Buscar

A ficção - história da literatura brasileira

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. pp.436-443 
A FICÇAO
Os decênios de 30 e de 40 serão lembrados como "a era
do romance brasileiro". E não só da ficção regionalista, que
deu os nomes já clássicos de Graciliano, Lins do Rêgo, Jorge
Amado, Érico Veríssimo; mas também da prosa cosmopolíta de
José Geraldo Vieira, e das páginas de sondagem psicológica e
moral de Lúcio Cardoso Cornélio Pena, Otávio de Faria e Cyro
dos Anjos. 
Antes dos modernos, Lima Barreto e Graça Aranha tinham
sido os últimos narradores de valor a dinamizar a herança realista
do século XIX. Com o advento da prosa revolucionária do
grupo de 22 (Macunaima, Memórias Sentimentais de João Miramar,
Brás, Bexiga e Barra Funda), abriu-se caminho para formas
mais complexas de ler e de narrar o cotidiano. Houve, sobretudo,
uma ruptura com certa psicologia convencional que mascarava
a relação do ficcionista com o mundo e com seu próprio
eu. O Modernismo e, num plano histórico mais geral, os abalos
que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 ( a crise cafeeira ,
a Revolução, o acelerado declínio do Nordeste, as fendas nas estruturas
locais ) condicionaram novos estilos ficcionais marcados
pela rudeza, pela captação direta dos fatos, enfim por uma retomada
do naturalismo, bastante funcional no plano da narração-documento
que então prevaleceria.
Mas, sendo o realismo absoluto antes um modelo ingênuo e
um limite da velha concepção mimética de arte que uma norma
efetiva da criação literária, também esse romance novo precisou
passar pelo crivo de interpretações da vida e da História para
conseguir dar um sentido aos seus enredos e às suas personagens.
Assim, ao realismo "científico" e "impessoal" do século
XIX preferiram os nossos romancistas de 30 uma visão critica
das relações sociais. Esta poderá apresentar-se menos áspera e
mais acomodada às tradições do meio em José Américo de Almeida,
em Érico Veríssimo e em certo José Lins do Rêgo, mas daria
á obra de Graciliano Ramos a grandeza severa de um testemunho
e de um julgamento.
No caso do romance psicológico, cairiam as máscaras mundanas
que empetecavam as histórias medíocres do pequeno realismo
belle épogue ( de Afrânio Peixoto ou de Coelho Neto
exemplo ). O renovado convite à introspecção far-se-ia com o, esteio
da Psicanálise afetada muita vez pelas angústias religiosas dos
436
novos criadores ( Lúcio Cardoso, Otávio de Faria, Cornélio Pena,
Jorge de Lima ) .
Socialismo, freudismo, catolicismo existencial: eis as chaves
que serviram para a decifração do homem em sociedade e sustentariam
ideològicamente o romance empenhado desses anos fecundos
para a prosa narrativa.
De resto, não estávamos sós. Passado o vendaval de ismos
que sopraram a revolução da arte moderna, tornou-se comum em
toda parte uma ficção aberta à vida do uomo qualungue, cujo
comportamento começou a parecer bem mais fascinante que o
dos estetas blasés do Decadentismo. Difunde-se o gosto da análise
psíquica, da notação moral, já agora radicada no mal-estar
que pesava sobre o mundo de entre-guerras. Na década de 30 ,
os romances de Dos Passos, de Hemingway, de Caldwell, de
Faulkner, de Steinbeck, de Lawrence, de Malraux, de Moravia
de Vittorini, de Corrado Alvaro, de Céline, deram exemplos de
um realismo psicológico "bruto" como técnica ajustada a um tempo
em que o homem se dissolve na massa: são os romances contemporâneos
do fascismo, do racismo, do stalinismo do "new
deal". Entre nós, verificava-se o mesmo: é ler Graciliano, Jorge
Amado, Érico Veríssimo, Marques Rebêlo.
Ao lado das reações políticas, stricto sensu, há um retorno
das consciências religiosas às suas fontes pré e antiburguesas. Escritores
cristãos como Bernanos, Saint-Exupéry, Julien Green,
Evelyn Waugh e Graham Greene nortearam a criação das personagens
por uma linha de conflito entre o "mundo" e a graça
divina. Do realismo subjetivo que essa postura em geral propicia
deram então exemplo os romances dos já citados Otávio de Faria,
Lúcio Cardoso, Cornélio Pena e Jorge de Lima.
De um modo sumário, pode-se dizer que o problema do
engajamento, qualquer que fosse o valor tomado como absoluto
pelo intelectual participante, foi a tônica dos romancistas que
chegaram à idade adulta entre 30 e 40. Para eles vale a frase de
Camus: "O romance é, em primeiro lugar, um exercício da inteligência
a serviço de uma sensibilidade nostálgica ou revoltada."
As trilhas do romance: uma hipótese de trabalho
A costumeira triagem por tendências em torno dos tipos
romance social-regional romance psicológico ajuda só até certo
437
ponto o historiador literário; passado esse limite didático vê-se
que, além de ser precária em si mesma ( pois regionais e psicológicas
são obras-primas como São Bernardo e Fogo Morto), acaba
não dando conta das diferenças internas que separam os principais
romancistas situados em uma mesma faixa.
Para apanhar essas diferenças talvez dê melhor fruto, como
hipótese de trabalho, a formulação que Lucien Goldmann propôs
para a gênese da obra narrativa no seu Pour une sociologie du
roman ( 313 ) . Apoiando-se em distinções de Gyõrgy Lukács
( Théorie des Romans ) e de René Girard ( Mensonge romantigue
et vérité romanesgue ), o pensador francês tentou uma abordagem
genético-estrutural do romance moderno. O seu dado inicial
é a tensão entre o escritor e a sociedade. Pressupõe Goldmann
- e com ele toda a crítica dialética - a existência de homologias
entre a estrutura da obra literária e a estrutura social,
e, mesmo, grupal, em que se insere o seu autor.
Em face da sociedade burguesa, fundo comum da literatura
ocidental nos últimos dois séculos, o romancista tende a engendrar
a figura do "herói problemático", em tensão com as estru·
turas "degradadas" vigentes, isto é, estruturas incapazes de atuar
os valores que a mesma sociedade prega: liberdade, justiça,
amor. . . Sempre conforme Goldmann, a tensão dos protagonistas
não transpõe o limiar da ruptura absoluta: caso o fizesse, o
gênero romance deixaria de existir, dando lugar à tragédia ou à
lírica. Há, portanto, uma oposição ego/sociedade que funda a
forma romanesca ( 314 ) e a mantém enquanto tal.
Toda uma tipologia do romance deriva da formulação acima:
( 1 ) o herói pode empreender a busca de valores pessoais que
subordinem a si a hostilidade do meio ( Dom Quixote; Julien Sorel,
de O Vermelho e o Negro de Stendhal ) ; ( 2 ) o herói pode
fechar-se na memória ou na análise dos próprios estados de alma
( em A Educação Sentimental de Flaubert ); ( 3 ) enfim, êle pode
(ala) L. Goldmann, Pour c<ne sociologie du roman, Paris, Gallimard,
1964. Há tradução brasileira, Sociologia do Romance, Rio, Paz e Terra,
1967.
( 314 ) Goldmann trabalha dentro dos limites do gênero épico-narrativo
tal como se tem apresentado na Idade Moderna; as suas análises devem
portanto pressupor distinções històricamente atuadas e válidas dentro
de um determinado espaço de tempo. Elas não devem assumir-se como
dogmas, nem como profecias, o que impediría a compreensão de formas
literárias futuras independentes dos modelos narrativos que se co·
nhecem hoje.
438
autolimitar-se e "aprender a viver" com madura virilidade no
mundo difícil aonde foi lançado ( "romances de aprendizado",
como o Wilhelm Meister de Goethe).
Se da parte do herói são várias as maneiras de atuar a dialética
de vínculo e oposição ao meio, no romancista a consciência
que projeta as personagens toma a forma da ironia, modo
ambíguo de propor e, ao mesmo tempo, transcender o ponto de
vista do herói. Temos prova dessa asserção. Se fizermos uma
sondagem no romance brasileiro, reconheceremos uma consciência
irônica mais aguda precisamente nos autores maiores: o Alencar
urbano ( de Luciola, sobretudo ), Machado de Assis, Aluísio
Azevedo n0 Cortiço, Oliveira Paiva, Raul Pompéia, Lima Barreto.
Há momentos de quase identificação entre o autor e o protagonista
nas páginas americanas e sertanejas de Alencar, mantendo-se porém, e em pleno vigor, o dissídio do herói com o grupo,
provindo, no caso, da oposição entre o "homem natural" e a sociedade,
peculiar ao Romantismo. Quando não há nenhuma oposição,
quando nem sequer aflora a consciência crítica, o nível é
o de subliteratura ( Teixeira e Sousa, o pior Macedo, o Aluísio
folhetinesco. . . ).
O esquema de Goldmann, como todo esquema, está sujeito
a revisões, mas tem a vantagem de atentar para um dado existencial
primário ( tensão ), que se apresenta como relacionamento
do autor com o mundo objetivo, de que depende, e com o
mundo estético, que lhe é dado construir. Além disso, a mediação
entre o psico-social e o artístico não se faz sempre do mesmo
modo, mas dentro de um dinamismo espiritual capaz de conquistar
um grau de liberdade superior ao da massa dos atos humanos
não-estéticos. O reconhecimento dessa faixa "gratuita" da invenção
literária permite uma ampla margem de aproximações específicas
aos textos: o que resgata o determinismo do primeiro
passo. Seja como for, não há ciência sem um mínimo de relações
necessárias: e o que Goldmann propõe, em última análise,
é uma hipótese explicativa do romance moderno, na sua relação
com a totalidade social.
Nessa perspectiva, poderíamos distribuir o romance brasileiro
moderno, de 30 para cá, em, pelo menos, quatro tendências,
segundo o grau crescente de tensão entre o "herói" e o seu
mundo:
a ) romance de tensão minima. Há conflito, mas êste configura-
se em termos de oposição verbal, sentimental quando mui-
439
to: as personagens não se destacam visceralmente da estrutura e
da paisagem que as condicionam. Exemplos, as histórias populistas
de Jorge Amado, os romances ou crônicas da classe média de
t rico Veríssimo e Marques Rebêlo, e muito do neo-regionalismo
documental mais recente ( 315 );
b ) romances de tensão critica. O herói opõe-se e resiste
agonicamente às pressões da natureza e do meio social, formule
ou não em ideologias explícitas, o seu mal-estar permanente.
Exemplos, obras maduras de José Lins do Rêgo ( Usina, Fogo
Morto ) e todo Graciliano Ramos;
c ) romances de tensão interiorizada. O herói não se dis·
põe a enfrentar a antinomia eu/mundo pela ação: evade-se, subjetivando
o conflito. Exemplos, os romances psicológicos em suas
várias modalidades (memorialismo, intimismo, auto-análise. . . )
de Otávio de Faria, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, Cyro dos Anjos,
Lígia Fagundes Telles, Osman Lins . . . ;
d ) romances de tensão trans figurada. O herói procura ultrapassar
o conflito que o constitui existencialmente pela transmutação
mítica ou metafísica da realidade. Exemplos, as experiências
radicais de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. O con·
flito, assim "resolvido", força os limites do gênero romance e
toca a poesia e a tragédia.
Existem áreas fronteiriças dentro da produção de um mesmo
escritor: José Lins do Rêgo soube fazer obra de alta tensão
psico-social ao plasmar os caracteres centrais de Fogo Morto, mas
será típico exemplo do cronista regional em Menino de Engenbo.
Graciliano introjetou o seu não à miséria do cotidiano em Angústia
depois de ter escrito o que chamamos romance de tensão
crítica. Enfim, a passagem do puro psicológico ao experimental
é notória em Clarice Lispector e, menos radicalmente, em
contistas e romancistas cuja obra ainda está em progresso: Autran
Dourado, Osman Lins, Maria Alice Barroso. . .
O esquema foi construído em torno de uma só variável: o
herói, ou, mais precisamente, o anti-berói romanesco. Mas a cada
um dos tipos de romance enunciados correspondem também modos
diversos de captar o ambiente e de propor a ação.
d 316 o Aqui, como nas exemplificações seguintes, não pretendi ser
exaustivo; apenas indiquei autores ou obras capazes de ilustrar as tendências
propostas.
440
Assim, nos romances de tensão mínima, há um aberto apelo
às coordenadas espaciais e históricas e, não raro, um alto consumo
de cor-local e de fatos de crônica; as ações são situadas e
datadas, como na reportagem ou no documentário, gêneros que
lhe estão mais próximos; quanto ao entrecho, o cuidado com o
verossímil leva a escrúpulos neo-realistas que se percebem também
na reprodução frequente da linguagem coloquial de mistura
com a literária.
Nos romances em que a tensão atingiu ao nível da crítica,
os fatos assumem significação menos "ingênua" e servem para
revelar as graves lesões que a vida em sociedade produz no tecido
da pessoa humana: logram por isso alcançar uma densidade
moral e uma verdade histórica muito mais profunda. Há menor
proliferação de tipos secundários e pitorescos: as figuras são tratadas
em seu nexo dinâmico com a paisagem e a realidade sócio-
·econômica (Vidas Secas, São Bernardo, de Graciliano Ramos),
e é dessa relação que nasce o enredo. Passa-se do "tipo" à expressão;
e, embora sem intimismo, talha-se o caráter do protagonista.
Outra ainda é a constelação que se dá na prosa subjetivizante.
Subindo ao primeiro plano os conteúdos da consciência
nos seus vários momentos de memória, fantasia ou reflexão, esbatem-
se os contornos do ambiente, que passa a atmosfera; e desloca-
se o eixo da trama do tempo "objetivo" ou cronológico para
a duração psíquica do sujeito. E sob as sugestões de Proust, de
Faulkner, de Katherine Mansfield, de Mauriac, de Julien Green,
de Virginia Woolf, os romancistas e contistas que trabalham a
sua própria matéria psicológica tendem a privilegiar a técnica de
narrar em primeira pessoa.
Há, naturalmente, faixas diversas nesse reino amplo da
ficção moderna: o romance escrito à luz meridiana da análise,
como Abdias, de Cyro dos Anjos, ou O Lado Direito, de Otto
Lara Resende, não é o romance noturno e subterrâneo de Lúcio
Cardoso da Crônica da Casa Assassinada, nem o romance feito
de sombra e indefinição de Cornélio Pena e de Adonias Filho.
Enfim, técnicas diferentes de composição e de estilo matizam a
prosa psicologizante, que pode apresentar-se partida e montada
em flashes, como nas páginas urbanas de José Geraldo Vieira;
empostada nos ritmos da observação e da memória ( contos de
Lígia Fagundes Telles, romances de Josué Montello, de Antônio
Olavo Pereira. . . ); ou ainda pode tocar experiências novas de
441
monólogo interior, da "escola de olhar", como se dá nas páginas
mais ousadas de Geraldo Ferraz, Samuel Rawett, Autran Dourado,
Maria Alice Barroso, Lousada Filho, Osman Lins . .
Uma abordagem que extraísse os seus parâmetros de um
sistema fechado como a Psicanálise poderia falar ainda em romances
do ego ( memorialistas, analíticos ) e romances do id ( baseados
em sondagens oníricas, regressões, simbolizações. . . ), distinção
que se aproxima da de Carl Jung que, em O Homem Moderno
em Busca de uma Alma, estrema um tipo de literatura simplesmente
psicológica de outro, o da literatura visionária. Em
ambos os casos, porém, trata-se de um plano ficcional que configura
a cisão homem/mundo em termos de retorno à esfera do
sujeito.
Enfim, pela quarta possibilidade entra-se no círculo da invenção
mitopoética, que tende a romper com a entidade tipológica
"romance" superando-a no tecido da linguagem e da escritura,
isto é, no nível da própria matéria da criação literária. A
experiência estética de Guimarães Rosa e, em parte, a de Clarice
Lispector, entendem renovar por dentro o ato de escrever ficção.
Diferem das três tendências anteriores enquanto estas situam o
processo literário antes na transposição da realidade social e psíquica
do que na construção de uma outra realidade. É claro que
esta supra-realidade não se compreende senão como a alquimia
dos minérios extraídos das mesmas fontes que serviram aos demais
narradores: as da história coletiva, no caso de Guimarães
Rosa; as da história individual, no caso de Clarice Lispector.
Simplesmente, nestes criadores há uma fortíssima vontade-de-estilo
que os impele à produção de objetos de linguagem a que buscam
dar a maior autonomia possível; nos mestres regionalistas
ou intimistas, a independênciado fato estético será antes um
efeito de uma feliz disposição inventiva do que uma escolha consciente,
vigilante.
No continuum inventário-invenção, que cobre as várias possibilidades
do ato estético, pode-se dizer com segurança que a diretriz
mais moderna é a que se inclina para o segundo momento;
a que privilegia o aspecto construtivo da linguagem como o mais
apto a significar o universo de combinações em que a ciência e a
técnica imergiram o homem contemporâneo. Desde Joyce tem-se
renovado a estrutura do romance, fundindo-se a tríade personagem-
ação-ambiente na escritura ficcional cujos fatores combináveis
passam a ser abstraidos não mais diretamente, da matéria
442
bruta, pré-artística, mas dos níveis já literários ( monólogo, diálogo,
narração . . . ) e, ainda mais radicalmente, das unidades lingüísticas
(sintagma, monema, fonema... ). Essa direção, que
tende a compor o fenômeno literário a partir dos materiais da
linguagem, e apenas da linguagem, tem o mesmo significado histórico
do abstracionismo, que constrói o quadro com entes geométricos,
ou da música concreta, que trabalha a partir dos ruídos
e dos sons tais como a Física os reconhece. Afim a essas
opções é o estruturalismo enquanto método de pensar formalizante.
E afins lhes são todas as correntes de cultura e de moda
que preferem deter-se nos códigos e nos sinais em si mesmos a
aprofundar os motivos e o sentido ideológico da mensagem.
Na digressão acima deve-se, porém, levar em conta o descompasso
que subsiste entre os textos de um Guimarães Rosa,
por exemplo, nos quais se discerne um forte empenho lírico-metafísico,
e a leitura redutora que deles faz a crítica estrutural. A
consciência desse descompasso entre poesia e poética não invalida,
em verdade, nem as abordagens descritivas daquela crítica
nem as motivações transparentes do escritor; apenas evita injustiças
a umas e as outras.
Finalmente: o quadro pressupõe que a literatura escrita de
1930 para cá forme um todo cultural vivo e interligado, não
obstante as fraturas de poética ocorridas depois da II Guerra.
Daí ser precoce dar como passados e ultrapassados o romance
social e o intimista dos anos de 30 e de 40; de resto, ambos têm
sabido refazer-se paralelamente às experiências de vanguarda.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes