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Os impactos sociais da barragem de Sobradinho Cosme Freire Marins No fim dos anos 1970 foi criado um enorme lago de 4.214 Km², com 350 Km de extensão e de 10 a 40 Km de largura no Médio São Francisco. O reservatório de Sobradinho, cuja barragem se localiza 50 Km a montante da cidade de Juazeiro, na Bahia, inundou terras de sete municípios: Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Remanso, que tiveram as suas sedes transferidas e foram bastante afetados; e mais Juazeiro, Xique-Xique e Barra, que sofreram menos impactos. Foram retiradas da área a ser alagada cerca de 70 mil pessoas, das quais 80% era composta por camponeses que abasteciam o mercado regional. A população se concentrava nas margens do rio, nas férteis planícies de aluvião, nas ilhas do Rio São Francisco e deixavam despovoadas as áreas de caatinga, pois a terra é arenosa, seca, pobre em nutrientes e, portanto, não ofereciam boas condições para plantio. Com a construção da barragem, a maior parte da população ribeirinha foi deslocada compulsoriamente pelo Estado e reassentada a vários quilômetros das margens originais do rio, em plena caatinga, em solos impróprios para o plantio. Com a formação do lago desapareceram as melhores terras para a agricultura nas condições sociais de produção até então vigentes. Em um texto de 1990 Ana Luiza Costa afirmou que a retomada do processo produtivo passava por uma modernização compulsória da agricultura, com a introdução de lavouras comerciais como a da cebola, a adoção da irrigação, alterando drasticamente a dinâmica de produção. A inundação das terras antes utilizadas para a agricultura levou à expropriação das condições sociais de produção e reprodução até então praticadas pelos camponeses, bem como fez desaparecer todo um modo de vida tradicional a elas associado. O Estado, por meio da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), interveio coercitivamente no espaço físico para a construção da barragem, haja vista a população atingida não ter sido consultada. Sobradinho infelizmente não é o único caso, é mais um exemplo desse processo, e o Movimento Nacional dos Atingidos por Barragem (MAB), por sua própria existência é uma prova disso. A construção de barragens continua contrapondo interesses. De um lado, o Estado e setores do empresariado que vêem na construção de novas hidrelétricas a saída para a demanda por energia; de outro, populações indígenas, ribeirinhos, camponeses, parlamentares, movimentos sociais e ambientalistas que propõem formas alternativas de produção de energia que impactem menos o meio ambiente e modos de vida tradicionais. Esses grupos têm concepções de desenvolvimento diferentes e, muitas vezes, antagônicas. No caso específico de Sobradinho, a barragem destruiu o modo de vida tradicional da população ribeirinha e provocou o seu empobrecimento. A questão que se impõe é saber se esse modelo de desenvolvimento pode ser considerado aceitável. Referência: COSTA, Ana Luiza B. Martins. Barragem de Sobradinho: o desencontro cultural entre camponeses e técnicos do Estado. In: Hidrelétricas, ecologia e progresso – contribuições para um debate. Rio de Janeiro: Cedi, 1990. p. 55-57.
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