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Cap´ıtulo 1 Fundamentos Notas de Curso por M. C. Gouveia 1.1 Noc¸o˜es de Lo´gica 1.1.1 Introduc¸a˜o A Lo´gica Formal e´ um conjunto de regras e procedimentos que e´ usado para decidir se uma afirmac¸a˜o ”e´ consequeˆncia lo´gica”de um dado conjunto de outras afirmac¸o˜es. Existem outras definic¸o˜es de Lo´gica, tradicionalmente vinculadas a` Filosofia, tais como ”disciplina normativa que se propo˜e determinar as condic¸o˜es de verdade nos diferentes domı´nios do saber”, ou ainda, ”estudo e determinac¸a˜o dos modos do pensamento discursivo que permitem evitar as contradic¸o˜es e os erros”. Mas em qualquer teoria, e portanto na teoria matema´tica, a definic¸a˜o que se ajusta e´ ”ana´lise e teoria do pensamento va´lido”. Por exemplo, o conhecido ”Argumento de So´crates”insere-se em qualquer uma das definic¸o˜es anteri- ores. Exemplo 1. (1) Todos os homens sa˜o mortais (2) So´crates e´ um homem (3) So´crates e´ mortal e´ um exemplo de uma forma va´lida de racioc´ınio (na Lo´gica Aristote´lica) e diz-se que “(3) segue logicamente de (1) e (2)”. Mas sera´ ainda va´lido o seguinte racioc´ınio? Exemplo 2. (1) Quanto mais queijo mais buracos (2) Quanto mais buracos menos queijo (3) Quanto mais queijo menos queijo A lo´gica formal fornece uma linguagem simbo´lica que permite aos matema´ticos comunicarem entre si, de forma simples e precisa. A linguagem que se usa em Matema´tica na˜o e´, nem podia ser, a linguagem coloquial. Esta e´: • inadequada- por exemplo, a frase ”temos um nu´mero natural menor que dez; se o multiplico por 3 temos um produto que excede 10 numa quantidade igual a 7 vezes a diferenc¸a entre dez e esse nu´mero”na˜o e´ muito clara! • imprecisa- por exemplo, para a traduc¸a˜o de ”um nu´mero natural e´ um nu´mero inteiro”. 1 2 No primeiro caso, simbolicamente tem-se: • x 2 N, x < 10 ^ 3x� 10 = 7(10� x) ! adequada • 8x, x 2 N) x 2 Z ! precisa A SINTAXE da linguagem matema´tica especifica os s´ımbolos que nela se usam, bem como as regras que determinam como os s´ımbolos podem ser combinados em expresso˜es lo´gicas. As regras de sintaxe, so´ por si, na˜o especificam quaisquer significados para as expresso˜es da linguagem. A SEMAˆNTICA da linguagem matema´tica e´ que da´ valor lo´gico e interpretac¸a˜o a`s suas expresso˜es. Na linguagem matema´tica aparecem: 1. termos (nomes ou designac¸o˜es), que sa˜o expresso˜es que servem para mencionar objectos; Por exemplo, (i) “seis”, “la´pis”, ... (ii) 2; p; a; ... 2. proposic¸o˜es, que sa˜o frases que produzem afirmac¸o˜es a`s quais se pode atribuir um so´ valor lo´gico verdadeira (V) ou falsa (F). Por exemplo, • os alunos sa˜o jovens, • a lua e´ uma estrela, sa˜o proposic¸o˜es, mas • saiam imediatamente! • chove para a semana? na˜o sa˜o proposic¸o˜es. 3. expresso˜es com varia´veis; Por exemplo, (i) 5x+ 3 (ii) 5x+ 3 = 50 (iii) x > 8 ^ 5� x2 = 20 (iv) “ela”e´ me´dica Neste caso incluem-se: (a) expresso˜es designato´rias (da˜o origem a termos quando se substitui a varia´vel); (i) 5x+ 2 5⇥ 3 + 2 (termo) (b) expresso˜es proposicionais (predicados, condic¸o˜es) que da˜o origem a proposic¸o˜es quando se substituem ou quantificam as varia´veis; (i) x2 � 1 = 0 1� 1 = 0 (proposic¸a˜o verdadeira) (ii) y e´ rainha Isabel II e´ rainha (proposic¸a˜o verdadeira). As notac¸o˜es usuais sa˜o: • p,q,r,.... para as proposic¸o˜es (simples); • a,b,c,.... para os termos ; • x,y,z,.... para as varia´veis (ou inco´gnitas). 3 1.1.2 Ca´lculo Proposicional Para manipular proposic¸o˜es, temos 1. operac¸o˜es lo´gicas (ou conectivos lo´gicos): ⇠ - negac¸a˜o, que se aplica a uma so´ proposic¸a˜o, e ^ - conjunc¸a˜o _ - disjunc¸a˜o ) - implicac¸a˜o , - equivaleˆncia que se aplicam a duas, ou mais proposic¸o˜es; 2. outros s´ımbolos: 2, =, 8, 9, pareˆntesis � (, ), [, ],...� Definic¸a˜o 1. Chama-se proposic¸a˜o composta a uma afirmac¸a˜o que resulta de duas ou mais pro- posic¸o˜es simples ligadas por uma ou mais operac¸o˜es lo´gicas (onde outros s´ımbolos podem tambe´m ser usados). Por exemplo, ⇠ (p ^ q), [r ) (p _ ⇠ r)]. Nota 1. • Usualmente designam-se as proposic¸o˜es compostas por consoantes maiu´sculas, P, Q, R, . . .. • Note-se que, para na˜o sobrecarregar as expresso˜es com pareˆntesis, se usa a ”forc¸a”convencionada para os conectivos, sendo, por ordem decrescente, ⇠ ^ _ ) , . Assim, podemos escrever ⇠ p ^ q _ r em vez de ((⇠ p) ^ q) _ r, a` semelhanc¸a da convenc¸a˜o que estabelece, por exemplo, que podemos escrever 2⇥ 3 + 4 em vez de (2⇥ 3) + 4. Definic¸a˜o 2. Duas proposic¸o˜es compostas dizem-se equivalentes se teˆm o mesmo valor lo´gico, in- dependentemente do valor lo´gico das “componentes” (i.e. proposic¸o˜es simples que aparecem na proposic¸a˜o composta). Por exemplo, ⇠ (p ^ q) e ⇠ p_ ⇠ q sa˜o equivalentes. Assim “P : ⇠ (p ^ q) e Q : (⇠ p _ ⇠ q) sa˜o equivalentes” traduz-se por P , Q. A vantagem da equivaleˆncia lo´gica em matema´tica e´ podermos pensar em proposic¸o˜es logicamente equivalentes como sendo a mesma. Nota 2. - Se uma proposic¸a˜o composta e´ • sempre verdadeira (independentemente do valor lo´gico das componentes) diz-se umaTautologia. • sempre falsa (independentemente do valor lo´gico das componentes) diz-se uma Contradic¸a˜o. • verdadeira ou falsa, dependendo do valor atribu´ıdo a`s componentes, diz-se uma Contingeˆncia. - Se na˜o se sabe o valor lo´gico da proposic¸a˜o, mas sabe-se que tem necessariamente de assumir um so´ valor lo´gico, diz-se uma Conjectura. - Na Lo´gica matema´tica chama-se paradoxo a uma afirmac¸a˜o que se conclui ser simultaneamente verdadeira e falsa. Por exemplo, a afirmac¸a˜o p : esta frase e´ falsa 4 e´ paradoxal, pois � se p e´ verdadeira, ocorre o que ela diz e, portanto, p e´ falsa; � se p e´ falsa, a sua negac¸a˜o ”esta frase e´ verdadeira”e´ verdadeira, pelo que p e´ verdadeira. Mas ha´ paradoxos noutras teorias e linguagens. Por exemplo, • na˜o ha´ regra sem excepc¸a˜o • amor e´ ferida que do´i e na˜o se sente • o riso e´ uma coisa se´ria • o homem nunca pode estar livre de controle ja´ que ser livre de controle e´ ser controlado por si mesmo. O processo mais utilizado para determinar o valor lo´gico de uma proposic¸a˜o composta e´ a construc¸a˜o de uma tabela de verdade. Se a proposic¸a˜o composta tem n componentes enta˜o a tabela tera´ 2n linhas (nu´mero de combinac¸o˜es poss´ıveis entre os valores lo´gicos das n proposic¸o˜es). Exemplo 3. As proposic¸o˜es P : ⇠ (p ^ q) e Q : (⇠ p _ ⇠ q) sa˜o equivalentes (i.e. P , Q e´ uma tautologia): p q p ^ q ⇠ (p ^ q) ⇠ p_ ⇠ q P , Q V V V F F V V F F V V V F V F V V V F F F V V V Condicional (p) q) e Bicondicional (p, q) Numa implicac¸a˜o p) q , p chama-se antecedente (ou premissa) e q chama-se consequente (ou con- clusa˜o). • A leitura de p) q pode ser feita por: 1. Se p enta˜o q 2. q se p 3. p implica q 4. sempre que p enta˜o q 5. q somente se p 6. p so´ se q (se na˜o q enta˜o na˜o p) 7. p e´ suficiente para q 8. q e´ necessa´rio para p • A leitura de p, q faz-se por : 1. p e´ equivalente a q 2. p se e so´ se q 3. p e´ necessa´rio e suficiente para q 5. p somente se q (se não q então não p) 9. p apenas se q (se não q então não p) ,ou ainda, q sempre que p 5 Nota 3. A tautologia (p) q), (⇠ p _ q) permite-nos concluir que ⇠ (p) q), (p ^ ⇠ q). Com uma tabela de verdade podemos verificar a equivaleˆncia entre (p, q) e ⇠ (p_˙q), sendo _˙ a operac¸a˜o bina´ria disjunc¸a˜o exclusiva. A proposic¸a˜o (p _˙ q) e´ verdadeira sempre que uma das proposic¸o˜es e´ verdadeira e a outra e´ falsa. Ainda relativamente a (p) q), definem-se: (p) q) (q ) p) (⇠ p)⇠ q) (⇠ q )⇠ p) CONTRA´RIA RECI´PROCA (1) RECI´PROCA CONTRA´RIA(1) sendo (1) a CONTRA-RECI´PROCA. Definic¸a˜o 3. Um argumento e´ uma sequeˆncia finita de proposic¸o˜esp1, p2, . . . , pn, q, n � 1, tais que p1 ^ p2 ^ . . . ^ pn =) q, onde pi, i = 1, . . . , n, se dizem premissas e q conclusa˜o. Um argumento diz-se va´lido (ou verdadeiro) se p1 ^ p2 ^ . . . ^ pn =) q e´ uma tautologia. Caso contra´rio diz-se que o argumento e´ na˜o va´lido (ou falacioso). Nota 4. Um teorema e´ uma proposic¸a˜o do tipo p1 ^ p2 ^ . . . ^ pn| {z } Hipo´tese ) q|{z} Tese (H ) T ) onde H se admite verdadeira. Demonstrar um teorema e´, enta˜o, provar que H ) T e´ um argumento va´lido. Pode acontecer que seja evidente que T e´ consequeˆncia lo´gica de uma proposic¸a˜o L da qual na˜o sabemos o valor lo´gico. Neste caso, se for poss´ıvel provar que L e´ verdadeira, chamamos lema a L. Tambe´m, ao tentarmos concluir T , podemos verificar que T e´ um caso particular, ou uma consequeˆncia, de um teorema conhecido ja´ demonstrado. Neste caso diz-se que T e´ um corola´rio desse teorema. 1.1.3 Ca´lculo de predicados Ja´ observa´mos alguns exemplos de expresso˜es designato´rias e proposicionais com uma varia´vel, mas podemos ter casos com duas ou mais varia´veis. Exemplo 4. 1. (x+ y)2 � 5 ! expressa˜o designato´ria com 2 varia´veis. 2. x2 + y2 = z ! predicado com treˆs varia´veis. Os predicados denotam-se por p(x), p(x, y), p(x, y, z),..., e, caso compostos, por P (x), Q(x, y), . . .. Existem dois processos standard para converter um predicado numa proposic¸a˜o: 6 Substituic¸a˜o No caso da substituic¸a˜o das varia´veis pressupo˜e-se que, a` partida, se conhece o “Universo”onde elas podem tomar valores, isto e´, associado a cada predicado esta´ um conjunto U , dito “Domı´nio do Discurso” (domı´nio de interpretac¸a˜o ou universo). Assim, por exemplo, {p(x) : x 2 U} e´ uma famı´lia (conjunto) de proposic¸o˜es pois, para cada concretizac¸a˜o de x em U , p(x) torna-se numa proposic¸a˜o. Exemplo 5. 1. p(x): x e´ mortal; U = {seres vivos}; x ⌘ Joa˜o: Joa˜o e´ mortal ! proposic¸a˜o verdadeira. 2. p(x): x e´ mortal; U = {rochas}; x ⌘ granito: O granito e´ mortal ! proposic¸a˜o falsa. 3. p(x, y): x2 = y2; U = R; x = 3; y = 2: 32 = 22 ! proposic¸a˜o falsa. Definic¸a˜o 4. Dois predicados associados ao mesmo domı´nio de discurso U dizem-se logicamente equivalentes se teˆm o mesmo valor lo´gico para cada substituic¸a˜o de todas as varia´veis. predicados 8><>: poss´ıveis ⇢ universais (sempre verdadeiros : x = x) na˜o universais (ora V ora F : 2x < 10) imposs´ıveis (semprefalsos : x 6= x) Nota 5. No caso de substituic¸a˜o temos de notar que so´ depois de substituir todas as varia´veis e´ que obtemos uma proposic¸a˜o . Assim, consideremos q(x, y) : tanx = tan y. Se substituirmos x por ⇡4 , obtemos q( ⇡ 4 , y) : tan ⇡ 4 = tan y ! predicado e substituindo y por ⇡3 , q( ⇡ 4 , ⇡ 3 ) : tan ⇡ 4 = tan ⇡ 3 ! proposic¸a˜o (falsa). Quantificac¸a˜o • A frase ”para todo o x 2 U , p(x)” e´ uma proposic¸a˜o, que se traduz simbolicamente por�8x��p(x)� (ou �8x�p(x), ou 8x, p(x)) • A frase “existe x 2 U , p(x)” e´ tambe´m uma proposic¸a˜o, simbolizada por�9x��p(x)� (ou�9x�p(x) ou 9x, p(x)) • 8 e 9 chamam-se quantificador “universal” e “existencial”, respectivamente. 7 • A` semelhanc¸a da substituic¸a˜o, um predicado so´ da´ origem a uma proposic¸a˜o se as varia´veis estiverem todas quantificadas. Assim, �8x��p(x, y)� e´ ainda um predicado na varia´vel y, mas�8x��9y��p(x, y)� ja´ e´ uma proposic¸a˜o. Relativamente ao valor lo´gico • �8x��p(x)� e´ verdadeira se p(x) for verdadeira para todas as substituic¸o˜es de x em U . Caso contra´rio e´ falsa. • �9x��p(x)� e´ verdadeira se p(x) for verdadeira para pelo menos uma substituic¸a˜o de x em U . A ana´lise do valor lo´gico de um predicado com n varia´veis, precedido por n quantificadores, segue natu- ralmente do caso anterior. Outras leituras para os quantificadores: �8x� - para todo... - para cada... - para qualquer...�9x� - existe... - pelo menos... - algum ... A ordem dos quantificadores e´ muito importante numa interpretac¸a˜o, tal como nos mostra o exemplo seguinte. Mas, se os quantificadores forem todos da mesma natureza a ordem ja´ e´ indiferente, isto e´, (8x)(8y) q(x, y), (8y)(8x) q(x, y), (9x)(9y) q(x, y), (9y)(9x) q(x, y). Exemplo 6. U = {homens}, q(x, y) : y e´ pai de x.• �8x��9y�q(x, y) (Para todo o homem x existe um homem y tal que y e´ pai de x. (V)) • �9y��8x�q(x, y) (Existe um homem y que e´ pai de qualquer homem x. (F)) Outro problema po˜e-se quando temos de negar expresso˜es quantificadas. Temos enta˜o de usar os seguintes factos: 1. 2as Leis de De Morgan ⇠ ⇥�8x��p(x)�⇤, �9x�� ⇠ p(x)� ⇠ ⇥�9x��p(x)�⇤, �8x�� ⇠ p(x)� 2. Para negar uma proposic¸a˜o composta por uma func¸a˜o proposicional com n varia´veis, precedida de n quantificadores, usamos a regra (que resulta da aplicac¸a˜o sucessiva das leis de De Morgan): Muda-se cada quantificador 8 para 9 e cada 9 para 8 e nega-se o predicado. 8 1.2 Me´todos e estrate´gias de demonstrac¸a˜o Como ja´ foi afirmado, um teorema e´, em geral, do tipo condicional H ) T . Existem dois me´todos fundamentais para demonstrar que H ) T e´ uma tautologia: • Me´todo directo- parte-se de H ate´ concluir T, com base em definic¸o˜es e argumentos va´lidos; • Me´todo indirecto- demonstra-se pelo me´todo directo uma proposic¸a˜o equivalente a` primeira. Neste caso os exemplos cla´ssicos sa˜o: (i) Contra-rec´ıproca (H ) T ), (⇠ T )⇠ H) (ii) Contradic¸a˜o (ou reduc¸a˜o ao absurdo) ⇠ (H ) T )) C onde C e´ uma contradic¸a˜o. (iii) Tese disjuntiva (H ) A _B)() (H ) A) _ (H ) B), ou ainda, (H ) A _B)() [(H )⇠ B)) (H ) A)]. 1. EXISTEˆNCIA Problema: Prove que existe pelo menos um objecto que satisfaz uma dada propriedade p(x). Resoluc¸a˜o: Existem essencialmente duas abordagens • abordagem directa - apresenta-se um objecto que satisfaz a referida propriedade; • abordagem indirecta - reduc¸a˜o ao absurdo (a na˜o existeˆncia de um objecto com a propriedade requerida levara´ a uma impossibilidade lo´gica). Exerc´ıcio 1. Prove que existe um nu´mero infinito de nu´meros primos. 2. UNICIDADE Problema: Prove que existe um e um so´ objecto que satisfaz uma dada propriedade p(x). Resoluc¸a˜o: Essencialmente utiliza-se abordagem indirecta, supondo que x1 e x2 distintos satisfa- zem simultaneamente p(x). Conclui-se que x1 = x2, o que e´ contradito´rio com a hipo´tese. Exerc´ıcio 2. Prove que todo o conjunto X de um universo U admite um u´nico complementar. 3. PERTENC¸A (ou ESCOLHA) Pelo me´todo directo, para provar que A ✓ B, comec¸amos por considerar um s´ımbolo x como representante dum elemento arbitra´rio de A, que se mante´m fixo ao longo da demonstrac¸a˜o. Por deduc¸o˜es lo´gicas provamos que x e´ elemento de B, isto e´, prova-se que (8x)(x 2 A) x 2 B), A ✓ B. 9 Para provar que A = B basta aplicar o me´todo para provar a dupla inclusa˜o A ✓ B ^B ✓ A, (8x)(x 2 A, x 2 B). No caso de as demonstrac¸o˜es envolverem o conjunto ;, usa-se, na maioria dos casos, o me´todo indirecto por contradic¸a˜o. Exerc´ıcio 3. Prove que, para quaisquer conjuntos A,B e C, se A ✓ B e B ✓ C , enta˜o A ✓ C. 4. TRANSITIVIDADE Para provar que duas quantidades A e Z sa˜o iguais, sem que haja uma vis´ıvel ligac¸a˜o entre elas, podemos usar: (i) Igualdades sucessivas, A=B=C=. . . = Z. (ii) Propriedade transitiva da igualdade, A = B ^B = Z =) A = Z, Exerc´ıcio 4. Prove a igualdade (1+sinx)/ cot2 x = sinx/(cscx�1) para todos os valores de x 2 R para os quais tem significado. 5. CONTRA-EXEMPLO Recordemos que (8x)(p(x)) e´ falsa se existir a no domı´nio de discurso tal que p(a) e´ falsa. O objecto ”a”diz-se um contra-exemplo a` proposic¸a˜o (8x)(p(x)). Esta e´ uma situac¸a˜o em que demonstrar que (9x)(⇠ p(x)) por apresentac¸a˜o de um exemplo na˜o so´ e´ permitido, como tambe´m e´ de facto a abordagem correcta. Exerc´ıcio 5.Prove que a subtracc¸a˜o de nu´meros reais na˜o e´ associativa. 6. DIVISA˜O em CASOS Frequentemente, no decurso de uma demonstrac¸a˜o, chegamos a um ponto em que ha´ uma divisa˜o natural do argumento num nu´mero finito de casos. Estes casos devem ser mutuamente exclusivos e a divisa˜o exaustiva. Isto significa que na˜o ha´ exemplos que se sobreponham em cada um dos casos, nem exemplos que na˜o se possam incluir em algum deles. Ainda, o argumento em cada caso deve conter afirmac¸o˜es que sejam va´lidas somente para o caso em considerac¸a˜o, e de cada caso deve concluir-se todo o facto requerido. De realc¸ar que este processo so´ deve ser usado se trouxer algum ”ganho”a´ demonstrac¸a˜o. Exerc´ıcio 6. Prove que, se A e B sa˜o subconjuntos de um conjunto universal U tais que (B\Ac)[ (Bc\A) = B, enta˜o A = ;. 7. INDUC¸A˜O Este me´todo e´ vulgarmente conhecido como aplicac¸a˜o do seguinte Axioma de Peano: 10 Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica: Se S e´ um subconjunto de N satisfazendo as propriedades (i) 1 2 S (ii) 8n 2 N, n 2 S ) n+ 1 2 S enta˜o S = N. Este princ´ıpio pode ser enunciado de outra forma Seja P (n) uma propriedade que envolve um inteiro positivo n qualquer. Se (i) P (1) e´ verdadeira e (ii) 8k 2 N, P (k)) P (k + 1), enta˜o P (n) e´ verdadeira para todo o n 2 N. O racioc´ınio do princ´ıpio de induc¸a˜o pode ser usado para provar uma propriedade para subconjuntos de nu´meros naturais que na˜o contenham alguns dos primeiros. Assim, suponhamos que queremos provar (8n)P (n), n � n0. Usamos enta˜o o Princ´ıpio de Induc¸a˜o Fraca: Seja n0 2 N e P (n) uma propriedade tal que (i) P (n0) e´ verdadeira e (ii) P (k)) P (k + 1), para todo o k � n0. Enta˜o P (n) e´ verdadeira para todo o n 2 N tal que n � n0. Por vezes descobrimos que P (k + 1) na˜o e´ implicada por P (k) sozinha, mas e´ implicada pela veracidade de P (1), P (2), . . . , P (k). Temos enta˜o Princ´ıpio de Induc¸a˜o Forte: Seja P (n) uma propriedade que envolve um inteiro positivo n qualquer. Se (i) P (1) e´ verdadeira (ii) [P (n) e´ verdadeira para n k]) P (k + 1) para todos os inteiros positivos k � n, enta˜o P (n) e´ verdadeira para todo o n 2 N. Exerc´ıcio 7. Prove que: (a) 8n 2 N, 1 + 2 + . . .+ n = n(n+1)2 ; (b) 8n 2 N, n > 6, n2 > 5n+ 10; (c) 8n 2 N, n � 4, n! > 2n. Muitas demonstrac¸o˜es elementares podem ser elaboradas logo que o que se pretende demonstrar esteja estabelecido de uma forma clara e precisa. Em geral, tal envolve uma interpretac¸a˜o cuidadosa quer das premissas quer das concluso˜es. As du´vidas mais frequentes num aluno que inicia uma demonstrac¸a˜o sa˜o: 11 • Mas, por onde devo comec¸ar a escrita da demonstrac¸a˜o ? • Que factos posso utilizar na demonstrac¸a˜o de um teorema? Vejamos alguns exemplos de demonstrac¸o˜es: Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 1. Vamos usar abordagem indirecta, ou seja, admitindo a existeˆncia de uma lista finita de nu´meros primos chegaremos a uma impossibilidade lo´gica (a uma contradic¸a˜o) construindo um nu´mero primo que na˜o esta´ nesta lista. Suponhamos enta˜o que p1, p2, . . . , pk, k 2 N, e´ a lista de nu´meros primos. Fac¸amos p := p1 · p2 · . . . · pk + 1. Ora, cada pi divide o produto p1 · p2 · . . . · pk, logo pi na˜o pode dividir p. Com efeito, se pi dividisse p1 · . . . · pk + 1, uma vez que pi divide p1 · . . . · pk, dividiria a respectiva diferenc¸a (p1 · . . . · pk) + 1� (p1 · . . . · pk) = 1. Logo pi = 1, o que contradiz a definic¸a˜o de nu´mero primo. Portanto, p na˜o sendo divis´ıvel por qualquer nu´mero primo e´ um nu´mero primo. Enta˜o e´ porque tal lista finita de nu´meros primos na˜o existe, ou seja, existe um nu´mero infinito de nu´meros primos, como queriamos provar. Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 2. Vamos seguir a regra enunciada, ou seja, vamos admitir a existeˆncia de Y1 e Y2 complementos do conjunto X em U . Pretendemos mostrar que Y1 = Y2. Por hipo´tese Y1 e Y2 sa˜o complementos de X em Y , logo tem-se X [ Y1 = X [ Y2 = U e X \ Y1 = X \ Y2 = ;. Para provar que Y1 = Y2 podemos utilizar o me´todo de inclusa˜o mu´tua (dado x 2 Y1 provar que x 2 Y2 e vice-versa) ou, simplesmente, notar que Y1 = Y1 \ U = Y1 \ (X [ Y2) = (Y1 \X) [ (Y1 \ Y2) = ; [ (Y1 \ Y2) = Y1 \ Y2 , donde Y1 ✓ Y2. Um argumento semelhante mostrara´ que Y2 ✓ Y1. Logo Y1 = Y2. Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 3. Para provar que A ✓ C e´ necessa´rio verificar que e´ verdadeira a proposic¸a˜o (8x)[(x 2 A)) (x 2 C)] sendo va´lidas as incluso˜es A ✓ B e B ✓ C. Seja enta˜o x um elemento arbitra´rio de A. E´ necessa´rio mostrar que x 2 C. Podemos utilizar o seguinte racioc´ınio. Uma vez que x 2 A e A ✓ B enta˜o x 2 B. Mas se x 2 B, como B ✓ C, tambe´m x 2 C, ou seja, tem-se a conclusa˜o pretendida. Nota 6. Outra importante regra de procedimento utilizada foi o facto de no comec¸o da demonstrac¸a˜o termos analisado a conclusa˜o pretendida e na˜o se ter iniciado pela ana´lise da hipo´tese. Assim, considerando um elemento arbitra´rio de A, o objectivo era mostrar que x era ainda um elemento de C. Mas tal e´ a traduc¸a˜o da ana´lise da conclusa˜o do teorema, A ✓ C. As hipo´teses foram enta˜o utilizadas para validar o pretendido, isto e´, x 2 C. Pode-se objectar afirmando que o me´todo da escolha na˜o parece adequado para provar que todo o elemento de A e´ um elemento de B. De facto, como ponto de partida, comec¸a´mos por escolher somente um elemento 12 de A. Mas tal queixa na˜o tem em considerac¸a˜o o poder do quantificador universal e, especialmente, o facto do “x escolhido”o ser arbitrariamente. Mas ainda existem abordagens alternativas para esta questa˜o. Suponhamos que se quer demonstrar que se x for um elemento arbitrariamente escolhido em A enta˜o x e´ ainda um elemento de B. Tal pode ser efectuado mostrando que na˜o existe um elemento x de A que na˜o pertenc¸a a B, ou seja, que a proposic¸a˜o ⇠ ((9x)((x 2 A) ^ (x 62 B)) e´ verdadeira. Mas a proposic¸a˜o anterior e´ equivalente a (8x)(x 2 A) x 2 B) que e´ a pro´pria definic¸a˜o de A como subconjunto de B. Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 4. Para o membro da esquerda tem-se (1 + sinx)/cotg2x = (1 + sinx)(tg2x) = (1 + sinx)(sin2 / cos2 x) = (sin2 x)(1 + sinx)/ cos2 x enquanto que (sinx)/(cosec x� 1) = sinx/(1/ sinx� 1) = sinx/ ⇣ (1� sinx)/(sinx) ⌘ = sin2 x/(1� sinx) = (sin2 x)(1 + sinx)/(1� sinx)(1 + sinx) = (sin2 x)(1 + sinx)/(1� sin2 x) = (sin2 x)(1 + sinx)/(cos2 x) Assim, uma demonstrac¸a˜o da igualdade deve incluir (sin2 x)(1 + sinx)/ cos2 x como passo interme´dio entre (1 + sinx)/cotg2x e sinx/(cosec x� 1). Nota 7. Uma apresentac¸a˜o da escrita da demonstrac¸a˜o deste facto que se deve evitar e´ a seguinte: (1 + sinx)/cotg2x = sinx/(cosec x� 1) (1 + sinx)/tg2x = sinx/((1/ sinx)� 1) (1 + sinx)/(sin2 x/ cos2 x = sin2 x/(1� sinx) (1 + sinx)(sin2 x)/ cos2 x) = (sin2 x)(1 + sinx)/(1� sinx)(1 + sinx) (1 + sinx)(sin2 x)/ cos2 x = (1 + sinx)(sin2 x)/(1� sin2 x) (1 + sinx)(sin2 x)/ cos2 x = (1 + sinx)(sin2 x)/ cos2 x Aqui foi apresentada uma sequeˆncia de passos que comec¸ou com a igualdade que se queria demonstrar, ou seja, considerando verdadeiro o que se pretende demonstrar. E´ portanto uma apresentac¸a˜o logicamente incorrecta da demonstrac¸a˜o. Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 5. E´ necessa´rio demonstrar que a� (b� c) = (a� b)� c para a, b e c reais e´ falsa . Uma aproximac¸a˜o comum(!...) mas logicamente incorrecta, e´ escrever a� (b� c) = (a� b)� (�c) = (a� b) + c 6= (a� b)� c. 13 De facto, para demonstrar que aquela igualdade e´ falsa, deve apresentar-se um contra-exemplo Para a = 7, b = 4 e c = 2 a� (b� c) = 7� (4� 2) = 7� 2 = 5 enquanto que (a� b)� c = (7� 4)� 2 = 3� 2 = 1 e, como 5 6= 1, a igualdade e´ falsa. Resoluc¸a˜o do exerc´ıcio 6. Neste caso vamos utilizar o me´todo indirecto de reduc¸a˜o ao absurdo, isto e´, suponhamos que (B \ Ac)[ (Bc \A) = B e que A 6= ;.Enta˜o seja x 2 U tal que x 2 A. Tentaremos chegar a uma contradic¸a˜o. E´ evidente que e´ preciso fazer intervir o conjunto B. Assumimos que x 2 A, mas na˜o sabemos se x 2 B ou se x 62 B. Deste modo teremos de dividir o nosso argumento em dois casos distintos, de acordo com estas duas possibilidades. Caso I: Se x 2 B enta˜o x 2 B \Ac ou x 2 Bc \A, atendendo a` equac¸a˜o B = (B \Ac) [ (Bc \A). Mas x 62 Bc \ A uma vez que x 62 Bc. Assim x 2 B \ Ac e logo x 2 Ac. Mas como x 2 A, obtive´mos a contradic¸a˜o x 2 A ^ x /2 A! Caso II: Se x 2 Bc, uma vez que x 2 Bc \A e que Bc \A ✓ (Bc \Ac) [ (B \Ac) = B enta˜o x 2 B. Neste caso x 2 B ^ x 2 Bc, novamente uma contradic¸a˜o! Uma vez que fomos levados a contradic¸o˜es em ambos os casos e como estes dois casos sa˜o claramente exaustivos, a nossa hipo´tese A 6= ; e´ falsa. Enta˜o A = ;, conforme pretendido. Observac¸a˜o. Sejam q(x, y), r(x, y, z) e s(x, y, z) func¸o˜es proposicionais onde x, y e z sa˜o varia´veis num mesmo domı´nio U . Vamos apresentar o processo usual para demonstar cada um dos seguintes casos, onde P representa um conjunto de hipo´teses previamente fixadas. 1. Dado P prove que (8x)(9y)q(x, y); 2. Dado P prove que (8x)(8y)(9z)r(x, y, z); 3. Dado P prove que (8x)(9y)(9z)r(x, y, z); 4. Dado P prove que (8x)(9y)(8z)[r(x, y, z) =) s(x, y, z)]. Resoluc¸a˜o. 1. Analisemos a conclusa˜o. Dado x 2 U queremos determinar y 2 U tal que q(x, y) seja verdadeiro. O processo de demonstrac¸a˜o, ou seja, a “descoberta”de y relacionado com x, ou dependendo de x, tem de ser fornecida por uma verdade conhecida na teoria e/ou por ana´lise da hipo´tese P . 2. O in´ıcio da demonstrac¸a˜o de uma proposic¸a˜o deste tipo e´ necessariamente: “Dados x, y 2 U deter- minemos z 2 U tal que r(x, y, z) seja verdadeiro.”. Nesta demonstrac¸a˜o a determinac¸a˜o de z (que dependera´ de P ) vem expressa em func¸a˜o de ambos, x e y. 3. Neste caso, dado x 2 U e´ necessa´rio determinar y e z em U tal que r(x, y, z) seja verdadeiro. Aqui a determinac¸a˜o de y e z ficara´ dependente do x dado e envolvera´ o conhecimento fornecido em P . 4. Este caso e´, sem du´vida, o mais complicado de entre os apresentados. A demonstrac¸a˜o comec¸ara´ necessariamente na forma: “Seja x 2 U . Pretendemos determinar y 2 U (logo y dependera´ de x) que satisfac¸a a seguinte propriedade: para cada z 2 U tal que r(x, y, z) seja verdadeiro tem-se que s(x, y, z) e´ igualmente verdadeiro.”. O ponto crucial e´ a determinac¸a˜o de y. Se tal y estiver determinado resta considerar z 2 U com r(x, y, z) verdadeiro e provar, que nessas condic¸o˜es, tambe´m s(x, y, z) vai ser verdadeiro. 14 1.3 Conjuntos e Aplicac¸o˜es 1.3.1 Introduc¸a˜o e Notac¸o˜es Nas u´ltimas de´cadas tornou-se ja´ tradicional usar a Teoria dos Conjuntos como base subjacente a` grande maioria das Teorias Matema´ticas. Assim, tomam-se os conceitos de “conjunto”e de “pertenc¸a de um elemento a um conjunto”como termos ba´sicos, e como tal sem necessidade de serem definidos. Mas para que tal na˜o seja amb´ıguo e´ necessa´rio ser poss´ıvel decidir se um dado objecto “pertence”ou na˜o ao um conjunto. Usualmente utilizam-se letras maiu´sculasA,B, S, . . . , X para representar conjuntos e letras minu´sculas a, b, . . . , x para os elementos. Usa-se o s´ımbolo 2 para designar a “pertenc¸a”de um objecto a um conjunto. Assim a 2 A significa que “a e´ um elemento de A”, enquanto que b 62 A pode ser lido como “b na˜o e´ um elemento do conjunto A”. Raramente os conjuntos sa˜o representados pela listagem dos seus elementos (onde cada elemento deve ser listado uma so´ vez). Em geral, os conjuntos sa˜o representados na forma {x 2 U : p(x)}, onde p(x) e´ um predicado (propriedade satisfeita pelos elementos do conjunto). Pode acontecer que nenhum elemento de U satisfac¸a a propriedade p. Neste caso o conjunto definido diz-se o conjunto vazio que se representa usualmente por ;. Definic¸a˜o 5. Dados os conjuntos A e B dizemos que A e´ um subconjunto de B, e escreve-se A ✓ B, se todo o elemento de A for tambe´m um elemento de B, ou seja, quando no universo U , for verdadeira a proposic¸a˜o (8x)(x 2 A) x 2 B). Sempre que A ✓ B mas A 6= B, ou seja, se existir pelo menos um elemento de B que na˜o seja elemento de A, enta˜o A diz-se um subconjunto pro´prio de B e pode escrever-se A ⇢ B. Diz-se que A = B se e so´ se A ✓ B e B ✓ A. Quando A ✓ B diz-se tambe´m que A e´ parte de B, que A esta´ inclu´ıdo em B ou ainda que A esta´ contido em B. Definic¸a˜o 6. Dado um conjunto X, chama-se o conjunto poteˆncia de X, ou conjunto das partes de X, e representa-se por P(X) = {A : A ✓ X}, ao conjunto cujos elementos sa˜o todos os subconjuntos de X. Exemplo 7. • P(X) 6= ; para todo o X, pois ; e X sa˜o elementos de P(X); • P(;) = {;}; • P({1, 2, 3}) = {;, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}, {1, 2, 3}}. Note-se que P(X) tem 2n elementos sempre que X contenha n elementos. 1.3.2 Operac¸o˜es com conjuntos Definic¸a˜o 7. Dados A e B subconjuntos de U , o conjunto • reunia˜o de A com B e´ o subconjunto de U , representado por A [B, definido por A [B = {x : x 2 A _ x 2 B}. 15 • intersecc¸a˜o de A com B e´ o subconjunto de U , representado por A \B, definido por A \B = {x : x 2 A ^ x 2 B}. Sempre que na˜o exista um elemento x 2 A tal que x 2 B, isto e´, se A \ B = ;, os conjuntos A e B dizem-se disjuntos. Exerc´ıcio 8. Prove as seguintes propriedades das operac¸o˜es reunia˜o e intersecc¸a˜o de conjuntos. 1) A [ ; = A 8) A \ ; = ; 2) A [A = A 9) A \A = A 3) A [B = B [A 10) A \B = B \A 4) (A [B) [ C = A [ (B [ C) 11) (A \B) \ C = A \ (B \ C) 5) (A [B = A), (B ✓ A) 12) (A \B = A), (A ✓ B) 6) (A ✓ B,D ✓ E)) (A [D ✓ B [ E) 13) (A ✓ B,D ✓ E)) (A \D ✓ B \ E) 7) A [ (B \ C) = (A [B) \ (A [ C) 14) A \ (B [ C) = (A \B) [ (A \ C) Definic¸a˜o 8. A complementac¸a˜o e´ a operac¸a˜o que a cada subconjunto A de U faz corresponder o sub- conjunto de U , Ac = U \A, definido por Ac = {x : x 2 U e x 62 A} e que se diz o complemento de A em U . A diferenc¸a entre os subconjuntos A e B de U e´ a operac¸a˜o que ao par (A,B) faz corresponder o subconjunto de U , A�B = {x : x 2 A ^ x /2 B}. A�B (ou A \B) tambe´m se diz complementar de B em A. Definic¸a˜o 9. Dados subconjuntos A e B de U , chama-se produto cartesiano de A por B ao conjunto representado por A⇥B, que e´ definido por A⇥B = {(x, y) : x 2 A ^ y 2 B}. cada elemento (x, y) de A ⇥ B chama-se par ordenado, sendo x a primeira coordenada e y a segunda coordenada. Aqui, quando falamos em pares ordenados, estamos a admitir que (a, b) = (x, y) se e so´ se a = x ^ b = y. Deste modo, o par (x, y) e´ distinto do par (y, x) para x 6= y. De notar que, se X = ; ou Y = ;, enta˜o X ⇥ Y = ;. 1.3.3 Relac¸o˜es bina´rias O conceito de relac¸a˜o de um conjunto X num conjunto Y e´ baseada na noc¸a˜o de produto cartesiano X ⇥ Y . Assim, elementos de um mesmo conjunto (se X = Y ) ou elementos em conjuntos diferentes teˆm, por vezes, uma ligac¸a˜o especial que pode ser descrita por “relac¸o˜es”. Exemplo 8. Seja X = {1, 2} e Y = {2, 3}. Neste caso, X ⇥ Y = {(1, 2), (1, 3), (2, 2), (2, 3)}. Ao pensarmos na relac¸a˜o ⇢ dada por 16 “primeira componente igual a` segunda componente”, apenas o par (2, 2) verifica a relac¸a˜o. Mas ao considerarmos a relac¸a˜o ⌘ dada por “primeira componente distinta da segunda componente”, enta˜o {(1, 2), (1, 3), (2, 3)} verificam a relac¸a˜o. Podemos ainda escrever ⇢ = {(x, y) : (x, y) 2 S ⇥ T, x = y} ⌘ = {(x, y) : (x, y) 2 S ⇥ T, x 6= y}. Definic¸a˜o 10. Dados os conjunto X e Y , uma relac¸a˜o bina´ria de X em Y e´ todo o subconjunto de X ⇥ Y . Propriedades das relac¸o˜es bina´rias Seja ⇢ uma relac¸a˜o bina´ria definida num conjunto X, isto e´, ⇢ 2 P(X ⇥X) ou ainda, ⇢ ✓ X ⇥X. Definic¸a˜o 11. A relac¸a˜o ⇢ diz-se • Reflexiva: Sempre que para todo o x em X se tenha (x, x) 2 ⇢, isto e´, 8x 2 X, x⇢x. • Sime´trica:Sempre que (x, y) 2 ⇢ enta˜o tambe´m (y, x) 2 ⇢, isto e´, 8x, y 2 X, x⇢y ) y⇢x. • Transitiva: Dados x, y, z em X que satisfac¸am (x, y) 2 ⇢ ^ (y, z) 2 ⇢ enta˜o(x, z) 2 ⇢, isto e´, 8x, y, z 2 X, x⇢y ^ y⇢z ) x⇢z. • Anti-sime´trica: Sempre que x, y em X satisfac¸am (x, y) 2 ⇢ e (y, x) 2 ⇢ enta˜o x = y, ou seja, 8x, y 2 X, x⇢y ^ y⇢x) x = y. • Tricoto´mica: Para todo o par (x, y) 2 S⇥S exactamente uma das treˆs seguintes alternativas ocorre (i) (x, y) 2 ⇢ (ii) (y, x) 2 ⇢ (iii) x = y. Exerc´ıcio 9. Considere a relac¸a˜o < definida em N por 8m,n 2 N, m < n se e so´ se existe p 2 N tal que m+ p = n. 1. Prove que a relac¸a˜o em N, definida por m n se e so´ se m < n ou m = n e´ anti-sime´trica. 2. Prove que a relac¸a˜o < em N e´ tricoto´mica. 17 Definic¸a˜o 12. Uma relac¸a˜o bina´ria definida num conjunto X que seja reflexiva, sime´trica e transitiva diz-se uma relac¸a˜o de equivaleˆncia em X. Sendo ⇢ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia definida no conjunto X e a 2 X, chama-se classe de equivaleˆncia de a, e representa-se por [a], ao conjunto de todos os elementos de X relacionados com a, isto e´, [a] = [a]⇢ = {x 2 X : a⇢x}. O conjunto das classes de equivaleˆncia dos elementos de X diz-se o conjunto quociente de X por ⇢ e escreve-se X/⇢ = {[x]⇢ : x 2 X}. Exemplo 9. Sa˜o relac¸o˜es de equivaleˆncia: 1. Em Q \ {0}, a relac¸a˜o ⇢ definida por x⇢y se xy > 0; 2. Em X = {a/b : a, b 2 Z, b 6= 0}, a relac¸a˜o ⇢ definida por (a/b) ⇢ (c/d) se e so´ se ad = bc; 3. Em Z, a relac¸a˜o ”congruente mod 4”, definida por 8x, y 2 Z, x ⌘ y(mod4) se e so´ se x� y for mu´ltiplo inteiro de 4. Exerc´ıcio 10. 1. Para a relac¸a˜o de equivaleˆncia ⇢ = {(a, a), (b, b), (c, c), (a, c), (c, a)} determine o conjunto [a]. Existem outros representantes para esta mesma classe? 2. Para a relac¸a˜o de equivaleˆncia ⇠ em Z, definida por x ⇠ y sse x � y = 2k para algum k em Z, determine [�3]⇠. Definic¸a˜o 13. (i) Uma relac¸a˜o bina´ria definida num conjunto X que seja reflexiva, anti-sime´trica e transitiva diz-se uma relac¸a˜o de ordem parcial em X. Sendo ⇢ uma relac¸a˜o de ordem parcial em X, ao par (X, ⇢) chama-se conjunto parcialmente orde- nado. (ii) Uma relac¸a˜o bina´ria definida num conjunto X que seja transitiva e tricoto´mica diz-se uma relac¸a˜o de ordem total em X. Sendo ⇢ uma relac¸a˜o de ordem total em X, ao par (X, ⇢) chama-se conjunto totalmente ordenado ou cadeia. Exemplo 10. • A relac¸a˜o x÷ y se x divide y e´ uma relac¸a˜o de ordem parcial em N. • (N,), (Z,), (Q,) e (R,) sa˜o conjuntos totalmente ordenados. • (P(X),✓) e´ parcialmente ordenado. 18 1.4 Func¸o˜es Definic¸a˜o 14. Uma func¸a˜o e´ uma relac¸a˜o R que satisfaz a seguinte propriedade se (x, y) 2 R e (x, z) 2 R enta˜o y = z. (1.1) Quando uma relac¸a˜o e´ func¸a˜o, a notac¸a˜o usual e´ uma consoante minu´scula f, g, h, · · · . Como qualquer outra relac¸a˜o, tambe´m uma func¸a˜o pode ser descrita pela listagem de todos os ele- mentos (pares ordenados) que a formam ou apresentando uma propriedade que distinga os elementos que esta˜o em relac¸a˜o. Exemplo 11. As relac¸o˜es f1 = {(a, z), (b, y), (y, b), (z, a)} f2 = {(a, b) 2 N⇥ N : ab = a)} sa˜o func¸o˜es enquanto que R1 = {(1, 1), (1,�1), (4, 2), (4,�2), (9, 3), (9,�3)} R2 = {(a, b) 2 N ⇥ N : ab = b} na˜o sa˜o func¸o˜es O conjunto Domf = {x : (x, y) 2 f} define o domı´nio da func¸a˜o, e o conjunto CDomf = {y : (x, y) 2 f} constitui o contradomı´nio da func¸a˜o f. Definic¸a˜o 15. Uma func¸a˜o f : A ! B (ou aplicac¸a˜o de A em B) e´ toda a func¸a˜o f ✓ A ⇥ B que satisfac¸a Domf = A CDomR ✓ B. Nota 8. 1. Reparemos que para apresentar a noc¸a˜o de func¸a˜o foram precisos 1. um conjunto A onde a func¸a˜o e´ definida, isto e´, o conjunto onde a varia´vel pode tomar valores, e que e´ chamado o domı´nio da func¸a˜o (ou conjunto de partida); 2. um conjunto B, chamado conjunto de chegada, onde esta´ contido o conjunto CDomf dos valores que a func¸a˜o toma em x, x 2 A, chamado contradomı´nio (ou codomı´nio); 3. uma lei de correspondeˆncia que e´ uma regra que permite associar a cada elemento x do domı´nio um elemento y do codomı´nio, representada por x 7�! f(x), onde y = f(x) se diz imagem de x por f . Consequentemente, as func¸o˜es f : A! B e g : C ! D sa˜o iguais se e somente se A = C, B = D e f(x) = g(x) para todo o x em A. 2. Para S conjunto arbitra´rio analisemos as possibilidades de existeˆncia de func¸o˜es de S para o conjunto vazio e do conjunto vazio para S: • Uma func¸a˜o f : ; ! S tera´ de ser definida a` custa de um subconjunto de ; ⇥ S = ;. Tal func¸a˜o diz-se a func¸a˜o vazia. • Um racioc´ınio semelhante leva-nos a pensar que uma func¸a˜o f : S ! ; sera´ definida por um subconjunto de S ⇥ ; = ;. Mas tal func¸a˜o na˜o pode ser definida pela na˜o-existeˆncia de imagens. (Recorde que para cada s em S deveria existir uma imagem f(s) 2 ; que e´ uma condic¸a˜o logicamente imposs´ıvel.) Na aula, a função não foi definida desta maneira! Ignorar o que está dentro do rectângulo! 19 Exerc´ıcio 11. De entre os seguintes casos, identifique os que definem func¸o˜es entre os domı´nios e codomı´nios indi- cados. (a) g : Z! N onde g e´ definida por g(x) =| x | (valor absoluto de x). (b) f : S ! T onde S e´ o conjunto dos habitantes de Coimbra, T e´ o conjunto dos nu´meros dos bilhetes de identidade dos cidada˜os portugueses e f associa a cada pessoa o respectivo nu´mero do bilhete de identidade. (c) h : S ! T onde S e´ o conjunto de todos os polino´mios quadra´ticos em x com coeficientes inteiros, T = N e h esta´ definida por h(ax2 + bx+ c) = b+ c. Algumas func¸o˜es possuem propriedades especiais, nomeadamente a injectividade e a sobrejectividade. Definic¸a˜o 16. Uma func¸a˜o f : A! B diz-se func¸a˜o sobrejectiva se o contradomı´nio de f coincidir com o conjunto de chegada, isto e´, se 8y 2 B 9x 2 A, y = f(x). (1.2) Exemplo 12. Sa˜o func¸o˜es sobrejectivas • as projecc¸o˜es ⇡1 : S ⇥ T ! S, onde ⇡1(s, t) = s, ⇡2 : S ⇥ T ! T, onde ⇡2(s, t) = t; • sin : R! [�1, 1], x 7! sinx Definic¸a˜o 17. Uma func¸a˜o f : A ! B diz-se injectiva se nenhum elemento de B for imagem por f de dois elementos distintos de A, isto e´ se 8x1, x2 2 A, x1 6= x2 ) f(x1) 6= f(x2), (1.3) ou, equivalentemente, se 8x1, x2 2 A, f(x1) = f(x2)) x1 = x2. (1.4) Exemplo 13. 1. A func¸a˜o f : R ! R dada por f(x) = x2 na˜o e´ injectiva porque, para 2 2 R e �2 2 R, se tem f(2) = f(�2). 2. No entanto, h : N ! N, onde h(x) = x2, ja´ e´ injectiva, pois, para x, y naturais arbitra´rios que satisfac¸am x2 = y2, conclui-se que x = y, pelo facto de serem ambos positivos. Definic¸a˜o 18. Uma func¸a˜o f : A ! B diz-se uma func¸a˜o bijectiva (uma bijecc¸a˜o ou uma corres- pondeˆncia biun´ıvoca), se for simultaneamente injectiva e sobrejectiva. Exerc´ıcio 12. Prove que g : R! R dada por g(x) = x3 e´ uma bijecc¸a˜o. Definic¸a˜o 19. Sejam f : X ! Y , A ✓ X e B ✓ Y . Ao conjunto f(A) = {y 2 Y : y = f(x) para algum x 2 A} ✓ Y chama-se imagem directa de A por f , e ao conjunto f�1(B) = {x 2 X : f(x) 2 B} ✓ X chama-se imagem rec´ıproca de B por f . 20 Relativamente a`s operac¸o˜es com conjuntos, e´ va´lida a seguinte proposic¸a˜o. Proposition 20. Sejam uma func¸a˜o f : X ! Y , A e B subconjuntos de X, e C e D subconjuntos de Y . Enta˜o, 1. f(A [B) = f(A) [ f(B) 2. f(A \B) ✓ f(A) \ f(B) e f(A) = f(B) se f e´ injectiva. 3. f(A)� f(B) ⇢ f(A�B). 4. Se A ✓ B tem-se f(A) ✓ f(B). 5. f(;) = ;. 6. f�1(C [D) = f�1(C) [ f�1(D) 7. f�1(C \D) = f�1(C) \ f�1(D) 8. f�1(C �D) = f�1(C)� f�1(D) 9. Se C ✓ D enta˜o f�1(C) ✓ f�1(D) 10. f�1(;) = ;. Demonstrac¸a˜o. E´ deixada como exerc´ıcio. Nota 9. • Pode acontecer que f�1(B) = ; mesmo que B seja um subconjunto na˜o vazio de Y . Basta acontecer B \ f(A) = ;. Tal acontece sempre que a func¸a˜o f e´ na˜o sobrejectiva,com B subconjunto do complementar de f(A) em Y . • Dado y 2 Y , escreve-se f�1(y) para representar o conjunto f�1({y}). E´ evidente que o conjunto f�1(y) pode conter mais do que um elemento. Tal so´ acontece se f e´ uma func¸a˜o na˜o-injectiva. • Os subconjuntos do plano definidos em geometria anal´ıtica por meio de equac¸o˜es e desigualdades sa˜o imagens inversas de conjuntos. Por exemplo, – a recta que tem por equac¸a˜o ax+ by = c e´ o conjunto X = {(x, y) : (x, y) 2 R2 e ax+ by = c} ✓ R2. Consideremos a func¸a˜o f : R2 ! R definida por f(x, y) = ax+ by. Enta˜o a recta X e´ o conjunto imagem inversa do conjunto {c} por meio de f , ou seja, f�1(c) = X; – a circunfereˆncia cuja equac¸a˜o e´ x2 + y2 = 1 e´ o conjunto C = {(x, y) : (x, y) 2 R2 e x2 + y2 = 1} ✓ R2. Relativamente a` func¸a˜o g : R2 ! R, definida por g(x, y) = x2 + y2, tem-se C = g�1(1); – o disco D do centro na origem e raio 1 e´ o conjunto D = {(x, y) : (x, y) 2 R2 e x2 + y2 1}. Relativamente ao intervalo real I = [0, 1], I = {t 2 R : 0 t 1} e´ tambe´m imediato que D = g�1(I). 21 1.5 Operac¸o˜es com func¸o˜es Para ale´m das operac¸o˜es alge´bricas conhecidas, podemos definir operac¸o˜es na˜o alge´bricas entre func¸o˜es, bem como provar algumas das suas propriedades. 1.5.1 Composic¸a˜o de func¸o˜es Definic¸a˜o 21. Dadas as func¸o˜es f : A ! B e g : B ! C, define-se a func¸a˜o composta g � f : A ! C como sendo a func¸a˜o tal que (g � f)(x) = g(f(x)). Exerc´ıcio 13. Sejam f : A! B e g : B ! C func¸o˜es. 1. Mostre que (a) Se f e g forem injectivas enta˜o g � f e´ injectiva. (b) Se f e g forem sobrejectivas a func¸a˜o g � f e´ sobrejectiva. (c) Se f e g forem bijecc¸o˜es tambe´m g � f e´ uma bijecc¸a˜o. 2. Verifique que a composic¸a˜o de func¸o˜es e´ associativa mas na˜o comutativa. 1.5.2 Restric¸o˜es e Extenso˜es de Func¸o˜es Definic¸a˜o 22. Seja f : X ! Y uma func¸a˜o e A um subconjunto arbitra´rio de X. 1. Chama-se restric¸a˜o de f a A a` func¸a˜o g : A ! Y definida por g(x) = f(x) para todo o x 2 A. Usualmente representa-se g por f |A. 2. Seja X ✓ Z e h : Z ! Y . Se para todo o x 2 X , f(x) = h(x), diz-se que h e´ uma extensa˜o de f a Z. Evidentemente, neste caso, f = h |X e h na˜o e´ u´nica. Exemplo 14. Relativamente a A = N, Y = N0, X = Z e g : A ! N0 definida por g(a) =| a |, onde | a | representa o mo´dulo de a, enta˜o f : Z! N definida por f(z) =| z | estende g mas tambe´m o faz toda a colecc¸a˜o de func¸o˜es fc : Z! N0 dada por fc(z) = ⇢ z se z � 0 c se z < 0 para c 2 N. 1.5.3 Func¸o˜es inversas Para um conjunto arbitra´rio X ✓ U , chama-se func¸a˜o identidade em X, representa-se por idX , a func¸a˜o idX : X ! X idX(x) = x, x 2 X Definic¸a˜o 23. Dadas as func¸o˜es f : A! B e g : B ! C, diz-se que 1. g e´ inversa a` esquerda de f sempre que g � f = idA, ou seja, quando (g � f)(x) = g(f(x)) = x para todo o x em A. 22 2. g diz-se uma inversa a` direita de f sempre que f � g = idB, ou seja, quando f(g(t)) = t para todo o t em B. Proposition 24. 1. Uma func¸a˜o f possui inversa a` esquerda se e so´ se for injectiva. 2. Uma func¸a˜o f possui inversa a` direita se e so´ se for sobrejectiva. Demonstrac¸a˜o- exerc´ıcio. Definic¸a˜o 25. Uma func¸a˜o g : B ! A diz-se func¸a˜o inversa da func¸a˜o f : A ! B se g, designada por f�1, for inversa a` esquerda e a` direita de f , isto e´, se g � f = idA f � g = idB . Exemplo 15. Dado um racional na˜o-nulo, a 2 Q, e f : Q! Q definida por f(x) = ax para cada x em Q, a func¸a˜o g : Q! Q definida por g(x) = xa para cada x em Q e´ inversa de f . Como consequeˆncia imediata da proposic¸a˜o 2 podemos estabelecer a seguinte proposic¸a˜o. Proposition 26. Uma func¸a˜o f : A! B possui inversa se e so´ se for uma bijecc¸a˜o. Outra propriedade muito importante relativamente a` func¸a˜o inversa de uma dada bijecc¸a˜o e´ a seguinte. Proposition 27. Se uma func¸a˜o possuir inversa, tal inversa e´ u´nica. Demonstrac¸a˜o. Trata-se de uma demonstrac¸a˜o de unicidade. Vamos provar pelo me´todo indirecto de reduc¸a˜o ao absurdo. Suponhamos que g : B ! A e h : B ! A sa˜o func¸o˜es inversas de f : A! B e que h 6= g. Enta˜o, por definic¸a˜o, h = h � idB = h � (f � g) = (h � f) � g = idA � g = g! Portanto e´ falso que h 6= g, ou seja , necessariamente h = g. Exerc´ıcio 14. Sendo f e g bijecc¸o˜es prove que (f � g)�1 = g�1 � f�1. Sugesta˜o. Basta verificar que a func¸a˜o g�1 � f�1 e´ inversa a` direita e inversa a` esquerda da func¸a˜o f � g. 1.6 Conjuntos finitos e infinitos A Teoria de George Cantor (1845-1918) conte´m algumas ideias usualmente apresentadas como exemplo das noc¸o˜es matema´ticas que foram base de um grande desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos. Nestas incluem-se as noc¸o˜es de cardinalidade. E´ usual dizer que um conjunto com dois elementos e´ “menor”do que um conjunto com treˆs elementos, pelo facto do nu´mero natural 2 ser “menor”do que o nu´mero natural 3. Cantor estudou os conjuntos infinitos e mostrou que tambe´m eles podem ser comparados pelo ”tamanho”e classificados quanto ao nu´mero de elementos que conteˆm, tal como o efectuado com conjuntos finitos. No aˆmbito desta disciplina iremos apenas estudar treˆs tipos de conjuntos: os finitos, os infinitos numera´veis e os infinitos na˜o numera´veis. Iniciamos este estudo com a apresentac¸a˜o da noc¸a˜o que deu origem ao conceito de cardinal de um conjunto. 23 Definic¸a˜o 28. Sejam A e B conjuntos. Diz-se que A e B sa˜o numericamente equivalentes, e escreve-se A ⇠= B, se e so´ se existir uma aplicac¸a˜o bijectiva f : A! B. A justificac¸a˜o do nome numericamente equivalente e´ encontrada no seguinte teorema. Teorema 29. A relac¸a˜o ⇠= e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. Demonstrac¸a˜o. Exerc´ıcio. Cada dois conjuntos na mesma classe de equivaleˆncia sa˜o numericamente equivalentes. Dois conjuntos em classes diferentes sa˜o numericamente na˜o-equivalentes. Diz-se que dois conjuntos numericamente equivalentes teˆm o mesmo nu´mero cardinal. Exemplo 16. 1. Para A = {1, 2, 3, 4} e X = {a, b, c, d}, a func¸a˜o f : A! X definida por f(1) = c, f(2) = a, f(3) = d, f(4) = b e´ uma bijecc¸a˜o de A em X. Logo A ⇠= X. Repare que esta na˜o e´ a u´nica bijecc¸a˜o existente entre A e X. De facto, e´ poss´ıvel definir entre A e X vinte e quatro permutac¸o˜es (aplicac¸o˜es bijectivas correspondentes aos poss´ıveis arranjos das letras a, b, c, d). 2. Agora, para B = {1, 2, 3} e X = {a, b, c, d}, existindo ainda vinte e quatro aplicac¸o˜es injectivas de B em X, como por exemplo, f(1) = a, f(2) = b, f(3) = c, nenhuma das aplicac¸o˜es e´ sobrejectiva. Logo B 6⇠= X. 3. O conjunto N e o conjunto P de todos os nu´meros pares (positivos) sa˜o numericamente equivalentes. De facto, a func¸a˜o f : N! P, definida por f(n) = 2n, e´ uma aplicac¸a˜o bijectiva: • A func¸a˜o f e´ injectiva, pois 8n1, n2 2 N, f(n1) = f(n2)) n1 = n2; • f e´ tambe´m sobrejectiva, pois 8y 2 N ^ y par, 9n 2 N : y = 2n = f(n). De modo ana´logo e´ poss´ıvel provar que N e´ numericamente equivalente ao conjunto dos nu´meros ı´mpares (positivos). Assim, pelo teorema 1, N ⇠= I ⇠= P. O exemplo anterior mostra que um conjunto pode ser posto em correspondeˆncia biun´ıvoca com um subconjunto pro´prio. Definic¸a˜o 30. Um conjunto X diz-se infinito se for numericamente equivalente a um seu subconjunto pro´prio (isto e´, se existir uma aplicac¸a˜o bijectiva entre ele e um seu subconjunto pro´prio). Um conjunto que na˜o e´ infinito diz-se conjunto finito. Assim, pelo exemplo anterior podemos afirmar que o conjunto dos nu´meros naturais e´ infinito. O mesmo se passa com o conjunto dos inteiros Z. Com efeito os conjuntos Z e N sa˜o numericamente equivalentes, pois existe uma (pelo menos) aplicac¸a˜o bijectiva f : Z! N. Por exemplo, f(n) = ⇢ 2n+ 1 para n � 0 �2n para n < 0 e´ bijectiva. Por outro lado, podemos concluir que A e´ finitose • A = ; • para algum n 2 N, A ⇠= In = {1, 2, . . . , n}, n 2 N. 24 Definic¸a˜o 31. Sejam X,Y conjuntos. Diz-se que o nu´mero cardinal de X e´ menor ou igual ao nu´mero cardinal de Y, e escreve-se X � Y , se existir uma aplicac¸a˜o injectiva f : X ! Y. Escreve-se X � Y se X � Y mas ]X 6= ]Y e, neste caso, diz-se que o cardinal de X e´ estritamente menor do que o cardinal de Y. Repare que card A card B se e so´ se A for numericamente equivalente a um subconjunto de B incluindo a possibilidade de A e B serem numericamente equivalentes. Por outro lado card A < card B significa que existe uma aplicac¸a˜o injectiva de A em B mas na˜o existe uma aplicac¸a˜o sobrejectiva de A sobre B. Lemma 32. Para A e B conjuntos com A ✓ B tem-se card A card B. A relac¸a˜o entre nu´meros cardinais e´ anti-sime´trica. De facto, e´ va´lido o seguinte resultado, que apresentamos sem demonstrac¸a˜o. Teorema 33. (Schro¨eder-Bernstein). Dados os conjuntos A e B se cardA cardB e cardB cardA enta˜o A ⇠= B. Demonstrac¸a˜o. (Veja, por exemplo, [Krantz, pa´gina 23].) 1.6.1 Conjuntos numera´veis Definic¸a˜o 34. • Um conjunto numericamente equivalente a N diz-se infinito numera´vel. • Um conjunto diz-se numera´vel se e´ finito ou infinito numera´vel. • Um conjunto infinito na˜o numericamente equivalente a N diz-se na˜o-numera´vel. Concluimos que Z e´ numera´vel. Mostraremos mais a` frente que tambe´m o conjunto Q dos nu´meros racionais e´ numera´vel. Exerc´ıcio 15. ⇤ Mostre que: 1. Se existir uma bijecc¸a˜o f : Im ! In enta˜o m = n. Sugesta˜o: Recorde que, sendo (N, ) totalmente ordenado, dados m e n naturais somente uma das treˆs seguintes condic¸o˜es ocorre: m = n ou m < n ou n < m. 2. Todo o subconjunto Y ✓ X de um conjunto finito X e´ finito. Sugesta˜o: Use induc¸a˜o no cardinal (nu´mero de elementos) do conjunto: • Para n = 1, os u´nicos subconjuntos de I1 sa˜o {1} e ;, e sa˜o ambos finitos. • Hipo´tese de induc¸a˜o. Todo o subconjunto de In e´ finito. • Tese. Todo o subconjunto de In+1 e´ finito. Definic¸a˜o 35. Sejam X,Y conjuntos. Diz-se que o nu´mero cardinal de X e´ menor ou igual ao nu´mero cardinal de Y, e escreve-se X � Y , se existir uma aplicac¸a˜o injectiva f : X ! Y. Escreve-se X � Y se X � Y mas ]X 6= ]Y e, neste caso, diz-se que o cardinal de X e´ estritamente menor do que o cardinal de Y. Nota 10. Se X for um conjunto infinito numera´vel, podemos pensar que X tem um primeiro elemento (o que corresponde ao 1 2 N) e um segundo elemento (o que corresponde ao 2 2 N) e assim sucessivamente. Deste modo e´ usual escrever-se, X = {x1, x2, x3, . . .}, e, a cada bijecc¸a˜o f : N! X, chama-se uma contagem de X, ou uma listagem dos elementos de X. 25 Teorema 36. Todo o subconjunto X ✓ N e´ numera´vel. Demonstrac¸a˜o. Ver [1]. Corollary 37. Se f : X ! Y for injectiva e Y for numera´vel enta˜o X e´ numera´vel. Demonstrac¸a˜o. Sendo f injectiva, como f : X ! f(X) e´ sobrejectiva tem-se f : X ! f(X) bijectiva, logo X ⇠= f(X). Como f(X) ✓ Y e Y e´ numera´vel, o resultado segue do teorema anterior. Corollary 38. Sendo X um conjunto numera´vel e f : X ! Y uma func¸a˜o sobrejectiva, o conjunto Y e´ numera´vel. Demonstrac¸a˜o. Se f e´ sobrejectiva existe g : Y ! X inversa a` direita de f : X ! Y , ou seja, f � g = idY . Logo f e´ uma inversa a` esquerda de g e, portanto, g e´ injectiva. Pelo corola´rio1, Y e´ numera´vel. Exerc´ıcio 16. Mostre que, sendo X e Y conjuntos numera´veis o produto cartesiano X ⇥ Y e´ numera´vel. Resoluc¸a˜o. Vamos utilizar o corola´rio 1, isto e´, vamos construir uma func¸a˜o injectiva de X ⇥ Y num conjunto numera´vel. • Por definic¸a˜o, existem func¸o˜es injectivas (bijectivas) � : X ! N, : Y ! N • Enta˜o g : X ⇥ Y ! N⇥ N, definida por g(x, y) := (�(x), (y)) , e´ injectiva. • Basta agora provar que N⇥ N e´ numera´vel. Consideremos f : N⇥ N! N f(m,n) = 2m3n. Atendendo a` unicidade da factorizac¸a˜o de qualquer natural n (n 6= 1) em factores primos f e´ injectiva. Novamente o corola´rio 1 permite-nos concluir que N⇥ N e´ numera´vel. Corollary 39. O conjunto Q dos nu´meros racionais e´ numera´vel. Demonstrac¸a˜o. Seja Z0 = Z� {0}. Como subconjunto de um conjunto numera´vel Z0 e´ numera´vel. • Pelo exerc´ıcio anterior, o conjunto Z⇥ Z0 e´ numera´vel. • Ora f : Z⇥ Z0 ! Q definida por f(m,n) = mn e´ sobrejectiva. O resultado requerido e´ uma consequeˆncia do corola´rio 2. 26 1.6.2 Conjuntos na˜o-numera´veis Seguindo um argumento de Cantor vamos, neste para´grafo, mostrar a existeˆncia de conjuntos na˜o- numera´veis. Vamos ainda comparar o tamanho de conjuntos infinitos. Teorema 40. O intervalo aberto real ]0, 1[ na˜o e´ numericamente equivalente a N. Demonstrac¸a˜o (de Cantor). Vamos mostrar que toda a aplicac¸a˜o injectiva f de N em ]0, 1[ na˜o e´ sobrejectiva. Sabemos que todo o elemento x em ]0, 1[ pode ser representado na forma decimal x = 0 ·d1d2d3 . . . de maneira u´nica (isto e´, na˜o estamos a admitir aproximac¸o˜es). Suponhamos enta˜o que todos os elementos de ]0, 1[ esta˜o listados do seguinte modo: f(1) = x1 = 0 · a11 a12 a13 . . . f(2) = x2 = 0 · a21 a22 a23 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . f(n) = xn = 0 · an1 an2 . . . ann . . . . . . . Iremos construir um nu´mero decimal correspondente a um nu´mero real do intervalo ]0, 1[ e que na˜o esta´ na lista (me´todo da diagonal de Cantor). Seja y = 0 · b1b2b3 . . . com bn 6= ann para cada n 2 N. E´ evidente que, porque bn 6= ann para cada n 2 N, y 6= xn. Logo y na˜o esta´ na lista. Assim, constru´ımos um elemento de ]0, 1[ que na˜o e´ imagem de algum elemento de N, contrariando a hipo´tese de sobrejectividade de f . Exerc´ıcio 17. 1. Prove que a aplicac¸a˜o f : R! ]-1,1[ definida por f(x) = xp 1+x2 e´ uma bijecc¸a˜o, ou seja, que ]-1,1[ ⇠= R . 2. Prove que ]� 1, 1[ ⇠= ]0, 1[ . 3. Conclua das al´ıneas anteriores que R ⇠= ]0, 1[ . Nota 11. Acaba´mos de estabelecer a existeˆncia de dois tipos de infinito 1. o infinito dos nu´meros naturais, cuja cardinalidade e´ usualmente representada pelo uso do s´ımbolo @0 (alefe zero, onde alefe e´ o primeiro s´ımbolo do alfabeto Hebreu), card(N) = @0 ; 2. o infinito do conjuntos dos nu´meros reais, card(R) = c onde c representa o “nu´mero cardinal do cont´ınuo”, ou ainda, card(R) = @1 (alefe um). Pergunta 1. Existira´ alguma relac¸a˜o de ordem entre os dois nu´meros cardinais infinitos @0 e c? Pergunta 2. Existira˜o outros nu´meros cardinais infinitos entre @0 e c? Pergunta 3. Existira˜o outros nu´meros cardinais infinitos maiores do que c? Respostas. 1. Tem-se @0 < @1. Com efeito, – @0 @1 e´ consequeˆncia imediata do lema 1; 27 – mas ja´ prova´mos que R e N na˜o sa˜o numericamente equivalentes. Enta˜o @0 < c. 2. Esta e´ a famosa conjectura de Cantor, hipo´tese do cont´ınuo de Cantor. Na˜o existe um nu´mero infinito cardinal propriamente contido entre @0 e c, ou seja, na˜o existe um conjunto X tal que card N < card X < card P(N). Somente em 1963 foi provado por Paul Cohen que esta proposic¸a˜o na˜o e´ decid´ıvel com base na teoria de conjuntos com a axioma´tica formal ( ou seja a proposic¸a˜o na˜o pode ser provada nem refutada neste contexto). 3. A func¸a˜o de f : S ! P(S) que a cada elemento x faz corresponder o conjunto unita´rio {x} e´ notoriamente uma aplicac¸a˜o injectiva de S em P(S). Logo card S card P(S). Para mostrar que card S < card P(S) e´ preciso provar que na˜o e´ poss´ıvel construir uma func¸a˜o sobrejectiva de S sobre P(S), ou seja, que a hipo´tese de existeˆncia de uma tal func¸a˜o originaria uma contradic¸a˜o. Conclusa˜o. Imediatamente card N < card P(N) < card P(P(N) < . . . card R < card P(R) < card P(P(R) < . . . e a existeˆncia de um nu´mero infinito de nu´meros cardinais infinitos distintos fica estabelecida. Refereˆncias para o Cap´ıtulo I 1 Elon Lages Lima, Curso de Ana´lise,Vol. 1, IMPA, CNPQ, Rio de Janeiro, 1976 2 Maria Teresa Martins, To´picos Fundamentais da Matema´tica, Textos de Matema´tica, DMUC, 1999. 3 Steven G. Krantz, Real Analysis and Foundations, Studies in Advanced Mathematics, CRC Press,
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