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1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação PSICOLOGIA JURÍDICA 49 U N ID A D E 4 PSICOLOGIA JURÍDICA Nesta unidade, iremos estudar a psicologia jurídica segundo seus objetivos e métodos. Além disso, iremos contextualizá-la no campo da doença mental e Direito Penal. Perceberemos ao longo da unidade como a realidade brasileira ainda não se apresenta definida quando a real condição do alienado mental ao praticar atos criminosos e seu aspecto de entendimento ao momento do ato. Analisaremos ainda, o histórico da observância da doença mental e como cada especialista na área que atua faz-se demonstrar a sua compreensão sob o assunto através dos laudos e perícias psicológicas em Direito Civil e Penal. OBJETIVOS DA UNIDADE: Definir o campo de atuação da psicologia jurídica; esclarecer que a perícia não se reduz a mero meio de prova, pois tem como função instruir e subsidiar tecnicamente as teses das partes e sentenças dos juízes. PLANO DA DISCIPLINA: • Objetivo. • Métodos (Investigação em Psicologia Jurídica). • Doença mental e Direito. • Responsabilidade penal. • A Dinâmica psicosocial das decisões judiciais. • Laudo e perícia psicológica em Direito Penal e Civil. • Tipos de avaliações periciais. • Doença mental, perturbação da saúde mental e Direito. Bons estudos! UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 50 PSICOLOGIA JURÍDICA: OBJETIVO Das idéias trazidas até aqui, vale relembrar que a Psicologia Jurídica, numa compreensão transdisciplinar do homem e de sua conflitualidade, pode ajudar o direito a cumprir sua imensa responsabilidade com a justiça. E ainda tem como objetivos: a) ser capaz de apontar ao mundo jurídico conhecimentos com intuito de auxiliar o legislativo na elaboração de leis mais adequadas à sociedade; b) contribuir na tarefa de assessoramento judicial, colaborando na organização do sistema de administração da justiça e; c) tratar dos fundamentos psicológicos da justiça e do direito. MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA Muñoz Sabaté (1980) estabelece três grandes caminhos para o método psicojurídico, são eles: A psicologia do direito, cujo objetivo seria explicar a essência do fenômeno jurídico, isto é, a fundamentação psicológica do direito uma vez que todo o direito está repleto de conteúdos psicológicos. Essa tarefa de investigação psicológica do direito recebeu a denominação de psicologismo jurídico, representada basicamente pela escola do realismo americano e escandinavo e apresenta-se como uma formulação eminentemente teórica até o momento não sufucientemente investigada. A psicologia no direito, que estudaria a estrutura das normas jurídicas enquanto estímulos vetores das condutas humanas. As normas jurídicas destinam-se a produzir ou evitar determinadas condutas e, nesse sentido, carregam inúmeros conceitos de natureza psicológica. Nesse aspecto, a psicologia no direito é uma disciplina aplicada e prática. A psicologia para o direito, esta sim a psicologia jurídica como ciência auxiliar do direito, tal como a medicina legal, a engenharia legal, a economia, a contabilidade, a antropologia, a sociologia e a filosofia, entre outras. É a psicologia convocada a iluminar os fins do direito. DOENÇA MENTAL E DIREITO O Direito Penal, enquanto ciência, faz-se necessário acompanhar a evolução dos tempos, as mudanças da vida social a fim de que essa capacidade de tutelar os interesses não se perca diante do passar dos anos. Um dos maiores frutos da escola positiva foi a criação da Criminologia, que procurou definir um conceito naturalístico do crime, conceituando-o como “comportamento desviante”, procurando ver em seu autor uma realidade sociobiopsicológica, nascendo o entendimento de ser a pena medida de prevenção a novas ações criminosas, devendo ser ajustada às características do criminoso, a fim de integrá-lo ao convívio social. PSICOLOGIA JURÍDICA 51 A consciência e a vontade foram então consideradas as funções psíquicas básicas que determinam a conduta da pessoa e seus atos. Isto por que, devido a elas o comportamento é dirigido de certo modo, podendo haver a repressão dos impulsos ou, ao contrário, sua ativação ou a sua conversão em ações voluntárias, conforme vimos na teoria da psicanálise durante nosso estudo da unidade II. Assim, a responsabilidade supõe no agente, duas condições: a liberdade e a consciência da obrigação. Isto porque a loucura quando leva ao crime, uma das causas mais comuns é a perda da lucidez entre nós e as perspectivas que podemos ter no enfrentamento. Você deve estar se questionando: como proceder quando os indivíduos em questão possuem desvios de ordem psíquica que os transformam, por vezes, em verdadeiras máquinas de matar, de violentar ou de produzir barbaridades inimagináveis? A reclusão pura e simples num presídio qualquer seria capaz de curar o doente mental do mal que o domina, dando à comunidade a segurança de que aquele internado ao ser posto em liberdade não irá praticar outras atrocidades? (Participe do fórum de discussão) O Direito Penal, diante desses questionamentos, busca auxílio em outras ciências na tentativa de melhor compreender as ações criminosas e o perfil dos delinqüentes. É certo que em casos onde a ofensa é produzida por um comportamento desviante, a complexidade que já existia na tarefa de se estipular a pena ser aplicada ao autor do crime, torna-se ainda maior diante da confusa personalidade de um alienado mental. A Psicopatologia Judiciária, portanto, busca abordar os aspectos psicológicos das perturbações mentais do ponto de vista da aplicação da justiça. RESPONSABILIDADE PENAL A imputabilidade, segundo Marcello Jardim Linhares (1978), é um atributo da pessoa, um modo de agir relativamente a um fato que a lei define como crime. A responsabilidade penal só existe quando o agente for imputável, ou seja, quando reúne a capacidade de entendimento e a capacidade de querer a realização do ato ilícito. Por capacidade de entendimento se considera a faculdade intelectiva, a possibilidade de conhecer, de compreender, de discernir os motivos da própria conduta. Significa a possibilidade de o agente saber quando transgride uma norma, quando descumpre um dever e que, por isso, estando agindo antijuridicamente, pode receber uma sanção (LINHARES, 1978). Como você perceberá, não variam muito os conceitos doutrinários do direito e da psiquiatria sobre a responsabilidade criminal. Para o direito, a doutrina majoritária entende ser responsável em direito penal aquele que pode responder pela infração que cometeu; o delinqüente não pode ser declarado responsável se não reunir dois elementos: a imputabilidade e a culpabilidade. Já para a psiquiatria: O princípio da repressão penal pressupõe o domínio de certa liberdade em todo o comportamento individual. Com suas obrigações e proibições, a lei pretende limitar a escolha pelo sujeito entre as relações UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 52 possíveis a uma dada situação. Ainda não julga os atos apenas pelos seus efeitos, senão também pelas intenções que os dirigem; de tal forma, um homicídio pode ser intencional e outras vezes não (Id. Ib.; p. 23). No caso de distúrbio mental, pode-se dizer que a responsabilidade penal não existe, uma vez que a mesma exige condições mínimas de saúde e de maturidade mental. Doença ou distúrbio mental é qualquer estado patológico da mente clinicamente diagnosticável, seja de ordem psíquica, seja conseqüente de uma moléstia física ou permanente. A prática e o saber psiquiátricos constroem-se, dessa forma, em estreita relação com o campo da justiça criminal, questionando os pressupostos da doutrina clássica do direito penal, tais como: responsabilidade e livre-arbítrio(Castel, 1978; Harris, 1993; Foucault, 1991). A DINÂMICA PSICOSOCIAL DAS DECISÕES JUDICIAIS Uma série de projetos foi realizada para modificar o código até então vigente e adequá-lo aos avanços da ciência penal: o código brasileiro deveria acompanhar os avanços da criminologia (Schwarcz, 1995; Salla, 1999). Vejamos então como se caracteriza, no Brasil, o procedimento adotado com os doentes mentais delinqüentes. A doença mental no código de 1940 é causa excludente de culpabilidade e, por isso, os doentes mentais criminosos são absolvidos. Uma vez que são absolvidos e carentes de culpabilidade não devem ser punidos, mas tratados. Dessa forma, aplica-se a tais louco-criminosos a medida de segurança com internação em manicômio judiciário, a qual se funda em sua periculosidade presumida por lei (artigo 78, I). Um ponto a ser considerado com relação à medida de segurança, no código de 1940, é seu caráter indeterminado, sendo fixo apenas o tempo mínimo. Este, em que pese a sua determinação com base na periculosidade, guarda estreita relação com o crime cometido. Nesse sentido, a internação no Manicômio Judiciário tem seus termos definidos no artigo 91: Art. 91. O agente isento de pena, nos termos do artigo 22, é internado em manicômio judiciário. § 1. A duração da internação é, no mínimo: I — de seis anos, se a lei comina ao crime pena de reclusão não inferior, no mínimo, a 12 anos; II — de três anos, se a lei comina ao crime pena de reclusão não inferior, no mínimo, a oito anos; III — de dois anos, se a pena privativa de liberdade, cominada ao crime, é, no mínimo, de um ano; IV — de um ano nos outros casos. PSICOLOGIA JURÍDICA 53 § 2. Na hipótese do nº IV, o juiz pode submeter o indivíduo apenas a liberdade vigiada. § 4. Cessa a internação por despacho do juiz, após perícia médica, ouvidos o Ministério Público e o diretor do estabelecimento. § 5. Durante um ano depois de cessada a internação, o indivíduo fica submetido à liberdade vigiada, devendo ser de novo internado se seu procedimento revela que persiste a periculosidade. Em caso contrário, encontra-se extinta a medida de segurança. Alguns pontos mostram-se interessantes, no que se refere aos termos definidos anteriormente. Como dizem Hungria e Fragoso (1978, p. 189-190), “o tempo mínimo fixado visa “proteger” o juiz de “influências espúrias” de “laudos superficiais ou conclusões prematuras””. Hungria e Fragoso põem em evidência a permanência do conflito entre juristas e psiquiatras, os quais “estão sempre inclinados a conjecturas otimistas sobre a cessação de periculosidade dos pacientes”. Laudo e perícia psicológica em Direito Civil e Penal A perícia psiquiátrica é um documento de caráter clínico-psiquiátrico, solicitado pela justiça com objetivo de atestar a condição mental de uma pessoa e assessorar tecnicamente a justiça em duas situações básicas: na avaliação da interdição civil por razões mentais e na avaliação de inimputabilidade. No primeiro caso, avaliando a capacidade civil, a perícia psiquiátrica se dará no Direito Civil e na questão da imputabilidade, no Direito Criminal. Estão previstos em lei alguns impedimentos formais para a nomeação ou aceitação do perito; seriam no caso dele atuar nos processos onde: a) for parte; b) houver prestado depoimento como testemunha; c) for cônjuge, parente em linha reta em qualquer grau ou parente em linha colateral até segundo grau (irmão ou cunhado) do advogado da parte; d) for cônjuge, parente em linha reta em qualquer grau ou parente em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho) da parte; e) for membro da administração de pessoa jurídica que é parte no feito. Além desses impedimentos formais, a legislação prevê que perícia será considerada suspeita quando o perito for: a) amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; b) credor ou devedor de qualquer das partes, ou isso ocorrer com seu cônjuge, bem como aos parentes em linha reta em qualquer grau ou em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho); c) herdeiro, donatário ou empregador de qualquer das partes; UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 54 d) presenteado de qualquer das partes ou as houver aconselhado em relação à causa ou ainda as auxiliado financeiramente com as despesas do processo; e) interessado no julgamento do feito em favor de uma das partes. A avaliação do estado mental da pessoa a ser periciada deve ser relatada de forma precisa e inteligível. O objetivo dessa avaliação é informar à justiça o que a medicina constata sobre a função mental da pessoa em apreço. Apesar do desejável cuidado científico e técnico, não se trata de uma tese ou dissertação de mestrado, mas de uma informação precisa com propósitos de ser, sobretudo, inteligível. Em resumo, os objetivos básicos da Perícia Psiquiátrica não podem se distanciar do seguinte: 1 - Estabelecer o Diagnóstico Médico. 2 - Estabelecer o Estado Mental no momento da ação. 3 - Estabelecer o Prognóstico Social, isto é, indicar, do ponto de vista psiquiátrico, a irreversibilidade ou não do quadro, a incapacidade definitiva ou temporária, a eventual periculosidade do paciente. Tipos de avaliações periciais Os Exames Periciais Psiquiátricos podem ser divididos em 3 tipos básicos: no direito civil, no direito criminal (ou penal) e no direito do trabalho. Tendo como norte os objetivos desta unidade, abordaremos a seguir o primeiro e o segundo tipos. A PERÍCIA EM DIREITO CIVIL Um dos principais objetivos da Psicologia Jurídica na área do Direito Civil é a avaliação da Capacidade Civil. Quando o perito é designado em processos de interdição, de incapacidade, de prodigalidade, capacidade de doação, anulação de casamento, etc., estamos falando em perícia psiquiátrica em Direito Civil. De um modo geral, no Direito Civil a perícia psiquiátrica terá utilidade nos casos de: 1 - Ações de Interdição. No direito civil a perícia psiquiátrica tem como um dos principais objetivos avaliar a capacidade da pessoa se autodeterminar (reger seus próprios atos) e administrar seus bens. Essas perícias se baseiam na avaliação da Capacidade Civil e são requeridas pelo juiz nas ações de interdição de direito civil, como ocorre, principalmente, em deficientes mentais e pessoas demenciadas. 2 - Ações de anulações de atos jurídicos em pessoas que tenham, porventura, tomado alguma atitude civil (compra, venda, casamento, divórcio, entre outros) enquanto não gozava da plenitude de seu juízo crítico. Nesses casos, avaliam-se as condições de consciência da pessoa. Seria uma espécie de avaliação da Capacidade Civil temporária. PSICOLOGIA JURÍDICA 55 3 - Avaliação da capacidade de testar. Como no caso anterior, a perícia psiquiátrica aqui é solicitada nas ações de anulações de testamentos. Isso ocorre em casos onde, supostamente, a pessoa tenha tomado alguma atitude testamentária sem que gozasse plenamente de reger plenamente seus atos. 4 - Anulações de casamentos e separações judiciais litigiosas. Mais ou menos com os mesmos objetivos dos casos anteriores. 5 - Ações de modificação de guarda de filhos, normalmente quando o cônjuge tutor demonstra insuficiência psíquica para manter a guarda do(s) filho(s). 6 - Avaliação de transtornos mentais em ações de indenização e ações securitárias. Esses exames estão, normalmente, relacionados à medicina ocupacional, nas ações de anulações de atos jurídicos em pessoas que tenham, porventura, tomado alguma atitude civil (compra, venda, casamento, divórcio, etc.) enquanto não gozava da plenitude de seu juízo crítico. A CAPACIDADE CIVIL Segundo do Código Civil Brasileiro (art.12), “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” e, para tal, entende-sea capacidade de direito como sendo a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Juridicamente a capacidade é entendida como o requisito necessário para o sujeito agir por si, avaliando corretamente a realidade e distinguindo o lícito do ilícito, o desejável do prejudicial, o adequado do inadequado e assim por diante. Ao contrário, a incapacidade civil é a restrição legal ou judicial ao exercício da vida civil, incapacidade de avaliar plenamente a realidade e de distinguindo o lícito do ilícito. E como tantas outras situações na psiquiatria ou nas avaliações humanas, também a questão da capacidade-incapacidade não se resume em uma posição exclusivamente binária (capaz ou incapaz). A incapacidade poderá ser absoluta ou relativa (arts. 32 e 42 do Código Civil), de tal forma que as pessoas consideradas absolutamente incapazes, não poderão exercer direta ou pessoalmente seus direitos, devendo ser representados pelos pais, tutores ou curadores. A PERÍCIA EM DIREITO CRIMINAL Para as perícias criminais, segundo o Código de Processo Penal (CPP), o encargo pericial também é obrigatório e exige-se o trabalho de dois peritos oficiais concomitantemente. Em síntese, a perícia psiquiátrica em Direito Criminal (ou Penal) objetiva, principalmente, o seguinte: 1 - Verificação da capacidade de imputação nos incidentes de insanidade mental. Nesse caso está em jogo a imputabilidade normalmente atrelada à capacidade da pessoa discernir o que faz, ter noção do caráter ilícito e de se autodeterminar. UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 56 2 - Verificação da capacidade de imputação nos incidentes de farmacodependência. Trata-se da difícil avaliação da imputabilidade ou semi- imputabilidade que se aplicam aos dependentes químicos e alcoólatras. 3 - Exames de cessação de periculosidade nos sentenciados à medida de segurança. Quando as pessoas internadas em casas de custódia (manicômio judiciário) ou em tratamento ambulatorial compulsório são avaliadas para, mediante laudo, terem cessado a periculosidade que determinou a medida de segurança. 4 - Avaliação de transtornos mentais em casos de lesão corporal e crimes sexuais. 5 DOENÇA MENTAL, PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL E DIREITO Segundo Hungria e Fragoso (1978, p. 59), a personalidade do sujeito representa probabilidades de conduta, havendo sempre espaço para a liberdade e autodeterminação, mediadas pela vontade. Quando se orienta no sentido da criminalidade, encontramos a chamada periculosidade como expressão da personalidade. Como o nosso código de 1940 presumia em lei a periculosidade dos doentes mentais, a personalidade deles não precisava ser avaliada no processo penal, o que objetivamente retira dos doentes mentais o “espaço de liberdade” de suas condutas: tem, a princípio, periculosidade máxima, quase como um cálculo preciso e invariavelmente certo. Ou seja, quando a periculosidade é presumida por lei, dispensa-se a prática do fato previsto como crime para aplicação da medida de segurança, sendo suficiente a ocorrência de um “quase-crime”. O crime impossível e a tentativa inadequada, embora não sejam fatos criminosos, poderiam ser considerados indícios de periculosidade. Um outro ponto a ser considerado aqui, e que se refere ao juízo de periculosidade, é a relação entre personalidade, tipo e motivação do crime: o indivíduo é considerado mais perigoso, quanto mais o crime (tipo e motivo) corresponda à sua personalidade. E o que ocorre no caso do doente mental? A partir da discussão sobre a monomania no século XIX, os psiquiatras foram chamados a atuar nos tribunais, justamente nos casos de crimes ilógicos, irracionais, inesperados, acidentais e sem motivo. Isso, para Foucault (1991), colocava os juízes diante de um grande problema, o qual deve ser compreendido dentro das modificações que vinha sofrendo o direito penal. Segundo Foucault, a questão que se impõe aos tribunais na atualidade refere-se ao sujeito delinqüente, e não mais ao crime como fato concreto. Essa questão começou a se impor aos juízes no século XIX com a intervenção da psiquiatria nos tribunais em torno dos crimes sem razão, “os crimes que não são precedidos, acompanhados ou seguidos de nenhum dos sintomas tradicionalmente reconhecidos e visíveis da loucura”. Além disso, eram crimes graves, ocorridos na esfera doméstica e, o mais importante, eram crimes sem motivo. A motivação para o ato delinqüente ganha, a partir de então, um lugar de destaque na atividade de julgar. Em fins do século XVIII e início do século PSICOLOGIA JURÍDICA 57 XIX, ocorreu um deslocamento no campo jurídico-penal, passando a ser o criminoso o objeto da punição. Dessa forma, o crime se articula à personalidade do sujeito delinqüente e desta articulação depende o sucesso do sistema punitivo; nela se baseia sua lógica. O castigo, em sua forma privativa de liberdade, que tem por fim último recuperar os delinqüentes, volta-se contra seus motivos, vontade, tendências e instintos. Eis que surge no direito penal brasileiro o novo objeto da punição, o “homem que se vai julgar”. Nos casos de loucura, esse homem é, de antemão, conhecido; não é necessário ao juiz vasculhar seu passado, desvendar suas relações, decifrar suas condutas para aplicar-lhe a sanção penal. A doença já o mostra em sua personalidade criminal, em sua máxima periculosidade e, para reconhecê-la, a psiquiatria é chamada através da perícia ou exame de sanidade mental. As duas figuras jurídicas fundamentais que costumam requerer assessoria de uma perícia psiquiátrica, a interdição civil por razões mentais e a avaliação de inimputabilidade, são baseadas no fato de que determinados transtornos mentais produzirem prejuízo da capacidade de discernimento, de controlar impulsos e da capacidade de decidir com plena liberdade. Os diagnósticos e estados mentais que aparecem mais freqüentemente diante do perito em Psiquiatria Jurídica são: Neuroses: notadamente a obsessiva-compulsiva e histérica. Psicoses: esquizofrenias, parafrenias, orgânicas e senis. Retardos mentais (oligofrênia). Transtornos de personalidade ou psicopatias. Dependentes químicos e suas complicações. Epilepsias e suas complicações. Transtornos dos impulsos (compulsões, piromania, jogo). Parafilias ou desvios sexuais. Em se constatando alguma doença ou alteração mental, a atitude pericial mais importante é saber se esta alteração já existia por ocasião do ato que determinou a perícia ou aconteceu depois, quer dizer, é importante saber se a alteração ou doença é superveniente ou não ao fato que determinou a perícia. Entretanto, apesar da possibilidade do perito psiquiátrico estabelecer um diagnóstico atual, esse fato nem sempre é suficiente para a justiça. Freqüentemente o perito deverá também estabelecer, da melhor forma possível, a condição psíquica da pessoa examinada por ocasião do ato delituoso, ou seja, deverá proceder a uma avaliação retrospectiva (do passado). Este tipo de perícia criminal normalmente visa avaliar a responsabilidade penal do examinado, ou seja, avaliar se essa pessoa apresentava algum transtorno mental no momento do crime e se tal transtorno comprometeu a A superveniência de doença mental (SDM) é quando, depois do ato delituoso, a pessoa pas- sa a apresentar sinais e sinto- mas de algum transtorno men- tal. Quando a doença mental é constatada antes do ato delituoso ou durante a tramitação do processo, este será suspenso. A lei brasileira privilegia a saúde da pessoa acusada e a suspensão do pro- cesso pleiteia sua recuperação. Quando a doença mental é constatada após condenação, haverá a interrupção do cum- primento da pena, a qual pode- rá se transformar em medida de segurança.UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 58 capacidade de entender o caráter e a natureza de seu ato, bem como se comprometeu também a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento. Na realidade o perito oferecerá à justiça subsídios para avaliar se o réu é imputável, semi-imputável ou inimputável. Outro objetivo de algumas perícias psiquiátricas é a avaliação prognóstica ou, mais didaticamente, a avaliação das perspectivas sociais do examinado. A partir das condições mentais atuais, à luz dos acontecimentos passados e, também, baseado no curso e evolução conhecidos pela psicopatologia, o perito psiquiátrico deverá estabelecer o prognóstico do examinado. A questão da periculosidade passa por esse tipo de avaliação. As perícias de avaliação prognóstica têm realçado valor em algumas situações especiais, como por exemplo; a. quando se questiona a cessação da periculosidade em internos reclusos por medida de segurança; b. por ocasião do livramento condicional, indultos de Natal (e outros) em prisioneiros que cumprem pena e; c. quando se questiona a capacidade para o pátrio (nacional) poder ou tutela de filhos em casos de maus tratos à crianças. Normalmente, essas perícias não são exclusivamente psiquiátricas, mas, sobretudo, avalizadas também por profissionais de outras áreas, como, por exemplo, assistentes sociais, psicólogos, etc. Desta forma, para uma pessoa portadora de Transtorno Mental que comete algo ilícito, depois de constatada a condição mórbida de sua sanidade psíquica por perícia psiquiátrica, não será possível atribuir-lhe a culpabilidade. Assim sendo, diante de uma situação indicativa de possível Transtorno Mental, compete exclusivamente à autoridade judicial a solicitação da perícia. Nessas circunstâncias, reconhece-se que essa pessoa não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, conseqüentemente, não pode ser rotulado como criminoso. O Código Penal vigente é ainda o de 1940, ao qual foram feitas algumas alterações através da Lei de Execuções Penais 7.209/84. É importante ressaltar que está em tramitação uma nova reforma do código penal, em sua parte geral. No entanto, ainda permanece a mesma diretriz no que se refere à atuação frente ao doente mental delinqüente. Não vamos aqui reproduzir o que se manteve, ou seja, a inimputabilidade e irresponsabilidade do doente mental e a semi-responsabilidade dos que apresentam “perturbação da saúde mental” se encontram nos mesmos termos, agora no artigo 26. Algumas modificações, no entanto, foram feitas com relação às medidas de segurança: Art. 96. As medidas de segurança são: I — Internação em hospital de custódia e tratamento ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. PSICOLOGIA JURÍDICA 59 II — Sujeição a tratamento ambulatorial. Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará a sua internação. Se, todavia o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. §1. A internação, ou o tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo fixado deverá ser de um a três anos. §2. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. §3. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de sua periculosidade. §4. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. A medida de segurança se apresenta, agora, sob a forma de internamento em hospital de custódia e tratamento ou similar e o tratamento ambulatorial. Além disso, o prazo mínimo de duração deve ser determinado pelo juiz, no limite mais estreito de um a três anos, mantendo-se, no entanto, o seu caráter indeterminado e a liberdade condicional que a segue. Os limites continuam elásticos, a lógica mantém-se: o doente mental delinqüente é englobado por uma estratégia que se centra na periculosidade — futuro, risco, probabilidade — a qual cabe uma sanção indeterminada. IMPORTANTE: A PRODIGALIDADE Prodigalidade é um termo referido pela justiça, mas sem nenhuma representação nas classificações atuais da psiquiatria (DSM.IV e CID.10), embora um especialista em psiquiatria seja capaz identificar seu significado jurídico em alguns quadros psicopatológicos. Segundo Taborda (2004), no período pré-codificação, as Ordenações Filipinas definiam o pródigo como ‘aquele que, desordenadamente, gasta, destrói a sua fazenda, reduzindo-se à miséria por sua culpa’. Pródigo é o que pratica a prodigalidade ou, no dizer do Conselheiro Lafayette, ‘quem consome e estraga seu patrimônio com gastos improdutivos sem um fim útil’. O conceito de prodigalidade é jurídico e não-psiquiátrico, embora transtornos mentais possam ser responsáveis pelo comportamento pródigo, o qual será, então, um sintoma. Pela descrição do que pretende a justiça com o termo “prodigalidade”, a psicopatologia satisfaz esse conceito, principalmente, com a sintomatologia dos estados eufóricos, próprios dos Episódios de Mania do Transtorno Bipolar UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 60 do Humor, portanto, concordando com Taborda, a prodigalidade seria sim um sintoma psíquico e não uma doença em si. Ainda na esfera dos sintomas, algumas patologias relacionadas ao controle dos impulsos ou relacionadas ao comportamento compulsivo poderiam se enquadrar naquilo que a justiça pretende com a expressão “prodigalidade”. Nesses casos, estariam as compulsões para o jogo, para as dependências químicas, para as compras e similares. Com o intuito de preservar a integridade e o patrimônio familiar, geralmente dilapidado pelas pessoas que se encaixam na descrição de “pródigos”, nossa legislação atual continua a aplicar o Decreto de 1934, ou seja, manter o dispositivo necessário para interditar parcialmente as pessoas portadoras desse sintoma. A perícia psiquiátrica que se pretende nesses casos, é auxiliar o juiz sobre a necessidade de curatela dos pródigos ou sobre alguma espécie de restrição na administração de seus bens. A partir da análise desta unidade, podemos perceber que o doente mental, no Brasil, tem o seu estatuto jurídico marcado pela ambigüidade: a sua doença é o móvel de seu ato, excluindo, por isso, a culpabilidade e a responsabilidade. Na “estratégia da periculosidade”, a punição justifica-se como tratamento, e a prevenção fundamenta-se em um ato passado. Para concluir, mais um ponto merece ser comentado com relação ao dispositivo jurídico da loucura-perigo no Brasil. Vimos que aos doentes mentais são reservadas as medidas de segurança que se fundamentam na periculosidade, ou seja, em probabilidade, suposição, hábito. “A justiça penal tem de contentar-se, aqui, com indícios, com sinais, ou sintomas, ou cálculos aproximativos para averiguar o conjunto de probabilidades, que é, afinal de contas, a personalidade individual” (Hungria e Fragoso, 1978, p. 85). A periculosidade é um risco e, por isso, uma incerteza que se expressará, talvez, num futuro também incerto. Frágil mostra-se para nós o fundamento da medida de segurança. No entanto, e aqui encontramos mais um ponto característico da política penal da loucura, tantas incertezas não se mostram problemáticas, uma vez que a medida de segurança não é uma pena. Para que ela seja aplicada, é suficiente a “razoável suspeita” ou a “fundada suposição” e, em se tratando de perigosos, não se aplica o clássico critério de solução da justiça in dubio pro reo, mas sim o in dubio pro republica.É HORA DE SE AVALIAR! Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco! Prosseguiremos nossos estudos na unidade V quando trataremos da Psicologia jurídica aplicada no judiciário. 1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação EXERCÍCIOS 19 PSICOLOGIA JURÍDICA U N ID A D E 4 PSICOLOGIA JURIDICA 1. A Psicologia Jurídica tem como objetivo contribuir na tarefa de: a) fundamentar sociologicamente a Justiça e o Direito. b) acompanhar a evolução histórica da vida social. c) assessoramento judicial. d) normatizar os comportamentos sociais. e) organizar os fundamentos médicos legais da justiça e do direito. 2. A criminologia define crime como: a) comportamento desviante. b) comportamento condicionado. c) comportamento social. d) abstração. e) comportamento adaptativo. 3. O Direito Penal tem uma visão do crime como uma realidade: a) cronológica. b) social. c) patológica. d) sociobiopsicológica. e) afetiva. 4. A avaliação da capacidade civil é um dos principais objetivos da Psicologia Jurídica em que área? a) Direito civil. b) Direito ambiental. c) Direito tributário. d) Direito criminal. e) Direito militar. 20 UNIDADE 4 - PSICOLOGIA JURÍDICA 5. A responsabilidade penal só existe quando o agente for imputável. Nos exemplos abaixo, podemos caracterizar um ato não-imputável: a) um indivíduo capaz de discernir os motivos da própria conduta. b) quando o menor comete um ato ilícito. c) um indivíduo que tenha responsabilidade sobre seu crime. d) o sujeito que tem intenção de cometer um ato ilícito. e) quando o sujeito é capaz de compreender as razões que o levaram ao crime. 6. Por capacidade de entendimento, consideramos: I - faculdade intelectiva, a possibilidade de conhecer, compreender, de discernir os motivos da própria conduta; II - consciência da transgressão de uma norma; III - a restrição legal ou judicial ao exercício da vida. A única opção correta é: a) somente a I. b) somente a II. c) a I e a II. d) as opções I e III estão incorretas. e) somente a opção III. 7. Por doença mental entendemos: I - ser qualquer estado patológico da mente, clinicamente diagnosticável, seja de ordem psíquica ou de ordem física; II - estado patológico somente de ordem física; III - estado de sanidade mental. A única opção correta é: a) I b) II c) III d) II e III e) I e III 8. Estão previstos em lei alguns impedimentos formais para nomeação ou aceitação do perito e, além destes impedimentos formais, a legislação prevê que o perito também é considerado suspeito quando este for: I - amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes; II - credor ou devedor de qualquer das partes; III - for membro de administração jurídica. 21 PSICOLOGIA JURÍDICA A única opção correta é: a) I e III. b) I. c) I e II. d) III. e) II e III. 9. O doente mental, no código de 1940, fica excluído de culpabilidade e, por tal doença, é absolvido. Qual é a medida judiciária proposta após a apresentação do laudo psiquiátrico de um louco criminoso? 10. O que se entende por “Avaliação prognóstica”? 1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação PSICOLOGIA JURÍDICA 61 U N ID A D E 5 PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO Esta unidade objetiva discutir, a partir das formas pelas quais se constituiu a categoria infância no Brasil, a atual configuração das políticas públicas voltadas para essa área, especialmente no que se refere às práticas da Psicologia Jurídica. A infância sendo considerada como uma construção social, isto é, como uma noção datada geográfica e historicamente. Apontaremos como a Psicologia Jurídica se faz presente nos processos de guarda, circunscrevendo etapas evolutivas em relação à infância. Para finalizar, abordaremos o Juizado de Menores, já reordenadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente através do programa de Justiça Terapêutica. OBJETIVOS DA UNIDADE: Descrever as práticas psicológicas e políticas públicas para a infância, mais especificamente o projeto da Justiça Terapêutica enquanto novo campo de atuação, além de discutir os processos de guarda no Juizado Civil. PLANO DA DISCIPLINA: • Juizado Cível: processos de guarda. • Novos campos de atuação: Justiça Terapêutica Bons estudos! UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 62 JUIZADO CIVIL: PROCESSOS DE GUARDA Entender a infância como uma noção datada geográfica e historicamente e não uma etapa natural da vida, implica em trazer para o debate questões relativas à família, aos vínculos mães/pais/filhos/filhas, à escola, à maternidade/paternidade e às formas de criação de filhos. Portanto, ao falar em infância não remetemos a uma abstração, mas a uma construção discursiva que institui determinadas posições, não só das crianças, mas também da família, dos pais, das mães, entre outros, instituindo determinados modos de ser e viver a infância. A partir desta consideração inicial, voltamo-nos para as políticas sociais públicas direcionadas à área da infância no Brasil, compreendendo que sua implementação, ao mesmo tempo em que se relaciona com o conhecimento que é produzido sobre a infância por uma determinada construção histórica, também produz essa infância a que se propõe conhecer. Dito de outro modo, as políticas públicas vêm constituir determinadas formas de ser criança e de se relacionar com as mesmas. Atualmente, a preocupação com o sujeito infantil, passa a se instituir cada vez mais como um problema econômico e político, alvo de inquietações de ações médicas, morais e pedagógicas. Associada à intervenção da Medicina, o campo do Direito também se voltou para a infância, visto que o grande número de crianças que perambulavam pelas ruas passou a ser compreendido como causa do aumento da criminalidade. Conforme Frota apud (CARVALHO, 2002), o primeiro código de menores brasileiro data de 1927, sendo destinado aos menores de 18 anos classificados como em situação irregular. Este código delegava aos estados a responsabilidade pela execução do atendimento de crianças e adolescentes, caracterizando-se por uma intervenção ativa dos mesmos no controle da população carente. A infância tornou-se objeto dos juristas, sendo que neste período o termo ‘menor’ foi incorporado ao vocabulário corrente (Rizzini & Pilotti, 1995). Para Rizzini e Pilotti, não houve nenhum tipo de problematização no que se refere à categoria ‘menor’, a qual incluía as seguintes classificações: abandonado, delinqüente, desviado e viciado. Também a psicologia e a pedagogia se organizaram com o propósito de estabelecer uma nova educação que possibilitasse a produção de um novo cidadão e o assentamento de uma nova raça: sadia e ativa. Desta maneira, na década de 1920 disseminaram-se as campanhas e reformas sob a denominação de “Movimento da Escola Nova”. É importante salientar que a Escola Nova valorizava o discurso científico, especialmente os advindos dos estudos da Psicologia, com o objetivo de melhor conhecer aquela a quem se pretendia ensinar: a criança. Podemos dizer que a psicologia, no Brasil, se insere na área da educação entre 1931 e 1934, tomando as crianças como objeto psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas, testadas, ordenadas e denominadas normais e anormais. Desta forma, a psicologia, ancorada em estudos experimentais e de observação de crianças,vinha reforçar as noções de variabilidade entre os indivíduos e de capacidades PSICOLOGIA JURÍDICA 63 individuais diferenciadas. A Psicologia apresentava-se, portanto, como capaz de delimitar as causas dos desvios de conduta, através do uso de testes e da análise da personalidade infantil, possibilitando ações preventivas e de correção das mesmas. Citamos como exemplo desta prática o Laboratório de Biologia Infantil, órgão anexo ao Juizado de Menores, o qual foi proposto em 1935 e passou a funcionar no ano seguinte. Contudo, não são muitos os que conhecem a atividade dos psicólogos que atuam nas Varas de Família do judiciário. A impressão das pessoas em geral é que a decisão da guarda, visita dos filhos e pensão alimentícia em casos de separação do casal compete exclusivamente ao juiz da causa, quem, por sua vez, se fundamenta em aspectos legais e morais. Há cerca de 20 anos, a Psicologia passou a ser um fator importante nas decisões em direito de família, o que abriu um importante diálogo com a letra fria da lei e as implicações simplesmente morais, conferindo às decisões judiciais um maior senso de justiça e preocupação social. O Código Civil em vigor, por exemplo, consagra que não há preferência em relação à mãe. Até 2002, em caso de separação, a criança ficava preferencialmente sob a guarda da mãe. Isso caiu. Já há uma certa tendência da sociedade de questionar a guarda só pelo fato de ser mãe. Logo, o trabalho da Psicologia para a justiça passa a ser o de verificar se realmente o cuidador ou a cuidadora da criança é efetivamente a pessoa que deve ficar com a guarda, pois é ele ou ela, independente do gênero, quem provê as necessidades da criança. Pela letra fria da lei não haveria suporte legal para se atribuir automaticamente a guarda à mãe. É importante destacar que a atuação do psicólogo dentro de uma vara ou tribunal de justiça ligado aos problemas de família (separação, guarda e visita) se deve pela presença de crianças, pela dificuldade de questioná-las diretamente, pela dificuldade de saber o que realmente se passa com elas e isto pressupõe a necessidade de alguém que tenha um estudo específico em relação ao desenvolvimento infantil, processos psicológicos, psicodinamismo de família. Daí, se recorrer ao psicólogo. O juiz não foi preparado para entender de crianças, no entanto é chamado para tomar uma decisão que vai condicionar a vida dessas pessoas: o pai, a mãe e a criança. Os casos em que os psicólogos acabam atuando são aqueles em que houve a separação litigiosa, que já vem contaminada por conflitos preexistentes e que na hora da separação não vai ser diferente. Dentre as questões que o casal pode não concordar seria, por exemplo, com quem a criança moraria. Isso seria o extremo. Em outras questões, um pode não concordar com natação e preferir judô, pode não concordar com dança, preferir piano, o pai pode querer um tratamento homeopático para a criança, mas a mãe insiste no tratamento alopático. Todas as questões vão desembocar em como esse casal parental, responsável pela criança, vai conseguir administrar essas opções, que são opções de vida, valores, formas de se pensar, formas de projetar uma vida. Se o casal já se separou é porque havia diferenças na percepção desses valores. Obviamente essas diferenças vão voltar à tona em relação à educação da criança. UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 64 É um pouco senso comum a idéia de que as crianças vão ser utilizadas como parte do instrumental de ataque por parte principalmente da mãe, que é a detentora usual da guarda, e tradicionalmente a idéia de que o pai vai retaliar não pagando a pensão. Essa concepção é meio simplista porque a questão é muito mais complexa. Em todas as famílias, mesmo as famílias coesas, existem as dificuldades dos adultos e das crianças. Por questões de personalidade, por exemplo, o pai pode ser mais expansivo, se dá melhor no trato pessoal, é mais relacionado no prédio ou na vizinhança, enquanto a mulher é mais recatada, introvertida. As características são utilizadas como defeitos levados para serem equacionados na justiça, no sentido de que como essa mulher que tem um trato social mais difícil não estaria exercendo a sua influência educativa sobre as crianças de maneira benéfica. Tudo isso pode ser usado na justiça como forma de questionar se a mãe seria adequada ou se o pai melhor para cuidar da criança. O pai, por achar que é mais bem relacionado, conhecer mais pessoas e que em função de seu bom relacionamento vai conseguir colocar o filho em melhores condições sociais, vai querer o filho mais próximo de si a fim de exercer essa influência. Do ponto de vista psicológico são opções válidas, são pontos de vista diferentes e a criança cresce identificando-se com cada uma dessas figuras no sentido de se achar e poder agir de forma mais parecida com um ou com o outro e daí discriminando as diferenças em si. É meio simplista pensar que possa haver utilização. Uma mãe que tem certa dificuldade ou não tem tanto gosto pelo social pode tranqüilamente na sua convivência diária, ficando ela com a guarda, conviver com essa criança, um menino, por exemplo, identificado com as características do pai, e que começa a parecer com o mesmo ao criar uma teia social, com a habilidade do pai, e que essa mãe usufrua disso dentro da sua casa. Por outro lado, esse pai separado pode recompor a sua vida afetiva e escolher outra companheira também mais introvertida, mais quieta, parecida até com a sua primeira esposa, mas que combine mais com o seu temperamento, uma vez que ele é o extrovertido do casal. É uma dinâmica que vai acontecendo e é muito difícil dizer que existem padrões específicos. Neste momento precisamos esclarecer-lhe que não é o psicólogo judiciário que vai determinar a guarda ou o esquema de visitas. O trabalho da Psicologia para o direito é fornecer instrumentos a fim de que o magistrado possa melhor dirimir esses conflitos que são da área privada e emergem para a área pública em função dessas discordâncias. É importante afirmar a idéia de que não é o psicólogo que decide, não é sua função ocupar o lugar do magistrado. Ocorre que o magistrado pela própria formação não tem condições plenas de entender os intercâmbios familiares que acontecem. Assim sendo, chama o psicólogo a fim de colher subsídios. Pensamos que os psicólogos não devem ultrapassar essa linha do subsídio e se arrogarem o direito de decidir quem seria a melhor mãe ou o melhor pai. Mesmo porque dentro da Psicologia não existe ainda o constructo do que seria o melhor pai ou a melhor mãe, uma vez que isso muda histórica e socialmente conforme a cultura de cada região ou país. O julgamento será subjetivo e estará sempre ligado a questões morais e legais. Do ponto de vista moral e legal, PSICOLOGIA JURÍDICA 65 a Psicologia não tem muito que dizer. A função neste contexto é a de ajudar o magistrado a perceber que, dependendo da fase de desenvolvimento, a criança pode se manifestar de um jeito ou outro na questão da separação. Por exemplo, o psicólogo pode enfatizar que uma criança de colo precisa do contato mais próximo com a mãe. Isso é inegável e muitos teóricos da Psicologia e da psicanálise o demonstraram, inclusive contribuíram para a idéia de que a díade mãe-criança é muito importante para o próprio desenvolvimento da criança e que se houvesse uma ruptura, uma separação precoce poderia prejudicar o desenvolvimento. Ocorre que a díade não quer dizer necessariamente mãe, é mais exatamente o cuidador, tradicionalmente na nossa cultura, em função da distribuição das responsabilidades, o papel foi exercido historicamente pela mulher. Atualmente, porém, muitos homens buscam na justiça a possibilidadede poder ter um contato com a criança desde a mais tenra idade, sem cair naquela idéia de que o pai só começa a exercer a paternidade quando leva seu filho a um campo de futebol. Até lá é problema da mãe. Isso é ainda muito comum. Na outra ponta do trabalho psicológico, quando o psicólogo chama os pais para conversar, é muito comum que venha a mãe, desacompanhada do marido. Prevalece o costume, em geral, compartilhado tanto pela mulher como pelo marido de que coisa de educação, de médico e vacina, é coisa da mãe. A conversa com o psicólogo, a consulta com o pediatra é a mãe que leva. O pai está ocupado, está trabalhando. No entanto, a presença do pai é cada vez maior demonstrado pelo aumento dos conflitos para saber quem tem competência para cuidar de criança. O pai não quer ser apenas aquele que aparece na festinha de aniversário ou a do dia dos pais. Como podemos perceber, neste sentido, mais uma vez, a psicologia apresentava-se como a psicologia para o direito. NOVOS CAMPOS DE ATUAÇÃO: JUSTIÇA TERAPÊUTICA O Poder Judiciário brasileiro depara-se, nos últimos tempos, com o desafio da concretização dos direitos de cidadania. Para tamanho desafio, não há fórmula pronta. É preciso estar sempre disposto para essa luta. Tão importante quanto não esmorecer ante a adversidade do volume de serviço crescente, é se recusar a entregar uma jurisdição de papel, alienada, sem a necessária e profunda reflexão sobre os valores em litígio, em que as partes sejam vistas somente como números. É preciso que os juízes tenham o propósito de realizar uma jurisdição que proporcione pacificação social. É fundamental reconhecer que a maior parte dos brasileiros ainda não tem acesso à Justiça e que é preciso reverter esse débito de cidadania. A prestação jurisdicional deve ser exercida como instrumento de pacificação social e afirmação da cidadania, o que é facilmente verificado quando da ocorrência de sua aplicação célere e justa, consubstanciando-se, dessa forma, como um poderoso instrumento a serviço da população. Como se observa, esta sim é a razão primordial da existência do Poder Judiciário. UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 66 Deve a Justiça, observando os princípios e regras constitucionais e legais, caminhar rente à sociedade, pois a vida cotidiana é a verdadeira escola da cidadania. Não existe o cidadão pronto e acabado. O que existe é a cidadania em construção. Aprende-se a ser cidadão através da prática da cidadania. É no concreto, nas relações sociais diárias que a cidadania revelará sua plenitude ou limitação. É preciso que o juiz seja também um educador. Vale lembrar a lição de Paulo Freire (1996, p.52) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. A transferência dos ensinamentos de Paulo Freire, originalmente destinados à formação de uma consciência crítica e democrática no meio educacional, tem adequação, também, à atividade judicante. Com efeito, “a prestação da tutela jurisdicional não pode ser enxergada apenas como a desincumbência, por um dos componentes do Estado-tripartite, de uma tarefa que lhe é ínsita. É muito mais do que isso. Além de perseguir a pacificação social, ao instante em que diz a quem pertence o direito, tem a atividade jurisdicional um plus deveras salutar: a pedagogia de mostrar aos jurisdicionados como deve ser a conduta destes nas suas relações interpessoais e interinstitucionais.” A Lei nº 9.099/95 tem como principal característica a humanização democrática das relações entre Poder Público e particular, à medida que concede à vítima e ao agente o poder de deliberação na solução de seus conflitos, sem a imposição de fórmulas legais rígidas e pré-concebidas, de aplicação genérica, as quais presumem, de forma difusa, a igualdade de todas as situações fáticas, desconsiderando o caso concreto e a individualidade dos cidadãos. Graças à flexibilidade da Lei no 9.099/95, é possível a sua aplicação de uma forma socioeducativa e pedagógica, inclusive permitindo o desenvolvimento de projetos e parcerias que levem ao envolvimento da comunidade para a solução eficaz dos litígios. Nesse sentido, a prestação gratuita de serviços à comunidade e o encaminhamento dos adolescentes infratores para acompanhamento psicossocial, bem como a utilização de acompanhamento para tratamento especializado nos casos de alcoolismo e de envolvimento com drogas, têm se mostrado altamente eficazes para a consecução desse objetivo. Assim, estamos passando por uma revolução na forma de fazer Justiça, caminhando, com a reengenharia do processo, para uma modificação estrutural e funcional do Judiciário em si. Procura-se remodelar o seu perfil no sentido de adequá-lo ao da Justiça que se espera na nova era pós- industrial, que vem sendo constituída principalmente nas três últimas décadas. O crescente interesse nos projetos sociais revela a necessidade de se construírem sinergias público-privadas, que potencializem os benefícios coletivos, que renovem a capacidade de criação de significados, horizontes e motivações na dinâmica das relações sociais. Os profissionais das diversas áreas de responsabilidade social estão sensíveis a essas questões e hoje demandam posicionamentos éticos que permitam efetivar investimentos PSICOLOGIA JURÍDICA 67 alinhados com as reais demandas das comunidades, visando mais benefícios em saúde, educação, justiça e cidadania para todos. Ante a nova linha de atuação do Governo Presidencial da República Federativa do Brasil, a partir de 2003, pela reavaliação da política antidrogas implementada no país, pretende-se a redução de danos físicos e sociais, individuais e coletivos que causam o uso de drogas em toda a sociedade. Sabe-se ainda que, os operadores do Direito e profissionais da saúde, bem como outros segmentos da sociedade não divergem quanto ao entendimento que somente a pena de restrição de liberdade, ou seja, o simples encarceramento do usuário de drogas – infrator não é efetivo nem para ajudá-lo a deixar de usar drogas e nem para ajudá-lo na recuperação de sua conduta ilícita. Em outras palavras, a simples aplicação e execução das penas previstas em lei, apenas aumentam a probabilidade de se exacerbar o dano social ao infrator usuário, ao abusador ou dependente de drogas. Além disso, sabe-se que a maioria dos usuários, abusadores e dependentes de drogas não são, a priori, criminosos. Porém, é sabido também que, em função das peculiaridades que envolvem o uso, o abuso e a dependência de drogas, a maioria deles, tem dificuldade em reverter este quadro e, especialmente os dependentes, acabam perdendo a liberdade de escolha entre usar ou não usar as substâncias das quais se tornaram dependentes e que, por isso, podem acabar se envolvendo em infrações. Embora nem todos os usuários de substâncias psicoativas se tornem dependentes, o fato é que, de maneira geral, pode-se afirmar que uma pessoa sob o efeito de uma substância psicoativa sofre uma modificação do seu funcionamento cerebral o que, na maioria das vezes, implica em uma alteração do seu comportamento quando comparado a outros momentos nos quais não tenha havido a utilização da substância. Se, para alguns usuários, a alteração no comportamento possa não implicar em problemas maiores para si mesmo, para outros ou para a sociedade, o mesmo não é fato para muitos outros usuários. Condutas, tais como, agressividade, violência familiar e interpessoal, acidentes de trabalho, acidentes de trânsito, relações sexuais sem proteção (que aumentam a probabilidade de gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS) e outras condutas consideradas infrações legais, em geral, são conseqüências de alteraçãono comportamento de usuários sob o efeito destas substâncias. No Brasil, a criação do Juizado Informal de Pequenas Causas constituiu conforto, alento e segurança para as pessoas humildes que tinham no Judiciário o ancoradouro apto a garantir a solução dos problemas do dia-a- dia. Com o seu aperfeiçoamento, através da Lei no 9.099/95, chegou-se a uma significativa e silenciosa revolução de mentalidade e perspectiva concreta no caminho de uma Justiça eficiente e cidadã. A maior das transformações na instrumentalização do processo sob o rito da Lei no 9.099/95 está por alcançar sua plenitude, com a mudança no UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 68 pensamento dos operadores do Direito, pela grande importância social do alcance da referida lei. O Juizado Especial inovou o sistema processual brasileiro abrindo espaço para a crença e a consolidação de parcerias com o intuito do desenvolvimento de projetos que, efetivamente, envolvam a sociedade civil na resolução dos conflitos, dando-lhes uma solução não só jurídica, mas também social, chegando, na medida do possível, ao âmago dos problemas. Tais projetos e parcerias firmam-se a cada dia e vêm demonstrando o quanto é representativo e significativo informar e preparar a população, pois, estando consciente de seus direitos, o cidadão poderá evitar prováveis contendas judiciais, bem como tornar-se capaz de resolver seus próprios conflitos com autonomia, emancipação e solidariedade. Neste sentido, é oportuno destacar que entre os projetos e parcerias bem-sucedidas encontra-se o Projeto de Justiça Terapêutica que auxilia de forma inequívoca a maior humanização da Justiça Penal. O projeto nasceu ao ser constatado que, oportunizado o diálogo entre a Defensoria Pública e a Promotoria, que atua na Vara da Infância e da Juventude para todos os casos de situação de risco de crianças e adolescentes (Art. 98 do ECA), com vistas a tratar o interesse do menor e não o do requerente ou responsável sendo possível a obtenção de altíssimo nível de transações satisfatórias, com a construção de espaço de cidadania. O que se observa é que a promoção do diálogo entre as duas partes jurídicas pode ser feita com melhor resultado por meio da mediação e manutenção do código de valores comuns entre as partes. O principal objetivo desse projeto é a promoção de uma Justiça preventiva, visando melhorar o atendimento jurisdicional ao cidadão menor infrator, atuando a partir dos conhecimentos adquiridos sobre as necessidades desse menor proveniente de uma classe econômica baixa, por vezes excluídas da sociedade. Sendo a equipe multidisciplinar do Programa Justiça Terapêutica um importante elo mediador. Considerando esses aspectos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul passou a refletir sobre a possibilidade de esse mediador vir a atuar no âmbito comunitário mais carente da sociedade civil brasileira. Evidentemente, essa atuação não exclui a apreciação dos Juizados que remanescem exercendo a função primordial de prestação jurisdicional na solução dos litígios que resistirem a essa nova abordagem do exercício da Cidadania e da Justiça. Assim, desse contexto vislumbra-se um novo trilhar para a concretização dos direitos de cidadania, numa “Justiça ao alcance de todos”, levando propostas de diálogo entre as searas jurídicas pertinentes que acabam por possuírem interesses convergentes no que tange ao menor infrator, a princípio, sempre excluído do sistema. E, fundamentalmente, o Programa de Justiça Terapêutica é um exemplo que nasceu da ousadia de mentes que trabalham por um mundo melhor e têm buscado diferentes formas de promover a cidadania e levar as pessoas a exercitar seus direitos. PSICOLOGIA JURÍDICA 69 A participação de advogados, bacharéis em Direito, Juízes, Promotores e demais profissionais multidisciplinares, tais como: psicólogos, assistentes sociais e educadores podem contribuir para a formação de uma nova cultura de efetivação de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Essa participação tornará factível um dos valores primordiais perseguidos pelos Juizados Especiais: a solução conciliada dos conflitos, tema que abordaremos na próxima unidade. Embora a condução do processo jurídico com eficiência e celeridade seja fundamental, dada a natureza da relação violenta, é importante que as famílias do menor infrator também sejam orientadas no sentido de repensarem a forma como se relacionam e como contribuem para a perpetuação da violência nas suas relações interpessoais. Assim, uma ação que pretenda erradicar a violência deve proporcionar um espaço reflexivo para que os diversos indivíduos envolvidos nas relações violentas possam mudar sua forma de ação e seus valores. O Programa de Justiça terapêutica tem organizado sua metodologia a partir dos conhecimentos advindos da psicologia, do serviço social, da antropologia, das ciências sociais, tendo como referencial teórico a abordagem sistêmica e a teoria de resolução de conflitos. Estas abordagens embasam práticas como a mediação e a terapia breve, metodologias que, por sua característica célere, coadunam-se com a proposta dos Juizados Especiais. O tratamento dos usuários visa evitar reincidivas dos mesmos, ocasionadas pelo estado de dependência fisiológica e/ou psicológica em que muitos se encontram quando do início do andamento do programa. Esta é uma concepção avançada de Justiça por buscar compreender o autor da infração numa realidade mais complexa, bem como trazer para o exercício da Justiça o conhecimento da área de saúde de que a dependência de substâncias químicas é uma doença e não apenas um ato criminoso. Entende-se que um trabalho nessa área deve passar por uma visão transdisciplinar, pois os fenômenos humanos devem ser compreendidos numa perspectiva globalizada. Segundo o professor Ubiratan D’Ambrósio (1996, p.44-50), A transdisciplinariedade procura superar a organização disciplinar encarando sempre fatos e fenômenos como um todo. Naturalmente, não se nega a importância do tratamento disciplinar, multidisciplinar e interdisciplinar para se conhecer detalhes dos fenômenos. Mas a análise disciplinar, inclusive a multi e a interdisciplinar, será sempre subordinada ao fato e ao fenômeno como um todo, com todas as suas implicações e inter-relações, em nenhum instante perdendo-se a percepção e a reflexão da totalidade. As propostas da visão holística, da complexidade, da sinergia e, em geral, a busca de novos paradigmas de comportamento e conhecimento são típicas da busca transdisciplinar do conhecimento. Sendo aplicada de maneira séria e adequada, o Programa de Justiça Terapêutica propulsionará uma mudança de paradigmas, dos parâmetros UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 70 humanos, éticos e constitucionais. Atingido de maneira avassaladora os operadores do direito, os membros do Ministério Público, e os integrantes do Poder Judiciário. O Promotor de Justiça e o Defensor passam a ter uma postura cooperativa, visando à pessoa do atendido, com anuência judicial. Ocorre uma inovadora situação de trabalho integrado entre os operadores do direito e os profissionais da saúde. É uma proposta inovadora e revolucionária e a sua consagração se dá pelas vias do acesso a um tratamento sério, com equipe multidisciplinar que propõe aos que, no momento de experimentação, adentram em um mundo de solo de medo, pisando em falso, de paredes de ilusão e firmamento de solidão e no decorrer embriagado e tragado por esta realidade rompe com qualquer limite, tabu, conceito, comprometendo sua integridade física, psicológica e social. A Justiça Terapêutica não tem como curar, o seu compromisso é de possibilitar ao infrator-usuário de drogas a compreensãode que possui dois problemas: um legal, por ter cometido uma infração e outro de saúde, relacionado com o seu uso de drogas. E o mais importante: o Programa possibilita a resolução de ambos. Não há um ônus adicional para o Estado, pois diminui o número de pessoas encaminhadas ao sistema carcerário, em seguida, porque usa como referência a rede pública de saúde. Quando evita a prisão, proporciona ao infrator a possibilidade de receber atendimento profissional adequado, possibilitando a quebra da união droga- crime, reduzindo a chance de repetição do comportamento infracional e recorrente do uso de drogas, resulta na diminuição do ônus social e financeiro, e quando do arquivamento do processo, evita o etiquetamento e a não- ressocialização. Enfim, uma das maiores motivações dessa integralização multidisciplinar e o então marco zero, é que permita a transformação do sonho criminoso no fator gerador de transformação e regeneração de forma constitucional preceituando os direitos fundamentais, tendo sempre como meta a justiça (jurisdicional, social e sistemática) e a ética. É HORA DE SE AVALIAR! Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco! Na unidade VI, nossa última, trataremos das formas alternativas de aplicação da Psicologia jurídica. 1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação EXERCÍCIOS 23 PSICOLOGIA JURÍDICA U N ID A D E 5 PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO 1. O Código Civil em vigor estabelece que, em casos de separação do casal e após uma avaliação do psicólogo jurídico, a guarda da(s) criança(s) deve ficar preferencialmente: a) com a mãe. b) com quem tem o maior salário. c) com o pai. d) com que realmente provê as necessidades da(s) criança(s). e) a cada semana com um genitor. 2. Analise as afirmativas abaixo conforme falsa (F) ou verdadeira (V). I - O psicólogo judiciário é quem vai determinar a guarda dos filhos. II - A decisão da guarda, visita aos filhos e pensão alimentícia, em casos de separação do casal, compete ao Juiz. III - O Código Civil em vigor consagra que a preferência pela guarda da criança é, preferencialmente, da mãe. Marque a alternativa que corresponde à seqüência correta. a) F, V, F b) V, F, F c) F, F, V d) V, F, V e) V, V, V 3. É objetivo do Projeto Justiça Terapêutica: a) promover maior conhecimento sobre as necessidades do menor infrator. b) promover uma justiça punitiva. c) promover uma justiça preventiva. d) promover uma justiça social. e) promover uma justiça repressiva. 4. “O trabalho da Psicologia para o Direito é ___________________________ para o que magistrado possa melhor dirimir os conflitos que passam da área privada para a pública, em função de conflitos emergentes”. 24 UNIDADE 5 - PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA NO JUDICIÁRIO Marque a alternativa que torne verdadeira a afirmativa acima. a) a sua opinião particular b) fornecer subsídios c) guardar a lei d) decidir quem tem razão e) ter uma postura repressiva 5. O campo do Direito, associado ao da Medicina, voltou-se para infância, devido ao fato de que o grande número de crianças que perambulam pelas ruas é visto como responsável ___________________________________ . Marque a alternativa correta. a) pela proliferação de pedintes b) pela disseminação do HIV c) pelo analfabetismo d) pelo aumento da criminalidade e) pela juventude liberal 6. O Programa de Justiça Terapêutica tem como referencial teórico: a) psicologia e a biologia. b) abordagem funcionalista. c) antropologia e biologia. d) teoria centrada na pessoa. e) a abordagem sistêmica e a resolução de conflitos. 7. A partir das três últimas décadas, novas leis foram implementadas, fazendo com que a justiça fosse aplicada de uma forma socioeducativa e pedagógica, partindo de projetos e parcerias, envolvendo a comunidade para a solução eficaz dos seus conflitos. Daí, se inclui a prestação gratuita de serviços à comunidade e o encaminhamento de adolescentes infratores ou dependentes de drogas para um acompanhamento ______________________________ . Marque a alternativa correta. a) legal b) religioso c) psicossocial d) médico e) social 8. Nem todos os usuários de drogas se tornam dependentes, porém o fato é que sob tal efeito, geralmente, eles sofrem ______________________________ , tais como: agressividade, violência familiar, provocam acidentes de trânsito, praticam relações sexuais sem proteção e outras condutas, consideradas infrações legais, que são conseqüências do efeito destas substâncias. Marque a alternativa correta. a) discriminação b) modificações no seu comportamento c) acusações d) maus tratos e) Nenhuma das opções acima. 25 PSICOLOGIA JURÍDICA 9. “A decisão da guarda, visita e pensão alimentícia, em casos de separação do casal, compete exclusivamente ao Juiz da causa, que se fundamenta em aspectos legais e morais, não havendo, até a presente data, nenhuma alteração nesta forma de julgar.” Esta afirmativa está correta? Justifique a sua resposta. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 10. Após a leitura desta unidade, pode-se concluir que é o Psicólogo Judiciário quem vai determinar a guarda ou esquema de visitas. Esta afirmativa é falsa ou verdadeira? Justifique a sua resposta. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 1 PSICOLOGIA JURÍDICA PSICOLOGIA JURÍDICA Graduação PSICOLOGIA JURÍDICA 71 U N ID A D E 6 FORMAS ALTERNATIVAS DE APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA JURÍDICA É com grande satisfação que convidamos você, caro aluno, a iniciar os estudos da nossa última unidade, quando trataremos das formas extrajudiciais de solução de conflitos, atuais alicerces da Psicologia Jurídica contemporânea. OBJETIVOS DA UNIDADE: Identificar a relevância das formas extrajudiciais para a solução de controvérsias para a formação do operador de Direito contemporâneo no contexto psicojurídico. PLANO DA DISCIPLINA: • Mediação. • Conciliação. • Arbitragem. Bons estudos e Sucesso! UNIDADE 6 - FORMAS ALTERNATIVAS DE APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA JURÍDICA 72 FORMAS ALTERNATIVAS DE APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA JURÍDICA Nós sabemos da urgente necessidade de criação de meios alternativos para prevenir e solucionar os conflitos sociais. Obviamente que isto implica na desmonopolização judiciária, porém com cautela. Em outras palavras, o que estamos querendo mostrar é que estescaminhos alternativos não devem pretender substituir o Poder Judiciário, mas sim cooperar na solução de conflitos de menor complexidade. Assim, entendemos ser necessária a democratização dos instrumentos de solução dos conflitos hoje centrados no judiciário. Segundo Cunha (2001), a estatização dos mecanismos de solução de conflitos sempre foi nota predominante, caracterizada pela centralização e monopólio desses mecanismos nas mãos do poder público. Foi outorgado ao judiciário a responsabilidade pela solução dos conflitos sociais sem que se reservasse qualquer espaço significativo para a adoção de mecanismos alternativos que pudessem concorrer com o modelo estatal. Mas nós sabemos que mecanismos extrajudiciais de prevenção e solução das controvérsias devem ser pesquisados, analisados, modernizados e adaptados ao contexto social, tais como, a conciliação, a mediação, a negociação coletiva e a arbitragem. A desmonopolização da jurisdição estatal deve ser reconhecida e admitida, conforme apoia Cunha (2001), para a superação do colapso em que se encontra o judiciário brasileiro, a partir do desfazimento de preconceitos e tabus quanto ao concurso da sociedade ou grupos sociais na solução dos conflitos. Não podemos deixar de citar Andrighi (1996), que assevera a importância de pensarmos na conciliação com vistas a evitar o processo e, para tanto, sugere a utilização de formas alternativas de solução dos conflitos como a mediação, a negociação, a arbitragem e até mesmo o juiz de aluguel, cuja aceitação e freqüência de uso ainda encontram muita resistência em nosso meio, devendo-se tal hesitação à nossa formação romanística que reconhece como única forma de solução dos problemas jurídicos a submissão destes a um juiz investido das funções jurisdicionais. Devemos ainda considerar o fato de que as técnicas extrajudiciais para a solução dos conflitos têm sido manejadas em outros países com comprovada eficiência, evitando o assoberbamento do Poder Judiciário. Como aponta Cintra (2006, p.25-26): [...] abrem-se os olhos agora, todavia, para todas as modalidades de soluções não jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha pro obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista. A sociedade atual tem em seu histórico uma cultura litigiosa e isso não pelo número de conflitos que apresenta, mas pela tendência a resolvê-los de forma adversarial. Porém, vivemos uma transição de paradigmas, e a PSICOLOGIA JURÍDICA 73 contrapartida que se apresenta, nestes tempos de crise dos sistemas judiciários de regulamentação de conflitos, é percebida pelo crescimento em importância dos instrumentos consensuais e extrajudiciários. E, ainda segundo o pensamento de Morais (1999), o modelo conflitual caracteriza-se pela oposição de interesses entre indivíduos iguais em direitos e a atuação de um terceiro encarregado de “dizer” (declarar) a quem pertence o direito. É o modelo tradicional triádico de jurisdição. O Estado na qualidade de ente autônomo e externo, neutro e imparcial, impõe a decisão. O modelo consensual frente à oposição de interesses entre as partes permite o debate direto entre elas. Aponta, assim, para uma desjudiciarização do conflito, que permanece como instância de apelo. Morais (1999) sugere o termo jurisconstrução para diferenciar de jurisdição, no sentido de “construir o Direito”, ou a solução do conflito. Para ele, é um repensar os modos de tratamento dos conflitos, com o objetivo de implementar mecanismos de pacificação social mais eficiente, que não desvirtuem os ideais de verdade e justiça social do processo, proporcionem a desobstrução da justiça e assegurem as garantias sociais conquistadas. Podemos propor, então, a análise das técnicas de solução que, teoricamente, podem ser reunidas em três tipos fundamentais: a autodefesa, a autocomposição, e a heterocomposição. A autodefesa consiste na solução direta entre litigantes pela imposição de um sobre o outro. O vocábulo “autodefesa” indica o ato pelo qual alguém faz a defesa própria, por si mesmo. Supõe uma defesa pessoal. Segundo Mascaro (1997), é a forma mais primitiva de solução dos conflitos; o que a distingue é a ausência de um juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes à outra. Para Morais (1999), em face da ausência do Estado, os conflitos ocorridos entre as pessoas eram resolvidos instintivamente, ou seja, a parte interessada em satisfazer seu direito buscava sua satisfação por meio do uso da força, impondo sua vontade ao outro. Era a chamada autodefesa ou, mais costumeiramente, autotutela. Neste instituto, o que realmente pesa é a força propriamente dita, o poder de coação, que acaba por relegar a segundo plano qualquer parâmetro de justiça. A autodefesa pode ser autorizada pelo legislador, acabam deixando UNIDADE 6 - FORMAS ALTERNATIVAS DE APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA JURÍDICA 74 notórias as deficiências dessa técnica, visto que a solução que provém de uma das partes interessadas é unilateral e imposta, portanto, evoca a violência, e a sua generalização importa a quebra da ordem e a vitória do mais forte e não do titular do direito. Na ordem trabalhista, por exemplo, são manifestações autodefensivas a greve e o locaute como as principais. Cabe, porém, para os presentes fins, uma breve referência a eles. A greve, segundo Nascimento (1997), é a paralisação das atividades para pressionar o empregador a conceder melhoria de condições de trabalho. Os trabalhadores recusam-se a prestar a sua colaboração ao patrão, como forma de imposição para levá-lo a aceitar as reivindicações. O empregador, para evitar as conseqüências prejudiciais de ordem econômica, cede diante dos trabalhadores, coagido pelas circunstâncias. Nos sistemas jurídicos são três as posições adotadas quanto à greve. Há países que a proíbem, como os do leste europeu, onde a greve é considerada crime contra a economia. Outros simplesmente a consideram um fato social não passível de regulamentação jurídica, como a República Federal da Alemanha. Finalmente, outros países a consideram um direito, como limitações, maiores ou menores, ou ainda, com uma legislação de respaldo. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 declara a greve um direito com algumas restrições quanto aos serviços inadiávies, porque nestes a greve não pode paralisar as atividades, em decorrência da lei de greve (nº 7783, de 1989); o artigo 12 declara que os trabalhadores, nos casos de necessidades inadiáveis da comunidade, ficam obrigados a garantir a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento destas. As técnicas autocompositivas também consistem na solução direta das partes, mas não pela imposição e sim pelo acordo. De acordo com Nascimento (1999), a autocomposição é a técnica segundo a qual o conflito é solucionado por ato das próprias partes, sem emprego de violência, mediante ajuste de vontades. Nesta técnica, um dos litigantes ou ambos consentem no sacrifício do próprio interesse, daí a sua classificação em unilateral ou bilateral. A renúncia é um exemplo da primeira e a transação da segunda. É uma técnica superior à autodefesa, porque resulta da harmonização a que chegam os próprios interessados, mas deve-se observar para a desigual resistência econômica dos litigantes não leve à capitulação de um deles, caso em que a espontaneidade da solução consentida é meramente aparente. Conforme já salientado, a autocomposição é a forma
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