Buscar

Familias simultaneas

Prévia do material em texto

FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS: O POLIAMOR NO SISTEMA JURÍDICO 
BRASILEIRO 
 
GIANCARLOS BUCHE. Advogado. Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil pela 
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. 
e-mail: buche.advocacia@gmail.com 
 
 
O amor paira acima das convenções sociais. 
Eça de Queiros 
RESUMO 
 
 A sociedade e o Direito são elementos dinâmicos e complexos, cercados por 
transformações, mudanças e adequações a cada tempo e novos acontecimentos. Também o 
Direito de Família vem se modificando, sobretudo sob os novos contornos do Direito 
Privado, trazidos pela Constituição de 1988. A idéia tradicional de família, para o Direito 
brasileiro, era aquela que se constituía pelos pais e filhos unidos por um casamento 
regulado pelo Estado. A Constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito, reconhecendo 
outras entidades familiares. O Direito passou a proteger todas as formas de família, não 
apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma grande evolução na 
ordem jurídica brasileira, impulsionada pela própria realidade. A mesma realidade impõe, 
hoje, a discussão a respeito das "Famílias Simultâneas", em que a pessoa mantém relações 
afetivas com duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. O assunto não é pacífico nem na 
doutrina e nem na jurisprudência, mas é hoje uma realidade que não pode ficar excluída do 
manto do Direito e da justiça. Neste contexto, este artigo apresenta como objetivo geral 
fazer uma reflexão em torno da função protetiva do Estado Social Constitucional diante da 
realidade que é hoje a família simultânea. Como principais resultados tem-se que as 
famílias simultâneas são rechaçadas, na maioria das vezes, tanto pelo sistema jurídico como 
pela sociedade. A moral se sobrepõe à ética e os dogmas culturais e religiosos se 
sobrepõem à justiça. 
 
Palavras-chave: Direito de Família; Casamento; Constituição; União Estável; 
Simultaneidade Familiar. 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO – 1. TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA NA ORDEM JURÍDICA 
BRASILEIRA - 1.1 O Código Civil de 1916 - 1.2 OS AVANÇOS DO DIREITO DE 
FAMÍLIA NA ERA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO - 1.3 A SIMULTANEIDADE 
FAMILIAR - 1.3.1 A Monogamia - 1.4 ENTENDIMENTOS FAVORÁVEIS AO 
RECONHECIMENTO DA SIMULTANEIDADE FAMILIAR - 1.5 ENTENDIMENTOS 
CONTRÁRIOS AO RECONHECIMENTO DA SIMULTANEIDADE FAMILIAR - 1.6 O 
ENTENDIMENTO DO STJ – CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFERÊNCIAS. 
 
INTRODUÇÃO 
 
 O presente artigo tem como objeto de estudo um dos assuntos mais controversos do 
Direito Civil, a constituição de famílias simultâneas, assim como o reconhecimento dessa 
relação como união estável putativa, com as devidas repercussões jurídicas. 
 O artigo enfoca, de forma breve, a trajetória da família na ordem jurídica pátria, 
desde o modelo patriarcal do Brasil Colônia, até a constitucionalização da família na 
Constituição Federal de 1988, onde o sistema constitucional poroso e aberto, possibilita (ou 
deveria possibilitar) a viabilização do pluralismo familiar. 
 O estudo aborda ainda os avanços do direito de família na era da 
constitucionalização, para então adentrar no assunto, cerne desta pesquisa, que é a 
simultaneidade familiar, enfocando-se a monogamia como princípio basilar da entidade 
familiar e a justiça como princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana. 
 Expõe-se ainda os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, 
esclarecendo-se quais são os argumentos que fundamenta cada posicionamento. 
 O artigo tem base em pesquisa bibliográfica e documental, em livros, artigos da 
internet e legislações, com enfoque exploratório e análise qualitativa. 
 
1 TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA 
 
O Direito de Família vem evoluindo à medida que a sociedade também muda, 
inova, se transforma e se molda frente aos novos tempos. A história atesta que o casamento 
e a família, em todos os tempos, jamais foi uma instituição estática. É dinâmica e, por isso 
mesmo, veio passando por um sem número de mudanças tanto estruturais quanto 
funcionais. 
No Brasil, importante destacar a evolução da família desde a Colônia até a 
Constituição Federal de 1988. O trajeto partirá de breves considerações sobre a família 
patriarcal, pois este modelo representa o modelo adotado pelo Código Civil de 19161. 
O direito de família brasileiro tem sua origem principalmente do direito canônico e 
no direito português. No período do Brasil Colônia, prevalecia em Portugal o modelo de 
casamento religioso, ou seja, aquele celebrado sob os moldes da religião católica, sendo o 
 
1
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.55. 
matrimônio, regulado pelo Direito Canônico2. Segundo Azevedo, “o Bispado da Bahia, 
criado em 28 de janeiro de 1550, adotou esse posicionamento português”. 
Segundo Fachin apud Ferrarini: 
 
O padrão familiar tradicional era fundado no matrimônio, sendo o 
vínculo do casamento a única forma legítima de constituição da família. 
O caráter instrumental que lhe era conferido estava condicionado a 
interesses extrínsecos, sobretudo do Estado. A família não estava voltada 
à realização de cada indivíduo dentro do próprio grupo, mas, ao 
contrário, cada membro era visto como promotor dos interesses dessa 
instituição. O bom funcionamento da família, a sua prosperidade, era de 
fundamental importância para o desenvolvimento do Estado3. 
 
Então, na família patriarcal do Brasil Colônia, a única forma familiar era o 
matrimônio. Isto em virtude da tradição católica que reinava no Brasil e da importância do 
instituto familiar como elemento essencial para o desenvolvimento econômico do Estado. A 
família era, antes de tudo, uma unidade econômica. 
A família patriarcal, advinda com o Brasil Colônia, perdurou no Brasil desde o 
século XVI até o século XX e representou um papel fundamental na sociedade colonial. 
Neste período, aos integrantes da família não eram permitidas as vontades 
individuais, mas sim os interesses predominantes eram o da família e do próprio Estado. 
Segundo Perrot, sobre a família patriarcal: 
 
Essa família celebrada, santificada, fortalecida era também uma família 
patriarcal, dominada pela figura do pai. Da família, ele era a honra, 
dando-lhe seu nome, o chefe, o gerente. Encarnava e representava o 
grupo familiar, cujos interesses sempre prevaleciam sobre as aspirações 
dos membros que a compunham. Mulher e filhos eram rigorosamente 
subordinados. A esposa estava destinada ao lar, aos muros de sua casa, à 
fidelidade absoluta. Os filhos deviam submeter suas escolhas, 
profissionais e amorosas, às necessidades familiares. As uniões 
privilegiavam a aliança em vez do amor, a paixão sendo considerada 
fugaz e destruidora. Para as moças, vigiadas de perto, não havia outro 
caminho senão o casamento e a vida caseira. (...) A casa, protegida pelo 
muro espesso da vida privada que ninguém poderia violar (...)4. 
 
 Percebe-se que o homem, no Brasil Colônia, é o chefe todo poderoso da sociedade 
conjugal, cuja esposa e filhos lhe deviam obediência e subordinação. Além disso, apenas o 
 
2
 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, p.122. 
3
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.56. 
4
 PERROT, Michelle. O nó e o ninho, Veja 25 anos: Reflexões para o futuro, p.77-78. 
homem da família possuía diretos e cidadania plena. A mulher e os filhos eram tratados 
como seres frágeis, dependentes e submissos, sendo considerados inferiores, e, como 
conseqüência, tendo sua dignidade reduzida. 
Conforme Ferrarini, “em virtude da extensão do poder do patriarca, que não se 
limitava à mulher e aos filhos, dirigindo-se também à senzala, não era conferida ao Estado 
a possibilidade deintervenção no espaço privado da instituição familiar, o que tornava os 
abusos aos mais fracos uma realidade incontestável”5. 
Neste contexto, a família patriarcal, dominante até o século XX, estendeu-se por 
toda a sociedade brasileira, sendo que o Estado somente passou a intervir nas relações 
privadas da família quando assumiu suas funções. 
 
1.1 O Código Civil de 1916 
 
 O modelo patriarcal influenciou efetivamente o Código Civil de 1916, mesmo por 
que esse modelo dominou a sociedade brasileira durante todo o período anterior a tal 
codificação. 
 O CC de 1916 surgiu para substituir a legislação esparsa portuguesa que dominava o 
Brasil desde o descobrimento. Mesmo assim, continuou, assim como a legislação já 
existente, a se moldar aos interesses e costumes do modelo de família patriarcal6. 
 Na visão de Ramos apud Ferrarini, o CC de 1916 baseava-se na autonomia da 
vontade e na iniciativa privada, mas foi marcado por um paradoxo, reflexo do modelo 
liberal-burguês7 adotado: a predominância dos valores relativos à apropriação de bens sobre 
o ser. O Ter predominava o Ser. Isto impedia a efetiva valorização da dignidade humana e o 
alcance de valores como a justiça distributiva e a igualdade material8. 
Ramos, no entanto, chama a atenção para o fato de que o CC de 1916, que 
prestigiava o individualismo e o liberalismo jurídico, reconheceu, ao menos, a necessidade 
de intervenção do Estado na regulamentação das relações sociais e econômicas. A edição 
de estatutos especiais, direcionados a matérias específicas, representou o início da 
 
5
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.56. 
6
 RUZIK. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade 
constitucional, p.114. 
7
 Imperava nessa época o liberalismo patrimonialista, fruto da Revolução Francesa, direcionado ao homem 
privado, sujeito de direito tipicamente patrimonial. Todos os outros institutos acabavam analisados a partir 
dos mesmos valores (In: FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.62). 
8
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.63. 
superação do modelo baseado no individualismo capitalista. “estes estatutos, designados 
num primeiro momento como leis extravagantes, foram editados em razão de pressões 
sociais, para atendimento das mais diversas necessidades, em particular a proteção da parte 
economicamente mais fraca”9. 
A partir de então, diante de tal evolução, os estatutos passaram a revogar ou 
modificar o que normatizava o CC de 1916. O grande número de leis especiais resultou em 
uma verdadeira descentralização do direito privado. Uma grande gama de microssistemas 
jurídicos foram estabelecidos. Segundo Ferrarini, nesse contexto, “uma importante 
legislação especial florescia na penumbra da codificação”10. 
A normatização civil vai sofrendo modificações neste ínterim, em função, 
sobretudo, da interferência pública no campo privado. Simultaneamente, o Estado passa por 
transformações, passando do Estado liberal para o Estado Social11. 
 
1.2 OS AVANÇOS DO DIREITO DE FAMÍLIA NA ERA DA 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO 
 
 Com o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo se redemocratizou, sobretudo em 
função da vitória da Organização das Nações Unidas e da elaboração da Declaração dos 
Direito do Homem12. A partir de então, o ser humano passa a ser o elemento mais 
importante do Direito, com base nos ideais de igualdade e da dignidade da pessoa humana. 
Nasce o Estado Contemporâneo, diante de uma evidente incompatibidade do CC vigente na 
época com os ideais constitucionais. 
Segundo Barroso, ao dissertar sobre a incompatibilidade da Carta Magna de 88 com 
o CC de 1916, assim expõe: 
 
(...) a incompatibilidade do Código Civil com a ideologia 
constitucionalmente estabelecida não sustenta sua continuidade. A 
complexidade da vida contemporânea, por outro lado, não condiz com a 
rigidez de suas regras, sendo exigente de minicodificações 
multidisciplinares, congregando temas interdependentes que não 
conseguem estar subordinados ao exclusivo campo do direito civil13. 
 
9
 RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. 
In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo, p.7. 
10
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.64. 
11
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.64. 
12
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.64. 
13
 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalidade e constitucionalização do direito, p.15. 
 Isto permite concluir que, o CC de 1916, elaborado com a finalidade de reger as 
relações de natureza privada, estava dissonante com a Constituição Federal de 88, que, 
aliada à doutrina e a jurisprudência, teve “o mérito elevado de romper com a posição mais 
retrógrada”. 
Nas palavras de Ferrarini, a Carta Magna de 88 ‘arquivou’ o Estado Liberal e 
“incorporou o Estado Social (Welfare State)”, onde todos os temas sociais juridicamente 
relevantes foram constitucionalizados14. 
Na esteira da Carta Política de 1988, o Código Civil de 2002 apresentou-se mais 
avançado do que o anterior, ainda que se possa dizer que estes avanços não são 
homogêneos. No entanto, não há como negar que a atualização foi produtiva, mesmo diante 
de algumas falhas15. 
Para Costa, diante do fenômeno da constitucionalização, na qual o ordenamento 
civil está subordinado, a interpretação de novas situações, oriundas da complexidade social, 
será sempre submetida à luz das diretrizes da Constituição, mesmo que inexistam regras 
legislativas16. 
Para Ferrarini, o mais importa é que nada mais será como antes. O Direito Civil, que 
em outros tempos refletia a “efervescência da Revolução Francesa, cujos valores eram a 
liberdade e a individualidade, hoje, na concepção social, a partir da releitura de todo o 
sistema, tem perfil maleável, com necessidade clara de diálogo com a Constituição e 
abandono dos dogmas de completude”17. 
Neste contexto, a família, que anteriormente, tinha como três pilares o Direito 
patrimonial, Direito parental e Direito assistencial, agora, com o advento da 
constitucionalização, começam a dominar as relações de afeto, baseadas na solidariedade e 
cooperação. Segundo Lôbo, “não é mais o indivíduo que existe para a família e para o 
casamento, mas a família e o casamento existem para o desenvolvimento pessoal, em busca 
de sua aspiração à felicidade”18. 
No mesmo diapasão, Ferrarini explica que a “família se afasta de uma perspectiva 
institucional para centralizar-se na realização pessoal de seus membros, (...) revalorizando a 
 
14
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.69. 
15
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.70. 
16
 COSTA, Judith Hofmeister. O direito como um sistema em construção e as cláusulas gerais no projeto do 
Código Civil Brasileiro, p.51. 
17
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.73. 
18
 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de Família, p.155. 
dignidade da pessoa humana e tendo a pessoa como centro da tutela jurídica, antes 
obscurecida pela supremacia dos interesses patrimoniais(...)”19. 
Na atualidade, os laços de afeto e confiança ganham cada vez mais espaços nas 
instituições familiares. O cuidado não pode ser esquecido e, conforme expõe Lôbo, “há de 
haver a minimização do patrimônio e a maximização da afetividade”20. 
Neste contexto, cabe aos operadores do direito tomartodo o cuidado, preocupação e 
atenção que a situação requer no momento de tratar as questões do Direito de Família. 
Na atualidade, a família não é mais aquele instituto fechado de outrora. O esquema 
familiar composto um pai autoritário, uma mãe e os filhos, sofreu importantes 
modificações. O instituto da família não permaneceu estático, mas sim foi assolado por 
grandes transformações jurídicas e sociais. 
Hoje, segundo Ferrarini: 
 
A família, fundada no casamento, não é mais a única consagrada pelo 
Direito Constitucional Brasileiro. A Constituição Federal de 1988 
harmonizou as normas com os “fatos da vida”, definindo como entidade 
familiar também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus 
descendentes (família monoparental). Da mesma forma, o constituinte 
reconheceu a união estável como entidade familiar21. 
 
A Constituição Federal de 1998 realizou enorme avanço na conceituação da família, 
não eliminou o casamento como forma ideal de regulamentação, bem como, não 
marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Desta forma, 
a família célula base da sociedade e que, por isso, tem especial proteção do Estado, é tanto 
aquela que provém do casamento, como aquela que resulta da união estável entre homem e 
mulher, assim como a que constituída entre qualquer dos pais e seus descendentes, pouco 
importando a existência, ou não, de casamento entre os genitores22. 
O art. 226, caput, da Constituição Federal de 88, prevê que: “a família, base da 
sociedade, tem especial proteção do Estado”23. A função social da família, segundo 
Ferrarini, “está diretamente ligada à efetiva proteção que ela recebe do Estado, ao menos no 
sentido de ser ela a instituição de maior relevância na formação de cada cidadão”24. 
 
19
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.74. 
20
 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de Família, p.152. 
21
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.78. 
22
 GOMES, Orlando. Direito de família, p.34. 
23
 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 
24
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.78. 
1.3 A SIMULTANEIDADE FAMILIAR 
 
 As relações sociais, conforme já visto, são complexas, com avanços galopantes 
dessa complexidade. Com a evolução do conceito de família, surgem no mundo real novas 
situações antes não abarcadas pelo Direito, como, por exemplo, as famílias simultâneas. 
Mesmo que isso possa parecer antipático diante dos olhos da maioria das pessoas, devido à 
tradição cultural e religiosa, o fato é que essa realidade existe e precisa ser protegida pelo 
sistema jurídico brasileiro. 
 As famílias simultâneas são resultado desse caminho aberto e pluralizado, trilhado 
com base no respeito à diversidade e que ainda carecem da devida proteção do Estado25. 
Segundo Ruzyk, o fenômeno da simultaneidade familiar é resultado desse sistema 
jurídico poroso que hoje se encontra em vigor e desafia os operadores do direito a encontrar 
soluções para estas novas demandas26. 
No âmbito do Estado Social Democrático de Direito, que privilegia a cláusula da 
dignidade da pessoa humana, reconhece-se a concepção do pluralismo familiar, 
recepcionado pela ordem constitucional pátria27. 
Ruzyk lembra ainda que a presença de outros tipos de convivência familiar sempre 
existiu na sociedade brasileira, mesmo na época dos patriarcas coloniais. A diferença para a 
época atual fica por conta da mudança do status social que essas formações familiares 
adquiriram no século XX. Tornaram-se comuns as famílias informais, fundadas em uniões 
não matrimonializadas, fato social que trouxe novas demandas ao sistema jurídico28. 
Apesar de existirem hoje outras formas de famílias, este estudo tem como foco a 
simultaneidade familiar a partir do casamento e da união estável. 
Casamento: Previsto no § 1.º, do art. 226, da Constituição Federal de 1988, o casamento é, 
nas palavras de Rodrigues "(...) o contrato de direito de família que tem por fim promover a 
união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações 
sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência"29. 
 
25
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.84. 
26
 RUZIK. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade 
constitucional, p.167. 
27
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.86. 
28
 RUZIK. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade 
constitucional, p.131. 
29
 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família, p.19. 
União estável. Conforme traçado no Código Civil de 2002, em incremento a Constituição 
Federal de 1988, "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a 
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o 
objetivo de constituição de família" (art. 1.723)30. 
A simultaneidade ocorre quando o cônjuge (no casamento) ou companheiro (na 
união estável) mantém, paralelamente à sua família constituída dentro da lei, uma outra 
família. Segundo Ferrarini, “a ideia presente ainda hoje é no sentido de conceber essas 
relações como estritamente adulterinas”31, moralmente reprováveis, sendo ainda 
generalizadas, ignoradas nas suas peculiaridades. 
No imaginário social, as relações familiares paralelas ao casamento ou a união 
estável são caracterizadas por um triângulo amoroso, onde o marido ou companheiro é 
“vitimizado”, a esposa ou companheira é “santificada” e a “outra” é “satanizada”32. 
O casamento e a união estável, equiparados em direito e deveres pelo Código Civil 
de 2002, tem como característica histórico-sociológica reconhecida a monogamia. 
 
1.3.1 A Monogamia33 
 
O princípio da monogamia é “o organizador das relações conjugais, funciona como 
um interdito proibitório, se não fosse um princípio jurídico, teríamos o aval do Estado para 
estabelecermos várias famílias paralelas ao casamento ou à união estável”34. 
Para Dias, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até 
porque a constituição não o contempla, de forma que, elevar a monogamia ao status de 
princípio constitucional é obter resultados desastrosos, uma vez que, diante da 
simultaneidade simplesmente deixar de prestar tutela jurisdicional para uma das relações, 
sob o fundamento de que foi ferido o princípio da monogamia, acaba permitindo o 
enriquecimento ilícito do parceiro infiel e desrespeitando o princípio da dignidade da 
pessoa humana35. 
 
30
 BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. 
31
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.89. 
32
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.89. 
33
 Sistema no qual o homem não pode ser, simultaneamente, esposo de mais de uma mulher, e a mulher 
esposa de mais de um homem. 
34
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da 
Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais do V congresso brasileiro de direito de família, p.848-
849. 
35
 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p.58-59. 
Neste sentido Pianovski (2006, p. 198-199) ensina que: 
 
(..) além da multiplicidade de relações matrimonializadas, a monogamia 
somente é relevante para o direito de família quando seu avesso violar a 
dignidade da pessoa humana. Se assim não for, não cabe ao estado ser o 
tutor da construção afetiva coexistencial, assumir o lugar do ´não`.A 
negação ao desejo mútuo, correspectivo, neste caso, já se apresenta por 
meio do juízo de reprovação social movido por uma moral ética. A 
coerção estatal encontra, aqui, o espaço em que legitimamente possa ser 
exercida36. 
 
 
Sendo assim, tem-se que o princípio da monogamia que rege o direito de família, 
tem a finalidade de proibir a existência de relações paralelas àquela já existente, seja 
matrimonial ou união estável, contudo, ensinam os autores acima que antes deve-se aplicar 
o princípio da dignidade da pessoa humana, pois ele está acima de todos os demais 
princípios que regem o direito de família. 
Não se está aqui a negar a opção da ordem jurídica pátria no sentido de ser a 
monogamia o eixo estrutural da organização jurídica sobre a família, até porque, com tal 
raciocínio, se estaria a negar a indiscutível influência da religião e da moral ocidental 
também no Direito”37. 
No entanto, diante da vida como ela é, e com os contornos que vem se delineando 
diante do mundo globalizado, dinâmico e cada vez mais complexo, não cabe ao poder 
estatal repudiar ilícitas formas de convivência resultantes de escolhas de coexistência 
materialmente livres. Negar proteção estatal a estas relações familiares simultâneas poderá, 
conforme o caso concreto, afetar a dignidade da pessoa humana. 
Segundo Pereira, a dignidade da pessoa humana funciona como um macroprincípio 
ou superprincípio que dá base e sustentação dos ordenamentos jurídicos brasileiro, e, 
portanto, foi ele quem permitiu a inclusão das outras categorias de filhos e famílias38. 
O Direito não pode excluir do seu campo a simultaneidade familiar, pois, segundo 
Pereira, “a história já demonstrou que estes critérios de exclusão não pode mais ser 
 
36
 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha 
(Coord.). Família e dignidade humana: anais do V congresso brasileiro de direito de família, p. 198-199. 
37
 FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.95. 
38
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da 
Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais do V congresso brasileiro de direito de família, p.848-
849. 
desconsiderado pelo Direito, sob pena de se continuar repetindo injustiças e muito 
sofrimento”39. 
 Na escolha entre o princípio da monogamia, em nome da moral, e justiça, Pereira 
fica com a segunda opção, conforme pode-se verificar na citação a seguir: 
 
Não há dúvida de que o concubinato (adulterino) fere o princípio da 
monogamia, bem como a lógica do ordenamento jurídico ocidental e em 
particular o brasileiro. O mais simples e elementar raciocínio nos faz 
concluir isto. Aliás, é somente por causa desse princípio que foi possível 
à doutrina e jurisprudência construírem um pensamento para o 
concubinato não-adulterino e traze-lo para o campo do Direito de 
Família. Até que isto ficasse definitivamente esclarecido (Lei 8.971/94), 
fomos obrigados a conviver com os ridículos pedidos de indenização por 
serviços prestados, que era uma fórmula camuflada de se conceder 
alimentos, já que a união estável/concubinato não estava no elenco das 
fontes da obrigação alimentar e uma base principiológica para o Direito 
de Família não estava suficientemente assentada e forte como está hoje e 
a cada dia mais. Mas, se o fato de ferir este princípio significar fazer 
injustiça, devemos recorrer a um valor maior que é o da prevalência da 
ética sobre a moral para que possamos aproximar do ideal de justiça [...]. 
Ademais, se considerarmos a interferência da subjetividade na 
objetividade dos atos e fatos jurídicos, concluiremos que o imperativo 
ético passa a ser a consideração do sujeito na relação e não mais o objeto 
da relação. Isto significa colocar em prática o que disse antes, ou seja, 
que o Direito deve proteger a essência e não a forma, ainda que isto custe 
"arranhar" o princípio jurídico da monogamia40. 
 
 Então, se para não “arranhar” o princípio da monogamia, o Direito se utilizar do seu 
poder de exclusão nas questões de simultaneidades familiares, então a injustiça estará sendo 
feita e a ética do Direito estará seriamente comprometida. A ética deve sempre se sobrepor 
a moral excludente. 
Segundo Pereira "o moralista prefere sempre a formalidade e a lei em sua 
literalidade, enquanto o ético, a essência do Direito, e, por isso, buscará sempre nos 
princípios a fundamentação para mais justa adequação"41. 
 
39
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito, amor e sexualidade. In: Direito de família: a travessia do novo 
milênio. Congresso de direito de família, p.57. 
40
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da 
família, p.88. 
41
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da 
família, p.88. 
1.4 ENTENDIMENTOS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DA 
SIMULTANEIDADE FAMILIAR 
 
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n.º 
70010787398, reconheceu a existência de duplas células familiares, no caso em análise, 
ficou evidenciado que “[...] o cidadão mantinha dois vínculos afetivos com duas mulheres 
simultaneamente, e isso não pode vir em benefício dele próprio ou de uma das 
conviventes”. 
Ainda acerca desta decisão, destaca a relatora Desembargadora Maria Berenice Dias 
que: “(...) O poder judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, 
inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja 
“digna” de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões estáveis, 
cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações.(...)”42. 
Outra decisão do presente Tribunal, a Apelação Cível n.º 70011258605 não só 
reconheceu a união dúplice, como determinou a triação dos bens existentes entre o de cujus 
e as companheiras. 
Para o relator do acórdão Desembargador Alfredo Guilherme Englert não restou 
dúvidas de que a relação mantida pelo de cujus com H. não era a que melhor se ajustava à 
união estável, porquanto foi com E. que o de cujus teve uma filha, moraram juntos e quem 
o cuidou até os últimos dias de vida, dessa forma evidente que o de cujus tinha um convívio 
familiar bem mais consistente com E. do que com H. 
Não obstante, foi designado para o presente acórdão redator o Desembargador Rui 
Portanova, que ressalta estarmos diante de duas uniões estáveis e não um casamento civil e 
uma união estável. Ainda, não se pode perder de vista que tanto a sentença como o voto do 
eminente relator confirmam a existência de uniões estáveis dúplices que também podem ser 
chamadas de paralelas ou concomitantes. 
Parece também muito mais próximo da realidade o precedente do TJRS, assim 
ementado: 
 
Embargos infringentes - União estável - Relações simultâneas. De regra, 
não é viável o reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas, 
dado que em sistema jurídico é regido pelo princípio da monogamia. No 
entanto, em Direito de Família não se deve permanecer no apego rígido à 
 
42
 RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível n.º 70010787398. 
dogmática, o que tornaria o julgador cego à riqueza com que a vida real 
se apresenta. No caso, está escancarado que o "de cujus" tinha a notável 
capacidade de conviver simultaneamente com duas mulheres, com elas 
estabelecendo relacionamento com todas as características de entidades 
familiares. Por isso, fazendo ceder a dogmática à realidade, impera 
reconhecer como co-existentes duas entidades familiares simultâneas. 
Desacolheram os embargos, por maioria. (TJRS, 4º Grupo Cível, 
EmbargosInfringentes n.º 70013876867, rel. Des. Luiz Ari Azambuja 
Ramos, j. 10.3.2006; por maioria). 
 
 
 O fato é que essa realidade existe, e deve-se pensar no caso concreto, nas 
peculiaridades de cada caso, analisando-se os diversos elementos de cada uma destas 
relações familiares simultâneas. Farias e Rosenvald entendem que quando existe a boa fé 
por parte da “outra” mulher, ou seja, ela é induzida ao erro, pode-se requerer ao juiz o 
reconhecimento da putatividade, obtendo-se os efeitos concretos do casamento ou união 
estável43. 
Segundo os mesmo autores, “entendemos que, presente a boa-fé, é possível 
emprestar efeitos de Direito de Família às uniões extramatrimoniais” 44. 
Sobre o tema, afirmam Tartuce e Simão: "(...) essa parece ser a posição mais justa 
dentro dos limites do princípio da eticidade, com vistas a proteger aquele que, dotado de 
boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união”45. 
Então, segundo parte da doutrina, sempre que uma das pessoas da relação não 
souber que o outro possui impedimentos matrimoniais, ou sabe, e está sendo induzida a 
erros, enganada, ou seja, estiver sob a boa-fé subjetiva, os efeitos jurídicos familiares 
decorrem para o companheiro inocente, efeitos estes reconhecidos sempre por meio de ato 
judicial. 
Da mesma forma, Oliveira entende que é admissível uma “segunda união estável 
(de natureza putativa), tal qual no casamento, quando presente a boa fé por parte de um ou 
de ambos os conviventes”46. 
 
43
 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias, p.456. 
44
 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias, p.456. 
45
 TARTUCE, Flávio, e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil - Direito de Família, p.254. 
46
 OLIVEIRA, Euclides. União Estável: do concubinato ao casamento, p.139-140. 
1.5 ENTENDIMENTOS CONTRÁRIOS AO RECONHECIMENTO DA 
SIMULTANEIDADE FAMILIAR 
 
 Na visão de Gomes, é inaceitável a proteção estatal na simultaneidade familiar. 
Segundo Gomes, apud Fontanella, a monogamia é um dos princípios que regem o 
casamento (e aqui, por equiparação, também a união estável). Para este autor: “O princípio 
da monogamia está consagrado em nossa legislação, a teor do disposto no art.1521, VI, do 
CC, que prevê que não podem casar as pessoas casadas, bem como se depreende do 
art.1548, II, que estabelece a nulidade do casamento contraído com infração aos 
impedimentos matrimoniais”47. 
Também o ex Ministro do STJ Carlos Alberto Menezes Direito, assim dispôs em 
sentido contrário ao reconhecimento da simultaneidade familiares. 
 
Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórdão, não 
enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma 
natureza de união estável, isto é, "convivência pública, contínua e 
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O 
objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que 
essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se 
identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também 
uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, 
ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir 
família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se 
reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes48. 
 
 Esta decisão do Min. do STJ Carlos Alberto Menezes Direito revela o entendimento 
de alguns operadores do direito pátrio, que é a completa exclusão do sistema jurídico das 
questões relativas às famílias simultâneas. 
Nesta linha também está a jurisprudência do TJMG, como se vê adiante em dois 
precedentes: 
 
União estável. Caracterização. A união estável caracteriza-se pela 
convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, 
estabelecida com objetivo de constituição de família. O reconhecimento 
de união estável em relação a uma mulher impede o reconhecimento de 
tal relação em face de outra com quem, a despeito da existência de 
relacionamento amoroso, não se caracterizou a constituição de entidade 
 
47
 FONTANELLA, Patrícia. Famílias simultâneas e união estável putativa: possibilidade de seu 
reconhecimento. In LEITE, Eduardo de Oliveira.Grandes temas da atualidade. União Estável. Aspectos 
polêmicos e controvertidos. p. 337 
48
 Cf. STJ, 3ª Turma, REsp n.º 789.293/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16/2/2006. 
familiar, por exclusão lógica. Apelo improvido. (TJMG, 5ª Câmara 
Cível, Apelação Cível 1.0111.04.000875-2/002, rel. Des. Cláudio Costa, 
j. 17.5.2007). 
 
Direito de Família. Apelação. Ação de Reconhecimento de União 
Estável. CONCUBINATO DESLEAL. Pedido improcedente. Recurso 
provido. O concubinato desleal não encontra respaldo no ordenamento 
jurídico brasileiro, pois a manutenção de duas uniões de fato, 
concomitantes, choca-se com o requisito de respeito e consideração 
mútuos, impedindo o reconhecimento desses relacionamentos como 
entidade familiar, uma vez caracterizada a inexistência de objetivo de 
constituir família, e de estabilidade na relação. (TJMG, 4ª Câmara Cível, 
Apelação Cível n.º 1.0384.05.039349-3/002, rel. Des. Moreira Diniz, j. 
21.02.2008). 
 
 Percebe-se, por meio do exposto, que ainda é grande a resistência no mundo jurídico 
em se admitir que as famílias simultâneas sejam protegidas pelo Direito, mesmo diante da 
exclusão da sociedade moralizada. 
 
1.6 O ENTENDIMENTO DO STJ 
 
 O Recurso Especial 1157273/RN, julgado pelo STJ em maio de 2010, demonstrou o 
posicionamento desta Corte referente às famílias concomitantes ou simultâneas. 
 Segundo a Desembargadora Nancy Andrigui, a questão não é pacífica no âmbito 
desta Corte, merecendo aprofundada análise. O STJ (REsp 1.157.273-RN) decidiu que, em 
razão do dever de lealdade e de adotarmos um padrão familiar monogâmico, não se é 
permitido reconhecer a existência de famílias simultâneas. A "segunda família" é apenas 
uma sociedade de fato. 
 
In casu, o de cujus foi casado com a recorrida e, ao separar-se 
consensualmente dela, iniciou um relacionamento afetivo com a 
recorrente, o qual durou de 1994 até o óbito dele em 2003. Sucede que, 
com a decretação do divórcio em 1999, a recorrida e o falecido voltaram 
a se relacionar, e esse novo relacionamento também durou até sua morte. 
Diante disso, as duas buscaram, mediante ação judicial, o 
reconhecimento de união estável, consequentemente, o direito à pensão 
do falecido. O juiz de primeiro grau, entendendo haver elementos 
inconfundíveis caracterizadores de união estável existente entre o de 
cujus e as demandantes, julgou ambos os pedidos procedentes, 
reconhecendo as uniões estáveis simultâneas e, por conseguinte, 
determinou o pagamento da pensão em favor de ambas, na proporção de 
50% para cada uma. Na apelação interposta pela ora recorrente, a 
sentença foi mantida49. 
 
 A questão, levada até o STJ, está em saber se na perspectiva do Direito de Família, 
existe a viabilidade jurídica do reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Nesta 
instância especial, ao apreciar o REsp: 
 
Inicialmente se observou que a análise dos requisitos ínsitos à união 
estável deve centrar-se na conjunção de fatores presentes em cada 
hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a 
posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre 
outros. Desse modo, entendeu-se que, no caso, a despeito do 
reconhecimento, na dicção do acórdão recorrido, da união estável entre o 
falecido e sua ex-mulher em concomitância com união estável 
preexistente por ele mantida com a recorrente, é certo que o casamento 
válido entre os ex-cônjuges já fora dissolvido pelo divórcio nos termos 
do art. 1.571,§ 1º, do CC/2002, rompendo-se, definitivamente, os laços 
matrimoniais outrora existentes. Destarte, a continuidade da relação 
sob a roupagem de união estável não se enquadra nos moldes da 
norma civil vigente (art. 1.724 do CC/2002), porquanto esse 
relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de 
lealdade a ser observado entre os companheiros50 (GRIFO NOSSO). 
 
A respectiva decisão foi fundamentada ainda com o seguinte argumento: 
 
• Ressaltou-se que uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a 
monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade, que integra o conceito de 
lealdade, para o fim de inserir, no âmbito do Direito de Família, relações afetivas 
paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar do fato de que o núcleo 
familiar contemporâneo tem como escopo a realização de seus integrantes, vale 
dizer, a busca da felicidade. 
• Assinalou-se que, na espécie, a relação mantida entre o falecido e a recorrida (ex-
esposa), despida dos requisitos caracterizadores da união estável, poderá ser 
reconhecida como sociedade de fato, caso deduzido pedido em processo diverso, 
para que o Poder Judiciário não deite em solo infértil relacionamentos que 
efetivamente existem no cenário dinâmico e fluido dessa nossa atual sociedade 
volátil. 
 
49
 BRASIL. REsp 1.157.273-RN. STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+@num='11572
73')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
50
 BRASIL. REsp 1.157.273-RN. STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+@num='11572
73')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
• Assentou-se, também, que ignorar os desdobramentos familiares em suas infinitas 
incursões, em que núcleos afetivos justapõem-se, em relações paralelas, 
concomitantes e simultâneas, seria o mesmo que deixar de julgar com base na 
ausência de lei específica. Dessa forma, na hipótese de eventual interesse na partilha 
de bens deixados pelo falecido, deverá a recorrida fazer prova, em processo diverso, 
repita-se, de eventual esforço comum51. 
 
Com essas considerações, entre outras, a Turma deu provimento ao recurso, para 
declarar o reconhecimento da união estável mantida entre o falecido e a recorrente e 
determinar, por conseguinte, o pagamento da pensão por morte em favor unicamente 
dela, companheira do falecido. REsp 1.157.273-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado 
em 18/5/201052. 
 Segundo a referida decisão, “as uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e 
paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados 
arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais 
outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em 
seus interesses”53. 
O que se percebe, é que o STJ apresenta-se totalmente resistente à ideia de que as 
famílias simultâneas devem ser protegidas pelo Direito, mantendo-se fiel ao dever de 
lealdade, fidelidade e monogamia na formação da família. 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 Diante do exposto, o que se percebe é o que entendimento ainda é incipiente e nada 
pacífico, tanto na doutrina como nos tribunais, sobre a viabilidade da existência de famílias 
simultâneas. 
 
51
 
51
 BRASIL. REsp 1.157.273-RN. STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+@num='11572
73')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
52
 
52
 BRASIL. REsp 1.157.273-RN. STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+@num='11572
73')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
53
 BRASIL. REsp 1.157.273-RN.STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+@num='11572
73')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
 Estaremos ainda amadurecendo a ideia de que ao Direito cabe o ‘dever’ de iluminar 
as instituições familiares, mesmo sendo alguns modelos considerados ilícitos? Estaríamos 
nós, sociedade e operadores do Direito, correndo o risco de novamente atentarmos contra 
dignidade da pessoa humana, da mesma forma que fizemos quando, conforme exemplo 
citado por Rodrigo da Cunha Pereira, eram comuns na justiça os pedidos (humilhantes, 
diga-se de passagem) de indenização por serviços prestados (que era a fórmula camuflada 
de requerer alimentos), quando a união estável era chamada de concubinato e este modelo 
de família era excluído da lei? 
 O que se conclui é que a sociedade evoluiu desde os modelos retrógrados de família 
patriarcal, mas ainda somos banhados pelo ranço da moralidade, da cultura e da religião, 
mesmo que isso resulte em injustiças e possa afetar a dignidade da pessoa humana, na pele 
da mulher que agiu de boa fé, mas, ao final, ficou desprotegida pelo Estado e rechaçada 
pela sociedade. 
 Deixamos claro, ao final, que o princípio da monogamia, da fidelidade, do respeito e 
do afeto devem ser basilares nas relações familiares. Essa deve ser a regra. No entanto, 
quando ocorrem situações adversas daquelas previstas e aceitas pela lei, não pode o Direito 
se eximir de resolver tais demandas, correndo o risco de ser omisso e falhar na sua maior 
finalidade que é a Justiça. 
Alinhamo-nos, neste estudo, ao entendimento da professora Patrícia Fontanella, que 
admite a “possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, quando presente 
a boa fé subjetiva, bem como quando a duplicidade de famílias for ostensiva perante os 
envolvidos”54. Da mesma forma, acreditamos que os efeitos jurídicos de uma família 
simultânea, a partir do caso concreto, deve abarcar a possível concessão de alimentos, 
direito sucessório e previdenciário, dependendo da análise pelo magistrado de cada caso. 
 Conforme Roudinesco apud Fontanella, “a família do futuro deve ser mais uma vez 
reinventada”.55 
 
 
54
 FONTANELLA, Patrícia. Famílias simultâneas e união estável putativa: possibilidade de seu 
reconhecimento. In LEITE, Eduardo de Oliveira.Grandes temas da atualidade. União Estável. Aspectos 
polêmicos e controvertidos. p. 347 
55
 FONTANELLA, Patrícia. Famílias simultâneas e união estável putativa: possibilidade de seu 
reconhecimento. In LEITE, Eduardo de Oliveira.Grandes temas da atualidade. União Estável. Aspectos 
polêmicos e controvertidos. p. 347 
REFERÊNCIAS 
 
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código 
civil, lei n° 10.406 de 10-01-2002. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 661 p. 
 
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalidade e constitucionalização do direito. 
Interesse Público, n.33, p.15, set./out.2005. 
 
BRASIL. REsp 1.157.273-RN.STJ. Jurisprudências. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas)+
e+@num='1157273')+ou+('RESP'+adj+'1157273'.suce.)> Acesso em: 15 fev.2011. 
 
BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. 
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 
 
COSTA, Judith Hofmeister. O direito como um sistema em construção e as cláusulas 
gerais no projeto do Código Civil Brasileiro. In: FERREIRA, Aparecido Hermani. O novo 
Código Civil. Campinas: Boolselles, 2003. 
 
CRUZ, Paulo Márcio. Poder, política, ideologia e estado contemporâneo. Florianópolis: 
Diploma Legal, 2001. 
 
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed.rev., atual. e ampl. 3ª tir. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 
 
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2.ed. Rio de 
Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2010. 
 
FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria 
do Advogado, 2010. 
 
FONTANELLA, Patrícia. Famílias simultâneas e união estável putativa: possibilidade de 
seu reconhecimento. In LEITE, Eduardo de Oliveira.Grandes temas da atualidade. União 
Estável. Aspectos polêmicos e controvertidos. V. 8 Forense: São Paulo, 2009. 
 
GOMES, Orlando. Direito de família. 14ª ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. 
Rio de Janeiro: Forense, 2002. 
 
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de 
Família. Porto Alegre, Síntese, v.6, n.24, p.155, 2007. 
 
OLIVEIRA, Euclides. União Estável: do concubinato ao casamento. 6. ed. São Paulo: 
Método, 2003. 
 
PASSOS, J. J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais . Jus Navigandi, 
Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: 
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3197>. Acesso em: 5 fev.2011. 
 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito, amor e sexualidade. In: Direito de família: a 
travessia do novo milênio. Congresso de direito de família. Anais. Belo Horizonte: Del 
Rey, 2000. 
 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização 
jurídica da família. 157 f. Tese (Doutorado em Direito) – Curitiba: Faculdade de Direito, 
Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2004. 
 
 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família. In: PEREIRA, 
Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais do V congresso brasileiro 
de direito de família. São Paulo: IOB Thomson, 2006. 
 
PERROT, Michelle. O nó e o ninho, Veja 25 anos: Reflexões para o futuro. São Paulo: 
Abril, 1993. 
 
PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo 
da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais do V congresso brasileiro de direito 
de família. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 193-221. 
 
RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade 
sem fronteiras. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil 
contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. 
 
RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível n.º 70010787398. 
 
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. rev. e atual. por Francisco 
Cahali; de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: 
Saraiva, 2004. 
 
RUZIK. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à 
pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 
 
Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Direito Civil - Direito de Família. Vol. 5. 2a 
ed. São Paulo: Método, 2007. 
 
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 
2002.

Outros materiais

Perguntas Recentes