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AULA 08 – A QUESTÃO AGRÁRIA (1930 – 2013)

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AULA 08 – A QUESTÃO AGRÁRIA (1930 – 2013)
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Travar contato com a questão agrária ao longo da História Contemporânea do Brasil;
2. Conhecer as principais tentativas de realização da reforma agrária no Brasil;
3. Identificar os princípios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
https://www.youtube.com/watch?v=7rx2mw9iF5s
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) é o mais reconhecido dos movimentos sociais pela Reforma Agrária no Brasil. Quando, através de uma ação política organizada, ocupam uma terra improdutiva, criam um assentamento, cujo objetivo é descrito no texto a seguir, retirado da página do MST: A expressão ‘assentamento’ é utilizada para identificar não apenas uma área de terra no âmbito dos processos de Reforma Agrária, destinada à produção agropecuária e ou extrativista. É também um espaço heterogêneo de grupos sociais constituídos por famílias camponesas, que ganha vida depois de desapropriado ou adquirido pelos governos federal e/ou estaduais, com o fim de cumprir as disposições constitucionais e legais relativas à Reforma Agrária.
As famílias assentadas têm o compromisso de promover uma agroecologia cooperada que crie a base material e técnico-científico para repensarmos as nossas relações com a natureza e com os demais seres humanos, e que eleve a produtividade física dos solos e a produtividade do trabalho, negando a lógica técnico-científica do capital, estimulando a diversificação produtiva, modificando nossos hábitos e atitudes frente à natureza e alterando nossos hábitos de consumo e de alimentação.
A partir do texto, responda:
Podemos dizer que as preocupações do MST ultrapassam a luta pela Reforma Agrária? Por quê?
Pela proposta apresentada, podemos concluir que o MST pensa não apenas a forma de realizar a Reforma Agrária, mas também uma forma transformação social ampla. Incluem-se aí novas concepções de educação, em que se transformam as relações do indivíduo com o meio ambiente, sobretudo com a terra e com os outros seres humanos.
Certamente você já ouviu falar em “latifúndio”. Desde crianças, somos levados a naturalizar a ocupação latifundiária das terras do Brasil, ocorrida já na primeira doação de capitanias e sesmarias no século XVI. Aprendemos sobre ela, mas quase nunca somos levados a refletir sobre suas consequências. Nesta aula, você poderá fazer isto! Que tal pensar sobre a injustiça social mais básica que há nas altas concentrações de terras em nosso país? Por que não ler e pensar com calma sobre a ideia da reforma agrária? E quanto ao MST, o que acha de conhecer suas origens, e entender suas propostas?
A ERA VARGAS E OS TRABALHADORES RURAIS
Você se lembra das aulas 1 e 2, de como falamos sobre a importância do trabalhismo para a sustentação de Vargas no poder? Agora é hora de sabermos como estava a situação do trabalhador rural nesse momento. Será que ele também fazia parte das políticas trabalhistas? Até o Estado Novo, Vargas pouco se preocupou com a situação do trabalhador rural. Claro que não deixava de se preocupar com os investimentos no campo, já que a economia brasileira ainda se baseava em produtos agrícolas. Mas e o trabalhador?
Antes de respondermos a esta questão, vale ler o que a historiadora Angela de Castro Gomes, especializada no tema, tem a nos dizer: A não aplicação da legislação social ao campo era identificada como uma das principais causas do êxodo rural, uma vez que o trabalhador do campo via-se ignorado e desamparado, posto à margem das preocupações dos dirigentes do país. Sem educação e saúde, sem transporte e crédito, sem possibilidade de uma atividade rendosa, acabavam ficando no campo apenas aqueles que não conseguiam migrar. Cogitar da ocupação do território nacional era, antes de mais nada, procurar fixar o homem no campo, melhorando suas condições de vida e atendendo às necessidades de nossa produção agrícola. Por isso, estabeleciam-se medidas como a concessão de crédito, pela criação da CREAI  (Conferência Regional de Educação Ambiental Interdisciplinar) em 1939; iniciavam-se estudos tendo em vista a elaboração de uma lei de sindicalização rural e a extensão do salário mínimo e dos benefícios trabalhistas à população de trabalhadores rurais. 
O governo precisava investir tanto em uma política de amparo ao trabalhador rural como em obras que estimulassem o produtor, respondendo às necessidades da agricultura: saneamento, imigração e transportes (Gomes, 1999, p. 70). Os comentários da autora se referem ao início do Estado Novo. Como se pode perceber, o campo havia ficado fora da legislação trabalhista e previa-se uma extensão que nunca viria a ocorrer, por conta de pressões dos donos de terras. Você deve atentar também para o fato de que tais preocupações, embora não desprezem o bem-estar do trabalhador rural, estavam voltadas, fundamentalmente, para sanar o problema do êxodo rural, que ganharia força ao longo dos anos.
Vargas, apreensivo com a organização das grandes cidades do Sudeste, com o crescimento das favelas no Rio de Janeiro e dos bairros pobres (onde já moravam os imigrantes) em São Paulo, demonstra preocupação com os trabalhadores rurais. Vale prestar atenção também à total ausência de referências à reforma agrária. A lógica que embasava as ideias do governo era de favorecimento do produtor (do dono da terra) que, bem amparado, produziria mais e melhor. Fazia parte desta lógica de amparo aos donos de terras o favorecimento do trabalhador rural, pois se acreditava que um trabalhador satisfeito seria preferível a um que desejasse abandonar o campo para migrar para as cidades. A ideia dos patrões, contudo, era diferente. Acreditava-se que trabalhadores com acesso a direitos, educação e saúde seriam perigosos, pois seriam mais ativos politicamente. Isso não era tão diferente do que os patrões dos trabalhadores urbanos pensavam. Mas você deve lembrar que a presença de agentes dos governos nas cidades era facilitada pela oferta de transportes eficientes em abundância. Já para chegar à zona rural, sobretudo no interior, os funcionários teriam que passar por verdadeiras aventuras, o que levava à ausência do Estado lá.
A MARCHA PARA OESTE
Quanto à doação de terras, ela acontecia em áreas pouco povoadas, principalmente no que ficou conhecido como “Marcha para o Oeste”, cuja proposta era ocupar o Centro-Oeste brasileiro, até então pouco conhecido e povoado. Era o caso do vale do Amazonas, do Tocantins e do Araguaia e do sertão nordestino (onde não houvesse ocupação prévia, claro). Tais terras eram destinadas tanto a trabalhadores da região como aos imigrantes sem emprego nas cidades. A última informação do parágrafo anterior é muito importante. Afinal, boa parte da política de Vargas para o campo estava associada ao problema da imigração.
Era uma preocupação de Vargas o que fazer com os imigrantes que não haviam se adaptado à realidade das cidades (e que, segundo a lógica do Estado, se mostravam como uma ameaça à ordem pública). Além disso, também se pensava nos outros imigrantes que o país viria a receber, por conta do êxodo europeu durante a II Guerra Mundial. Contudo, mesmo que não fossem o alvo principal, os trabalhadores brasileiros poderiam ser beneficiados. Contudo, como já dissemos, os proprietários rurais não estavam interessados na extensão dos direitos trabalhistas ao campo e, por outro lado, os fiscais do governo não conseguiriam chegar ao campo com facilidade. Resultado? Se você pensou que, ao fim do Estado Novo, tudo continuava como sempre fora, acertou!
SERTÃO NORDESTINO
Quando olhamos para a imagem ao lado, rapidamente nos lembramos de um vasto conjunto de ideias, não é? Seca, fome, doenças, migração... Depois de ter lido a primeira parte de nossa aula, você já deve associá-la também à ausência do Estado e à ineficiência das leis. Contudo, será que o interior do Brasil só era vinculado a imagens negativas? A zona rural (sobretudo do Nordeste) vinha sendo trabalhada pela arte como um espaço de “reservada brasilidade” desde o início do século XX, com o lançamento de Os sertões, de Euclides da Cunha.
Diferente do Sul e Sudeste, principalmente no litoral, que haviam recebido muitos imigrantes e se abria à influência internacional, essa região havia ficado relativamente intacta. Daí a ideia de que lá residia a verdadeira brasilidade. O modernismo, sobre o qual falamos nas aulas 1 e 2, não ficou imune a esta ideia. Embora, em um primeiro momento, as áreas urbanas tenham sido valorizadas como acesso do Brasil à modernidade (o que era uma pauta modernista), durante as décadas de 1930 e 1940 os artistas começaram a se interessar pelo sertão e pelo interior. A lógica era associar uma linguagem experimental (modernista, portanto) com temas locais, de forma que o conjunto da obra pudesse dar conta de uma brasilidade ao mesmo tempo original (porque preservada) e moderna (porque experimental). Contudo, não estavam de fora dessa operação as preocupações sociais. Muitos escritores chamados “regionalistas”, como Rachel de Queiroz e Jorge Amado, lançaram um olhar politizado sobre o campo.
Esse é igualmente o caso de Graciliano Ramos. Você deve se lembrar de que Graciliano foi um dos exemplos que demos de comunistas perseguidos durante o Estado Novo. Em 1938, o autor lançou Vidas secas. Leia um trecho do livro: O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono (Ramos, 2010. p. 23).
 
Como o autor constrói a relação entre patrão e trabalhador rural no trecho lido?
O patrão pretendia humilhar o trabalhador, porque acreditava que assim o mantinha dócil, por medo. Por outro lado, o trabalhador apenas fingia obedecer, fazendo tudo de sua maneira.
Como você pôde perceber pelo trecho, a literatura era capaz de fazer denúncias que não eram explícitas. Através do raciocínio e visão de mundo do personagem sertanejo, critica-se também a ausência do governo. Não foi à toa que Graciliano sofreria a repressão do Estado Novo. Contudo, é preciso atentar para o fato de que esta literatura, por mais denunciativa que fosse, não se destinava ao trabalhador rural (analfabeto, na maior parte das vezes), mas aos brasileiros de classe média das cidades. A ideia de uma arte que pudesse se dirigir diretamente aos excluídos só surgiria mais tarde, no fim do Período Democrático.
O Período Democrático, de 1946 a 1964, já contava com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), assinada em 1943, ainda no Estado Novo. Mas será que a situação do trabalhador rural havia mudado? Para responder, basta ler o trecho a seguir, que se refere à criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1945, com a participação do próprio Getúlio Vargas: Na mesma ocasião foi aprovado o programa do partido, que defendia a manutenção e a ampliação da legislação trabalhista consolidada durante o Estado Novo, a extensão dos benefícios dessa legislação aos trabalhadores rurais, a reforma agrária, o direito à greve pacífica e a conciliação entre as classes sociais. Que conclusões você pode tirar sobre a situação do trabalhador rural no início do período democrático? Como o trecho ainda fala na intenção de estender os benefícios aos trabalhadores rurais, podemos concluir que estes ainda estavam desamparados, sem a proteção do Estado.
O PERÍODO DEMOCRÁTICO E A REFORMA AGRÁRIA
Após ter respondido a essa questão, você já sabe como estavam os trabalhadores rurais em meados da década de 1940. Bem, não deve ser difícil imaginar o que aconteceu ao longo do Período Democrático, certo? Sim, a legislação existia, as promessas de campanha também, mas a real aplicação das leis era sempre retardada. Mesmo governos que se comprometeram explicitamente com a reforma agrária, como o de Getúlio Vargas em 1950, não conseguiram dar conta dos problemas.
MIGRANTES NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
Um momento em que a situação ficou particularmente evidente foi a construção de Brasília. Ao mesmo tempo em que JK investia na construção do futuro com uma nova capital modernista, os trabalhadores que chegavam para as obras eram migrantes, sobretudo nordestinos.
Dir) Trabalhadores se alimentam em barracas próximas aos canteiros de obras.
(Esq) A escultura “Dois candangos”, de Bruno Giorgi, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
1- Que contrastes você observa na primeira imagem?
 Ao mesmo tempo em que a cidade modernista é erguida ao fundo, veem-se os claros sinais de pobreza entre aquelas que erguiam a nova capital.
2- Pesquise o sentido da palavra “candango” e explique a existência desta escultura na capital do país.
Um dos possíveis sentidos de “candango” é “coisa ruim, de má qualidade”. Este termo, aplicado aos trabalhadores que construíam Brasília, indica uma visão bastante pejorativa sobre os migrantes. A escultura foi construída como forma de homenagear os pioneiros de Brasília.
OS CANDANGOS
Através da observação das imagens e da resposta às questões, você pode perceber a situação humilhante que os migrantes ocupavam neste “país do futuro”, que era o Brasil dos anos 1950.
Aos poucos, os candangos passariam a morar nas cidades-satélites (em torno da capital), formando núcleos de extrema pobreza e carestia nas bordas do centro administrativo do país. Com o tempo, o termo “candango” perdeu o sentido pejorativo, sendo aplicado a todos que nascem na cidade.
A ARTE ENGAJADA
Como tivemos oportunidade de ver, em nossas duas últimas aulas, a arte no Brasil tem como forte traço a relação estreita com a política. Nesse momento, vimos que os artistas comprometidos com uma leitura nacional-populista viam os brasileiros mais pobres como os depositários da nacionalidade. Esta postura, evidentemente, está de acordo com a leitura modernista que vimos. Contudo, no lugar de apenas apreenderem as características nacionais e/ou de fazer política através da obra de arte (sobretudo da literatura), os artistas também investiam na politização do público.
Já assistimos, na aula 7, a um trecho do filme O desafio, em que parte da peça Opinião foi registrada. Lá, percebemos um pouco desse esforço de politização. Veja, agora, Zé da Cachorra, curta-metragem de Miguel Borges, de 1962:
https://www.youtube.com/watch?v=YPAcEzRfAXM
O filme faz parte da obra coletiva chamada Cinco vezes favela. Como você terá oportunidade de perceber em seguida, a favela é o tema principal do curta, mas o Sertão e os migrantes não ficam de fora. Assista!
1. Logo no início da narrativa, ouvimos a utilização do termo “grileiro”. Pesquise a origem do termo e explique por que ele pode ser considerado um indício das relações entre o sertão e as favelas.
Grileiros eram invasores de terras do governo, que usavam grilos para manchar documentos falsos, de forma a dar a eles uma aparência realista. De posse desses documentos, exploravam as terras que poderiam ser usadas na reforma agrária. Típicos do interior do Brasil, os grileiros atuaram também nas favelas cariocas, agindo de forma bastante semelhante, mas explorando a locação de barracos.
 
2. Ao fim do curta, que impressão você teve sobre o destino dos migrantes nas cidades?
Mesmo fugindo da miséria do Sertão, os migrantes encontram dificuldades de se estabelecer na grande cidade. Nem mesmo nas favelas, teoricamente de livre acesso a todos, estavam livres da exploração.
JANGO E A REFORMA AGRÁRIA
O curta a que você assistiu foi lançado no contexto da renúncia de Jânio e da chegada de Jango ao poder, sob o regime parlamentarista. A partir do que vimos até agora, podemos perceber que, quase no fim do Período Democrático, a situação só se agravava. O mais grave desta situação é que, até a década de 1960,os trabalhadores rurais eram a maioria dos trabalhadores no Brasil. Ao mesmo tempo, mantinha-se a relação desigual na posse de terras, com alta concentração das terras nas mãos de poucos. Leia um comentário sobre o Censo de 1960: [Destaca-se], desde logo, o fato de que, dos 8.510.000 km², apenas 31% encontravam-se ocupados e, nem sempre, de forma efetiva (Silva, 1990, p. 359).
Ou seja, o Brasil precisava urgentemente de uma reforma agrária! No período, sem dúvida foi o governo de João Goulart o que mais se preocupou com a questão. Aliás, já vimos que foi justamente a sua intenção de desenvolver diversas reformas no Brasil que levou ao Golpe que iria depô-lo e instituir a ditadura civil-militar, em 1964. Entre suas ações, o lançamento do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, previa a extensão dos direitos trabalhistas ao campo.
O Estatuto, contudo, foi recebido de forma agressiva pelos donos de terra, que começaram a expulsar os trabalhadores que exigiam seus direitos, aumentando ainda mais o êxodo rural. Já no Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, pensado para o período de 1963 a 1965, estava clara a intenção de favorecer o pequeno proprietário rural que comprovasse ter ocupado e feito render, sem contestação, terras virgens. O mais difícil nisso tudo era, claro, o detalhe da “contestação”. Afinal, bastava uma terra ser ocupada para que seu dono aparecesse, exigindo a expulsão dos trabalhadores. Enfim, apesar dos esforços de Jango, é importante nós percebermos que a própria Constituição de 1946 era conservadora nesse âmbito: ela exigia indenização aos proprietários, deixando o governo despreparado, em termos financeiros, para bancar a reforma. Ainda assim, Jango não desistiu. Dias antes do Golpe, um projeto de reforma agrária seria enviado ao Congresso, mas nunca chegaria a ser votado, devido ao Golpe de 1º de abril de 1964.
AS LIGAS CAMPONESAS
Embora, na política oficial, a história até aqui tenha sido de derrotas, é preciso reconhecer que na zona rural, desde 1955, começava um movimento em prol da reforma agrária que prescindia das leis e dos decretos: eram as Ligas Camponesas. Iniciadas no interior do Pernambuco, as Ligas começaram com a tentativa de trabalhadores rurais de uma fazenda de se organizar através de cotas, para alcançar benefícios que as leis não garantiam. Acusados de “comunistas” e impedidos de se organizar, procuraram ajuda na cidade, com o advogado Francisco Julião, que seria reconhecido como líder. Através das ações de Julião, a fazenda seria desapropriada em 1959, resultando em uma vitória significativa para os trabalhadores rurais. Rapidamente, a ideia das Ligas se espalhou pelo Nordeste. Nesse contexto, contudo, em que a Revolução cubana acabara de ser realizada (com forte participação de trabalhadores rurais), as Ligas eram cada vez mais associadas com o comunismo, o que gerou uma perseguição atroz contra seus líderes. Já sob a ditadura civil-militar, o movimento seria desarticulado.
OCUPAR PARA REDEMOCRATIZAR: O SURGIMENTO DO MST
Como já vimos, a história da ditadura civil-militar também foi de repressão no campo, com prisão dos líderes das Ligas Camponesas e inibição de qualquer forma de organização política. Outra herança da ditadura é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA, criado no início dos anos 1970. Com algumas interrupções devido a crises políticas, desde então é este órgão que trata da reforma agrária no país. Apesar de ter criado o Estatuto da Terra ainda em 1964 – que ainda dá as bases para a reforma agrária –, a ditadura pouco fez na direção de uma reforma efetiva. Na maior parte dos casos, o Estatuto foi usado como forma de controle dos movimentos sociais.
E os camponeses que haviam se organizado com as Ligas, não deixaram rastro? Nenhuma semente? Sim, os movimentos sociais no campo seriam retomados e, a partir da Abertura, a luta pela reforma agrária retomaria o ritmo. Com apoio da igreja católica e de igrejas protestantes, diversos trabalhadores rurais se organizariam para realizar ocupações, sempre como forma de forçar o governo a realizar a reforma que, institucionalmente, só acontecia (e ainda acontece) de forma muito lenta. A partir desses movimentos organizados, teria origem o maior e mais conhecido movimento de luta pela reforma agrária no Brasil: o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). É sobre esse movimento que falaremos a seguir.
O MST
O movimento surgiria em plena agitação das Diretas Já, através do Primeiro Encontro Nacional dos Sem Terra, em Cascavel, Paraná, em 1984. Embora não tenha sido uma fundação oficial, este foi considerado o primeiro passo para a organização do movimento. Durante o governo Sarney, apesar das promessas de realização efetiva da reforma com o Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA), nada foi feito de efetivo. Apesar disso, a promulgação da Constituição de 1988 considera o plano um marco na luta pela Reforma Agrária, por ter incluído em seu texto a regulamentação da função social da terra e o direito à ocupação quando tal função é desrespeitada.
Durante os anos 1990, o caráter neoliberal dos governos favoreceu a bancada ruralista, gerando muitas perdas para o MST. Foi também nessa década que aconteceu o massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 ativistas do MST foram mortos pela PM do estado do Pará, uma semana antes da criação do Ministério da Reforma Agrária pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Claro que essa não era a primeira vez que os ativistas sofriam com a repressão policial, mas foi o caso de maior repercussão. O massacre levou a uma crise política, ajudando a evidenciar, em âmbito nacional, o nível de violência com que os ativistas eram tratados.
Mesmo com a repercussão, é bom ressaltar que parte considerável da mídia ficou contra o movimento. Como exemplo, leia a retrospectiva, de 2009, que a revista Veja fez das matérias que dedicou ao MST, intitulada Os 25 anos do MST: invasões, badernas e desafios à lei. Que termos são usados pela revista para se referir ao MST? Como esses termos nos ajudam a entender a opinião que a revista tem sobre o movimento?
Os termos são “invasores”, “baderneiros”, “criminosos”, “rebeldes”, entre outros. A Revista Veja se mostra, evidentemente, contrária ao MST. Os termos pejorativos de que lança mão indicam a tentativa de construir uma visão antipática dos ativistas, considerados violentos e perigosos.
DIFERENÇA ENTRE OS TERMOS
Como você pôde perceber pela retrospectiva que acabou de ler, há uma diferença fundamental entre se referir aos participantes do MST como “ativistas”, “ocupantes” ou “invasores”. Enquanto os dois primeiros exemplos dão conta de ações políticas conscientes e organizadas, o terceiro enfatiza a ideia de desordem, crime e violência. E você, já decidiu como vai se referir àqueles que participam do MST?
GOVERNO PT: AVANÇO OU RETROCESSO?
Com a chegada do PT ao poder, em 2003, a expectativa do MST e de todos os trabalhadores rurais era grande. Afinal, o Partido dos Trabalhadores foi organizado ao mesmo tempo e no mesmo clima democrático das Diretas Já, mantendo uma relação de apoio mútuo com o MST. Contudo, você precisa lembrar que, como vimos em nossa última aula, o PT que chegou ao poder não era o mesmo que se formara nos anos 1980. Ou seja, era um partido que havia aprendido a dialogar e, principalmente, a ceder. Como resultado destes ajustes, figura uma das maiores decepções da gestão PT: o ritmo lento e pouco expressivo da reforma agrária. Embora não se possa dizer que Lula ou Dilma tenham rejeitado a reforma, não se percebeu, no caso dele, e não se percebe, no dela, um avanço significativo. Houve assentamentos, em um número maior do que o dos governos neoliberais, mas não uma reforma mais ampla e completa, como se esperava. Enfim, a história da Reforma Agrária, do MST e de outros movimentos que lutam pelos mesmos ideais ainda está só começando... E você faz parte dela!
GOMES, Angela de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo.In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2010.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A modernização autoritária: do Golpe Militar à redemocratização 1964/1984. In: LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990.
Visite a página do MST e conheça mais sobre o movimento. Disponível aqui. Acesso em 20 fev. 2014.
Leia o texto A ação política do MST, de Bruno Konder, e entenda a relação do movimento com a mídia. Disponível aqui. Acesso em 20 fev. 2014.
Conheça as diretrizes do Estado Novo – PTB. Disponível aqui. Acesso em 20 fev. 2014.
Assista ao filme Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963) e reflita sobre como o cinema pensa o sertão: Acesse aqui. Acesso em 20 fev. 2014.

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