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Jeitinho Brasileiro

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1
O Jeitinho Brasileiro – A arte de ser mais igual 
do que os outros. (Texto 03) 
Lívia Barbosa – Resumo e comentários de 
Marcelo Loyola Fraga 
 
O que é o jeitinho 
 
O jeitinho é sempre uma forma especial de se 
resolver algum problema ou situação difícil ou 
proibida; ou uma solução criativa para alguma 
urgência, seja sob a forma de burla a alguma regra 
ou norma preestabelecida, seja sob a forma de 
conciliação, esperteza ou habilidade. O jeitinho 
demais pode levar à corrupção. O que caracteriza a 
passagem de uma categoria para outra é muito 
mais o contexto em que a situação ocorre e o tipo 
de relação existente entre as pessoas envolvidas 
do que, propriamente, uma natureza peculiar a 
cada uma. Por exemplo, o favor é uma situação 
que, para a maioria das pessoas, implica 
reciprocidade direta. Quem recebe um favor fica 
“devedor de que o fez” e se sente “obrigado” a 
retribuí-lo na primeira oportunidade. Essa noção de 
reciprocidade é tão forte que, muitas vezes, a 
pessoa que faz o favor procura evitar quem o 
recebeu para que não se julgue “obrigada” ou 
“constrangida”. Os argumentos a favor da prática 
do jeitinho são normalmente “todo mundo faz, não 
vou ficar de fora”, “uso o jeitinho forçado pelas 
circunstâncias” etc. 
 
Os idiomas do jeitinho 
 
O jeito é um elemento “universalmente” conhecido 
na sociedade brasileira. Além disso, em termos de 
representação simbólica, é “utilizado” 
indistintamente por todos os segmentos sociais e 
depende, portanto, para concessão e sucesso, de 
fatores que não fazem parte da identidade social de 
cada um. Um dos fatores que mais mobilizam as 
pessoas para darem um jeitinho para alguém é ser 
simpático. Outro aspecto que pode ser mencionado 
é status, a maneira de se vestir e dinheiro. Embora 
todas as pessoas reconheçam que esses fatores 
influem, nunca chegam a ser apontados como 
elementos decisivos. São importantes sim, mas até 
certo ponto, e podem ser utilizados contras as 
pessoas, caso elas manipulem essas categorias de 
forma autoritária. Afirmações do tipo “só porque 
tem dinheiro, pensa que é melhor, está enganado” 
ou “quis bancar a grã-fina e quebrou a cara” são 
bastante utilizadas para exemplificar pessoas que 
tentaram lançar mão desse atributo social para 
obterem um jeitinho ou qualquer outra coisa. Por 
outro lado, se as pessoas souberem canalizar esses 
atributos sociais de uma forma que enfatize 
justamente a sua “não-importância”, serão alvos 
de comentários justamente opostos. Por exemplo, 
“ele é tão simples” ou “nem parece rica, é tão 
simpática”, “você não dá nada por ele, mas é 
milionário”. É de bom tom para o rico, no Brasil, 
proceder como a sua situação social nem contasse 
como fato relevante, apesar de ser uma situação a 
que todos almejam. Ou seja, essa situação social 
nunca pode ser bem explicitada ou admitida por 
quem a possui. Um rico que se comporta de acordo 
com a sua condição de riqueza é caracterizado 
negativamente, embora seja visto de forma 
positiva caso se comporte como se “não fosse rico”. 
Admitir o sucesso de forma clara, seja de que tipo 
for, não é bem-visto. Isso contrasta com os países 
anglo-saxões que passaram por uma reforma 
protestante. Por exemplo, nos EUA os bens 
materiais não são vistos como culpa, mas como 
recompensa pelo trabalho duro e bom desempenho 
da pessoa. Não é motivo de justificativas. No Brasil 
o sucesso material tem implicações de ordem 
moral bastante negativas e intimamente ligadas à 
religião católica, que atribui características 
perversas a situações de sucesso material. O rico 
foi bem-sucedido do ponto de vista material, 
portanto, não deve sê-lo moral e espiritualmente. 
Isso permite que as pessoas se compensem, 
acionando diferentes sistemas de valores. 
 
Um exemplo interessante de como isso funciona é 
o caso do motorista de táxi que, ao deixar uma 
passageira em frente a um prédio de luxo, afirmou 
que quem morava ali não poderia tê-lo conseguido 
pelo trabalho, mas só roubando. Implicitamente 
dizia que ele era pobre, mas honesto, e o outro 
rico, mas ladrão. E não é só isso. A carência 
material das pessoas tem um significado bastante 
distinto aqui no Brasil e, por exemplo, nos EUA. A 
miséria, a pobreza do cidadão no Brasil, o exime de 
qualquer responsabilidade individual na alteração 
 
2
da situação em que se encontra. Diante de 
mendigos dormindo nas ruas, a reação normal é de 
pena pelo indivíduo e indignação pelo governo, que 
não toma providências e não faz nada para alterar 
esse quadro. Para um norte-americano a reação 
seria de forma inversa: essa tarefa é de alçada 
pessoal e que não deve ser compartilhada com 
terceiros. Por outro lado, o jeitinho não está ligado 
à esfera da identidade social como dinheiro, status, 
nome da família, religião, cor etc. Um indivíduo que 
não ocupe posição social privilegiada, está 
igualmente habilitado a pedir um jeitinho, desde 
que saiba pedir, tenha um bom “papo”, seja 
simpático ou charmoso. Por outro lado, um general 
poderá ficar sem o “seu jeitinho” se tentar valer-se 
de sua patente de forma autoritária. Para sair da 
situação, terá de recorrer fatalmente ao “Você sabe 
com quem está falando?”, que poderá ser, tanto ou 
mais eficaz que o jeito, mas que depende de você 
ser “alguém” dentro do universo social brasileiro. 
Portanto, tanto o “João-ninguém” como o 
deputado, desde que tenham as condições 
individuais, estão qualificados para utilizar o jeito. 
 
Dizer não no Brasil é aventura no terreno 
desconhecido. A esse respeito, a revista Veja 
(07/11/1984), na seção “Ponto de Vista”, publicou 
ensaio intitulado “É preciso dizer não”, de Fernando 
de Oliveira”, no qual o autor, baseado na sua 
experiência como administrador de recursos 
públicos, afirmava que o Brasil precisava ter um 
governante um brasileiro com vocação para não 
autorizar certos gastos e perder amigos. E mais, tal 
indivíduo deveria recusar convites para simpósios, 
jantares, inaugurações e outros eventos sociais... 
“se tiver cara de poucos amigos tanto melhor”. O 
que o articulista queria dizer é, para se cumprir a 
lei, seria preciso dizer não aos amigos e depois 
evitar ou cortar todos os laços com a sociedade. 
Essa postura está alicerçada numa visão de mundo 
em que a ênfase na sociedade é colocada nas 
relações que se estabelecem entre as pessoas, 
mais do que qualquer outra. Isso torna o Brasil um 
país em que todos querem ser pessoas e não 
indivíduos. Qualquer vantagem ou desvantagem 
social que a pessoa tenha pode ser utilizada para 
promovê-la a tal categoria. Confirmando ainda 
mais essa situação, temos o próprio sistema 
burocrático brasileiro, extremamente rígido, 
ineficiente e intransigente, não dando espaço à 
prática do que se costuma chamar de “bom senso”. 
Isso permite que os próprios executores desse 
sistema, na ausência de alguma regulamentação 
específica, regulem, não tendo como base o bom 
senso ou os chamados direitos do cidadão ou o 
espírito que instrui esta ou aquela regulamentação, 
mas a própria vontade pessoal. Isso nos permite 
mergulhar num verdadeiro emaranhado de 
decretos autoritários e personalistas que diluem 
quase que completamente qualquer possibilidade 
de funcionamento do sistema com um espírito 
universalizante. 
 
Fazendo um paralelo entre o “Você sabe com quem 
está falando?” enfatizado por Roberto DaMatta e o 
“jeitinho”, pode-se afirmar que enquanto o 
primeiro é um ritual de separação, radical e 
autoritário, de duas posições sociais bem distintas, 
o segundo “o jeitinho” identifica-secom a 
cordialidade e a simpatia, sendo visto como um 
ritual de aglutinação. Ele procura justamente 
juntar, e não separar, os participantes da situação. 
E mais, em vez de marcar as diferenças existentes 
entre as pessoas, que podem ou não existir do 
ponto de vista social, ele procura justamente 
anulá-las, invocando a igualdade entre todos e da 
própria condição humana – “afinal somos todos 
irmãos”, “filhos de Deus” ou “hoje sou eu, amanhã 
pode ser ele” etc. O próprio vocabulário utilizado 
em situações de jeitinho enfatiza o seu aspecto 
aglutinador e igualitário: “meu irmão”, “meu 
amigo”, “companheiro”, “gente boa”, “minha tia” 
etc. O jeitinho, também, pode estar associado 
simultaneamente ao nosso lado cordial, simpático, 
malandro e também país que não é sério, 
incompetente, subdesenvolvido que prefere o papo 
à briga, a conciliação à disputa. Outro traço 
importante do jeitinho é que qualquer pessoa pode 
lançar mão dele, independente de sua identidade 
social, rico ou pobre, esposa de deputado ou 
diarista, patrão ou operário. O anonimato das 
pessoas envolvidas gera uma situação de igualdade 
entre indivíduos que, em outras circunstâncias, 
poderiam estar em situações desiguais e/ou 
complementares. É verdade e é importante 
perceber que de “jeitinho” a situação pode partir 
 
3
para o “Você sabe com quem está falando?”, toda 
vez que o coronel, tendo seu pedido rejeitado, 
declara a sua identidade exercendo pressão sobre o 
caixa, estabelecendo-se assim o confronto. 
Provavelmente, este mandará chamar o gerente, 
que apaziguará a situação, providenciando para 
que o cheque do cliente seja descontado, sem o 
custo de o mesmo entrar na fila, mas, ao mesmo 
tempo, sem obrigar o caixa a descontá-lo. 
 
Em resumo: 
 
“Você sabe com quem está falando” 
 
1. Faz uso da autoridade e do poder. 
2. Parte do pressuposto que as desigualdades 
sociais têm valor. 
3. Não é acessível a todos da sociedade em 
todas as situações. 
4. Baseia-se, para a sua eficácia, na identidade 
social. 
5. A identidade social dos participantes sempre 
termina desvendada. 
6. É um rito de separação. 
7. A reação ao uso da expressão é sempre 
enfática e negativa. 
8. Estabelece sempre uma relação negativa. 
 
“Jeitinho” 
 
1. Faz uso da barganha e da argumentação. 
2. Parte do pressuposto igualitário. 
3. É acessível a todos da sociedade. 
4. Não depende, exclusivamente, de laços 
mais profundos com a sociedade. Depende 
basicamente de atributos individuais, da 
personalidade. 
5. Pode começar e terminar anonimamente. 
6. É um rito aglutinador. 
7. A reação ao uso da expressão é 
predominantemente positiva; a negativa é 
sempre expressa de forma branda. 
8. Estabelece sempre uma relação positiva. 
 
A ideologia da igualdade radical 
 
Pode-se exemplificar este item, por meio do 
sistema universitário público brasileiro. Nele 
observa-se, cada vez mais, o estabelecimento de 
idéias que negam e condenam a existência de 
qualquer tipo de proposta de diferenciação. Por 
exemplo, dois professores que iniciaram a carreira 
em 1980, chegarão juntos em 1990 ao mesmo 
nível funcional, a despeito do fato de que um tenha 
publicado livros, artigos, participado de congressos, 
reuniões científicas e realizado pesquisas, e o outro 
tenha se limitado apenas a escrever algumas linhas 
no quadro-negro. Ambos receberão o mesmo 
salário, terão os mesmos direitos e obrigações. Em 
relação aos alunos, a situação não é diferente. Um 
bom desempenho acadêmico não abrirá para o 
aluno qualquer porta no que diz respeito a bolsas 
de estudo, oportunidade de iniciação profissional, 
associações culturais e de pesquisa. O mesmo se 
aplica aos funcionários em relação às promoções 
por mérito. Com relação aos corpos sociais que 
compõem a comunidade acadêmica – professores, 
alunos e funcionários -, a ideologia igualitária se 
coloca como a moldura básica pela qual se 
orientam todas as relações. A todos são atribuídos 
o mesmo status e a mesma importância, de modo 
que, do ponto de vista da representação e também 
da prática social, nenhum grupo tenha mais 
direitos do que os outros. Isso fica evidente no 
processo eleitoral que se disseminou após 1985, 
para escolher desde chefes de departamento até o 
reitor, no qual alunos, funcionários e professores 
são chamados a votar, mesmo sendo pessoas com 
as mais diferentes responsabilidades, como 
professores, a quem cabem a responsabilidade do 
ensino e da pesquisa e cujo desempenho dá 
prestígio à instituição; os alunos, membros 
transitórios numa instituição permanente e os 
funcionários que são elementos não especializados 
chamados a opinar num foro de debate 
especializado. Outro exemplo vem de uma 
universidade renomada, onde o Departamento de 
Antropologia propôs que a partir de uma 
determinada data, todos os trabalhos acadêmicos 
individuais fossem assinados em conjunto. 
Propunha-se que um trabalho feito individualmente 
fosse publicado como de autoria coletiva – de todos 
os membros do departamento. Um outro caso cita 
uma matéria do Jornal do Brasil, em novembro de 
1985, em que os servidores das universidades 
federais entrariam em greve se a gratificação de 
 
4
nível superior não fosse estendida para servidores 
de ensino médio. Ora, sabemos que a gratificação 
de nível universitário é uma das únicas formas de 
se premiar, de forma capenga, o desempenho da 
melhor qualificação pessoal. É uma verdadeira 
síndrome da isonomia, o que pode ser chamada de 
igualdade radical. 
 
Um outro aspecto que ilustra a ênfase no ideal 
igualitário é a negação da universidade como uma 
instituição de elite. Em todos os países do mundo, 
independentemente do sistema político vigente, o 
ensino universitário é o mais caro e de mais difícil 
acesso. Entretanto, no Brasil, afirmar que este não 
deve ser um ensino de massa, mesmo 
resguardando a possibilidade de livre acesso a 
todos, é quase sinônimo de suicídio profissional 
para quem é do ramo. Admitir a existência de 
diferenciações internas, de hierarquias, em 
formações sociais fascinadas com o igualitarismo 
do ponto de vista simbólico, é associar-se aos 
piores tipos de representações políticas e sociais. É 
arriscar-se a ser visto, no mínimo, como “Fascista”. 
E ainda, no Brasil, exigir que os alunos se dirijam 
aos professores pelos seus respectivos títulos ou 
outro termo que não seja o seu próprio nome soa 
extremamente antipático, desagradável e 
autoritário, quando não tem conotações jocosas. 
Essa forma só é alterada pela idade do professor 
ou professora. Se esta for mais idosa, poderá ser 
contemplada com um “Professora” ou sra.; caso 
contrário será chamada pelo seu próprio nome. 
 
O atributo da igualdade e da liberdade nos 
EUA 
 
O self-reliance é o princípio de que cada indivíduo é 
o seu próprio mestre, tem controle absoluto de seu 
próprio destino e, portanto, absolutamente livre. 
Os avanços e os recuos na vida de cada pessoa 
estão condicionados aos seus próprios méritos. O 
self-reliance nega a importância de outros 
indivíduos na vida de cada um e acredita que a 
capacidade de se valer de si mesmo é fundamental. 
Qualquer traço ou indício de dependência, em que 
domínio for, econômico, emocional etc. é 
considerado altamente humilhante. A pessoa 
possuidora de um caráter dependente não só é 
socialmente malvista, como considerada 
necessitada de algum tipo de assistência 
psiquiátrica. Dentro da família, a busca de 
independência é estimulada desde cedo pelos pais. 
A criança é induzidaa desempenhar pequenas 
tarefas que lhe forneçam algum tipo de ganho 
pecuniário. A permanência na casa dos pais depois 
de uma determinada idade não é estimulada nem 
desejada. Basta verificarmos as estatísticas 
universitárias para constar que, a maioria dos 
jovens não estudam em lugares próximos a sua 
casa e sim em lugares bem distantes. 
 
Igualdade moral e igualdade legal 
 
A igualdade nos EUA é percebida como um direito e 
não como um fato. Consequentemente funciona 
como uma moldura para o desenrolar de todos os 
dramas sociais. Na sociedade norte-americana, 
igualamos para diferenciar. Um melhor 
desempenho por parte dos indivíduos ou de um 
grupo os intitula a uma posição diferenciada em 
relação aos demais. Assim, na sociedade norte-
americana, a partir de sua idéia de igualdade – 
concebida como um direito consubstanciado na 
existência de uma lei universalizante que, em 
determinado nível e momento, iguala todos -, os 
indivíduos diferenciam-se uns dos outros. Por outro 
lado, a igualdade no Brasil se apresenta sob outras 
formas. Principalmente na igualdade biológica do 
gênero humano, quando dizemos “quando morrer, 
vai todo mundo para o mesmo lugar”, “meu sangue 
é tão vermelho quanto o dele”, “gente é tudo igual” 
etc. expressam a idéia de que a existência de uma 
constituição física comum a todos os seres 
humanos e um destino final idêntico e inexorável 
para todos conferem-lhes uma humanidade no 
sentido de valor. Ao contrário da concepção da 
igualdade norte-americana, a brasileira se coloca 
como um fato, como algo dotado de substância, e 
não apenas e exclusivamente como um direito. 
 
Implicações de igualdade moral para a 
sociedade brasileira 
 
A noção de igualdade – entendida no Brasil como 
um fato, e não como um direito, imprime a essa 
categoria um caráter radical e absoluto que não 
 
5
permite gradações e hierarquias com base em 
valores calcados no desempenho individual. Isso 
tem como conseqüência lógica a anulação do 
indivíduo enquanto caráter uno e irrepetível, 
permitindo a formação de totalidades mais amplas, 
da quais o melhor exemplo seria a nossa idéia de 
Estado. A nação-estado, em vez de ser concebida 
como uma coleção de indivíduos, como no caso 
francês, ao qual se acrescenta o exemplo norte-
americano, é aprendida como um superindivíduo, 
ou melhor, como um indivíduo coletivo, com 
superdireitos e deveres, hierarquicamente superior 
ao nosso indivíduo-cidadão, podendo dispor em 
todas as suas dimensões. 
 
A segunda conseqüência da nossa ênfase igualitária 
no plano simbólico é que, almejamos não o 
reconhecimento dos aspectos individuais de cada 
um e sim o estabelecimento de um estado 
igualitário, em que o que é concedido a um deve 
ser estendido a todos, independentemente do 
desempenho individual, pois, caso contrário, 
estaríamos estabelecendo desigualdades, 
gradações, em suma hierarquias, que vão de 
encontro ao próprio objetivo do sistema. O único 
valor a estabelecer graduações é o da antiguidade 
ou senioridade. Isso quer dizer que, se permitimos 
que o princípio da antiguidade seja o único a 
diferenciar os indivíduos, temos a certeza que o 
ideal da igualdade será mantido, pois este critério é 
algo que está ao alcance de todos e pode ser 
estendido a todas as categorias. Já o desempenho 
(mérito) depende dos indivíduos e suas 
especificidades. 
 
Jeitinho e identidade nacional 
 
Identidade social é o conceito utilizado para se 
pensar teoricamente, o processo de formação de 
um grupo e a auto-atribuição de uma imagem, 
maneira de ser ou característica que serve de 
moldura para a compreensão do mundo e de 
outros grupos sociais. O conceito de identidade 
social é um rótulo geral para designar diversas 
modalidades dessa dinâmica. Isto é, diferentes 
formas de percepção que se constroem no interior 
das sociedades e norteiam as relações entre grupos 
e das pessoas enquanto membros do grupo. 
Nenhum grupo possui uma identidade acabada. As 
identidades sociais são, portanto, construções 
culturais. São categorias que funcionam como 
sistema codificador de uma vasta teia de relações. 
É um sistema de classificação que separa e ordena 
uma população numa série de categorias que se 
opõem e se complementam. Os mecanismos de 
poder e dominação são aspectos fundamentais na 
construção de identidades sociais, pois hierarquias 
econômicas, políticas e simbólicas são constitutivas 
dessas respectivas atribuições e construções. A 
identidade social, segundo Roberto Cardoso de 
Oliveira, pode ser comparada à consciência 
coletiva, por meio da manipulação de uma série de 
símbolos sociais que a formam, portanto, e 
tornam-se a sua identidade. Neste estudo, Lívia 
Barbosa está mais interessada num tipo particular 
de identidade social – a identidade nacional. A 
identidade nacional abarca uma série de 
identidades menores e é por meio dela que nos 
definimos e ao país em que vivemos. É o tipo de 
identidade que vemos emergir na época dos jogos 
de futebol da Copa do Mundo. Nesse momento toda 
a diversidade interna da sociedade brasileira é 
dissolvida e anulada em face da nossa identificação 
com 11 jogadores, que durante 90 minutos, 
sintetizam milhões de brasileiros e uma unidade 
geográfica de mais de 8,5 milhões de Km2. Nesse 
momento, as outras identidades construídas tendo 
como base a etnia, o gênero ou a classe são 
englobadas pela identidade construída tendo como 
base a nação, isto é, o Brasil. Isso quer dizer que, 
num jogo entre Brasil e Argentina as diferenças 
entre patrão e empregado dão lugar às diferenças 
entre argentinos e brasileiros. Por outro lado, o 
movimento englobador da identidade nacional não 
significa que ela promova sempre uma 
homogeneização positiva, como no caso do futebol, 
mas, ao contrário, ela pode emergir em situações 
de identificação negativa quando reprovamos ou 
nos envergonhamos de ser parte deste país: 
“decididamente, este país não tem jeito”, “não 
adianta, isso aqui não vai pra frente”, “com esse 
povo só matando”, “êta povinho ruim”. Neste caso, 
diante de um acontecimento negativo, toda a 
sociedade brasileira é homogeneizada a partir de 
um ângulo negativo. Um aspecto importante da 
identidade nacional é que, para os seus membros, 
 
6
 
ela caracteriza o que o indivíduo é, ao invés do que 
ele faz, como acontece com identidade de 
coletividade de funções específicas, como por 
exemplo de uma classe trabalhadora. É justamente 
nesse contexto que se insere o jeitinho enquanto 
elemento definidor de nossa “brasilidade”. Quando 
qualificamos determinado tipo de ação e 
comportamento como jeitinho brasileiro, estamos 
anulando toda a diversidade interna da nossa 
sociedade, e adotando uma classificação 
homogeneizante, a partir da qual definimos 
milhões de pessoas. 
 
Ao jeitinho brasileiro contraponho a falta de jogo 
de cintura do anglo-saxão, a rigidez do alemão, a 
sovinice do francês etc. Ao mesmo tempo, por 
meio dessas categorias, que funcionam como 
símbolo, expresso valores a respeito das demais a 
partir do contexto que utilizo, produzindo um 
discurso coerente e “ideológico” sobre um 
determinado conjunto de relações que considero 
como representativas daquilo que julgo ser 
brasileiro. Quando nos referimos como jeitinho 
brasileiro como um elemento de identidade social, 
não significa dizer que acreditamos que ele 
simbolize a totalidade da sociedade brasileira e 
nem que seja uma exclusividade nossa. Significa 
apenas, que em determinados contextos ele 
sintetiza um conjuntode relações e procedimentos 
que os brasileiros percebem como sendo deles. E 
essa totalidade expressa na categoria brasileiro só 
se mantém intacta, a uma certa distância de um 
determinado ponto específico. 
 
A Identidade social brasileira positiva 
 
O jeitinho encarna o nosso espírito cordial, alegre, 
simpático, caloroso, humano etc. de um país 
tropical, bonito, sensual, jovem e cheio de 
possibilidades. Justamente os aspectos que são 
contrastados com os países anglo-saxões e que nos 
fornecem uma leitura deles como frios, rígidos, 
quadrados etc. Nesse contexto, nossa identidade 
histórica é manipulada de forma bastante positiva, 
pois a nossa mistura racial, o nosso clima, a 
maneira de o português lidar com as outras etnias 
são cotados como uma das causas possíveis desse 
nosso modo de ser. Nesse sentido, o jeitinho 
brasileiro promove uma homogeneização positiva, 
anulando toda a nossa diversidade interna a partir 
da enfatização de determinadas “qualidades” do 
povo. 
 
A Identidade social brasileira negativa 
 
Em contraste com a frase atribuída ao presidente 
De Gaulle “Esse não é um país sério”. Por que não 
somos sérios? Não somos sérios porque permitimos 
que a amizade tenha mais valor do que o 
cumprimento da lei; porque relações pessoais, uma 
vez estabelecidas, tomam precedência sobre 
qualquer outro critério; porque o cidadão brasileiro 
tem vários parentes próximos que não o deixam 
reinar sozinho em nosso ambiente social. Em 
suma, não somos sérios porque todos os 
parâmetros da ideologia individualista, 
consubstanciados num tratamento igualitário de 
todos perante a lei, são permanentemente vazados 
na prática social de vários domínios da sociedade 
brasileira pela nossa perspectiva relacional, que 
transforma o público em privado e, assim, torna 
legítimo o que seria espúrio sob aquela 
perspectiva. Somos originários de um país que 
sempre foi incompetente e inepto na condução de 
seus próprios negócios e na nossa colonização. 
Sintetizando, utilizamos o jeitinho como símbolo da 
nossa desordem institucional, incompetência, 
ineficiência e da pouca presença do cidadão no 
nosso universo social, reafirmando nosso eterno 
casamento com uma visão de mundo relacional. 
 
 
Exercício: Segundo Lívia Barbosa “As identidades sociais são, 
portanto construções culturais. São categorias que funcionam 
como sistema codificador de uma vasta teia de relações”. De 
acordo com a ampla discussão em sala de aula sobre a 
identidade social brasileira, trace os principais aspectos que 
melhor representam a cultura do brasileiro, e como o 
conhecimento dessas características pode contribuir como 
estratégia eficaz de um Gestor nas empresas.

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