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DANOS À PESSOA HUMANA Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Maria Celina Bodin de Moraes

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Maria Celina Bodin de 
Professora Associada do Departamento de 
da PUC-Rio. Professora Titular de Direito Civil 
da Faculdade de Direito da UERJ. 
DANOS À PESSOA HUMANA 
Uma Leitura Civil-Constitucional 
dos Danos Morais 
RENOVAR 
Rio de Janeiro. São Paulo. Recife 
4Q tiragem - setembro 2009 
RESI't;ITC o AUTOR 
CÓPIA 
Em 28 de março de 2001, o Senado francês adotou uma 
emenda para complementar o artigo 16 do Code Civil com 
uma nova alínea, cuja redação estabelecia: "Nul n'est receva-
ble à demander une indemnisation du seul Jait de sa naissan-
ce." A emenda, porém, foi rejeitada na Assembléia Nacional 
em 17 de abril do mesmo ano. 
Tais e tantas dificuldades, no que tange a encontrar a me-
dida adequada de proteção da pessoa humana através do me-
canismo da responsabilidade civil, servem apenas para confir-
mar a consolidação do principal objetivo do Direito Civil 
atual: o pleno desenvolvimento do projeto de vida de cada 
pessoa. Trata-se, na verdade, de reafirmar, com Paul Valéry, 
que "o que há de melhor no novo é o que responde ao desejo 
mais antigo"; por mais antigo, neste caso, tome-se a busca 
pela efetivação, tão ampla quanto possível, da conclamação 
de Pico della Mirandola, feita seis séculos atrás, segundo a 
qual "nada é mais magnífico na terra do que o homem". 263 
a Ministra Elisabeth Guigou (Ministério do Emprego e da Solidariedade) 
advertiu sobre a possibilidade de inserir a questão no âmbito de outro 
Projeto de Lei, sobre os direitos dos doentes, que se encontrava em vias 
de ser aprovado pelo Senado. Outro Projeto de Lei, nO 3.268, de 
26.09.2001 (disponível em .. http://www.assemblee-nat.fr/proposi-
tions/pion3268.asp"), foi apresentado pelos deputados Georges Sarre e 
Jean-Pierre Chevenement e, com a finalidade de "garantir a igual dignida-
de de toda vida humana", também propôs a inclusão de alínea ao artigo 16 
do Code Civil: "Nul ne peut se prévaloir d'un prejudice du fait d' être né". 
263 G. PICO DELLA MIRANDOLA, Discurso sobre a dignidade do homem, 
cit., p. 47 e ss. Assim começa a famosa Oratio Ioannis Pici Mirandulani 
Concoriae Comitis: "Li nos escritos dos Árabes, venerandos padres, que, 
interrogado Abdala Sarraceno sobre qual fosse a seus olhos o espetáculo 
mais maravilhoso neste cenário do mundo, tinha respondido que nada via 
de mais admirável do que o homem." 
140 
3 
o que é e o que não é dano moral 
Da vez primeira em que me assassinaram 
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha [ ... ] 
-QUINTANA 
3.1 Conceito e características do dano indenizável; - 3.2 
Danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais; - 3.3 Novas 
espécies de dano; - 3.4 A "injustiça" do dano; - 3.5 O 
dano moral segundo a metodologia civil-constitucional. 
3.1. Conceito e características do dano indenizável 
Tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a di-
ferença entre o que se tem e o que se teria, não fosse o evento 
danoso. A assim chamada "Teoria da Diferença", devida à 
reelaboração de Friedrich MOMMSEN, converteu o dano 
numa dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmen-
te calculáveF64. 
A importância desta construção hoje nos escapa, de tal 
modo estamos acostumados a pensar o patrimônio como um 
conceito dado, quase como se fosse proveniente da natureza 
das coisas. Atribui-se, no entanto, originariamente a F.-C. 
VON SAVIGNY, o precursor da cientificidade do Direito265, a 
264 F. MOMMSEN, Zur Lehre von dem Interesse, apud H. HATTENHAUER, 
Conceptos fundamentales deI derecho civil, cit., p. 104, o qual traduz do 
original a seguinte passagem: "La expresión id quod interest hace refer-
encia a una equivalencia, o ajuste, que es precisamente la que sirve de 
base ai concepto de interés. Por interés en sentido jurídico entendemos, 
concretamente, la diferencia entre el monto deZ patrimonio de una persona 
en uno momento dado y el que tendría se no haberse producido la irrupción 
de un determinado suceso danoso." 
265 Com essa expressão, quer-se fazer referência à extraordinária dedi-
cação de Savigny (1779-1861) à renovação da ciência jurídica, salientan-
do a presença marcante de sua "atitude científica" diante do Direito. De 
fato, segundo afirma F. WIEACKER, História do direito privado moderno, 
2. ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 435-455, espec. p. 437-
438: "Os escritos programáticos de Savigny não constituem investigações 
143 
separação nítida entre a pessoa e seus bens - propriedade e 
obrigação, integrando esses últimos sob um conceito unitá-
ri0266 a fim de construir um "objeto" que pudesse ser protegi-
do contra os atos ilícitos267 . F oi a partir de então que o Direito 
Patrimonial foi alçado à categoria de esfera de poder ju.ridica-
mente consolidada, de uma pessoa sobre o seu meio, "proje-
tando-se o seu poder ao externo, para além das fronteiras 
naturais de seu ser"268. 
Muitas são as teorias a conceituar o dano como pressupos-
to inafastável da responsabilidade civil. De fato, quando se 
trata do direito da responsabilidade civil, usualmente se pon-
tua: se não há dano, não há o que indenizar269 . 
histórico-filosóficas, mas manifestos de política jurídica e cultural. Eles 
são importantes do ponto de vista da renovação da ciência jurídica do 
direito comum que Savigny tinha desde o início conscientemente em 
vista." Wieacker anota a intenção de Savigny de tornar-se um reforma-
dor, um "Kant da ciência do direito", "propósito admiravelmente tornado 
realidade" (p. 438). 
266 Para esta concepção, v. B. WINDSCHEID, Diritto delle Pandette 
(1886), trad. C. Fadda e P. Bensa, Torino: Unione Tipografico, 1902, v. 
1, Parte Prima, parágrafos 10 e 42, respectivamente p. 1 e p. 181, em que 
define patrimônio como uma unidade juridicamente relevante, não re-
presentando a soma de suas partes mas a unidade delas, o "todo" como 
coisa em si, contraposta às suas partes. 
267 H. HATTENHAUER, Conceptos fundamentales del derecho civil, cit., 
p. 103, afirma que, se os conceitos de pessoa e de ato ilícito já haviam sido 
suficientemente elaborados, faltava ainda encontrar um conceito co-
mum, a unir os bens violáveis por atos ilícitos. 
268 F.-C. VON SAVIGNY, System, 1, apud H. HATTENHAUER, Conceptos 
fundamentales del derecho civil, cit., p. 103. 
269 Christian VON BAR, professor da Universidade de Osnabrück foi 
coordenador, de 1993 a 1996, de um grupo de estudos com vis;as à 
elaboração de um código civil europeu. Daí resultou, entre outros, um 
documento intitulado A common european law of torts, cit., disponível em 
.. http://www.cnr.it/CRDCSlframes19.htm ... acesso em 20 jul. 2000. 
Sobre esse trabalho, o Professor comentou: "One area which as a result of 
144 
Aquele que sofre um dano moral deve ter direito a uma\ 
satisfação de cunho compensatório. Diz-se compensação, I 
pois o dano moral não é propriamente indenizável; "indeni-I 
zar" é palavra que provém do latim, "in dene", que significa I 
devolver ( o patrimônio) ao estado anterior, ou seja, eliminar ~ 
o prejuízo e suas conseqüências -- o que, evidenteme~te, ~ão ( 
é possível no caso de uma lesão de ordem extrapatnmomal. \ 
Prefere-se, assim, dizer que o dano moral é compensável, em- \ 
bora o próprio texto constitucional, em seu artigo 5°, X, se ) 
refira à indenização do dano moral. ' 
Até relativamente pouco tempo atrás, entendia-se como 
contrário à moral e, portanto, ao Direito, todo e qualquer 
pagamento indenizatório em caso de lesão de natureza extra-
patrimonial se esta se delineava unicamente como sofrimen-
to. O chamado pretium doloris (preço da dor) era inadmissí-
vel nos ordenamentos de tradição romano-germânica, com 
my inadequacies almost drove us to despair was that of the law relating to 
'loss' and 'damage'. I appreciated only very late that even the term 'Scha-
den' ('danno', 'dommage' and 'damageJ is not susceptible to a useable 
general definition but is rather a term which
fulfils a multitude of different 
roles in different circumstances, and which may have a different meaning 
in each. It affects both the fact and.extent of liability; as 'restitutionary 
damage' it plays a role in the distinction between unjust enrichment and 
the negotiorum gestio; itcan relate primarily to compensation of value or 
in naturalis and even these may be seen as being opposites. In England a 
distinction is drawn between 'damage' and 'damages', in other systems, 
between 'Entschadigung and Schadensersatz'. That which some systems 
treat as a part of 'non-material loss', others see as the wholly separate 
'danno biologico'. The same factual circumstances may in one system be 
treated as physicalloss, in another as pure economic loss - a distinction 
which yet other systems do not even recognize. Imagine the relief therefore, 
when amongst all this confusion, the English lawyer in the group introduces 
his account by explaining that whilst it may be difficult to describe an 
elephant, anyone who sees one will instantly recognize it. " 
145 
exceção dos casos expressamente previstos pelo legislador 
civiPo. 
Para além da "imoralidade" em se atribuir um valor pecu-
niário a bens que não são "objeto", mas sim "sujeito", ou dele 
são parte integrante, as motivações para tal posicionamento 
apresentavam uma aparência de substancialidade, a começar 
pela dificuldade em se verificar a existência e a extensão do 
dano sofrido. Como seria possível mensurar os sentimentos 
de alguém? Relevava ainda, então, a transitoriedade do dano, 
pois as dores da alma, o tempo (e só ele) se encarregaria de 
curar. Além disso, objetivamente, pensava-se ser obstáculo 
também a indeterminação do número de vítimas do evento 
danoso, pois todo aquele que sofrera estaria, em princípio, 
legitimado. O dano não era passível de medida, e a fronteira 
que separava o universo de lesados daqueles que nada haviam 
sofrido, se é que existia, era tênue demais para ser enxergada. 
A regra lógica subjacente, e que se fazia valer, era a de que 
aquilo que não se pode medir, não se pode indenizar: a inde-
nização é, justamente, a "medida" do dano. Assim, tanto do 
ponto de vista moral quanto do ponto de vista dos instrumen-
tos jurídicos disponíveis, a reparação do dano moral parecia 
impraticável. 
270 No Código Civil de 1916,norrnalmente são indicados os artigos 
1537 e ss, A Alemanha manteve-se fiel a essa tradição, indenizando 
apenas os casos expressos nas leis, como determina o parágrafo 253 do 
BGR No entanto, todos os países de tradição romano-germânica que 
promulgaram constituições no século XX, e nas quais se inscreveu o 
princípio da dignidade humana, têm utilizado tal princípio como o funda-
mento para determinar a indenização pelo dano moral. A propósito do 
caso al,~mão, F. WIEACKER, História do direito privado moderno, cit., p. 
600-610, espec. p. 606, sustenta: "[.,,] passou-se a extrair dos direitos 
fundamentais da dignidade humana (artigo 1 o da Lei Fundamental) a 
norma implícita de que esta dignidade exige, por necessidade lógica, a 
indenização do dano moral." 
146 
o que fez com que aqueles argumentos, que ainda hoje, 
podem ser considerados coerentes, ao menos sob o aspecto 
lógico-racional, se tornassem completamente irrelevantes em 
relativamente curto espaço de tempo? Não ficou mais fácil 
solucionar os empecilhos indicados, nem mais simples aceitar 
que um sentimento de dor possa gerar dinheiro. 
As controvérsias no direito da responsabilidade civil têm 
essa marcante característica: antes de serem técnicas, elas são 
decorrentes das diferentes concepções acerca do princípio de 
responsabilidade, princípio estrutural da vida em sociedade e 
que, como tantas vezes repetido, se consubstancia em concei-
to mais filosófico-político do que jurídico271 . O princípio de-
corre diretamente da idéia de justiça que tem a sociedade na 
qual incide. E o que mudou neste caso foi exatamente a cons-
ciência coletiva acerca do conceito de justiça: o que antes era 
tido como inconcebível passou a ser aceitávet e, de aceitável, 
passou a evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em 
questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo, Se era 
imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era 
a dor que estava sendo paga, mas sim a vítima} lesada em sua 
esfera extrapatrimonial, quem merecia ser (re)compensada 
pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros 
estados de bem-estar psicofísico, contrabalançando (rectius, 
abrandando) os efeitos que o dano causara em seu espírito. 
Apesar do reconhecido aspecto não-patrimonial dos da-
nos morais, a partir de determinado momento tornou-se in-
sustentável tolerar que, ao ter um direito personalíssimo seu 
atingido, ficasse a vítima irressarcida, criando-se um desequi-
líbrio na ordem jurídica, na medida em que estariam presen-
271 F. EWALD, A culpa civil, direito e filosofia, cit., p. 171, 
147 
tes o ato ilícito e a lesão a um direito (da personalidade), por 
um lado, e a impunidade, por outrom . Veio a Constituição de 
1988 consolidar tal posição, já então majoritária, acerca do 
pleno ressarcimento do chamado dano moral puro273 . 
A radical mudança de perspectiva aqui apenas reflete, e 
não poderia ser diferente, a metamorfose dos papéis do lesan-
te e do lesado no sistema da responsabilidade civil em geral. 
Se antes a vítima era obrigada a suportar, corriqueiramente, o 
dano sofrido - dano cuja causa, na maior parte das vezes, se 
atribuía não a seu autor, mas ao destino, à fatalidade, ou à 
vontade de Deus -, já em meados de século XX passaria ela, 
a vítima, a desempenhar a função de protagonista da relação 
jurídica instaurada a partir do evento danoso, conseguindo 
garantir de forma cada vez mais eficaz o seu crédito, isto é, a 
reparação. 
A mudança foi feita suavemente, logrando-se assegurar 
primeiramente indenização por morte de filho menor que 
272 Nas palavras de W. MELO DA SILVA, O dano moral e sua reparação, 
Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 561, "Na ocorrência de uma lesão, 
manda o direito ou a eqüidade que se não deixe o lesado ao desamparo de 
sua própria sorte." 
273 A legislação brasileira - e isto já vinha sendo sustentado por nume-
rosos autores muito antes do advento da Constituição de 1988 - ampa-
rava o dano moral em diversos dispositivos de lei. No Código Civil, 
encontram-se o artigo 76 (interesse moral); o artigo 159 (reparação do 
dano); o artigo 1.538 (lucros cessantes, multa equivalente à diária peitaI); 
o artigo 1.542 (arbitramento judicial); o artigo 1.543 (preço afetivo); o 
artigo 1.550 (cálculo da indenização); o artigo 1.553 (fixação da indeni-
zação por arbitramento). Na legislação especial, pode-se destacar as se-
guintes leis, hoje já revogadas: a) Lei nO 5.250/67, que assegura a liberda-
de de pensamento e a integridade moral; b) Lei nO 4.737/65, que dispõe 
sobre o Código Eleitoral; c) Lei nO 4.117/62, Código Brasileiro de Tele-
comunicações; d) Lei nO 5.988/73, Lei dos Direitos Autorais. 
148 
não contribuía para a economia doméstica. As razões alegadas 
para o descabimento anterior eram no sentido de q~e o me-
nor não sendo fonte de receita, representava matenalmente 
um~ despesa a mais na família, e a mera conjectura de au:ílio 
futuro não configurava ganho certo e efetivo. Na evoluçao, o 
Recurso Extraordinário nO 59940, relatado pelo Ministro 
Aliomar Baleeiro e julgado em 26 de abril de 1966, repre-
sentou o paradigma da transição da irresponsabilidade à res-
ponsabilização, embora ainda através de um fundamento p~­
trimonial para a indenização274 . Assim se expressou o M1-
nistro: 
o homem normal, que constitui família, não obedece apenas 
ao princípio fisiológico do sexo, mas busca satisfaçõ.es espiri-
tuais e psicológicas, que o lar e os filhos proporciOnam ao 
longo da vida e até pela impressão que se perpetua nel~s [
... ] 
Se o responsável pelo homicídio lhe frustra a expectatIva e a 
satisfação atual, deve repar~ção, ainda que seja a indenização 
de tudo quanto despenderam para um fim lícito maLogrado 
pelo dolo ou culpa do ofensor. Perderam, no mínimo, tudo 
quanto investiram na criação e educação dos filhos, e que se 
converteu em frustração pela culpa do réu. 
Sucessivamente, o Supremo Tribunal considerou que a 
perda do filho representava uma frustração do investiment? 
dos pais, que teriam a expectativa de ser amp~ar~dos na Vel~l­
ce o que significava atribuir um valor economlCO potenCIal 
, d h ~. f t 275 para a família ou a expectativa e gan o economlCO u uro . 
274 Para a análise percuciente deste julgado, cf. C. E. DO RÊGO ~ONTEI­
RO FILHO, Elementos de responsabilidade civil por dano moral, Clt., p. 10 
e ss. d . I ' . 
275 Para o percurso histórico desta evolução jurispru enCla, v. as pagl-
149 
Tratava-se, na verdade, de construir o conceito jurídico de 
dano moral indenizável no Direito brasileiro. 
Em nossa época - é voz corrente - há muitíssimas mais 
ocasiões de risco, de perigo, em decorrência, não só mas tam-
bém, do acentuado desenvolvimento tecnológico; neste sen-
tido, conclui-se ter havido um real incremento das possibili-
dades de causação de danos. A esta constatação deve acres-
centar-se uma outra, mais relevante nesta sede: numerosas 
são as situações danosas antes ignoradas, seja pelo ordena-
mento jurídico, seja pela própria vítima, e hoje tuteladas com 
fundamento no princípio da dignidade humana, suscitando a 
imprescindível reparação. 
Se a noção de risco serve a explicitar a historicidade do 
conceito de responsabilidade civil - através, por exemplo, 
da perda completa de valor jurídico, já referida, do princípio 
da ideologia liberal segundo o qual "nenhuma responsabilida-
de sem culpa" -, tal característica, a da historicidade, se 
estende também a seu elemento ineliminável, o dano, fazen-
do com que se tenha que reconhecer que cada época tem os 
seus danos indenizáveis e, portanto, cada época cria o instru-
mental, teórico e prático, além dos meios de prova necessá-
rios para repará-los. Mas, para tanto, como já se indicou, será 
preciso, também, fazer a escolha acerca de quem deverá in-
denizar276 . 
Recentemente, este processo ocorreu com a reparação de 
vítima de objeto lançado ou caído em lugar indevido - hipó-
nas de S. RODRIGUES, Direito Civil. Responsabilidade civil, 13. ed., São 
Paulo: Saraiva, 1993, p. 207-220. 
276 Ver, no Capo 1, as referências aS. RODOTÀ, Il problema della respon-
sabilità civile, cit., p. 74. Segundo Rodotà, o dano, em si e por si,não é 
nem ressarcível nem irressarcível; será a sucessiva ligação a um sujeito 
determinado que vai servir a torná-lo ressarcível. 
ISO 
tese prevista no artigo 1.529 do Código Civil. Também aqui 
se tratou de buscar um meio melhor de proteger a vítima de 
danos injustamente sofridos, embora se tivesse, neste caso, 
de se desviar, de maneira significativa, da letra do dispositivo 
do Código Civil. Novamente, quem solucionou a difícil pro-
blemática foi a jurisprudência, encarregada da aplicação da lei 
no seu cotidiano. O princípio maior da responsabilidade civil 
contemporânea estava presente: a vítima não pode ficar irres-
sarcida. 
Em julgamento de Recurso Especial, o STJ teve a oportu-
nidade de, ao se manifestar em caso de ferimento a pessoa 
que exercia a profissão de modelo, ensejando também dano 
estético, estabelecer a "responsabilidade social" do condomí-
nio, com base no entendimento de que "impõe-se ter em 
vista que o zelo permanente da comunidade condominial no 
sentido de impedir, evitar ou desencorajar semelhantes ocor-
rências é o que se há de exigir do próprio condomínio", de 
modo que a agressão anônima deve ser por ele suportada277 . 
Esta tese contraria o expresso teor do artigo 1.529 do Código, 
segundo o qual "aquele que habitar uma casa, ou parte dela, 
responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem 
ou forem lançadas em lugar indevido". 
Como se sabe, o condomínio, isto é, a assembléia dos con-
dôminos, é composta pelos proprietários dos apartamentos 
(as unidades habitacionais, como as designa o artigo 9° da Lei 
277 STJ, REsp. 64.682, 4" Turma, ReI. Min. Bueno de Souza, julgo em 
10.11.1998, publ. no Dl de 29.03.1999 e na Revista dos Tribunais n. 
767, p. 194. Eis a ementa do acórdão: "Reponsabilidade Civil. Reparação 
de danos. Lançamento ou queda de objeto, a partir de janela de unidade 
condominial, situada em edifício de apartamentos, que atingiu transeun-
te nas proximidades do local. Impossibilidade da identificação do autor 
do ilícito - Reparação devida pelo condomínio, conforme interpretação 
do artigo 1529 do Código civil." 
151 
na 4.591/64), enquanto a responsabilidade, segundo a estipu-
lação legal, diz respeito aos moradores, isto é, às pessoas. q~e 
efetivamente habitam as unidades, que podem ser propneta-
rios, locatários, comodatários, usufrutuários etc. 
Em acórdão de agosto de 1988, relatado pelo Desembar-
gador José Carlos Barbosa Moreira, a 5a Câmara Cível do 
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidira que "o condo-
mínio não tem legitimidade passiva ad causam" J por caber a 
responsabilidade" aos moradores das unidades de que se pos-
sa cogitar a origem" do projétil, mormente quando não entra 
qualquer consideração de culpa in vigilando. 
Havia, então, três teses, sustentadas em casos desta espé-
cie. A primeira, capitaneada por C. M. DA SILVA PEREIRA, 
afirmava, em síntese, que "cumpre, nesse caso, apurar de 
onde veio o objeto causador do dano", porque cada unidade 
autônoma é tratada como objeto de propriedade exclusiva. 
Assim, "de exclusão em exclusão, é necessário assentar que, 
se de um edifício coletivo cai ou é lançada uma coisa, a inte-
ligência racional do artigo 1.529 não autoriza condenar todos 
os moradores, rateando a indenização ou impondo-lhes soli-
dariedade. "278 
A segunda tese, sustentada, entre outros, por J. DE 
AGUIAR DIAS, atribuía, inicialmente, responsabilidade soli-
dária aos moradores, para, em seguida, esclarecer: "é eviden-
te que todos os moradores corresponde a todos os habitantes 
a cuja responsabilidade seja possível atribuir o dano. Nos 
grandes edifícios de apartamentos, o morador da ala oposta às 
em que se deu a queda ou lançamento do objeto ou líquido 
d . , I I d "279 não pode, ecerto, presumIr-se responsave pe o ano. 
278 C. M. DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade civil, cit., p. 113 e ss. 
279 J. DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 440 e ss. 
152 
Esta foi a teoria esposada pelo Desembargador Barbosa Mo-
reira no acórdão de 1988. 
Ambas as teses descritas têm em comum a preocupação, 
então corrente, de cuidar para que a vítima fosse ressarcida, 
desde que a responsabilidade pudesse ser, de alguma manei-
ra, atribuída ao "morador", segundo o disposto no Código 
Civil. 
Nos anos 90, porém, a própria 5a Câmara Cível do Tribu-
nal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que objetos que repe-
tidamente caem de edifício de apartamentos geram a obriga-
ção de indenizar, ao argumento de que "os condôminos têm 
transgredido :tais regras de comportamento habitacional, le-
sando terceiros que se encontram na calçada do edifício, com 
evidente culpa do Réu que tem se descuidado da vigilância 
que lhe é inerente"280. 
A opção jurisprudencial de responsabilizar o condomínio, 
se não obedece à literalidade da norma contida no artigo 
1.529 do Código Civil, gerando maiores encargos aos condô-
minos, vem em socorro da vítima, para quem qualquer outra 
solução, embora mais fiel à letra da lei, seria de difícil realiza-
ção. Imagine-se aquele que, nos tempos atuais, atingido por 
um projétil oriundo de edifício de numerosos andares e apar-
tamentos, tivesse que proceder à citação judicial de todos os 
moradores,
ou mesmo de uma ou mais colunas de onde pre-
sumivelmente teria partido o objeto: a hipótese é implau-
sível. 
A jurisprudência brasileira aderiu maciçamente, ao longo 
da última década, à terceira tese, entendendo que eventual 
280 Ap. Cív. 1.904/90, ReI. Des. Hélvio Tavares, em 07.08.1990. O 
Desembargador Barbosa Moreira presidiu, sem no entanto proferir voto, 
o julgamento, que foi unânime. 
153 
rateio entre os moradores das colunas mais propícias ao lan-
çamento constitui tarefa interna corporis, posterior, da as-
sembléia condominial, sob pena de deixar a vítima irressarci-
da281 .Por outro lado, a "responsabilidade social" do condomí-
nio, referida pela decisão do STJ, tem escopo mais amplo, 
somente encontrando fundamento, conforme já aludido, no 
dever de solidariedade social consagrado na Constituição Fe-
deral. 
O que se quis demonstrar com este exemplo - prove-
niente, aliás, de um tipo de responsabilidade objetiva cuja 
matriz desponta no Direito romano (a actío effusis et dejectis) 
_ é que o problema da responsabilidade civil não consiste na 
investigação ou na descoberta do "verdadeiro" autor do fato 
danoso. Ele diz respeito, apenas, "à fixação do critério graças 
ao qual se pode substituir a atribuição automática do dano 
por um critério jurídico"282; isto é, trata-se de estabelecer 
quem, em que condições e no âmbito de que limites deve 
suportar o dano. 
281 Neste sentido decisão da 3" Câmara do Tribunal de Alçada Civil de 
São Paulo, ReI. Juiz Carvalho Viana, no julgamento da Ap. Cív. 571.287-
2, julgo em 25.10.1994 e pubI. na Revista dos Tribunais n. 714, p. ~5~. 
Este trecho merece destaque: "A repartição dos prejuízos pelos condoml-
nos é questão de economia interna do condomínio apelante, que poderá 
se ressarcir de todos os condôminos, ou exclusivamente daqueles de cujas 
unidades foram lançados os objetos, ou apenas das unidades de final '2', e 
'4'. O que não é razoável é que o apelado haja de investigar de qual 
unidade partiu a agressão ao seu imóvel, se toda a massa condominial é 
responsável pelo dano proveniente das coisas. que caírem ou forem lança-
das do prédio em que habitam e quem a representa é o condomínio." 
282 S. RODOTÀ, Ilproblema della responsabilità civile, cito V. tb. Capo I, 
supra. 
154 
3.2. Danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais 
C umpre delinear o que vem sendo incluído no conceito 
de dano moraF83. Os indivíduos são titulares de direitos per-
sonalíssimos que integram suas personalidades e não detêm 
qualquer conotação econômica. Os danos a esses direitos fo-
ram chamados de morais, pois "atingem atributos valorativos, 
ou virtudes, da pessoa como ente social, ou seja, integrada à 
sociedade". Desta forma, considerou-se que o dano moral 
dizia respeito exclusivamente à reparação de violações causa-
das a direitos da personalidade284. Foram, então, os danos 
morais conceituados como as lesões sofridas pela pessoa hu-
mana em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimô-
nio ideal o conjunto de tudo o que não é suscetível de valora-
ção econômica28S . 
283 Como é notório, a reparação do dano moral teve início por meio de 
condenações a valores simbólicos por força da concepção então dominan-
te acerca dá imoralidade contida no pretium doloris. Não há lugar, atual-
mente, para controvérsias quanto à ressarcibilidade do dano moral, em 
face do que consta da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, 
incisos Ve X, onde se lê claramente que é assegurado o direito à indeni-
zação por danos morais. Todas as objeções quanto à ressarcibilidade do 
dano moral, portanto, parecem hoje interessantes somente do ponto de 
vista de sua evolução histórica, pois a reparabilidade dos danos morais não 
somente é matéria constitucionalmente prevista, mas configura-se ali 
através de cláusula pétrea. 
284 Neste sentido, entre outros, O. GOMES, Obrigações, 11. ed., Rio de 
Janeiro: Forense, 1996, p. 271, segundo o qual "dano moral é [ ... ] o 
constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em 
direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem." Para PONTES 
DE MIRANDA, Tratado de direito civil, São Paulo: Borsoi, 1968, t. 22, p. 
181, "sempre que há dano, isto é, desvantagem no corpo, na psique, na 
vida, na saúde, na honra, ao nome, no crédito, no bem-estar, ou no 
patrimônio, nasce o direito à indenização." 
285 W. MELO DA SILVA, O dano moral e sua reparação, cit., p. 561. 
155 
Ilustre doutrina, em posição divergente, afirmou: 
A distinção entre dano patrimonial e dano moral não decorre 
da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efei-
to da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado286 . 
Tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência 
de lesão a bem não patrimonial, como dano moral por efeito 
da ofensa a bem materiaU87 
Esta opinião, diversamente da primeira, conceitua o dano 
moral como o efeito não-patrimonial da lesão - já não o 
restringindo, portanto, aos direitos da personalidade - e 
vem sendo seguida pela maioria dos autores que se ocupam 
do tema, assim como pela jurisprudência majoritária288 . 
Modernamente, no entanto, sustentou-se que cumpre 
distinguir entre danos morais subjetivos e danos morais obje-
tivos. Estes últimos seriam os que se refeririam, propriamen-
te, aos direitos da personalidade. Aqueles outros "se correla-
cionariam com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetivida-
de, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento 
intransferíveis [ ... ]"289. Dessa maneira, acabaram interligan-
286 Dano moral é, para esta doutrina, "a reação psicológica à injúria, são 
as dores físicas e morais que o homem experimenta em face da lesão" (J. 
DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 741). 
287 J. DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, cit., v. II, p. 740 e ss.: 
"O dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a 
própria lesão, abstratamente considerada." O entendimento do autor 
baseia-se na doutrina de Alfredo MINOZZI, Studio sul danno non patrímo-
niale (danno morale), Milano: Soe. Ed. Libraria, 1901. . . . . 
288 V, entre tantos, S. RODRIGUES, Direito civil: Responsabdldade cwd, 
cit., e M. H. DINIZ, Responsabilidade civil, 18. ed., São Paulo: Saraiva, 
1997. 
289 M. REALE, O dano moral no direito brasileiro, in Temas de direito 
156 
do-se as duas teorias antes referidas: tanto será dano moral 
reparável o efeito não-patrimonial de lesão a direito subjetivo 
patrimonial (hipótese de dano moral subjetivo), quanto a-
afronta a direito da personalidade (dano moral objetivo) I sen-
do ambos os tipos admitidos no ordenamento jurídico brasi-
leiro. 
Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência do- "' 
~inantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, \1 
mdependentemente de prejuízo material, fere direitos perso- ' 
nalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza 
cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profis- (> 
sional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, 
entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os 
efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu pa-
trimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, triste.:. 
za ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções 
negativas29o . Neste último caso, diz-se necessário outrossim , , 
que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam inten-
sos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborre-
positivo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 23. A distinção é 
trazida à baila por L. R. FERREIRA DA SILVA, Da legitimidade para postular 
indenização por danos morais, Ajurís, v. 70, p. 186-189. 
290 A propósito, afirma Y. S. CAHALI, Dano moral, 2. ed., rev. atualizo e 
ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20-21: "Na realidade, 
multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta
gravemente a alma 
humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua 
personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, 
qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enu-
merá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofri-
mento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no despres-
tígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilha-
ção pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da norma-
lidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgas-
te psicológico, nas situações de constrangimento moral." 
157 
cimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que 
todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidia-
na291 . 
Em contribuição à imprescindível tarefa de sistematiza-
ção do dano moral como conceito jurídico a ser diferenciado 
do dano patrimonial, cabe assinalar os seguintes aspectos, 
considerados majoritariamente como distintivos entre as 
duas espécies de danos: i) a identificação, ií) os critérios de ~ 
reparação, iii) a forma de liquidação. 
No que tange à i) identificação do dano, enquanto o dano 
patrimonial exige a prova concreta do prejuízo sofrido pela 
vítima292 , no dano moral não é necessária a prova para a con-
291 Assim, por exemplo, o bloqueio de cartão de crédito, a demora na 
aceitação de cheque por ocasião de compra, a exaltação de ânimos em 
reunião de condomínio e a ofensa que se configura em "dar a língua" a 
alguém foram hipóteses descartadas pela jurisprudência como configura-
doras de dano moral, porque este há de ser significativo o bastante para 
gerar real sofrimento ao ofendido (5 a Cc. TJRJ, Ap. Cív. 1.577/97, DO 
de 26.06.1997, v. u.; IV Grupo de cc. TJRJ, Em. Inf. Ap. Cív. 
4.414/94, reg. em 11.04.1996, fls. 1.051; 8a Cc. TJRJ, Ap. Cív. 
6.550/95, reg. em 06.03.1996, fls. 5.736; P Cc. TJRJ, Ap. Cív. 
5.078/95, reg. em 15.03.1996, fls 7.509). Citando acórdão de sua pró-
pria lavra, o Desembargador S. CAVALlERI, Programa de responsabilidade 
civil, cit., p. 104, aduz: "Destarte, estão fora da órbita do dano moral 
aquelas situações que, não obstante desagradáveis, são necessárias ao 
exercício regular de determinadas atividades, como a revista de passagei-
ros nos aeroportos, o exame das malas e bagagens na alfândega, ou a 
inspeção pessoal de empregados que trabalhem em setores de valores." 
Mais recentemente, o STJ, no REsp. 215.666, 4a Turma, ReI. Min. Cesar 
Asfor Rocha,julg. em 21.06.2001 e pubI. no DJ de 29.10.2001, assentou: 
"O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas 
somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, 
causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se diri-
ge." 
292 STJ, REsp. 143.974, 3a Turma, ReI. Min. Eduardo Ribeiro, pubI. no 
158 
figuração da responsabilização civil, bastando a própria viola-
ção à personalidade da vítima:293 . Em conseqüência, depois de 
restar superada a máxima segundo a qual "não há responsabi-
lidade sem culpa", tendo-se encontrado na teoria do risco um 
novo e diverso fundamento de responsabilidade, desmentido 
se vê hoje, também, o axioma segundo o qual não haveria 
responsabilidade sem a prova do dan0294, substituída que foi 
a comprovação antes exigida pela presunção hominis de que a 
DJ de 23.08.1999: "o ressarcimento das despesas de luto e funeral são 
indeferidas, à míngua de qualquer comprovação do efetivo desembolso." 
No REsp. 194.395, 3a Turma, ReI. Min. Aldir Passarinho, julgo em' 
11.09.2001 e pubI. no DJ de 04.02.2002, acerca das despesas com luto, 
funeral e jazigo perpétuo, o relator observa: "Muito embora previsível a 
ocorrência de gastos dessa natureza, imprescindível a sua comprovação e 
se a Corte a quo entendeu que a mesma inexiste, desapareceu, por 
conseguinte, o direito respectivo, não se podendo verificar, em sede 
especial, se estão ou não presentes nos autos os elementos fáticos atinen-
tes à espécie." 
293 STJ, Resp. 85.019, 4a Turma, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixei-
ra, julgo em 10.03.1998 e pubI. no DJ de 18.12.1998: "Dispensa-se a 
prova do prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o 
dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da 
pessoa, por sua vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingi-
rem parte muito própria do indivíduo - o seu interior. De qualquer 
forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas tam-
bém pela violação de um direito" (grifou-se.) 
294 No entanto, v. o excelente artigo de J. MOSSET ITURRASPE, La prue-
ba en los juicios de danos. Revista de Derecho Privado y Comunitario, v. 
14, Prueba - II, p. 33 e ss, segundo o qual "la víctima dei dano injusto 
debe accionar y debe probar. El debate sobre qué debe provar - si todos 
los extremos o pressupostos o sólo algunos de ellos; si la carga pesa exclusi-
vamente sobre ella, la víctima, o es compartidà por él agente danador -
es el tema actual y la cuestión más apasionante." E o autor conclui: 
"Colocar toda la carga sobre el danado es una manera idónea de quitar o 
aI menos limitar el derecho aI resarcimiento, por las dificultades y comple-
jidades que la prueba acarrea. Repartir la carga es, además de una 
solución lógica, de toda justicia y equidad" (p. 34-35). 
159 
lesão a qualquer dos aspectos que compõem a dignidade hu-
mana gera dano moral. 
Com efeito, esta é a tendência de nossos tribunais e da 
jurisprudência já consolidada no STJ295. Se até há alguns anos 
ainda era relativamente freqüente a exigência da comprova-
ção, chegando a haver julgados, em sede de dano moral; esti-
pulando que tia prova da ofensa deve ser muito clara, extreme 
de dúvida, para fácil compreensão de sua extensão pelo julga-
dor, e quando tal tipificação não ocorre, não pode resultar em 
qualquer indenização [ ... ]"296, hoje o pensamento dominante 
vai no sentido oposto e pode ser assim resumido, como faz S. 
CAVALIERI: 
Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que enten-
dem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre 
da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de reper-
cussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de 
ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano mo-
ral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato. 
ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está 
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natu-
ral, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras 
de experiência comum; provado que a vítima teve o seu 
nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-
295 "Na concepção moderna da reparação do dano moral, prevalece a 
orientação de que a responsabilidade do agente se opera por força do 
simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do 
prejuízo em concreto" - assim no REsp. 173.124, 4a Turma, ReI. Min. 
Cesar Asfor Rocha, julgo em 11.09.2001 e pubI. no Dl de 19.11.200l. 
296 TlRJ, V Grupo de Câmaras Cíveis, Emb. Inf. na Ap. Cív. 2.098/95, 
ReI. Des. Luiz Carlos Perlingeiro, v. u., julgo em 21.03.1996 e pubI. no 
DO de 29.08.1996, p. 158. O caso em questão versou sobre pedido de 
reparação em razão de divulgação, pela imprensa, de fatos tidos como 
desabonadores. 
160 
lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re 
ípsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato 
ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano 
moral. 297 
Esta ilação, porém, tem tido como conseqüência lógica, a 
ser oportunamente criticada, o entendimento subjacente de 
que o dano moral sofrido pela vítima seria idêntico a qualquer 
evento danoso semelhante sofrido por qualquer vítima, por-
que a medida, nesse caso, é, unicamente, a da sensibilidade 
do juiz, que bem sabe, por fazer parte do gênero humano, 
quanto mal lhe causaria
um dano daquela mesma natureza. 
Agindo desta forma, porém, ignora-se, em última análise, a 
individualidade daquela vítima, cujo dano, evidentemente, é 
diferente do dano sofrido por qualquer outra vítima, por mais 
que os eventos danosos sejam iguais, porque as condiç?es 
pessoais de cada vítima diferem e, justamente porque d1fe-
rem, devem ser levadas em conta298. 
Na primeira perspectiva, seria razoável (porque talvez 
mais justo) defender a criação de uma tabela, um rol no qual 
seriam especificadas todas as espécies de danos morais consi-
deradas merecedoras de tutela pelo ordenamento jurídico, ao 
, d d 1 299 J' lado das quantias a serem pagas por ca a um e es . a na 
segunda perspectiva, ao contrário, será preciso ajustar a inde-
·d d d ,. 300 ' t nização em conforml a e com a pessoa a v1tIma ,e e es e, 
297 S. CAVALlERI, Programa de responsabilidade civil, cit., p. 80. 
298 Cf. a opinião de L. DIÉZ-PICAZO, Derecho de danos, cit., p. 329, para 
quem o dano moral não pode ser "simplemente presumido por los tribuna-
les como consecuencia de lesiones determinadas", aduzindo ainda que ele 
"se suponga, asimismo, que es igual para todos. Por el contrario, entende-
mos que debería ser objeto de algún tipo de prueba." 
299 Sobre um tabelamento do gênero, v., infra, Capo 5.2. 
300 Sobre esta conseqüência, V. Capo 5.4. 
161 
justamente, o problema maior da reparação do dano moral na 
atualidade: quais são os critérios que devem servir a compor 
a indenização? 
No que se refere aos ii) critérios de reparação, a indeniza-
ção no dano patrimonial sempre abrangeu a extensão do 
dano, não importando o grau de culpa do agente30I . Quanto 
aos danos morais, os critérios de reparação têm sido basica-
mente a reprovação da conduta, isto é, a gravidade ou inten-
sidade da culpa do agente, a repercussão social do dano, as 
condições socioeconômicas da vítima e do ofensor, critérios 
estes a serem examinados posteriormente302 . Freqüente, ain-
da, é a advertência no sentido de que, embora a indenização 
pelo dano moral deva ser a mais ampla possível, não deve 
chegar ao extremo de gerar um enriquecimento sem causa ou 
constituir fonte de lucro para a vítitna303 . 
Enfim, quanto à iii) liquidação, se, para o dano patrimo-
nial, permanece válida a expressão das "perdas e danos", que 
está a significar os danos emergentes e os lucros cessantes304, 
para o dano moral, a liquidação fica exclusivamente ao arbí-
trio do juiz, não estando ele adstrito a qualquer limite legal ou 
tarifa pré-fixada. Com efeito, a amplitude do dispositivo 
301 Ainda hoje, para os danos patrimoniais, vigora o princípio de que a 
indenização abrange a extensão do dano, independentemente do grau de 
culpa, de modo que uma culpa levíssima pode dar causa a elevada repara-
ção. O parágrafo único do artigo 944 do novo Código Civil de 2002, 
todavia, estabelece que o juiz poderá, se houver excessiva desproporção 
entre a gravidade da culpa e o dano, reduzir equitativamente a indeniza-
ção. 
302 Para o exame desses critérios, v. Capo 5. 
303 Entre os tantos, v., mais recentemente, o Resp. 254.073, 4a Turma, 
ReI. Min. Aldir Passarinho, publ. no DJ de 10.08.2002. 
304 V. artigo 1.059 do Código Civil de 1916 e o correspondente artigo 
402 do Código Civil de 2002. 
162 
constitucional acerca da indenização por dano moral fez com 
que, tanto em doutrina como na jurisprudência, viessem a ser 
considerados inconstitucionais todos os limites previstos em 
lei para tal reparaçã0305 . 
A ratío jurís das mencionadas distinções não deve ser en-
tendida em termos conseqüenciais, ou a posteriori, e sim em 
termos de princípios: com efeito, à luz dos valores constitu-
cionais em vigor, o dano causado a bens materiais há de ser, 
em tudo e por tudo, diferenciado e de menor importância do 
que o dano (injusto) causado à pessoa humana306, cuja digni-
dade foi posta no ápice do ordenamento jurídico, merecendo 
a mais ampla proteção e tutela. O direito da responsabilidade 
civil, neste particular, encontra-se em perfeita coerência com 
a normativa constitucional. 
Dá causa o inadimplemento de obrigação assumida con-
tratualmente à compensação de dano moral? De fato, não há 
quem não se aborreça, seriamente inclusive, por ocasião da 
quebra de expectativa na relação contratual, cuja culpa, aliás, 
é presumida como sendo do devedor inadimplente. No en-
tanto, e estranhamente - dado o seu posicionamento já his-
tórico em relação ao progressivo alargamento das hipóteses 
de ressarcimento -, não tem o STJ considerado, em regra, 
esse tipo de desgosto como gerador de dano extrapatrimo-
nial. 
305 V., por todos, S. CAVALIERI, Programa de responsabilidade civil, 
cit., p. 78. 
306 Bem expressou esta idéia o Min. Menezes Direito, da 3a Turma do 
STJ, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento 270042, julgo 
em 03.12.1999 e publ. no DJ de 17.12.1999, p. 693, a respeito de 
apresentação de cheques que haviam sido extraviados de agência bancá-
ria: "O atentado aos direitos relacionados à personalidade, provocado 
pela inscrição em banco de dados, é mais grave e mais relevante do que a 
lesão a interesses materiais." 
163 
o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao relatar tal 
hipótese, ponderou: 
Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma 
das partes possa trazer desconforto ao outro contratante -
e normalmente o traz - trata-se, em princípio, de descon-
forto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em 
sociedade. Adificuldade financeira ou a quebra de expecta-
tiva de receber valores contratados não toma a dimensão de 
constranger a honra ou a intimidade, ressalvadas situações 
excepcionais.307 
Mais condizente com a definição de dano moral -. como 
sentimento da dor - assumida por nossos tribunais, no en-
tanto, estaria a posição que sustenta não haver qualquer razão 
jurídica para se restringir a reparação do dano moral às hipó-
teses de culpa aquiliana: 
307 STJ, REsp. 202.564, 43 Turma, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira, julgo em 02.08.2001 e publ. no DJ de 01.10.2001. Os tribunais 
estaduais oscilam, ora aceitando, ora rejeitando o dano moral na chamada 
"culpa contratual". O TJly, Ap. Cív. 8.845/98, 23 CC, publ. no DO de 
18.02.1999, já decidiu: "E incabível dano moral quando se trata de dis-
cussão sobre validade de cláusulas contratuais ou mesmo inadimplemen-
to delas ou mora no seu cumprimento." Na doutrina, reforçando a tese da 
admissibilidade, Y. S. CAHALI, Dano moral, cit., p. 460, afirma: "Estamos 
em que com a absorção contínua das informações concernentes à ratio 
jurídica do dano moral a jurisprudência tenda a se afirmar no seu cabi-
mento em caso de inadimplência, aferindo-se caso a caso a oneração 
psíquica decorrente da frustração de um ajuste que, como suposto em 
todo contrato, nasce para ser cumprido." Do mesmo. modo, H. e L. 
MAZEAUD; J. MAZEAUD; F. CHABAS, Leçons de droit civil: obligations, 
cit., p. 410: "se fondant sur une opinion qui avait cours dans notre ancien 
droit, quelques auteurs ont refusé toute réparation du préjudice moral au 
créancier qui se plaint de l'inexécution d'un contrato Cette opinion est 
aujourd'hui abandonnée en doctrine." 
164 
[ ... ] Assentado por suposto que um contrato; uma relação 
obrigacional convencionada nasce para ser cumprida, e cria 
compreensivelmente a expectativa psicológica desse cum-
primento, não há porque negar, em princípio, que a frustra-
ção do ajuste inadimplido cause ou possa causar sentimentos 
angustiantes ou psicologicamente sensíveis à parte inocen-
te. 308 
Se se tem do dano moral, porém, o entendimento de que 
só a lesão à dignidade humana - em seus principais substra-
tos, isto é, a liberdade, a igualdade, a integridade psicofísica e 
a solidariedade -, pode a ele dar ensej 0 309, resolve-se trivial-
mente a questão. Dificilmente um contrato não cumprido 
chega
a atingir tal profundidade. Se, porém, a alcançar, have-
rá direito à indenização. 
3.3. Novas espécies de dano 
Seja pelo significativo desenvolvimento dos direitos da 
personalidade31O, seja pelas vicissitudes inerentes a um insti-
tuto que só recentemente tem recebido aplicação mais inten-
sa, a doutrina vem apontando uma extensa ampliação do rol 
de hipóteses de dano moral reconhecidas jurisprudencial-
mente3!!. 
308 J. L. COELHO DA ROCHA, O dano moral e a culpa contratual, in 
Doutrina Adcoas (1015158), p. 126-127. 
309 V. Capo 2.5, supra, e, neste Cap., o item 5. 
3!0 V., por todos, G. TEPEDINO, A tutela da personalidade no ordena-
mento civil-constitucional brasileiro, ora in Temas de direito civil, cit., p. 
23-54. 
311 Neste sentido, L. ROLDÃO DE FREITAS GOMES, Elementos de respon-
sabilidade civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 425, que observa 
165 
Na verdade, ampliando-se desmesuradamente o rol dos 
direitos da personalidade ou adotando-se a tese que vê na 
personalidade um valor e reconhecendo, em conseqüência, 
tutela às suas manifestações, independentemente de serem 
ou não consideradas direitos subjetivos, todas as vezes que se 
tentar enumerar as novas espécies de danos, a empreitada não 
pode senão falhar: sempre haverá uma nova hipótese sendo 
criada. 
Este não é, contudo, um movimento que se dá em uma 
única direção. Ao contrário, concomitantemente à ampliação 
das possibilidades de dano moral, verifica-se também a mul-
tiplicação de julgados que impedem a criação de novas hipó-
teses, precedentes que poderiam inspirar uma infinidade de 
novas demandas, abarrotando o Judiciário e correndo o risco 
de banalizar a reparação das lesões de cunho extrapatrimo-
nial. 
Nem sempre, todavia, os tribunais logram êxito em reali-
zar esse duplo movimento de modo harmonioso - nem po-
deria ser diferente, tendo em vista a imensa massa de julga-
dos e q pouco tempo de difusão do instituto. A intenção deste 
item é, então, pinçar algumas decisões que demonstram tal 
impasse, que já foi chamado - na Itália, mas em situação que 
em tudo é semelhante à que enfrentamos - "a comédia da 
responsabilidade civil"312. 
"certa tendência, depois da Constituição, para esse alargamento excessi-
vo, sobretudo em matérias de competência dos Juizados Especiais". 
312 A. PROCIDA MlRABELLI DI LAURO, La riparazione dei danni alla 
persona, cit., p. 91: "La commedia della responsabilità civile (La felice 
metaforae di F. Galgano r .. }) si arrichisce di inedite vicende che modifi-
cano la struttura e la funzione dell'illecito e, grazie anche alle nuove 
fattispecie di imputazione dei danni alia persona, e alla ri cerca di un piu 
equilibrato assetto sistematico. " 
166 
Como exemplo de novas situações que passaram a ser 
consideradas como aptas a gerar dano moral, emblemática é a 
decisão do STJ, que, por maioria, condenou empresa do ramo 
de seguros a pagar 50 salários mínimos a um segurado pelas 
dificuldades que ele encontrou para consertar seu carro aci-
dentado. Nas palavras do relator, "sofreu o apelante cons-
trangimentos de toda a natureza, obrigado que ficou a recla-
mar, persistentemente, para que seu veículo fosse consertado 
convenientemente, bem como pela não utilização dele duran-
te aquele longo período. "313 
Outra decisão do STJ determinou - desta feita, por una-
nimidade - que, "com base em juízo da experiência co-
mum", uma instituição médica fosse condenada a indenizar 
uma paciente, não só pelo fato de ter produzido um diagnós-
tico equivocado, mas também por tê-lo comunicado "sem a 
sensibilidade necessária antes de se fazer consignar laconica-
mente o diagnóstico", como alude o acórdão, fazendo refe-
rência aos autos. A própria ementa da decisão traz à baila esse 
aspecto, considerando-o componente do dano moral sofrido: 
Responsabilidade Civil. Exame Laboratorial. Câncer. Dano 
Moral. Reconhecida no laudo fornecido pelo laboratório a 
existência de câncer, o que foi comunicado de modo inade-
quado para as circunstâncias, a paciente tem o direito de ser 
indenizada pelo dano moral que sofreu até a comprovação 
do equívoco do primeiro resultado, no qual não se fez ne-
nhuma ressalva ou indicação da necessidade de novos exa-
mes.314 
313 STJ, REsp. 257.036, 4a Turma, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 
julgo em 12.09.2000 e pubI. no DJ de 12.02.200l. 
314 STJ. REsp. 241.373, 4a Turma, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 
julgo em 14.03.2000 e pubI. no DJ de 15.05.2000. 
167 
Em caso de disparo de alarme antifurto, mesmo que o 
pedido (feito no valor de R$ 864.000,00) tenha visado, à 
evidência, o fácil enriquecimento, mesmo que a simples ale-
gação de que já ocorrera outras duas vezes - sem que a con-
sumidora tivesse tomado qualquer providência - seja levada, 
sem outras comprovações, a sério, mesmo que os empregados 
do estabelecimento abordem a pessoa suspeita com a delica-
deza necessária e suficiente, ainda assim o STJ considera que 
a empresa deve indenizar. Nesse caso, o valor da indenização 
ficou em 50 salários mínimos e o fundamento da decisão para 
a reparação do dano moral sofrido foi o puro e simples soar do 
alarme: 
Também não é motivo de escusa da ré (o Wal-Mart) o fato 
de os seguranças terem tido comportamento adequado para 
as circunstâncias: ainda que gentis, a agressão já estava no 
alarme falso. 315 
o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua vez, con-
firmou sentença que determinara indenização por danos ma-
teriais e morais em decorrência do rompimento imotivado do 
casamento pelo noivo, às vésperas da realização da cerimônia, 
com "conduta que infringiu o princípio da boa-fé". A autora 
da ação comprovou que, após marcada a data do casamento 
religioso, teve gastos com enxoval, cerimonial do matrimô-
315 STJ, REsp. 327.679, 4a Turma, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 
julgo em 04. 12.2001 e publ. no Dl de 08.04.2002. A ementa diz: "Res-
ponsabilidade Civil. Loja. Dispositivo de segurança. Mercadoria furtada. 
Alarme. O soar falso do alarme magnetizado na saída da loja, a indicar o 
furto de mercadorias do estabelecimento comercial, causa constrangi-
mento ao consumidor, vítima da atenção pública e forçado a mostrar os 
seus pertences para comprovar o equívoco. Dano moral que deve ser 
indenizado. Recurso conhecido e provido." 
168 
nio, aparelhos eletrodomésticos, além de despesas com mate-
rial de construção para levantamento da casa, sendo obrigada 
a desfazer-se de seu carro para fazer frente a tais gastos. Ale-
gou, por fim, que, de uma hora para outra, o noivo, sem qual-
quer motivo justificado, rompeu o compromisso - reque-
rendo e obtendo, portanto, a reparação pelos danos material 
e morapl6. 
Em doutrina, a este respeito, observou-se ser devida a 
reparação: 
[ ... ] também na hipótese de um dos noivos romper a pro-
messa de casamento semanas antes da cerimônia, quando os 
convites para a boda já foram encaminhados aos convidados, 
ou então, quando um deles simplesmente desaparece após 
haver assumido o compromisso sério de contrair núpcias, 
desconsiderando em absoluto o sentimento dooutro}17 
E no entanto, é preciso logo destacar, não há ato que o 
ordenamento repute mais livre, mais dependente, exclusiva-
mente, da vontade de ambos e de cada um dos contraentes, 
do que o casament0318. Por outro lado, o que significa "rom-
pimento imotivado", além do fato de que não mais se tem a 
vontade Quridicamente protegida) de casar? Enfim, por que 
316 TlRJ, Ap. Cív. 00.117.643, ReI. Des. Humberto Manes, julgo em 
17.10.2001. 
317 M. OTERO, A quebra dos esponsais e o dever de indenizar. Dano 
material e dano moral, publicado em Revista dos Tribunais n. 766, p. 
103, segundo o qual, ainda, "as circunstâncias em que o compromisso foi 
quebrado é que faz emergir a dor, a mãgoa e, em conseqüência, o dever 
de indenizar". E traz como exemplo para o pedido de indenização pbr
danos morais a circunstância de um dos noivos abandonar o outro no dia 
da cerimônia, causando-lhe enorme constrangimento. 
318 V. o teor do artigo 194 do Código de 1916 e dos artigos 1.514 e 
1.535 do Código de 2002. 
169 
razão seria necessário estar "de casamento marcado" para ob-
ter a indenização? A dor e o sofrimento causados por uma 
separação não desejada são intensos e profundos em qualquer 
momento em que isso venha a ocorrer. 
Não se vê, de fato, como possa o pleno exercício do prin-
cípio da liberdade de casar, corolário do princípio fundamen-
tal de liberdade, ser ponderado desfavoravelmente em rela-
ção à quebra do compromisso pré-nupcial. Na ponderação 
desses interesses contrapostos, não há como fazer surgir o 
dever de indenizar, a não ser, eventualmente, pelo prejuízo 
material acarretado. 
Outro exemplo encontra-se na determinação de repara-
ção de danos decorrentes de uma disputa de bola em partida 
de futebol realizada em condomíni0319. O réu fora atingido 
por trás, provocando-lhe o autor fratura óssea e rompimento 
de ligamentos. A decisão da primeira instância considerou 
que o acidente ocorrido na disputa pela bola foi resultado da 
normal prática do esporte. Para o Tribunal, no entanto, em-
bora não tenha havido dolo por parte do lesante, houve "des-
vio da conduta esperada dos partícipes de um jogo de futebol 
recreativo, comprovando-se, desta forma, a imprudência do 
autor"320. 
Como já referido, contudo, a esta movimentação corres-
ponde alguma reação, com os tribunais buscando também 
conter o aumento dos casos de dano moral. Retornando à 
jurisprudência do STJ, vislumbra-se exemplo paradigmático 
desta outra tendência em decisão que negou indenização por 
dano moral ao consumidor que recebeu, em sua casa, diante 
319 TJRJ, Ap. Cív. 7.074, I a CC, ReI. Des. Maria Augusta Vaz M. 
Figueiredo, julgo em 10.07.200l. 
320 A decisão está no site ''http://cartamaior.uol.com.br'', acesso em] 3 
mar. 2002. 
170 
de vizinhos, a visita de uma equipe da companhia de energia 
elétrica, solicitando a apresentação da "conta de luz" devida-
mente quitada321 . 
Em outra recente decisão - agora em primeira instância 
-, negou-se o pedido de indenização que um casal movera 
em face de rede de televisão, requerendo o pagamento de 
500 salários mínimos pela exibição, durante o noticiário de 
maior audiência do País, de cenas do parto da autora. De 
acordo com a sentença, 
[ ... ] o que se vê das imagens veiculadas [ ... ] é, em boa verda-
de, um momento feliz, do qual os autores deveriam se orgu-
lhar, mercê do instante de rara beleza que viveram, privilé-
gio de poucos, e não dele se utilizar para obter compensação 
econômica. [ ... ] Os danos de que afirmam eles terem sido 
vítimas [ ... ] não somente não são indenizáveis, por não se-
rem ofensivos à honra pessoal de nenhum deles, como tam-
bém devem ser entendidos como mera conseqüência de te-
rem os autores aparecido num programa televisivo de grande 
repercussão e em horário nobre. 322 
321 STJ, Agravo de Instrumento 305018, ReI. Min. Aldir Passarinho 
Júnior, julg. em 28.06.2001, ainda não publicado. No mesmo diapasão, 
cita-se a decisão da 3a Turma, REsp. 409907, ReI. Min. Ari Pargendler, 
julgo em 30.04.2002 e pubI. no DJ de 19.08.2002, segundo o qual "o 
débito levado a efeito em conta corrente, sem a autorização do respectivo 
titular, para o pagamento de conta de luz, não induz, por si só, o reconhe-
cimento de dano moral, a despeito do aborrecimento que isso possa ter 
provocado; o dano moral apenas se caracterizaria se o lançamento do 
débito tivesse conseqüências externas, v.g., devolução de cheques por 
falta de provisão de fundos ou inscrição do nome do correntista em 
cadastro de proteção ao crédito." 
322 Mais detalhes acerca desta decisão, proferida em 21.06.2001 pelo 
juiz da 273 Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo, 
podem ser obtidos no site da revista Consultor Jurídico, disponível em 
.. http://www.conjur.com.br ... acesso em 21 juI. 2001. 
171 
Em linhas gerais, pode-se dizer que os tribunais, já de 
algum tempo, vêm tentando impedir que meros aborreci-
mentos do cotidiano passem a ser catalogados como gerado-
res de dano moral, principalmente quando facilmente con-
tornáveis por vias patrimoniais. Assim, e à guisa de exemplo, 
já em 1995 o Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro 
buscava afastar a hipótese de se indenizar, a título de dano 
moral, o proprietário de veículo que tivesse sofrido uma sim-
ples avaria: 
Colisão de Veículos. Dano Moral. Inocorrência. Diárias de 
Locomoção. Pedido de reparação por alegado dano moral 
que, sem dúvida, inocorreu, já que um mero amassamento 
na saia traseira de um automóvel jamais poderia representar 
uma reparação consistente em 4 (quatro) salários mínimos, 
diários, em favor do autor, em período contado desde dia 
"anterior" ao acidente até o trânsito em julgado da sentença, 
como expressamente postulado pelo autor. 323 
Por fim, é de se frisar que estas tendências antagônicas -
ampliação e redução dos casos de dano moral- comumente 
entram em conflito, às vezes apresentando soluções radical-
mente diferentes para casos extremamente semelhantes. A 
este respeito, cumpre citar o ca.so exemplar do concurso pro-
movido pela emissora de rádio Eldorado, que concedeu a um 
famoso político o "Troféu Cara:-de-Pau", na injuriosa catego-
ria Capo di tutti i capi. Pouco tempo antes, a mesma rádio 
outorgara a outro político o epíteto de "mentecapto do sécu-
lo", chamando-o para concorrer ao mesmo troféu "Cara-de-
323 3a Câmara, Ap. Cív. 5.340/95, ReI. Des. Dauro Inácio da Silva, julgo 
em 27.11.1995 e publ. no DO de 03.03.1996, p. 152. 
172 
Pau". Enquanto este último conseguiu, na primeira instância 
da Justiça gaúcha, fazer condenar a emissora ao pagamento de 
200 salários mínimos por danos morais324, o primeiro, cerca 
de dois meses depois, não obteve êxito em vara cível da capi-
tal paulista325. 
Parece interessante, desde já, indicar, por razões de opor-
tunidade, um aspecto a ser examinado no Capítulo 5, sobre 
os critérios adotados para compensar o dano moral. De fato, 
enquanto a juíza paulista considerou ausentes "o dano e a 
culpa"326, não havendo então o que ressarcir, a juíza gaúcha 
esmerou-se na condenação: 
324 Porto Alegre. 33 a Vara Cível Central - Capital. Processo 
00099063777-8. A sentença proferida pela Juíza Vivian Wepfli Zanelli, 
em 27.05.2001, diz: "Lançar a 'candidatura' do autor ao título de mente-
capto do século atinge, sem margem de discussão, a sua honra subjetiva. 
Atribuir-lhe o troféu 'Cara-de-pau', o 'Oscar da Baixaria', é jogá-lo na vala 
comum com outros políticos, investigados por corrupção, por desvio de 
verbas, pelo cometimento de atos ilegais, fraudulentos, pelo simples fato 
de o jornalista não comungar de sua opinião política a respeito de deter-
minado caso." A causa da premiação com o troféu teria sido a defesa 
pública que fez Tarso Genro à renúncia do atual Presidente da República, 
Fernando Henrique Cardoso, ao seu segundo mandato. 
325 Ambos os feitos encontram-se em grau recursal. Para mais detalhes, 
v. o site da revista Consultor Jurídico, disponível em ''http://www.con-
jur.com.br". 
326 São Paulo: Capital. I oa Vara Cível Central. Processo 00099054841-
4. Na sentença da juíza Claudia Longobardi Campana, datada de 
13.07.2001, lê-se: 'l .. ] o autor como personalidade pública tem suas 
atividades e vida pública expostas à apreciação de todos, não podendo 
reclamar dano moral por crítica, inclusive aquela formulada jocosamente. 
[ ... ] Tratando-se de matéria de cunho humorístico e crítico, não se pode 
imputar à ré o animus juríandi, mas tão somente a vontade de expressar 
manifestação crítica através da utilização do anímus jocandí. O humor 
tem como base o exagero de uma situação e a manifestação de pensamen-
to, tem como ponto
de partida a liberdade que só pode ser mitigada no 
173 
Posto isto, na liquidação do dano moral recorre-se ao Código 
Brasileiro de Telecomunicações e à Lei de Imprensa, que 
elegem determinados fatores a serem valorados para a justa 
compensação, de tal sorte que a verba encontrada repr~­
sente ao autor uma satisfação tal capaz de minimizar o sofn-
mento passado. Também não se pode olvidar do caráter re-
pressivo da indenização e o seu objetivo desestimulador, evi-
tando-se a recidiva. 
A intensidade do sofrimento do ofendido foi de alto grau, 
pois viu maculada a sua imagem perante o público ouvinte da 
rádio, com desprestígio inconteste; a posição social e política 
do ofendido também se evidenciou não apenas pelos docu-
mentos acostados como também pelos depoimentos colhi-
dos na fase instrutória elogiosos à sua pessoa; a empresa, de 
outro lado, se houve com dolo, ela que revelou inequívoca 
intenção de desabonar ao ratificar o seu desprezo pelo autor, 
chamando-o, inclusive de imbecil, na carta remetida a uma 
das ouvintes também retratação inocorreu. Considerando 
esses aspectos e mais, a capacidade econômica das partes, 
entendo razoável a condenação da Ré ao pagamento de 200 
salários mínimos no valor vigente nesta data, com correção 
b ' d t 327 monetária e juros de mora a contar tam em a presen e. 
caso de ofensa pessoal direta, o que não ocorre no caso dos autos. A 
tradução feita pelo autor da expressão "Capo de Tutti I Capi" não e.rrc0.rr-
tra relação com a degravação efetuada e as conclusões postas na InICIal 
não foram diretamente veiculadas no programa radiofônico, que em ne-
nhum momento classificou o autor como chefe de mafiosos, ou atrelou o 
nome do autor a condutas criminosas." . _ 
327 Id., ibid. Na sentença, pode-se ler ainda: "O pedido para veIculaça? 
de mensagem também merece acolhimento e, com efeIto, somada a 
indenização pecuniária, poderá melhor reparar os dan~s .ca~sados. O 
texto sugerido deverá ser retificado para exclUlr a palavra c.nmmosam~n­
te', porquanto a prática de crime só poderá ser reconheClda pelo JUlzO 
Criminal. Permanece no mais o texto original, que ora transcrevo para 
constar da presente: 'E atenção! A Rádio Eldorado ofendeu a dignidade, 
174 
3.4. A "injustiça" do dano 
o desenvolvimento de atividades cotidianas com fre-
qüência causa danos a terceiros, pelo próprio e normal agir 
humano. A prática comercial bem sucedida tem como conse-
qüência a diminuição do número de clientes e do próprio 
lucro daqueles que atuam no mesmo ramo, ainda que a con-
corrência não ofenda os parâmetros legais. A construção de 
um novo edifício, sem nenhuma intenção emulativa e em to-
tal consonância com as normas edilícias pertinentes, pode 
acarretar o fim da vista panorâmica, da incidência de luz solar 
ou da brisa que refrescava o vizinho. O patrão que, encon-
trando-se em dificuldades financeiras, se vê obrigado a des-
pedir o funcionário, ainda que o indenize nos termos legal-
mente exigidos, provocar-Ihe-á um dano, se se entender este 
conceito como uma "idéia genérica que engloba quaisquer 
quebrantos econômicos, perdas patrimoniais ou gastos que se 
impõem a um sujeito sem que lhe tenha sido dada a oportu-
nidade de decidir acerca de sua efetivação"328. 
Essas situações, ainda que causadoras de danos, são auto-
rizadas pelo ordenamento jurídico; os danos que aí se produ-
zem são, portanto, lícitos, não importando em responsabiliza-
ção daquele que, apesar de ter dado causa aos prejuízos, não 
se afastou dos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao 
pautar sua atuação. Para além da conduta irrepreensível do 
agente causador, porém, está a consideração, hoje igualmente 
a honra e a imagem de Tarso Genro, ex-prefeito de Porto Alegre, advogado 
e membro da Executiva Nacional do PT, frente ao público em geral e, em 
virtude disto, foi condenada a ressarcir os danos morais provados, e 
divulga esta nota como forma legal de expressar respeito a toda pessoa, e, 
de maneira particular, aos admiradores de Tarso Genro'." 
328 Assim, L. DíEz-PrCAZO, Derecho de danos, cit., p. 294. 
175 
relevante, de que, nesses casos, é razoável que a vítima supor-
te tais prejuízos. Por isso tais danos são também ditos, além 
de lícitos, não-"injustos". 
De outro lado, como se sabe, em situações cada vez mais 
numerosas, o mesmo ordenamento determina que, se forem 
causados danos, não obstante a liceidade da ação ou da ativi-
dade, a vítima não deve ficar irressarcida. Aqui também, à 
primeira vista, os danos seriam "lícitos"; geram, no entanto, 
por determinação legal, a obrigação de indenizar. Neste caso 
se enquadram as hipóteses de responsabilidade objetiva, em 
que se inclui a própria atividade estatal, expressada nesta de-
cisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em 
sede de Recurso Extraordinário relatado pelo Ministro Carlos 
Velloso e julgado em 1992: 
A consideração no sentido da ilicitude da ação administrati-
va é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o parti-
cular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou 
irregular, no interesse da coletividade, é devida a indeniza-
ção, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e 
encargos sociais. 329 
Um exemplo da aplicação desta teoria é o caso de obra 
pública que interdita determinada via, provocando diminui-
ção nos lucros dos comerciantes afetados pela queda do mo-
vimento: os tribunais brasileiros, em alguns julgados, já deci-
diram pela responsabilização do Estado, sem prejuízo da lici-
tude da empreitada330. 
329 Publicado na Revista dos Tribunais n. 682, p. 239. 
330 Neste sentido, em sede de Apelação, a seguinte decisão da 2a CC do 
TJSP, ReI. Des. Cezar Peluso, julgo em 28.08.1990, in R. STOCO, Respon-
sabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 3. ed., rev. e ampI., 
176 
Daí porque, há mais de duas décadas, O. GOMES qualifi-
cava como "a mais interessante mudança" na teoria da res-
ponsabilidade civil o que ele chamou de "giro conceitual do 
ato ilícito para o dano injusto", que permite" detectar outros 
danos ressarcíveis que não apenas aqueles que resultam da 
prática de um ato ilícito. Substitui-se, em síntese, a noção de 
ato ilícito pela de dano injusto, mais amplo e mais social"331. 
Cumpre, pois, identificar em que consiste a injustiça do 
dano, que faz nascer a exigência da indenização. Ou, em ou-
tras palavras, será necessário "circunscrever a área dos danos 
ressarcíveis", de modo a evitar uma "propagação irracional 
dos mecanismos de tutela indenizatória"332. 
Inicialmente, é necessário precisar que a expressão é pro-
veniente, não por acaso, da doutrina italiana da responsabili-
dade civil. É que o artigo 2.043 do Código Civil italiano de 
1942 estabelece: 
Art. 2.043. Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad 
altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il 
fatio a risarcire il danno. 333 
Segundo C. M. BIANCA, o debate acerca da noção de in-
justiça do dano cindiu-se em duas correntes: de um lado, os 
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 486: "Indenização - Respon-
sabilidade Civil- Obras do Metrô - Queda do movimento de pacientes 
em hospital particular durante o período trienal das obras - Irrelevância 
de que o dano tenha origem em atividades lícitas - Verba devida - Ação 
Procedente - Recurso provido" (grifou-se). 
331 O. GOMES, Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil, 
cit., p. 293 e 295. 
332 L. DÍEZ-PICAZO, Derecho de danos, cit., p. 296. 
333 "Qualquer fato doloso ou culposo que cause a outros um dano injus-
to obriga quem cometeu o fato a ressarcir o dano." 
177 
que a identificavam com a antijuridicidade, ou seja, com a 
violação de um direito ou de uma norma, e, de outro, os que 
a associavam à lesão de um interesse merecedor de tutela334 . 
No âmbito das teses ligadas à antijuridicidade, a posição
mais tradicional definia a injustiça do dano como a lesão aos 
direitos absolutos (oponíveis erga omnes), tais como os direi-
tos reais e os direitos da personalidade. Posteriormente j essa 
opinião receberia crítica, influenciada pela doutrina da tutela 
aquiliana (ou externa) do crédito, no sentido de que o termo 
"injusto" indicaria a lesão a qualquer direito, absoluto ou re-
lativ0335. 
Modernamente, contudo, buscou-se desvincular a idéia 
de injustiça da idéia de antijuridicidade, procurando critérios 
mais amplos, que englobassem também "interesses que são 
dignos da tutela jurídica e que, por isso, quando são lesiona-
dos, façam nascer ações indenizatórias"336 para reparar os pre-
juízos sofridos. 
Nessa ótica, vários critérios foram propostos: para Piero 
SCHLESINGER, os danos seriam indenizáveis quando provo-
cados por um ato não-autorizado por uma norma; para Stefa-
no RODOTÀ, só caberia indenização nos casos em que o inte-
resse atingido fosse suscetível de tutela segundo o princípio 
334 C. M. BIANCA, Dírítto cívíle, Milano: Giuffre, 1995, v. 5, p. 584. 
335 C. M. BrANCA, Dírítto cívíle, cit., p. 584. Adota este posicionamen-
to, entre outros, A. TRABUCCHr, Istítuzíoní dí dírítto cívíle, 27. ed., 
Padova: Cedam, 1985, p. 205, n. 1: "La formula che lega la nozíone dí 
danno íngíusto alta lesíone dí un dírítto assoluto va modernamente altar-
gata oltre alta víolazione di un diritto reale o dí un dírítto delta personali-
tà estendendosí la tutela aquílíana alta píu larga categoría dí ínteressí 
gí~rídícamente rílevantí erga omnes. Típíca e la tutela esterna del credíto, 
mas ví sono altrí casi." 
336 L. DÍEz-PrCAZO, Derecho de danõs, cit., p. 296. 
178 
da solidariedade social; para Guido ALPA, seria indenizável o 
dano relevante, segundo uma ponderação dos interesses em 
jogo à luz dos princípios constitucionais337. 
A conceituação mais consistente, tudo indica, está nesta 
última consideração. O dano será injusto quando, ainda que 
decorrente de conduta lícita, afetando aspecto fundamental 
da dignidade humana, não for razoável, ponderados os inte-
resses contrapostos, que a vítima dele permaneça irressarci-
da. Esta parece ser a posição de M. MOACYR PORTO: 
Objeta-se, habitualmente, que seria antijurídico e moral-
mente reprovável condenar alguém ao pagamento de um 
prejuízo para o qual não concorrera com a sua culpa. [Po-
rém] é justo, razoável, eqüitativo impor à vítima do dano, 
igualmente inocente, o ônus de suportar sozinha as conse-
qüências do dano causado por outrem? 
Em que princípio moral ou regra jurídica se apoiaria a opção 
favorável ao autor do dano?338 
De fato, não parece razoável, na legalidade constitucional, 
estando a pessoa humana posta na cimeira do sistema jurídi-
co, que a vítima suporte agressões, ainda que causadas sem 
intenção nem culpa, isto é, sem negligência, imperícia ou im-
prudência. O que impede que se proteja o autor do dano em 
detrimento da vítima, como se fazia outrora, ou, melhor, o 
337 Esta sistematização, mais detalhada, é exposta por C. M. BrANCA, 
Dírítto cívíle, cit., p. 585. 
338 M. MOACYR PORTO, O ocaso da culpa como fundamento de respon-
sabílidade cívil, disponível em .. http://www.jurinforma.com.br/arti-
gos/0393", acesso em 7 jun. 2002. O autor sugere que os diversos artigos 
sobre o ilícito e as hipóteses em que ocorreria o dever de indenizar 
deveriam ser substituídos ou subsumidos num único e conciso dispositi-
vo: "aquele que causar um dano injusto é obrigado a repará-lo." 
179 
que torna hoje preferível proteger a vítima em lugar do lesan-
te, é justamente o entendimento (ou, talvez, o sentimento) 
da consciência de nossa coletividade de que a vítima sofreu 
injustamente; por isso, merece ser reparada339 . 
No Capítulo 1, fez-se referência à decisão da Terceira 
Turma do STJ, que, por 3 votos a 2, entendeu ter havido dano 
à imagem de famosa atriz pelo simples fato de sua divulgação 
não-autorizada340 . Em caso em tudo e por tudo semelhante, 
julgado alguns meses depois pela mesma Turma, as posições 
se inverteram, e, também por 3 votos a 2, assim se conside-
rou: 
[ ... ] a imagem da autora foi reproduzida absolutamente den-
tro do contexto da atividade a que se dedica, como modelo 
profissional. Assim, ela apenas foi vítima de danos materiais, 
posto não ter sofrido nenhuma lesão em sua honra ou inva-
são em sua privacidade. 
[ ... ] Diferente poderia ser o enfoque do problema se a ima-
gem da autora tivesse sido veiculada de forma grotesca ou 
vexatória. 341 
339 Para um exemplo, o artigo 496, 1 do Código Civil português. 
340 REsp. 270.730, 3" Turma, Rel pl o acórdão Min. Nancy Andrighi, 
julgo em 20.12.2000 e publ. no Dl de 07.05.2001, v. m. Enquanto os 
Ministros Menezes Direito e Pádua Ribeiro entenderam incabível a inde-
nização pelo dano moral, sob o argumento de que a publicação violentara 
apenas o direito patrimonial à exploração da própria imagem, a Min. 
Nancy Andrighi e o Min. Zveiter consideraram que o jornal carioca 
deveria indenizar a atriz também pelo dano moral, porque ela, com o só 
fato da publicação não-autorizada, fora violentada em seu crédito como 
pessoa. O Min. Ari Pargendler desempatou a questão. 
341 STl, REsp. 230.268, 3" Turma, ReI. Min. Pádua Ribeiro, julgo em 
13.03.2001 e publ. no Dl de 12.07.2001, v. m., vencidos os Min. Nancy 
Andrighi e Waldemar Zweiter. A decisão ficou assim ementada: "Dano 
moral. Dano à Imagem. Fotografias usadas em publicação comercial não 
autorizada. I - O uso da imagem para fins publicitários, sem autorização, 
pode caracterizar dano moral se a exposição é feita de forma vexatória, 
180 
Em junho de 2002, no julgamento do Recurso Extraordi-
nário 215984, o STF, reiterando posição anteriormente to-
mada, reformou acórdão do STJ, ao decidir, por unanimida-
de, que, sendo a Constituição expressa ao afirmar serem in-
violáveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das 
pessoas, o Tribunal a quo "emprestou ao dano moral caráter 
restritivo, o que não se coaduna com a forma como a Consti-
tuição o trata". 
O Ministro Carlos Velloso, relator do recurso, afirmou: 
o que precisa ser dito é que, de regra, a publicação da foto-
grafia de alguém, com intuito comercial ou não, causa des-
conforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografa-
do, não importando o tamanho desse desconforto, desse 
aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele 
exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a 
Constituição (art. 5°, X). 342 
Aqui importa ressaltar que a injustiça do dano, que o tor-
na indenizável, não pode estar juridicamente vinculada a su-
postos sentimentos negativos, grandes ou pequenos, da víti-
ma. A lesão causadora do dano injusto refere-se, diretamen-
te, ao bem jurídico tutelado, ao interesse ou direito da pessoa 
humana, merecedor de tutela jurídica. É o que se tentará 
detalhar a seguir. 
ridícula ou ofensiva ao decoro da pessoa retratada. A publicação das 
fotografias depois do prazo contratado e a vinculação em encartes publi-
citários e em revistas estrangeiras sem autorização não enseja danos mo-
rais, mas danos materiais." 
342 STF, RE 215984, 2" Turma, ReI. Min. Carlos Velloso, julgo em 
04.06.2002. O inteiro teor do voto encontra-se transcrito, sob o título 
"Dano Moral e Direito à Imagem", no Informativo 273 do STF, datado de 
17 a 21 jun. de 2002, disponível em .. http://www.stf.gov.br/noticias/in-
formativos!", acesso em 01 ago. 2002. 
181 
3.5. O dano moral segundo a metodologia 
civil-constitucional 
Na impossibilidack de expor nesta sede, com riqueza de 
detalhes, a metodologia "civil-constitucional", a qual tem 
como característica predominante a aplicação dos princípios 
e das regras constitucionais às relações intersubjetivas de Di-
reito Civil e a conseqüente defesa da unidade do ordenamen-
to jurídico, através da superação da dicotomia

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