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História dos Povos Indígenas e Afro Descendentes - Conteúdo Online

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HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRO-DESCENDENTES 
AULA 1 – O IMPACTO CULTURAL DO CONTATO ENTRE EUROPEUS E 
ÍNDIOS. O SÉCULO XVI 
Quando os portugueses chegaram ao que hoje se conhece como Brasil, não encontraram o 
ouro e a prata tão sonhados no Velho Continente, nem reinos perdidos habitados por ciclopes 
e figuras que assinalavam a força que o paganismo ainda exercia na mentalidade dos povos 
fervorosamente cristãos da Península Ibérica. Mas assim como os espanhóis - oito anos antes 
- a frota comandada por Pedro Álvares Cabral encontrou um Novo Mundo. Assim como 
testemunhado por Pero Vaz de Caminha, esse Novo Mundo era habitando por homens e 
mulheres pardos, que andavam nus e que não se importavam em cobrir suas vergonhas. 
A Diferenciação dos Índios pelo Portugueses 
Os indígenas que habitavam a ―recém descoberta portuguesa‖ eram muito mais diversos do 
que os lusitanos haviam imaginado. Após os contatos iniciais, os colonos portugueses 
acabaram fazendo uma distinção da população indígena em dois grandes grupos. 
Tupi-Guarani 
O primeiro, que ficou conhecido como tupi-guarani graças às semelhanças linguísticas 
observadas, abarcava uma série de sociedades que vivia na extensa região litorânea desde 
São Vicente (no sul) até o Maranhão. Tupinambás, tupiniquins, tupinaê e guaranis são 
exemplos de sociedades indígenas que faziam parte da família linguística tupi-guarani. 
Tapuias 
No outro grupo estavam os tapuias (palavra tupi que significa os ―fugidos da aldeia‖, ou 
―aqueles de língua enrolada‖) que ocupavam regiões mais interioranas. Ao que tudo indica, os 
portugueses acabaram se apropriando da diferenciação que os tupi-guaranis faziam em 
relação aos grupos que não faziam parte da sua matriz linguística, colocando sob a mesma 
nomenclatura sociedades indígenas extremamente diversas como os cariris, jês, e os caraíbas. 
Ao descrever os aimorés (um dos tantos povos classificados como tapuias), o português 
Gabriel Soares de Souza disse:―Descendem estes aimorés de outros gentios a que chamam 
tapuias, dos quais nos tempos de atrás se ausentaram certos casais, e foram-se para umas 
serras mui ásperas, fugindo a um desbarate, em que os puseram seus contrários, onde 
residiram muitos anos sem verem outra gente; e os que destes descenderam, vieram a perder 
a linguagem e fizeram outra nova que se não entende de nenhuma outra nação do gentio de 
todo este Estado do Brasil‖Gabriel Soares de Souza, Tratado descritivo do Brasil, 1587, pp.78-
79. 
Dentre os tupi-guaranis, a sociedade tupinambá acabou tornando-se uma das mais 
conhecidas, graças ao intenso contato com os portugueses durante os séculos XVI e XVII. O 
historiador Stuart Schwartz salientou que os tupinambás viviam em aldeias que possuíam de 
quatrocentos a oitocentos indivíduos. Tais aldeias eram divididas em unidades familiares que 
viviam em até oito malocas. As unidades familiares, por sua vez, estavam estruturadas pelo 
parentesco familiar e obedeciam à divisão sexual do trabalho: grosso modo, aos homens cabia 
as atividades de caça, pesca e de guerra, e às mulheres o cuidado com a agricultura e com a 
casa. 
A agricultura era uma prática que diferenciava os tupinambás dos demais povos tupi-guaranis. 
Para preparar o solo para a semeadura, os tupinambás desenvolveram uma técnica que 
rapidamente foi incorporada pelos colonos portugueses: a coivara1. 
1 Essa técnica consistia na abertura de clareiras em determinadas áreas florestais, que em 
seguida eram queimadas. As cinzas resultantes desse processo eram utilizadas como 
fertilizantes do solo que, em seguida, era semeado pelas mulheres da aldeia. Dentre os 
gêneros cultivados estavam o feijão, milho, abóbora, algumas frutas e, principalmente, a 
mandioca - base da alimentação tupinambá e, mais tarde, de toda a colônia. 
Outra característica marcante dos tupinambás era seu ímpeto guerreiro. A guerra tinha 
funções econômicas e simbólicas para esse povo, na medida em que viabilizava a obtenção de 
prisioneiros de guerra e a ampliação territorial, além de criar uma intricada rede de status que 
definia diversos aspectos da vida em sociedade, sobretudo os matrimônios. 
Junto com a guerra, os tupinambás praticavam o canibalismo ritual que causou horror e 
curiosidade aos colonos portugueses. Baseado na cosmogonia tupinambá, o canibalismo era 
um ritual antropofágico, no qual o inimigo prisioneiro de guerra era (depois de uma iniciação), 
morto pela sociedade vitoriosa, e tinha suas partes distribuídas dentre os indivíduos do grupo 
vencedor. A ideia era se alimentar (simbolicamente) das características do oponente. 
Como sugerido há pouco, traçar padrões culturais e sociais dos tapuias é uma tarefa muito 
difícil, na medida em que eles não formavam um grupo que se identificava como tal. Estudos 
recentes apontam que os tapuias pertenciam a diferentes troncos linguísticos, ou seja: eles 
eram os ―não-tupis‖, o que significa que eles eram muitas coisas. Um dos povos tapuias mais 
estudados é o aimoré devido à frequente resistência imposta ao aldeamento e catequese 
portuguesa. Pertencentes ao grupo etnográfico jê, os aimorés, também conhecidos como 
botocudos, habitavam o que hoje é o estado do Espírito Santo e o Sul da Bahia. 
Eram seminômades, não praticavam a agricultura e tinham uma vida bélica muito 
desenvolvida, o que só se intensificou com a chegada dos portugueses. A relação entre 
colonos e aimorés foi tão estremecida que, além de protagonizarem uma das mais 
importantes rebeliões indígenas da história brasileira (a Confederação dos Tamoios), os 
aimorés foram os únicos que estavam excluídos da proteção contra a escravização do gentio, 
promulgada pela Coroa portuguesa em 1570. 
Todavia, durante muitos anos, a diversidade indígena e a própria Ilha de Vera Cruz, pareciam 
não ter despertado o interesse da Coroa portuguesa. Como apontou Manuela Carneiro da 
Cunha: ―todo o interesse, todo o imaginário português se concentra, à época, nas índias, 
enquanto espanhóis, franceses, holandeses, ingleses estão fascinados pelo Novo Mundo‖ 
(CUNHA, 1990: 92). Foi justamente esse encantamento que fundamentou a construção das 
primeiras imagens europeias sobre a nova humanidade que se apresentava. 
A inocência e a ausência de elementos fundamentais que – na perspectiva europeia – 
balizavam a noção de civilização marcaram os primeiros escritos sobre os índios. A 
despreocupação com a nudez foi reiterada diversas vezes na Carta de Pero Vaz de Caminha, 
indicando que esses homens e mulheres andavam nus por lhes faltarem a ideia de vergonha. 
O mesmo Caminha, assim como Vespucci e, mais tarde, Gândavo e Gabriel Soares de Souza 
ficaram surpresos com o fato dos tupis não terem em seu alfabeto as letras F, L e R. 
Segundo esses homens, essa ausência era a comprovação de que os índios viviam sem Justiça 
e na maior desordem, pois 
―Se não tem F, é porque não tem fé em nenhuma coisa que adorem (...). Se não tem L na sua 
pronunciação, é porque não tem lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; 
e cada uma faz a lei a seu modo (...). E se não tem esta letra R na sua pronuncia, é porque 
não tem rei que os reja, e a quem obedeçam.‖ (G.S. de Sousa 1971 (1587):302) 
A Catequização dos Índios 
As constatações apontadas na tela anterior serviram como norte para a atuação dos religiosos 
europeus. Se por um lado a Coroa portuguesa só passou a se importar efetivamente com sua 
colônia americana a partir de 1530, desde os primeiros anos de contato diversos religiosos, 
sobretudo os jesuítas, iniciaram um intenso trabalho com os grupos indígenas que ficou 
conhecido como catequese. Num primeiro momento, os jesuítas visitavam as aldeias a fim de 
conhecer um pouco mais a cultura, hábitos e línguados índios, aproveitando a oportunidade 
para fazer pregações e alguns batismos. 
Feito o contato inicial, os jesuítas passaram para o segundo estágio da catequese: a 
conversão, propriamente dita, dos índios. Para tanto, os missionários organizaram os povos 
indígenas em aldeamentos. O objetivo principal era incutir nesses índios valores e práticas 
europeias. Desse modo, os índios aldeados além de batizados, também recebiam os primeiros 
ensinamentos católicos, além de ler e escrever. 
Segundo os jesuítas, o aldeamento era fundamental, pois apenas essa estrutura permitia que 
os índios, de fato, tivessem um canto sistemático com os preceitos cristãos. O padre Manoel 
da Nóbrega foi um dos que defendeu abertamente os aldeamentos, pois, segundo ele os 
índios eram tão instáveis que, com a mesma facilidade que eram convertidos, logo voltavam 
para ―sua rudeza e bestialidade‖. (Padre Manoel da Nóbrega). Para facilitar a aprendizagem, 
muitos jesuítas recorreram às encenações teatrais, o que deu origem a um dos primeiro 
gêneros literários do Brasil. 
Nos aldeamentos, os índios ainda eram treinados para exercer ofícios como tecelões, 
carpinteiros e ferreiros. Depois do treino, muitos iam trabalhar para colonos sob a tutela dos 
jesuítas - que eram responsáveis, inclusive, pela definição do pagamento dos índios aldeados. 
Em muitos casos, os aldeamentos acabavam se transformando em pequenas unidades 
econômicas, cuja principal mão-de-obra era a indígena. Após a missa, muitos índios iam 
trabalhar na lavoura que garantia a subsistência de todos. Os aldeamentos também tinham 
como objetivo acabar com a poligamia indígena e com a liberdade sexual que existia em 
diferentes sociedades, incutindo o modelo cristão de família. 
Como a preocupação maior era a conversão dos índios, os aldeamentos recebiam indivíduos 
dos mais diferentes grupos e sociedades. Dessa convivência surgiu a língua geral (baseada no 
tupi) que durante muitos anos foi a mais falada em toda a colônia. Esse convívio mais intenso 
também possibilitou um conhecimento mais aprofundados dos povos indígenas. 
Diferenças sociais e culturais existentes entre os grupos indígenas 
As diferenças sociais e existentes entre os grupos indígenas - ilustradas com os exemplos dos 
tupinambás e dos aimorés - exerceram grande influência nas relculturaisações que esses 
grupos estabeleceram com os portugueses durante os primeiros anos de contato, e foram 
fundamentais na construção da tipologia indígena pelos mesmos colonos. 
As obras ao lado foram feitas pelo pintor neerlandês Albert Eckhout (1610-1666) são 
documentos que ajudam a analisar de forma eficiente as duas imagens de índio criadas pelos 
europeus durante os séculos XVI e XVII. As duas imagens retratam índios ―brasileiros‖, 
possivelmente guerreiros, já que ambos estão armados de arcos e flechas. No entanto, a 
composição das obras apontam que tratavam-se de ―tipos‖ distintos de índios. De um lado, 
está o tapuia, representado por um homem nu, com brincos e cocares que, em tese, seriam 
típicos desse povo. Do outro, vê-se um índio tupi, que já tem suas vergonhas escondidas e 
não utiliza nenhum adorno. 
Observa-se então, que o tapuia representa o índio selvagem, que nu e enfeitados de plumas e 
penas vive no meio da selva. Já o tupi aparece como o índio domesticado, aquele que é 
passível de salvação e que por isso mesmo já vive em outra ―selva‖, numa floresta mais 
civilizada, na qual é possível (ao fundo) ver outros índios trabalhando. Como bem apontado 
por Manuela Carneiro da Cunha ―Em 1500, Caminha viu ―gente‖ em Vera Cruz. Falava-se 
então de homens e mulheres. O escambo povoou a terra de ―brasis‖ e ―brasileiros‖. Os 
engenhos distinguiram o ―gentio‖ insubmisso do ―índio‖ e do ―negro da terra‖ que 
trabalhavam. [...] Pelo fim do século, estão consolidadas, na realidade, duas imagens de 
índios que só muito tenuamente se recobrem...‖ (Cunha: 1990, 109) 
AULA 2 – O IMPACTO CULTURAL DO CONTATO ENTRE EUROPEUS E 
ÍNDIOS: O APRESAMENTO INDÍGENA 
Extração de Pau-Brasil no Século XVI 
Como bem se sabe Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500. No entanto, 
durante os primeiro anos do século XVI os portugueses estavam mais preocupados em 
participar do comércio feito no Oceano Índico, no qual produtos de grande valor como ouro, 
prata, seda e especiarias eram negociados. A Coroa portuguesa só foi se preocupar, de fato, 
com suas terras americanas a partir de 1530. 
Dessa feita, os primeiros anos da presença portuguesa no Novo Mundo foram marcados pela 
atuação dos jesuítas na conversão dos grupos indígenas (por meio da catequese e do 
aldeamento) e de ações particulares de colonos portugueses que estavam interessados, 
sobretudo, na extração do pau-Brasil, obtido por meio do trabalho indígena. 
Capitanias Hereditárias 
A partir de 1530, a concorrência do comércio do Índico trouxe inúmeros prejuízos aos 
portugueses, que também começavam a ter suas terras americanas invadidas por outras 
nações europeias. Era preciso efetivar a presença da Coroa lusitana no outro lado do Atlântico 
a fim de garantir a posse de suas terras e de conseguir tirar mais proveito da recente 
aquisição. 
A primeira medida tomada pela Coroa Portuguesa data de 1534. Nesse ano, a América 
Portuguesa foi dividia em dezesseis grandes faixas de terra chamadas de capitanias 
hereditárias. 
Cada uma dessas capitanias seria doada pelo rei a um nobre português (chamado de 
donatário) que deveria construir vilas, arrecadar impostos e, principalmente, redistribuir a 
terra para quem pudesse cultivá-la. No entanto, muitos donatários não cumpriram suas 
obrigações, sendo que alguns chegaram a nunca colocar seus pés em terras brasileiras. 
A ineficiência do sistema de capitanias fez com que o rei português tentasse outra forma de 
administração. Em 1548 foi instituído o governo-geral, uma tentativa de centralizar a 
administração da América portuguesa. 
O primeiro Governador Geral 
A fim de consolidar o domínio português no litoral, Tomé de Souza foi nomeado como 
primeiro governador-geral do Brasil. 
O primeiro governador geral, Tomé de Souza, ficou responsável pela construção da cidade de 
Salvador, na capitania da Bahia, que seria a sede do governo-geral. Além de ser um ponto 
relativamente mais próximo da metrópole, a capital colonial estava localizada num ponto 
estratégico, perto das principais regiões produtoras do açúcar, produtor que anos mais tarde 
seria considerado o ―ouro branco‖ da colônia. Isso facilitava o controle da produção e 
exportação do açúcar, garantindo assim, o exclusivismo da Coroa Portuguesa. 
A Mão-de-Obra Escrava nos Engenhos Açucareiros 
Por questões geomorfológicas (solo fértil e água abundante) e políticas, durante séculos XVI e 
XVII, a produção açucareira concentrou-se nas capitanias do nordeste da colônia, 
principalmente na Bahia de todos os santos e em Pernambuco. Nos primeiros anos da 
produção, os diferentes grupos indígenas compuseram parte significativa da mão-de-obra 
escrava dos engenhos açucareiros. Na realidade, o intervalo entre os anos de 1540 e 1570 
marcou o apogeu da escravização indígena nesses engenhos. 
No entanto, a descoberta de uma ―nova humanidade‖ criou debates filosóficos extremamente 
profundos em toda a Europa. Os missionários católicos e protestantes que haviam entrado em 
contato com os diferentes grupos indígenas das Américas, lideraram discussões acerca da 
natureza desses homens e mulheres ―recém-descobertos‖ que marcaram o cenário intelectual 
do século XVI. 
Seguindo as determinações tomadas pela própria Igreja Católica, em 1570, a Coroa 
portuguesa sancionou a lei que proibia a escravização do gentio – cujo fragmento vimos no 
início destaaula. Com exceção feita aos aimorés – que se recusavam militarmente à 
conversão católica, os índios ficavam sob a tutela da Companhia de Jesus, não podendo mais 
servir como escravos nos engenhos de açúcar. 
Em tese, após 1570, as questões indígenas passavam a ser decididas apenas pelos 
missionários responsáveis por sua evangelização. 
No entanto, por trás dessa decisão da Coroa lusitana também estavam interesses econômicos 
de muitos fidalgos portugueses que, há muito, estavam envolvidos com o tráfico de negros da 
guiné. Esses africanos escravizados substituiriam os indígenas na produção de açúcar. A partir 
da promulgação da ―lei de liberdade dos gentios‖, houve a substituição crescente de índios por 
africanos escravizados. 
No entanto, essa mudança ocorreu principalmente nas capitanias que mais produziam açúcar 
e que, justamente por isso, eram mais vigiadas pelo Estado português. 
 
Como será analisado na próxima aula, é preciso assinalar que, embora a entrada de africanos 
tenha se intensificado sobremaneira a partir do último quartel do século XVI, durante todo o 
período de vigência da escravidão, parte significativa dos grupos indígenas também foi 
reduzida à condição de cativeiro, muitas vezes subjugados pelos próprios missionários. 
As Capitanias do Sul 
Os colonos que rumaram para outras capitanias, sobretudo aquelas localizadas ao sul da 
colônia, não respeitaram a lei de rei D. Filipe II. Se para a Coroa portuguesa e para os 
missionários jesuítas os índios passaram a ser vistos como gentios (ou seja, eram passíveis de 
salvação), para os colonos que viviam nas capitanias de São Tomé e São Vicente os grupos 
autóctones (grupos naturais da região) rapidamente passaram a ser vistos como negros da 
terra. Nessas localidades, os indígenas foram escravizados sistematicamente e serviram como 
mão-de-obra fundamental na expansão territorial levada a cabo pelos colonos paulistas. 
Ao analisar a relação entre índios e bandeirantes na origem de São Paulo, o historiador John 
Monteiro mostrou que a colonização foi um processo plural. Ainda que boa parte da América 
portuguesa tenha vivenciado experiências comuns advindas do encontro entre colonos e 
índios– encontro este que foi marcado pela desintegração de muitas sociedades indígenas e 
pelo processo de catequização daquelas que conseguiram sobreviver -, a partir de meados do 
século XVI, a relação entre ambos tomou rumos distintos. 
No caso das capitanias do Sul, é possível afirmar que a Lei de Liberdade do Gentio 
(sancionada em 1570) foi letra morta. De acordo com Monteiro, entre os séculos XVI e XVIII 
era cada vez mais frequente o número de expedições que assaltavam aldeias indígenas 
transformando seus habitantes em braços para o ―serviço obrigatório‖ (MONTEIRO: 1994, 57). 
Isso porque, diferentemente do que ocorria na região açucareira da colônia, os paulistas não 
se inseriram no circuito comercial Atlântico, procurando eles mesmos os braços que iriam 
trabalhar em suas lavouras. Ao invés de se lançarem para o mar, os paulistas se 
embrenharam sertão adentro. 
As Expedições 
O sonho do El Dorado que havia povoado a mente dos primeiros europeus que se lançaram ao 
mar no século XV, e que em parte havia se materializado em algumas regiões conquistadas 
pelos espanhóis (como Potosí), ainda acalentava o desejo de muitos colonos portugueses. Foi 
a procura por ouro e prata que fomentou as primeiras expedições para as regiões interioranas 
da colônia portuguesa. Entre os anos de 1591 e 1601, o governador geral D. Francisco de 
Souza armou uma série de expedições em busca de metais preciosos. A vertente paulista, 
chefiada por João Pereira Botafogo conseguiu encontrar algumas minas próximas à cidade de 
São Paulo, reacendendo o sonho português. No entanto, as expedições subsequentes não 
corresponderam ás expectativas criadas pelos colonos. 
A Escravidão Indígena 
Ainda que o ouro e a prata não tenham sido encontrados em abundância, a experiência das 
expedições apresentou um produto extremamente interessante para os colonos: os escravos 
indígenas. Após terminar seu governo, D. Francisco voltou a Portugal com o intuito de colocar 
em prática um projeto que visava fomentar a economia das capitanias sulistas da colônia. 
Com inspiração no modelo da América espanhola, o objetivo era articular diferentes setores 
econômicos (mineração, agricultura e indústria), tendo como base o uso da mão-de-obra 
indígena (MONTEIRO: 1994, 59). 
Uma vez mais, os colonos portugueses não lograram êxito em suas investidas. Mas a proposta 
do antigo governador acabou redimensionando os objetivos das expedições para o interior. A 
busca por ouro deu lugar ao aprisionamento de índios. Embora os colonos utilizassem a 
procura por metais preciosos frente à Coroa portuguesa - que baixava inúmeras leis proibindo 
a escravização de indígenas – as expedições organizadas pelos colonos de São Paulo se 
transformaram em verdadeiras empreitadas escravizadoras. 
A rentabilidade da venda dos indígenas escravizados era tamanha, que rapidamente criou-se 
uma intricada rede de negociações nas capitanias do sul. Praticamente toda a mão-de-obra 
dessa localidade da colônia era formada por índios escravizados. Os lucros eram tantos que 
pagavam os custos e riscos de expedições cada vez mais interioranas. 
Colonos x Jesuítas 
Além das sociedades indígenas, os maiores opositores das expedições foram os missionários e 
demais religiosos responsáveis pela evangelização dos índios. Embora os indígenas 
trabalhassem em condições muito ruins nas missões e aldeamentos, ali não havia o discurso 
nem a prática efetiva da escravização. Soma-se a isso, nessas organizações, os índios 
recebiam instruções religiosas para que se convertessem ao cristianismo e passassem a seguir 
um padrão europeu de vida e de relação com o trabalho. Nenhuma dessas preocupações 
pautou a organização das expedições nos séculos XVII e XVIII. 
Centenas de aldeias foram destruídas, e milhares de índios foram reduzidos ao cativeiro. 
Segundo Monteiro, o padre Montoya afirmava que as expedições haviam destruído 11 
missões, o que significava o apresamento de praticamente 50 mil índios. Ao descrever as 
expedições no Rio de Janeiro, o padre Lourenço de Mendonça apontou quem 60 mil guaranis 
foram escravizados e levados para São Paulo (MONTEIRO: 1994, 73-74). Tais índios eram 
utilizados, sobretudo, na reposição da força de trabalho da região sendo poucos os que 
seguiam para as lavouras de cana. 
Graças às bandeiras que identificavam as expedições, as campanhas organizadas por colonos 
paulistas em busca de índios ficaram conhecida como Movimento Bandeirante. O auge desse 
movimento ocorreu na segunda metade do século XVII, momento em que bandeirantes como 
Antonio Raposo Tavares e Domingos Jorge Velho ganhavam reconhecimento em toda colônia. 
Jorge Velho foi, inclusive, convocado pela Coroa Portuguesa para sufocar a rebelião indígena 
chefiada por Canindé (Rio Grande), além de ter sido um dos responsáveis pela desarticulação 
do Quilombo dos Palmares. 
À medida que as bandeiras aumentavam, crescia também o movimento de oposição chefiado 
pelos missionários. Amparados pela letra da lei, esses religiosos recorreram diversas vezes ao 
rei português a fim de denunciarem os abusos cometidos pelos colonos paulistas. Outro fator 
que começou a dificultar o movimento foi o aumento das distâncias. O sertão era cada vez 
mais distante, o que encarecia muito a organização das expedições (que necessitam de 
pólvora, chumbo, correntes e índios escravizados). 
Conforme será trabalhado nas próximas aulas, outro fator que levou à diminuição significativa 
das expedições de apresamento (que praticamente deixaram de existir a partir doséculo 
XVIII) foram diferentes movimentos de resistência dos grupos indígenas. Revoltas individuais, 
migrações para regiões ainda mais distantes e até mesmo rebeliões coletivas despontaram 
nesse contexto. 
AULA 3 – MÃO-DE-OBRA INDÍGENA E AFRICANA E A FORMAÇÃO DO 
SISTEMA ESCRAVISTA 
Ouro branco: foi assim que muitos colonos passaram a chamar o produto advindo do 
processamento do caldo de cana-de-açúcar, sendo o primeiro gênero produzido em larga 
escala na América portuguesa. 
A escolha do açúcar teve duas razões principais: 
 Em primeiro lugar, o açúcar produzido da cana era um gênero tropical e por isso 
mesmo teria grande demanda na Europa; 
 Em segundo lugar, os portugueses já possuíam conhecimento do fabrico de açúcar de 
cana graças à colonização das ilhas Canárias, Madeira, Açores e Cabo Verde, todas 
localizadas no Atlântico Norte. 
Ainda no século XVI, iniciaram-se as construções dos primeiros engenhos de açúcar em 
diferentes localidades da América portuguesa. Contudo, a região nordeste da colônia acabou 
se tornando a principal produtora de açúcar devido às suas condições naturais. 
Veja algumas delas: 
Grandes propriedades de terra; 
Clima quente; 
Chuvas constantes; 
Solo fértil; 
Abundância de rios; 
As árvores da mata atlântica – ideais para a construção das moendas; 
A localização das capitanias do nordeste, que estavam mais próximas ao mercado consumidor 
do produto – a Europa 
Veja também as diferentes partes do engenho (unidade produtiva do açúcar): 
Canavial – onde a cana era cultivada; 
A casa da moenda – onde era extraído o caldo de cana; 
A casa de purgar – onde o caldo era transformado em melaço; 
A residência do senhor – conhecida como Casa-Grande; 
A residência dos demais trabalhadores. 
Todavia, para que todo esse empreendimento desse lucro de fato – sobretudo frente ao 
monopólio de exportação exercido pela Coroa portuguesa – era necessário que a produção 
fosse a mais barata possível. 
A Escravização 
Foi no contexto da lógica mercantilista que a escravidão apareceu como a melhor opção para 
a produção do açúcar. Além disso, o uso de escravos vinha coroar uma série de questões 
filosóficas colocadas pelos europeus desde o início das Navegações (no século XV), quando a 
Europa entrou em contato com sociedades da África-subsaariana e das Américas. 
A ―nova humanidade‖ que se apresentava para os europeus seria classificada e ordenada por 
eles. A escravidão foi uma instituição que ordenou boa parte das dinâmicas da sociedade da 
América portuguesa. 
Na obra Cultura e opulência do Brasil, o padre André Antonil (1649- 1716) pontuou bem a 
importância que a escravidão tinha no funcionamento dos engenhos açucareiros. 
Segundo ele: 
Os escravos são as mãos e os pés dos senhores de engenho, porque sem eles no Brasil não é 
possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E do modo como se 
há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por isso, é necessário comprar 
cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e barcas. ANTONIL, 
André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982. p. 
36. 
A Escravização no Brasil 
Durante muitos anos a escravidão no Brasil foi vista de forma sistêmica. De um lado estavam 
os índios escravizados, utilizados em sua grande maioria em pequenas e médias produções, 
quase todas voltadas para a subsistência da colônia. Do outro estavam os africanos 
escravizados e seus descendentes utilizados nas atividades envolvidas com o mercado 
externo, como a produção de açúcar e a mineração. 
Ainda que essa sistematização esteja pautada em uma série de análises qualitativas da 
economia colonial, é importante ressaltar que tal assertiva não se aplica a todo o período de 
fabrico do açúcar. 
Ao analisar o início da produção açucareira, Stuart Schwartz chamou atenção para um 
fenômeno pouco estudado: o uso massivo de indígenas escravizados nos engenhos. Grande 
parte desses índios tinha origem tupi, embora alguns povos tapuias tenham sido encontrados 
nos registros. 
A análise de Schwartz se circunscreve à província da Bahia que, durante os séculos XVI e 
XVII, foi uma das maiores produtoras de açúcar da América portuguesa. 
Baseado em registros paroquiais e inventários, o autor apontou que a lógica que regeu a 
escravidão indígena na produção açucareira foi muito semelhante àquela que ditaria o ritmo 
de trabalho de africanos escravizados anos mais tarde. 
Graças à preferência senhorial, 60% dos escravos eram homens adultos e jovens. Todavia, as 
práticas religiosas incentivaram o casamento de muitos desses homens, fazendo que famílias 
escravas tivessem significativa presença nesses engenhos. 
Tendo que se adaptar às condições de trabalho impostas pelos colonos, os índios escravizados 
deveriam realizar o cultivo extensivo da cana e depois processar seu caldo a fim de obter o 
açúcar. 
A partir do último quartel do século XVI, a escravidão indígena passou a ser, em parte, 
substituída pelos africanos escravizados. 
Tal substituição tinha duas razões principais: 
 A primeira era a relativa fragilidade dos grupos indígenas em relação às inúmeras 
epidemias que assolam os engenhos açucareiros; 
 A outra razão consistia na grande circulação de dinheiro promovida pelo tráfico 
transatlântico de africanos escravizados. 
Além disso, em meados do século XVI, o valor do escravo africano era relativamente baixo, o 
que o tornava acessível para muitas pessoas. E, mais do que uma propriedade, o escravo 
africano representava um investimento, pois, depois de três ou quatro anos, o senhor 
conseguia recuperar, por meio do trabalho do escravo, o que havia pagado por ele e 
continuava usufruindo do seu trabalho por muito mais tempo. Não podemos esquecer que o 
fato de trabalharem em uma terra totalmente desconhecida também dificultava fugas e 
possíveis revoltas dos africanos escravizados. 
O Trabalho Compulsório dos Africanos 
Esses aspectos foram fundamentais na hora de escolher o trabalho compulsório de africanos 
em detrimento dos indígenas – embora muitos índios tenham trabalhado como escravos na 
América portuguesa, só que em menor escala. Fora isso, existiam ainda argumentos 
religiosos. Na época, a Igreja católica acreditava que os negros africanos não tinham alma. 
Por isso, o trabalho como escravo seria uma espécie de purgatório em vida para que depois 
da morte esses homens e mulheres pudessem subir ao reino dos céus. 
O fato é que a partir de 1580, africanos de diversas localidades do continente passaram a 
desembarcar em peso na América portuguesa para trabalhar como escravos em diferentes 
atividades econômicas. Os africanos que vieram escravizados para o Brasil tinham origens 
diversas. O mapa ao lado mostra as diferentes rotas do tráfico de escravos do continente 
africano para terras brasileiras. Se olharmos o mapa com atenção veremos que existem quatro 
grandes rotas de comércio. 
Rota do Tráfico Negreiro Para o Brasil 
Após a longa travessia, quando finalmente desembarcavam nos portos da América 
portuguesa, a situação de boa parte dos africanos era péssima. Aqueles que tinham 
conseguido aguentar a viagem passavam por um breve exame médico e eram rapidamente 
vendidos. Os africanos mais fragilizados, principalmente aqueles que haviam contraído 
escorbuto, passavam por um processo de quarentena em galpões localizados na região 
portuária. 
Nesses locais eles recebiam uma alimentação especial para recuperar suas forças o mais 
rápido possível. Assim que estivessem mais fortes, eram levados para os mercados onde 
seriam comprados. A partir de então, o destino desses africanos estava atrelado a de seusenhor e, em muitos casos, eles tinham que continuar a viagem, só que agora pelo interior do 
Brasil. 
Nem todos os africanos recém-chegados resistiam ao período da quarentena. Por isso, era 
comum encontrar cemitérios nas proximidades do porto. Além dos maus tratos e das doenças 
adquiridas durante a travessia, muitos escravos boçais, isto é africanos recém-chegados, 
sofriam de banzo –, uma doença que parecia atacar a alma de alguns africanos que, tomados 
por uma tristeza profunda, se deixavam morrer. 
Para muitos deles era preferível morrer a trabalhar como escravo, pois acreditavam que a 
morte significava o retorno à sua terra natal, junto a seus ancestrais. 
No entanto, a maior parte dos africanos sobrevivia à travessia do atlântico. Dessa forma, o 
escravo boçal rapidamente era introduzido à sua nova sociedade. 
Em seguida, ele recebia ensinamentos básicos do catolicismo, como deveriam se portar 
perante seu senhor, bem como algumas palavras em português. A partir de então o escravo 
boçal se juntava ao ladino e ao crioulo na execução das mais variadas tarefas. 
A Jornada de Trabalho dos Escravos 
Para conseguir cumprir a demanda da produção em larga escala, os escravos enfrentavam 
jornadas de trabalho que variavam de doze a dezoito horas e eram constantemente vigiados 
por feitores e capatazes para que otimizassem seu tempo de trabalho. 
No ápice da produção do açúcar (século XVI) e do café (século XIX), e no auge do período 
aurífero (século XVIII), a exploração do escravo era tamanha que a média de vida ativa do 
cativo variava entre sete e dez anos. Contudo, estimativas apontam que, mesmo nesse curto 
tempo de vida ativa, o escravo ―pagava‖ para seu proprietário a quantia que havia sido 
desembolsada no momento da sua compra e ainda gerava benesses. 
A partir do terceiro ano de trabalho, tudo o que era produzido pelo cativo representava lucro 
ao senhor. Este retorno financeiro relativamente rápido fez com que o escravo fosse visto 
como uma boa forma de investimento, o que fomentou o tráfico intercontinental de africanos 
por três séculos. 
Essa lógica da exploração total do trabalho escravo intensificou ainda mais a violência inerente 
à escravidão. Além da obrigação em labutar horas a fio de baixo de sol quente, chuva forte ou 
em dias frios, o constante reabastecimento de africanos escravizados nos portos do Brasil fez 
com que muitos proprietários fossem negligentes com os cuidados despendidos aos cativos. 
As Péssimas Condições Que Viviam os Escravos 
Apesar de cuidados com alimentação, moradia e vestimenta serem de responsabilidade 
senhorial, a fácil reposição dos escravos ajuda a explicar as péssimas condições de vida que 
os proprietários ofereciam a seus cativos. A alimentação que os escravos recebiam costumava 
ser composta apenas por farinha de mandioca ou de milho, uma porção de carne salgada e, 
por vezes, um pouco de feijão: o básico para o sustento humano. As roupas desses cativos 
eram feitas de panos de algodão simples e deveriam durar ao menos um ano. 
Muitos escravos que adoeciam eram deixados à própria sorte, pois, como vimos, muitas vezes 
era mais vantajoso comprar um novo cativo do que cuidar do enfermo. 
Junto à rígida e pesada disciplina de trabalho no eito e às chibatas recebidas quando não 
alcançavam a quantidade estipulada de feixes de cana ou cestos de grãos de café, os escravos 
e escravas ainda enfrentavam outros dois grandes problemas: os acidentes e as condições 
insalubres de trabalho. 
Os acidentes foram comuns nos engenhos de açúcar, mais especificamente: 
 Na casa da moenda, onde era extraído o caldo da cana, os cativos que não tomassem 
cuidado podiam ter o braço inteiro triturado pelas engrenagens ao colocar os feixes de 
cana na moenda; 
 Na casa de purgar, onde o caldo era transformado em melaço, que normalmente era o 
local de trabalho das escravas, havia sempre o perigo de queimaduras. 
As regiões mineradoras também foram palco de acidentes de trabalho. Mesmo que muitos dos 
africanos escravizados, principalmente os oriundos da Costa da Mina, tivessem conhecimentos 
milenares sobre mineração aprendidos na África, em diversas ocasiões as minas subterrâneas, 
que haviam sido cavadas, desabavam, matando dezenas de cativos. Quando tragédias como 
essas não ocorriam, os escravos eram obrigados a passar o dia inteiro com parte do corpo 
submersa nos rios e córregos para realizar o garimpo do ouro. 
AULA 4 – A RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO: RELIGIOSIDADE 
Festa de Nossa Senhora do Rosário – Patrona dos Negros 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A imagem é uma litogravura pintada pelo viajante alemão Johann Moritz Rugendas, que viajou 
pelo Brasil entre os anos de 1822 e 1825. Nela, o viajante registrou um evento comum na 
história do Brasil escravista: as festas das irmandades negras. 
Tais festividades reuniam negros e mestiços, escravos e libertos, na comemoração do Santo 
Padroeiro. Era um dos poucos momentos em que esses homens e mulheres podiam se reunir 
e festejar, pois essas festividades tinham o aval da Igreja para ocorrer. 
A Igreja Católica foi uma das mais importantes instituições da história do Brasil. É possível 
afirmar que ela foi uma das responsáveis pela chegada dos portugueses no Novo Mundo, bem 
como por parte das políticas coloniais adotadas pela metrópole. 
Dito de outra forma, a colonização das Américas também era um movimento de conversão, de 
catequese dos autóctones do continente e, mais tarde, dos africanos escravizados que aqui 
chegavam. O fervor religioso chegou, inclusive, a colocar Igreja Católica e Coroa portuguesa 
em posições antagônicas (como no uso de indígenas como escravos). 
Dessa forma, todos os que habitassem a América portuguesa – índios, africanos, portugueses, 
escravos e livres – deveriam ser católicos. As intervenções da Inquisição durante o período 
colonial apontam que a Igreja levava a sério a obrigação de cuidar de seu e de assegurar que 
ninguém desviaria dos propósitos divinos. 
Diferentes grupos indígenas passaram (muitas vezes, à força) pelo processo de catequese. Já 
os africanos recém-chegados eram batizados e recebiam um nome cristão que deveriam levar 
até a sua morte e, quando comprados por senhores religiosos, recebiam os primeiros 
ensinamentos católicos. 
No entanto, se a Igreja tinha seus propósitos, africanos e indígenas souberam ler nas 
entrelinhas o que era dito e pregado, dando outro significado às práticas religiosas como 
formas de resistência. 
Em alguns casos (como nas irmandades negras), tais práticas pareciam conviver com o 
sistema escravista, mas, em outros, a escolha religiosa transformou-se em ferramenta efetiva 
de luta e resistência. 
Resistência 
A resistência foi uma constante na vida de índios e africanos escravizados. Ainda que as 
formas, tidas como clássicas, de resistir à escravidão passem pela luta aberta ― que muitas 
vezes levavam ao embate físico. 
A instauração do sistema escravista na colonização da América portuguesa (e sua manutenção 
no Império do Brasil) acabou abrindo flanco para outras formas de resistências; formas essas 
que, muitas vezes, utilizavam as instituições coloniais como muleta. 
Para a grande maioria, a resistência ao cativeiro se fazia dia a dia, da hora em que se 
levantava para trabalhar até o momento de se recolher para dormir. Onde quer que tenha 
existido escravidão também houve resistência escrava. E tal resistência foi experimentada em 
diferentes níveis durante toda a história da escravidão no Brasil. 
No caso indígena, uma das formas mais frequentes de resistência foi o isolamento. Depois dos 
primeiros anos de contato, das mortes volumosas por epidemias vindas do Velho Continente, 
da catequização e da escravização,muitas sociedades indígenas decidiram rumar para regiões 
de difícil acesso, guiando-se pelos cursos dos rios. Contudo, conforme anunciado, muitos 
índios resolveram ir para a luta aberta e fizeram da religião uma importante arma. 
Religiosidade 
Antes do contato com os portugueses, a maior parte dos povos indígenas tinha um homem 
responsável pelos cultos religiosos. 
Tal homem recebia o título de pajé ou de xamã e, graças à sua relação com forças 
sobrenaturais, ele gozava de posição de prestígio entre os seus, o que fazia deles um dos 
principais inimigos do movimento de catequese. Ainda que os missionários tentassem acabar 
com os poderes (simbólicos e políticos) que os pajés tinham, eles não conseguiram 
desconstruir o panteão e os rituais religiosos de muitas sociedades indígenas com as quais 
entraram em contato. 
Do sincretismo entre os dizeres e propósitos cristãos com as crenças e práticas religiosas 
indígenas originou-se a ―Santidade‖ (nome dado pelos portugueses). Esse fenômeno era um 
culto sincrético e messiânico, no qual os índios questionavam o Deus católico e posicionavam-
se contra os senhores brancos. Segundo Schwartz e Vainfas, esse movimento era uma 
combinação de crenças dos tupinambás no paraíso terrestre, com a hierarquia e os símbolos 
do cristianismo. Havia o culto em ídolos com poderes sagrados feitos de cabaça e pedra que, 
segundo os seguidores, dotariam os fiéis de força para lutar contra os brancos. 
Esses ―santos‖ teriam ainda poder de vitalizar os idosos ou fazer as enxadas trabalhares 
sozinhas. Para tanto, era necessário entoar cantos e realizar cerimônias que podiam durar dias 
seguidos (regados do alto consumo de bebidas alcóolicas e infusão de tabaco), muitas vezes 
levando os fieis ao estado de transe. O mais interessante é reconhecer as contribuições 
católicas deste movimento. 
Além dos ídolos receberem o nome de santos, os líderes do movimento proclamavam-se como 
―papas‖, chegando a nomear bispos e organizar os ―missionários‖, que tinham a incumbência 
de difundir o culto em outras localidades. Houve até mesmo um caso no qual os seguidores da 
Santidade criaram uma igreja destinada ao culto de ―Maria‖.(SCHWARCTZ:1993, 54-55) 
A ―Santidade‖ foi muito comum durante o século XVI, demonstrando como os índios que 
entraram em contato com os portugueses souberam reler os interesses e crenças cristãs sob 
uma nova ótica. Visão que lhes favorecia e que questionava as bases do sistema colonial que 
estava sendo montado. Com o passar dos anos, a morte crescente por epidemias e a entrada 
cada vez mais volumosa de africanos escravizados, a ―Santidade‖ foi perdendo parte de seus 
seguidores, dando lugar a outras formas de resistência indígena, que serão abordadas na 
próxima aula. 
Casamentos entre escravos ou de cativos com libertos também ocorriam nessas organizações. 
As irmandades negras ainda garantiam enterro e cortejo fúnebre digno para todos os seus 
membros. 
Além disso, em alguns casos, as irmandades negras ou irmandades de ―homens pretos‖ eram 
formadas por africanos escravizados da mesma origem. Escravos e libertos angola ou congo 
se reuniam e formavam uma irmandade, reforçando, assim, identidades oriundas do outro 
lado do Atlântico. 
Em determinadas situações, esses escravos também cultuavam entidades religiosas africanas 
ou atribuíam as mesmas características de deuses da sua terra de origem a santos católicos, 
como a forte relação estabelecida entre São Jorge e o orixá Ogum. 
Mais do que ampliar as redes de parentesco, as irmandades negras tiveram papel importante 
na luta pela liberdade de muitos escravos. Diversos escravos africanos e crioulos conseguiram 
obter sua liberdade graças à poupança feita por seus ―irmãos‖ de credo. Assim que comprava 
a alforria de um membro, a irmandade começava uma nova poupança para ajudar outra 
pessoa. 
Anualmente, cada irmandade fazia a festa para seu santo padroeiro. Esse era o momento 
mais importante de cada irmandade. Tal comemoração era composta por uma longa 
procissão, missa solene e grande festa com muita música, dança e batuque. Também era 
nessa festa que a irmandade coroava seu rei e sua rainha. Para os escolhidos, esse era um 
momento de grande prestígio frente a seus companheiros. 
A devoção de escravos e libertos fez com que algumas irmandades negras ganhassem muito 
prestígio e se transformassem em organizações com muito dinheiro. Um exemplo disto está 
no fato de que, no Rio de Janeiro, tanto a Igreja de Nossa Senhora do Rosário como a Igreja 
de São Elesbão e Santa Efigênia terem sido construídas na região central da cidade. 
Famílias 
Mais do que a formação de famílias segundo o modelo ocidental (ou a família nuclear 
composta pelo casal e seus filhos), os africanos e crioulos escravizados conseguiram 
desenvolver uma ideia de família muito próxima daquela encontrada em diferentes regiões 
africanas: a família extensa. 
Já que os laços de parentesco originais haviam sido rompidos pelo processo de escravização, 
muitos cativos encontraram no apadrinhamento uma forma eficaz e legítima (frente os olhos 
dos senhores, da Igreja Católica e do Estado) de reconstruírem suas redes de parentesco. 
Escravos e libertos batizavam os filhos de seus companheiros sob o juramento de se 
responsabilizar pela criança caso algum incidente ocorresse com seus pais. O compadrio 
também foi utilizado como uma das estratégias na luta pela liberdade, tendo em vista que os 
padrinhos e madrinhas, principalmente os alforriados e livres, se comprometiam em 
empenhar-se pela obtenção da liberdade de seus afilhados. 
Diferentes Deuses e Entidades Africanas 
As famílias extensas também estiveram presentes em muitas das religiões de matriz africana 
criadas em solo brasileiro. Africanos que vinham de regiões islamizadas da África, como o 
Golfo da Guiné, continuaram acreditando em Alá e, quando chegaram em solo brasileiro, 
fizeram o possível para encontrar outros muçulmanos e cultivar suas tradições e costumes. Os 
escravos e libertos islamizados criaram verdadeiras redes de contato e, em diversas situações 
eles, aqui no Brasil, sabiam de episódios importantes que estavam acontecendo em território 
africano ou em outras colônias e países da América. 
Religiões que cultuassem diferentes deuses e entidades africanas também foram comuns ao 
longo da história brasileira, embora os senhores, a Igreja Católica e as autoridades 
governamentais tentassem proibir essas práticas. 
No Maranhão, africanos minas iniciaram o culto dos voduns; na Bahia, africanos jejes e nagôs 
reverenciavam os orixás. Tanto os voduns como os orixás eram deuses ancestrais ou heróis 
de diferentes sociedades africanas. 
Conforme ocorria na religião de diversos povos africanos, cada pessoa tinha um orixá que lhe 
acompanhava durante toda a vida e, para entrar em contato com seu orixá, a pessoa deveria 
passar por um ritual de possessão que era acompanhado de música e dança. 
Durante o período em que estava em transe, a pessoa entrava em contato com a força divina 
e, muitas vezes, conseguia resolver os problemas que lhe afligiam. Muitos escravos e libertos 
faziam isso. Aos poucos, a crença nos orixás foi se desenvolvendo e, no século XIX, deu 
origem ao Candomblé. Essa religião era formada por ―irmãos de fé‖ ― pessoas que 
acreditavam nos orixás e que se reuniam em torno a uma mesma casa ou terreiro. Nesse 
espaço, comandado por uma mãe de santo ou um pai de santo, além de realizar suas 
cerimônias religiosas, entrar em contato com seus deuses e buscar repostas por meio de jogos 
de adivinhação (como o jogo de búzios), muitos escravos e libertos conseguiram formar outra 
família, que muito se assemelhava com as grandes linhagens existentes em diversaslocalidades africanas. 
Outros cultos e religiões com matriz africana também surgiram durante o período escravista e 
foram fortemente combatidas, como o caso da Umbanda. Os especialistas não sabem ao certo 
a origem da Umbanda (que mistura cultos religiosos de matriz africana, indígena e 
kardecista), mas as pesquisas levam a crer que os primeiros cultos surgiram no Rio de Janeiro 
na segunda metade do século XIX. Juca Rosa ― liberto e filho de uma escrava da Costa 
ocidental africana ― é apontado pela historiografia como um dos possíveis fundadores dos 
cultos que, mais tarde, daria origem à Umbanda. Tido como feiticeiro, Juca Rosa era visitado 
não só por escravos e libertos, mas também por muitas pessoas ilustres da Corte do Império 
do Brasil que recorriam às suas ―feitiçarias‖ para curar doenças do corpo e da alma. 
Sua fama logo ganhou a cidade e Juca Rosa passou a ser perseguido pelas autoridades. Assim 
como Juca Rosa, outros homens e mulheres negros fizeram da religião não só uma ferramenta 
de construção de identidade, mas também uma forma de lutar contra uma sociedade 
escravista. 
AULA 5 – FORMAS DE RESISTÊNCIA AO PODER ESCRAVISTA 
Índios e afro-descendentes empreenderam formas de resistência, algumas similares e outras 
diferentes. Entre as similares, podemos citar a permanência de práticas religiosas, a recusa 
em desempenhar tarefas determinadas pelo senhor, as rebeliões, as fugas e a permanência 
em quilombos. Adotadas apenas pelos afro-descendentes, podemos pensar no banzo, na 
―feitiçaria‖ e ―pragas‖ rogadas, nos envenenamentos de senhores e na recusa das amas de 
leite em amamentar os filhos de seus donos. 
Formas de Resistência 
Conforme visto na aula anterior, onde quer que tenha existido escravidão, houve resistência. 
Na história brasileira, isso não foi diferente: grupos indígenas, africanos escravizados e 
crioulos criaram diferentes formas de resistir à escravidão e, em alguns momentos, ao sistema 
escravista que ditava o ritmo de suas vidas. 
Fugas 
A fuga foi uma das formas mais utilizadas para resistir à escravidão, sendo uma estratégia de 
resistência tão frequente que os senhores utilizaram diferentes formas de lutar contra ela. Nas 
regiões rurais era comum que os senhores contratassem os capitães do mato – homens 
especializados em recapturar escravos fugidos. 
Já nos grandes centros urbanos, a captura de escravos ficava sob a incumbência da polícia. 
Os jornais das vilas e cidades eram repletos de anúncios feitos pelos senhores que não só 
denunciavam as escapadas dos escravos, como ofereciam a descrição física do fugitivo e 
muitas vezes algum tipo de recompensa para quem o encontrasse. 
Quando a captura do escravo fugido ocorria, os senhores costumavam aplicar castigos físicos 
violentos e obrigar o escravo a usar uma gargalheira que servia como símbolo de escravo 
fugido. No entanto, a despeito das punições, a fuga foi uma estratégia amplamente praticada 
por aqueles que viviam no cativeiro. 
Anúncio de Fuga Escrava no Jornal 
De forma geral, é possível afirmar que existiram dois tipos de fuga na história da escravidão 
no Brasil: 
- No primeiro caso, encontram-se as fugas que tinha como objetivo a reivindicação escrava 
por melhores condições de vida. Escravos que estivessem trabalhando mais do qual o habitual 
poderiam realizar pequenas escapadas e só retornar à propriedade do seu senhor mediante 
algum tipo de negociação. Cativos que eram impedidos de festejar ou de visitar sua família 
também recorriam a esse tipo de fuga para conseguir estabelecer acordos com seus senhores; 
O segundo tipo de fuga era aquele que pretendia negar a escravidão. Nessas circunstâncias, 
os escravos abandonavam a propriedade senhorial e, individualmente ou em grupo, iam 
buscar formas alternativas de viver fora do cativeiro. Muitos cativos se embrenhavam no meio 
do mato e lá construíam pequenas comunidades que ficaram conhecidas como quilombos ou 
mocambos. 
Outros preferiam tentar a vida em lugares mais distantes, principalmente nas grandes cidades, 
pois nesses espaços o escravo fugido poderia se passar por um negro liberto. 
Os Quilombos 
 
Em muitos casos, as fugas coletivas acabam transformando-se em uma outra forma de 
resistência à escravidão: os quilombos também conhecidos como mocambos – comunidades 
formadas por escravos fugidos. Nessas comunidades, os escravos refaziam suas vidas a 
margem cativeiro. Lá, construíam famílias, estabeleciam laços de amizade, plantavam, criavam 
animais e chegavam a comercializar com povos indígenas que habitavam as redondezas ou, 
então, com os vilarejos próximos. 
Apesar de ser uma organização que foi duramente combatida pelos senhores e pelas 
autoridades governamentais, os quilombos não eram comunidades isoladas. Os documentos 
de época mostram que muitos quilombolas faziam trocas comerciais clandestinas com os 
engenhos, fazendas e cidades próximas. 
Em alguns casos, os quilombolas aproveitaram o cair da noite para visitar familiares e amigos 
que viviam sob o cativeiro. Em outras situações era o inverso que ocorreria: os escravos 
realizavam pequenas fugas e passavam algumas horas, ou até mesmo dias, nas festas que 
aconteciam no mocambo. 
Grande parte dos quilombos que foram identificados estava localizada próxima a regiões com 
grande concentração de escravos. Palmares, o mais conhecido quilombo da história brasileira, 
se formou durante o século XVII nas adjacências da zona da mata pernambucana, local de 
intensa produção de açúcar e, consequentemente, significativa concentração de cativos. 
A região das minas, que possuía a maior concentração de escravos no século XVIII, também 
foi palco da formação de muitos quilombos. Além do controle da tributação sobre todo ouro e 
diamante que era extraído da província, as autoridades coloniais ainda se viram obrigadas a 
combater a criação dessas comunidades que, na maior parte dos casos, estavam muito 
próximas. 
Os quilombos mineiros não só expunham a fragilidade do controle de escravos na região, mas 
também causavam grandes transtornos para as vilas e cidades. As autoridades de Vila Rica 
(que mais tarde seria a cidade de Outro Preto) recebiam constantes queixas de que 
quilombolas haviam roubado propriedades ou então estavam impedindo a passagem em 
alguma estrada que ligava o perímetro urbano às fazendas produtoras de gêneros 
alimentícios. 
Esses mesmos quilombolas também faziam incursões às fazendas e pequenas propriedades 
para resgatar familiares e amigos, e nesse vai e vem construíram redes de comércio com 
pequenos negociantes e produtores. 
Na tentativa de destruir essas comunidades, as autoridades praticamente instituíram o capitão 
do mato como figura de poder, armara milícias compostas por homens livres e libertos, e 
proibiram que comerciantes negociassem com os quilombolas. Em momentos de crise, chegou 
a ser autorizado que todo quilombola encontrado tivesse uma de suas mãos decepadas. 
Relações estreitas entre quilombolas e pequenos negociantes também foram frequentes nos 
mocambos e quilombos que se formaram nos arredores do Rio de Janeiro, no período em que 
a cidade era capital do Império. A região que hoje é conhecida como baixada fluminense foi 
um dos locais de maior concentração dessas comunidades. Era para lá que muitos escravos 
que trabalhavam no perímetro urbano da Corte fugiam, pois, ao mesmo tempo em que a 
região estava afastada do grande centro, sua localidade ainda permitia um contato frequente 
com a cidade. 
Na realidade, essa proximidade foi uma espécie de estratégia de sobrevivência para muitos 
desses mocambos, pois permitiu que os quilombolas conseguissem negociar os alimentos e 
cestarias que produziam garantindo assim seu sustento.Junto à região que era banhada pelo 
rio Iguaçu, muitos cativos também se refugiaram nas matas da Floresta da Tijuca. 
Revoltas e Conspirações 
Tal rebelião começou anos antes, quando o colono João Ramalho – amigo de Brás Cubas que, 
na época, era o governador da capitania de São Vicente - casou-se com Bartira, a filha de 
Tibiriçá, cacique dos Guaianazes da região. Conforme os costumes dos guaianases, o 
casamento de Bartira foi tomado como uma aliança do grupo com os portugueses, a ponto 
dos guaianases colaborarem com os colonos no processo de aprisionamento e escravização 
dos tupinambás que viviam no litoral, entre os atuais Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 
Apesar de menos frequentes do que as fugas e a criação de comunidades quilombolas, as 
revoltas também foram estratégias de luta utilizadas pelos escravos. Na realidade, mais as 
conspirações de possíveis revoltas escravas do que as revoltas propriamente ditas inquietaram 
senhores e autoridades de todo Brasil, pois elas representavam a possibilidade do fim total da 
escravidão. 
O contato e o processo de aldeamento indígena foram responsáveis por diversas revoltas no 
período colonial. Ocorrida entre os anos de 1554 e 1567, a Confederação dos Tamoios foi uma 
revolta dos tupinambás contra a tentativa de escravização levada a cabo pelos colonos 
portugueses. 
As investidas dos portugueses e seus aliados obrigou a resistência dos Tupinambás que, 
liderados por Aimberê, organizaram-se e formaram a Confederação dos Tamoios (que em 
Tupinambá, significa o ―mais velho‖). A primeira batalha foi vencida pelos Tamoios, resultando 
na morte de Tibiriçá. 
Os conflitos foram interrompidos por um ano de paz, resultante das ações dos padres Manuel 
da Nóbrega e José de Anchieta, que estavam receosos da onda de violência criada pelos 
confrontos. Todavia, durante esse ano de trégua, os colonos portugueses se armaram e 
reiniciaram o processo de escravização dos índios tupinambás. 
Nesse segundo momento de confronto, os Tamoios contaram com a ajuda dos franceses 
desembarcados no Rio de Janeiro, em 1555, e que, comandados por Villegaignon, tinham o 
intuito de fundar uma França Antártica. As batalhas duraram quase um ano e os portugueses 
só conseguiram vencer depois do reforço oferecido por Mem de Sá, governador-geral do 
Brasil. 
A rebelião teve fim em 20 de janeiro de 1567, quando o líder Aimberê foi morto. 
Confederação dos Tamoios 
A história brasileira está repleta de outras tentativas de resistência indígena. Ainda no século 
XVI é possível destacar a Guerra dos Aimorés (1555-1673) e a Guerra dos Potiguares (1586-
1599). Na centúria seguinte ocorreram o Levante dos Tupinambás (1617-1621) e a 
Confederação dos Cariris (1686-1692). Esses são apenas alguns exemplos de que os grupos 
indígenas não ficaram passivos ao processo de escravização dos colonos portugueses e que, 
em muitos casos, fizeram da luta coletiva sua principal arma de resistência. 
 Rebeliões Armadas 
Também foram utilizadas por africanos escravizados e seus descendentes. A preocupação com 
possíveis levantes escravos, muitas vezes, determinou a compra de africanos escravizados. 
Para prevenir movimentos de insurreição, os proprietários adquiriam africanos e que, em 
diversos casos, faziam parte de grupos inimigos na África. 
Contudo, essa não era a única precaução senhorial. Além da contratação de capitães do mato, 
os proprietários ainda contavam com o apoio de autoridades governamentais como os 
capitães-mores, a polícia e, nos momentos de crise, eram capazes de organizar verdadeiras 
milícias armadas. 
 As Punições 
A punição para escravos e libertos envolvidos em conspiração de levantes era extremamente 
violenta. Os líderes comumente recebiam a pena capital. O trabalho forçado nas galés, a 
deportação para a África e a aplicação de centenas de chibatas eram outras punições 
possíveis para os demais revoltosos. 
Nem por isso os escravos deixaram de se reunir para conspirar. Ao longo do século XVIII, 
junto com os inúmeros quilombos da região mineradora, proprietários e autoridades também 
tiveram que sufocar algumas. Ainda nesse século, diversos escravos participaram das 
tentativas de conspirações escravas. 
 Conjuração Baiana 
Baiana, um movimento de caráter popular ocorrido na Bahia no ano de 1798 e que tinha como 
inspiração os ideais defendidos na Revolução Francesa (1789). Embora esse levante não 
tivesse o fim da escravidão como seu principal propósito, é importante destacar a participação 
de diversos escravos que, junto com libertos, artesãos e soldados tomaram as ruas de 
Salvador e compuseram a base do movimento que almejava a independência do Brasil. 
 Revolta dos Malês 
No início do século XIX, a Bahia continuou sendo palco de diversas revoltas chefiadas por 
africanos escravizados. A revolta mais importante aconteceu na capital da província no ano de 
1835 e ficou conhecida como a Revolta dos Malês. 
Revolta dos Malês 
Esse movimento, que teve a participação de escravos e libertos africanos de diferentes 
origens, guarda a particularidade de ter comportado um grande número de africanos nagôs na 
sua organização. Os nagôs eram africanos muçulmanos e por isso muitos deles sabiam ler e 
escrever em uma época em que a maioria dos homens brancos e livres não sabia assinar o 
próprio nome. 
Após diversos encontros e reuniões marcados em becos ou em casas sublocadas da cidade, a 
revolta foi marcada para o dia 25 de janeiro de 1835, dia de Nossa Senhora da Guia. A data 
foi especialmente escolhida porque as festas religiosas permitiam que os escravos pudessem 
andar com mais facilidade pelas ruas de Salvador, o que despistaria as autoridades. 
No entanto, na noite anterior, a revolta foi delatada para a polícia que imediatamente iniciou a 
busca pelos revoltosos: diversas patrulhas foram colocadas nas ruas e depois de algumas 
buscas os policiais encontraram sessenta africanos reunidos no porão de um sobrado. Pegos 
de surpresa, os africanos tiveram que antecipar o momento da batalha e saíram às ruas 
chamando os demais escravos para a luta. 
Embora o número de escravos que aderiu à luta tivesse sido alto, as autoridades (que 
estavam preparadas) conseguiram controlar o levante. Depois do reconhecimento dos 
principais líderes ― três escravos e dois libertos, todos africanos ―, os revoltosos receberam 
diferentes punições. 
Os líderes do movimento foram fuzilados, diversos africanos livres foram deportados para a 
África e a maioria dos escravos foi açoitada em praça pública e depois entregue aos seus 
senhores. Mesmo com um desfecho trágico para seus participantes, o levante dos Malês fez 
com que as autoridades redobrassem sua atenção e o controle sobre a população escrava, 
sobretudo na província da Bahia. 
O Levante de São José do Queimado 
Quatorze anos após a rebelião dos Malês, um levante de escravos assustou as autoridades da 
pequena freguesia de São José do Queimado, que hoje faz parte do município da Serra, no 
Espírito Santo. Em 1844, chegou à freguesia o capuchinho italiano Gregório José Maria de 
Bene, cuja principal obrigação era catequizar os índios da região. 
Para viabilizar sua missão, o capuchinho conseguiu arrecadar fundos para a construção de 
uma igreja que foi construída com o trabalho de muitos escravos da região ― que chegaram a 
trabalhar aos domingos e feriados em prol da construção da igreja. No ano de 1846, ela foi 
batizada de igreja São José. 
Com o intuito de acelerar a construção, Gregório Bene havia prometido a alforria para os 
escravos que ajudassem na edificação, argumentado para isso que tinha grande proximidade 
com a Família Real. 
Temerosos de que o capuchinho não cumprisse suapromessa, na manhã em que ocorreria a 
missa inaugural da Igreja (19/03/1849), cerca de duzentos escravos foram ter com o padre 
exigindo as assinaturas das cartas de alforria. Como era de se esperar, Gregório Bene não 
assinou nenhuma das cartas, o que levou os escravos a iniciarem um levante na freguesia. 
No meio da tarde outros cem escravos se uniram ao movimento e caminharam para as 
fazendas a fim de obrigar que os senhores assinassem as cartas. A população livre, temerosa, 
trancou-se em casa. 
Rapidamente as autoridades de Vitória ficaram sabendo do ocorrido e, no dia seguinte, o 
chefe de polícia, acompanhado de uma milícia armada já estava na freguesia. Contando com o 
apoio da população livre, as autoridades foram eficazes no único confronto armado que 
tiveram com os escravos, que saíram em retirada se embrenhando pelas matas próximas. 
A partir de então, iniciou-se uma verdadeira caçada aos cativos. À medida que eram 
capturados, os escravos eram entregues aos seus senhores que se encarregaram 
pessoalmente das punições. 
Apenas 36 dos 300 escravos envolvidos foram presos e julgados: 
6 foram absolvidos; 
25 foram condenados aos açoites (que variaram entre 300 e 1000 chibatadas); 
e 5, tidos como os líderes, foram condenados à forca. 
Porém, a história não acabou por aí. Na madrugada anterior à execução da pena capital, 3 dos 
5 líderes conseguiram fugir da cadeia e nunca mais foram vistos. 
Segundo informações à época, um dos escravos possuía um amuleto capaz de fazer 
Nossa Senhora da Penha ouvir suas preces. Muitos acreditaram que ela ouviu mesmo e 
ajudou na fuga. 
Todavia, João e Chico Prego, os dois escravos que não conseguiram fugir, foram enforcados. 
O padre Gregório acabou cedendo ao vício da bebida e, em setembro de 1849, embarcou para 
a Corte. 
Os exemplos de resistência à escravidão são inúmeros. Tratamos aqui de alguns deles, que 
permitem vislumbrar como a complexidade que caracterizou a escravidão no Brasil também 
gerou formas igualmente complexas de resistência. 
AULA 6 – TEORIAS RACIAIS E INTERPRETAÇÕES SOBRE O BRASIL 
Em fins do século XIX e início do século XX, teóricos como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e 
Euclides da Cunha, estudaram a sociedade brasileira e construíram um discurso que 
possibilitou o surgimento de teorias raciais científicas que desvalorizavam/inferiorizavam 
negros e mestiços. 
Moema de Vitor Meirelles 
A tela ao lado foi pintada por Vitor Meirelles, em 1866 ― momento no qual havia um 
importante debate sobre a construção da Identidade Nacional Brasileira. À época, o Império 
do Brasil era uma das poucas sociedades americanas que ainda dependia da mão de obra 
escrava (em sua maior parte de africanos e seus descendentes) para a manutenção da 
produção agroexportadora do café. 
O uso dos braços escravos ainda se fazia sentir em diferentes aspectos da sociedade, inclusive 
nos primeiros pelotões que compuseram o exército brasileiro no confronto bélico que mudaria 
os rumos da história do Império: a Guerra do Paraguai (1864-1870). Esse também foi um 
período de intenso debate sobre a identidade brasileira. 
Os primeiros institutos históricos e geográficos estavam sendo abertos no Império do Brasil, 
que precisava construir a história e escolher a memória que iria guardar, e o herói que iria 
representá-las. 
O movimento indianista foi, assim, uma das peculiaridades do Romantismo no Brasil. Na falta 
do cavaleiro medieval, coube ao índio (aldeado e civilizado) cumprir o papel de ―bom moço‖ 
da história brasileira, mostrando ao mundo que o Brasil não só tinha um herói, como tinha um 
herói tipicamente brasileiro, e, por isso mesmo, autêntico. 
Tal movimento trouxe para o cenário intelectual da época importantes debates sobre a 
questão indígena na história brasileira, embora a figura vencedora pouco se assemelhasse aos 
rebeldes Aimberê e Canindé. Foi ainda a fonte inspiradora para autores magistrais da 
literatura brasileira, como José de Alencar e Gonçalves Dias e pintores como Vitor Meirelles. 
No entanto, ao consagrar o índio domesticado como símbolo do Brasil, o indianismo elegia 
uma determinada memória que, por sua vez, deixava de lado grande parcela da população 
brasileira, que passava a ser vista, biologicamente, como inferior. 
Um dos grandes desafios em trabalhar com o estudo das relações raciais no Brasil é que tal 
temática acompanhou as primeiras tentativas de construção da identidade brasileira 
independente e soberana. 
Até a produção das primeiras análises da década de 1930, praticamente todas as obras que se 
propunham examinar a sociedade ou a história brasileira esbarravam no problema da raça. Na 
realidade, como demonstrou cuidadosamente Lilia Schwarcz (SCHWARCZ: 1993), o conceito 
raça foi peça fundamental das ciências sociais no Brasil e no mundo. 
O primeiro estudioso a usar o termo raça no discurso científico foi George Cuvier, no início do 
século XIX. Como bem lembra Lilia Schwarcz, neste momento a visão Iluminista de 
humanidade ― que pressupunha certa unidade e, consequentemente, uma possível igualdade 
entre os homens ― aproximava a ideia de raça aos debates sobre cidadania. 
Essa contradição entre a definição científica de raça e os ideais igualitários herdados da 
Revolução Francesa acabou reacendendo os debates sobre a origem, ou origens da 
humanidade. O principal embate se dava entre monogenistas e poligenistas. 
Enquanto os primeiros consideravam que todo homem tinha a mesma origem e que as 
diferenças entre eles era resultado de uma maior ou menor proximidade do Éden (teoria 
difundida pela Igreja Cristã), os poligenistas, baseados em recentes estudos de cunho 
biológico, acreditavam na existência de diversos núcleos de produção correspondentes aos 
diferentes grupos humanos. 
A vertente poligenista possibilitou, ainda no século XIX, o fortalecimento de disciplinas 
baseadas no discurso científico. Veja alguns exemplos desse movimento: 
 Antropologia criminal - que considerava a criminalidade algo genético; 
 Frenologia e antropometria - que calculavam a capacidade humana de acordo com o 
estudo do tamanho do cérebro de indivíduos dos diferentes grupos humanos; 
 Craniologia – estudo do crânio. 
Nomes de cientistas como Andrés Ratzius, Cesare Lombroso e Paul Broca ficaram conhecidos 
na época, graças à ampla divulgação de seus estudos. Entretanto, o debate tomou novo 
fôlego com a publicação do livro A Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859. 
A partir de então, o termo raça sofreu duas significativas alterações. De um lado, a ideia de 
raça ultrapassou o campo da biologia, estendendo-se às discussões culturais e políticas. Por 
outro, o termo passou a imprimir a noção de evolução às duas correntes científico-filosóficas 
que discutiam a origem do homem (monogenismo e poligenismo) que, na tentativa de 
defender suas teses, desvirtuaram ou ―adaptaram‖ as teorias darwinistas da maneira que lhes 
foi mais conveniente. 
Lembrando que esse era um momento no qual grande parte dos dogmas da Igreja Católica 
estava sendo questionada pelo discurso científico ― que se afirmava, cada vez mais, como 
sinônimo da verdade ―, não é de estranhar que os poligenistas tenham ―saído na frente‖ de 
seus rivais no que diz respeito ao uso das teorias de Darwin. A sociologia evolutiva de 
Spencer, a história determinista de Buckle e até mesmo o sentimento imperialista europeu 
eram provas disso. 
Os poligenistas passaram a tratar a espécie humana como o gênero humano; a diversidade 
cultural passou a ser entendida como diferença entre espécies. O homem fora dividido e 
hierarquizado, e, quanto mais longe uma ―espécie‖ se mantivesse da outra, melhor para 
todos. 
Tudo estaria relativamentebem resolvido se os poligenistas não tivessem que responder as 
seguintes perguntas: o que fazer, então, com os grupos miscigenados? Como adequar a 
miscigenação à evolução das raças humanas? 
A maior parte dos estudiosos e cientistas europeus e estadunidenses ― como Broca, Gobineau 
e Le Bon ― consideravam a miscigenação um erro, uma quebra das leis naturais, uma 
subversão do sistema. Os inúmeros impasses causados pela publicação de Charles Darwin e a 
formulações de novas perguntas sobre a evolução da humanidade criaram a necessidade de 
novos sistemas explicativos. 
Uma das disciplinas gestadas neste momento foi a antropologia cultural (também conhecida 
como etnologia social ou evolucionismo social), que restituía a ideia de uma origem comum do 
Homem, ao passo em que entendia as diferenças sociais como etapas de um mesmo processo 
evolutivo. 
Junto com a antropologia cultural, duas perspectivas de cunho determinista também foram 
criadas nesse momento: 
A primeira delas, a escola determinista geográfica de Ratzel e Buckle, afirmava que o 
desenvolvimento ou não de uma nação estava totalmente condicionada pelo meio físico; 
A segunda, mais conhecida como ―darwinismo social‖ ou ―teoria das raças‖, considerava a 
miscigenação algo negativo, na medida em que pensava ser impossível a transmissão de 
características adquiridas; em outros termos, as raças seriam imutáveis. 
Tais escolas acreditavam na existência de três raças bem distantes, o que invalidava a 
mestiçagem. O mundo dividido culturalmente seria consequência da divisão de raças. Se isso 
não bastasse, as escolas deterministas também defendiam a hierarquização das raças, ou 
seja, a superioridade de uma delas. Dessa escola saíram homens que ficaram famosos e 
exerceram forte influência sobre intelectuais brasileiros, dentre eles Le Bon, Renan, Taine e o 
conde de Goubineau. 
As premissas da escola determinista, principalmente a que defendia a existência da 
superioridade de uma das raças, serviram de base para um movimento existente até hoje: a 
Eugenia. Tal ciência partia do pressuposto que o progresso só seria possível em sociedades 
puras (sem miscigenação), e que apenas uma raça (a ariana) estava fadada à perfectibilidade; 
sendo assim, a mestiçagem era vista como algo irracional, contra todas as ―leis naturais‖. 
A eugenia vinha de encontro aos interesses políticos da Europa e dos Estados Unidos. Os 
europeus acreditavam que compunham um grupo humano puro, livre de hibridização, muito 
mais perto da perfeição e, justamente por isso, seriam responsáveis pela civilização dos 
demais grupos ― argumento que justificou e legitimou tanto a colonização americana como o 
―Imperialismo Europeu‖ e o sentimento do fardo do homem branco. 
Já os estadunidenses, mesmo tendo sido colonizados pela Grã-Bretanha, comprovaram seu 
desenvolvimento, principalmente por terem evitado a miscigenação entre o branco dominador 
e o negro escravizado; por isso, também estavam fadados ao progresso e à civilização. 
Independentemente de certa tradição mazomba do Brasil ― que, vale ressaltar, até 1822 era 
uma colônia portuguesa ― foi impossível evitar as repercussões da afirmação da ciência como 
chave explicadora do mundo e da humanidade. 
Na realidade, a vitória do discurso científico caminhou a pari passu com a construção de uma 
identidade nacional brasileira. A primeira ideia de Brasil (entendido como uma unidade 
nacional soberana e desvinculada politicamente de Portugal) foi construída com os primeiros 
museus, institutos históricos e geográficos, faculdades de direito e de medicina em terra 
brasilis. Durante o século XIX, nacionalismo e ciência fundiam-se e confundiam-se. 
Todavia, a importação desse sistema explicativo científico trazia no seu bojo ― conforme visto 
acima ― uma questão deveras espinhosa para a elite intelectual brasileira: o problema da 
mestiçagem. A constatação (por parte dos cientistas) da existência de hierarquia entre as 
raças humanas não era algo tão estranho a uma sociedade que escravizava, sem muitos 
conflitos morais ou religiosos, os elementos indígenas e negros da sociedade. Na realidade, a 
ideia da supremacia branca frente às demais raças ou ―espécies‖ humanas parecia corroborar 
a realidade brasileira de então. 
Entretanto, a massa de mulatos, cafuzos, caboclos, pardos e cabras, lembravam, a todo o 
momento, que o Brasil era uma nação majoritariamente mestiça ― o que inviabilizava que o 
país galgasse o estágio supremo da civilização. Como outras localidades da América Latina, o 
Brasil tornou-se uma espécie de laboratório vivo, onde cientistas procuraram comprovar na 
prática o que compuseram, e onde ―ilustrados‖ brasileiros buscaram desesperadamente uma 
unidade, uma homogeneidade para definir o povo brasileiro. 
Importantes cientistas como Thomas Buckle, Arthur de Gobineau e Louis Agassiz analisaram o 
fenômeno da mestiçagem brasileira, tendo inclusive visitado o país. Infelizmente, suas 
conclusões sobre o futuro do Brasil não eram muito esperançosas. De tal modo, aceitar, copiar 
e reproduzir essas teorias iria interromper um projeto de construção nacional brasileira que 
mal tinha começado. Os homens de ciência do Brasil tiveram que achar uma resposta original, 
adaptando essas teorias, utilizando o que combinava e descartando o que era problemático 
para a construção de um argumento racial no país (SCHWARCZ: 1993, 37). 
Os embates científicos se agravaram quando o Brasil proclamou a abolição da escravidão. Até 
então, o problema parecia ter sido parcialmente resolvido: os indígenas, em uma espécie de 
recompensa por sua dizimação, foram eternizados pelos românticos brasileiros como símbolo 
de pureza nacional; os negros (grande parte deles) pagavam com a escravidão a sua ligação 
direta com o continente africano. 
Ainda que os Abolicionistas defendessem a liberdade dos negros escravizados, nem todos 
estavam certos quanto à igualdade de direitos que defendiam, tendo em vista o contexto 
racialista em que viviam. 
Porém, quando as discussões sobre raça e mestiçagem passaram a fazer parte da agenda dos 
assuntos ligados à cidadania brasileira, a simples importação de análises científicas feitas por 
europeus e estadunidenses deixou de ser suficiente. 
Enquanto nação que se forjava no seio da Liberdade, da Igualdade e da República, o Brasil 
precisava construir suas próprias teorias. 
Neste momento, marcado pela a abolição da escravidão, a proclamação da República, a 
entrada em um novo século e a necessidade de criar uma unidade nacional, o termo raça, 
sobretudo a raça negra, se torna um problema para os intelectuais brasileiros. Como bem 
formulado por Renato Ortiz, tais homens se viam diante do seguinte dilema; ―como tratar a 
identidade nacional diante da disparidade racial?‖ (ORTIZ: 1985, p.20). 
Neste contexto, três intelectuais brasileiros se destacaram no quadro das ciências sociais do 
país: Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha. Homens das ciências, esses 
intelectuais se incumbiram da árdua missão de pensar e, principalmente, de colocar o Brasil 
no caminho da civilização. 
As obras desses intelectuais são de tamanha riqueza e complexidade que seria praticamente 
impossível esgotar suas análises e seus desdobramentos. Todavia, no caso específico deste, é 
importante ressaltar que a mestiçagem, de forma geral, e o elemento negro, em particular, 
foram os pontos cruciais na interpretação desses cientistas e, consequentemente, na 
formação de uma determinada ideia de Brasil. 
Mesmo partindo de lugares diferentes (o direito, a medicina e o jornalismo), Silvio Romero, 
Nina Rodrigues e Euclides da Cunha identificaram a diversidade racial ― principalmente a 
forte presença negra no país ― como

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