificação da área dessensibilizada associada a ausência de claudicação. Os bloqueios perineurais consistiram na infiltração de lidocaína (1,5 a 2,0 mL por área) e, após período entre 5 e 10 minutos, com uma pinça foi realizado teste de sensibilidade da pele e de sensibilidade profunda. Estando a região distal ao ponto de bloqueio dessensibilizada, o animal foi induzido a exercícios físicos (passo e trote), sendo observado no percurso o grau de claudicação que o mesmo apresentava. Os bloqueios realizados se iniciaram pela infiltração dos nervos digital palmar medial e lateral, na região da quartela, depois realizou-se o bloqueio do nervo digital palmar na base dos ossos sesamóides proximais (bloqueio sesamóideo abaxial) e, por fim, foi feito o bloqueio dos nervos palmares inferiores e matacárpicos medial e lateral (bloqueio baixo em quatro pontos), onde, durante e após o exercício, foi observada melhora na claudicação. Foi realizado exame radiográfico da articulação metacarpo- falangeana, onde, em posição dorso-medial palmaro-lateral, visibilizou-se fratura mediana com dois fragmentos principais do osso sesamóide proximal medial (Figura 1A). O animal foi colocado em repouso absoluto em baia de 16 m2, composta por cama de maravalha na altura de 20 cm, e feito bandagemde suporte com algodão e atadura elástica na região logo abaixo do carpo até a coroa do casco e administrado anti- inflamatório (meloxicam 2%, dose de 0,6 mg/kg, intravenoso). O proprietário, dentre os tratamentos preconizados, optou pela remoção cirúrgica dos fragmentos. Os exames sanguíneos revelaram valores dentro dos parâmetros de referência. Após jejum alimentar de 12 horas e Investigação, 14(2):117-120, 2015 ISSN 21774780 119 hídrico de 6 horas iniciou-se o procedimento anestésico, que consistiu em sedação com detomidina (0,02 mg/kg, intravenoso) e morfina (0,1 mg/kg, intramuscular), indução com cetamina (2,0 mg/kg, intravenoso) e diazepam (0,15 mg/kg, intravenoso), e manutenção com isoflurano via sonda endotraqueal conectado a um aparelho de anestesia inalatória. O animal foi colocado em decúbito lateral direito, permitindo melhor manipulação do membro esquerdo, e após tricotomia, antissepsia e isolamento do campo cirúrgico, foi realizada incisão na borda do osso sesamóide proximal medial. O subcutâneo foi divulsionado e o acesso ao foco da fratura foi feito com auxílio de agulha hipodérmica como guia e exame radiográfico seriado. Localizados os fragmentos ósseos, estes foram removidos com auxílio de pinça cirúrgica (Figura 1B). Após a remoção dos dois fragmentos principais, foi realizado novo exame radiográfico (Figura 1C) para confirmação. A ferida cirúrgica foi inspecionada e, em seguida, realizada aproximação do subcutâneo com fio poliglactina 910 (Vicryl®) 2-0 em padrão cushing e dermorrafia com fio de nylon 0 em padrão simples separado. Sobre a ferida cirúrgica foi instilado solução antimicrobiana a base de rifamicina, coberta com gaze estéril e feito bandagem com algodão e atadura elástica que se estendeu da região logo abaixo do carpo até a coroa do casco. Foi prescrito curativo diário idêntico ao feito no centro cirúrgico durante 14 dias, administração de anti-inflamatório (meloxicam, 0,6 mg/kg, IV, a cada 24 horas, durante 5 dias) e antibioticoterapia (associação de benzilpenicilina benzatina, benzilpenicilina procaína, benzilpenicilina potássica e sulfato de diidroestreptomicina, 25.000 UI/kg, IM, a cada 12 duras, durante 7 dias; ceftiofur, 2,2 mg/kg, IM, a cada 12 duras, durante 7 dias). Decorridos 14 dias foram retirados os pontos de pele do animal e este recebeu alta hospitalar sem apresentar claudicação. Foi recomendado repouso durante 90 dias e, após esse período, retorno gradativo aos exercícios físicos. Figura 1: Imagens radiográficas, em posição dorso-medial palmaro-lateral, de equino com fratura mediana de osso sesamóide medial proximal. Em A, observa-se os dois fragmentos osteocondrais principais (setas). Em B, observa-se a pinça posicionada sob o fragmento dorsal antes da remoção (seta). Em C, confirmação da remoção dos dois fragmentos principais antes do término do procedimento cirúrgico (seta). No presente caso, após o bloqueio anestésico da articulação metacarpo-falangeana o animal não apresentou claudicação, não sendo necessário dar continuidade aos bloqueios sistemáticos e direcionando o exame radiográfico para a articulação específica. Quando usados em conjunto, o bloqueio anestésico e o exame radiográfico fornecem informações bastante consistentes da afecção que causa a claudicação (VANDERPERREN e SAUNDERS, 2009; BRITT e TUCKER, 2010), além de reduzir os custos para o proprietário e possibilitar um atendimento mais dinâmico do animal, como ocorreu no presente caso. O animal apresentava fratura mediana de sesamóide medial proximal e optou-se pela remoção cirúrgica dos fragmentos. Segundo Stashak (2006), o tratamento cirúrgico parece ser benéfico e é preferido por causa do retorno mais rápido às atividades físicas, com menor risco de lesões futuras. Porém, como recomendado, mesmo sendo satisfatório o procedimento cirúrgico no tratamento da lesão, não deve ser descartada a necessidade e importância de um repouso adequado e reabilitação fisioterápica com exercícios controlados caso a meta do proprietário seja voltar a competir no mesmo nível prévio a lesão. REFERÊNCIAS Anthenill LA, Stover SM, Gardner IA et al. 2006. Association between findings on palmarodorsal radiographic images and detection of a fracture in the proximal sesamoid bones of forelimbs obtained from cadavers of racing Thoroughbreds. American Journal of Veterinary Research. 67:858-868. Britt LG, Tucker RL. 2010. Articulação metacarpofalangeana/metatarsofalangeana. In: Thrall DE. Diagnóstico de radiologia veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Saunders Elsevier. p.409-420. Bukowiecki CF, Bramlage LR, Gabel AA. 1985. Proximal sesamoid bone fractures in horses – current treatments and prognoses. Compendium on Continuing Education for the Practicing Veterinarian. 7:684-697. Fretz PB, Barber SM, Bailey JV et al. 1984. Management of proximal sesamoid bone fractures in the horse. Journal of the American Veterinary Medical Association. 185:282-284. Hubert JD, Latimer FG, Moore RM. 2001. Proximal sesamoid bone fractures in horses. Compendium on Continuing Education for the Practicing Veterinarian. 23:678-687. Jackman BR. 2004. Veterinary aspects of training western performance horses. In: Hinchcliff KW, Kaneps AJ, Geor RJ. Equine sports medicine and surgery. Saint Louis: Saunders. p.1123-1130. Luna SPL. 1998. Anestesias perineurais e regionais em equinos. Revista de Educação Continuada do CRMV-SP. 1:24-30. Pietrzak WS, Sarver D, Verstynen M. 1996. Bioresorbable implants – practical considerations. Bone. 19(suppl.1):109S-119S. Pool RR, Meagher DM. 1990. Pathologic findings and pathogenesis of racetrack injuries. Veterinary Clinics of North America: Equine Practice. 6:1-30 Pyles MD, Alves ALG, Hussni CA et al. 2007. Parafusos bioabsorvíveis na reparação de fraturas experimentais de sesamóides proximais em equinos. Ciência Rural. 37(5):1367-1373. Investigação, 14(2):117-120, 2015 ISSN 21774780 120 Redding WR. 2001. Use of ultrasonography in the evaluation of joint disease in horses. Part 1: Indications, technique and examination of the soft tissues. Equine Veterinary Education. 13(4):198-204. Riggs CM. 1999. Aetiopathogenesis of parasagittal fractures of the distal condyles of the third metacarpal and third metatarsal bones - review of the literature. Equine Veterinary Journal, 31:116-120. Stashak TS. 2006. Claudicação em equinos segundo Adams. 5. ed. São Paulo, Roca. Vanderperren K, Saunders JH. 2009. Diagnostic imaging of the equine fetlock region using radiography and ultrasonography. Part 2: The bony disorders. The Veterinary Journal. 181:123-136.
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