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Graduação 2012.2 ROTEIRO DE CURSO TEORIA GERAL DO PROCESSO AUTORES: JULIANO OLIVEIRA BRANDIS E RODRIGO PEREIRA MARTINS RIBEIRO REVISÃO: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA Sumário Teoria Geral do Processo APRESENTAÇÃO DO CURSO .................................................................................................................................... 3 AULA 1: NOÇÕES INICIAIS ...................................................................................................................................... 4 AULAS 2 E 3: O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA .............................................................................. 15 AULAS 4 E 5 — OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES DO DIREITO PROCESSUAL ................................................................... 21 AULAS 6 A 8: JURISDIÇÃO .................................................................................................................................... 32 AULAS 9 A 11: COMPETÊNCIA ............................................................................................................................... 40 AULAS 12 A 14: AÇÃO E RESPECTIVAS CONDIÇÕES ..................................................................................................... 51 AULAS 15 A 17: ELEMENTOS DA DEMANDA .............................................................................................................. 59 AULAS 18 A 20: PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS ............................................. 62 AULA 21: PROCEDIMENTOS — VISÃO PANORÂMICA .................................................................................................. 76 AULAS 22 E 23: ATOS E VÍCIOS PROCESSUAIS ............................................................................................................ 80 AULAS 24 E 25: OS PERSONAGENS DO PROCESSO. O JUIZ. O MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O ADVOGADO. O DEFENSOR PÚBLICO. O ADVOGADO DO ESTADO. ..................................................................................................... 90 QUESTÕES DE CONCURSO E GABARITO DAS QUESTÕES DE CONCURSO ........................................................................... 100 TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 3 APRESENTAÇÃO DO CURSO APRESENTAÇÃO GERAL O principal objetivo do curso é apresentar ao aluno os institutos funda- mentais da Teoria Geral do Processo, com o apoio constante de casos con- cretos julgados em nossos tribunais. No decorrer do curso serão abordadas, gradativamente, as novas tendências do direito processual brasileiro. MATERIAL DIDÁTICO E METODOLOGIA O material apresenta aos alunos o roteiro das aulas, casos geradores, in- dicação bibliográfi ca básica e complementar, jurisprudência e questões de concursos sobre os temas estudados em cada aula. A utilização do presente material didático é obrigatória para que haja um aproveitamento satisfatório do curso. Assim, é imprescindível que seja feita a leitura do material antes de cada aula, bem como da bibliografi a básica. Em relação aos casos geradores, é importante observar que, sempre que possível, foram escolhidos problemas que comportam duas ou mais soluções. Portan- to, nos debates feitos em sala de aula, será possível perceber que, na maioria das vezes, o caso analisado poderia ter tido outra solução que não a dada por determinada corte. FORMAS DE AVALIAÇÃO Os alunos serão avaliados com base em duas provas realizadas em sala de aula que abordarão conceitos doutrinários e problemas práticos, sendo facul- tada a consulta a textos legislativos não comentados ou anotados. O aluno que não obtiver uma média igual ou superior a 7,0 (sete) nessas duas avaliações deverá realizar uma terceira prova. ATIVIDADES COMPLEMENTARES Além das aulas, o curso contará com a realização de seminários, sendo a turma dividida em grupos, que farão apresentação oral nas datas determina- das pelo professor. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 4 1 Países como o Brasil, em que as cau- sas entre particulares e as causas entre esses e o Estado estão submetidas aos mesmos órgãos jurisdicionais, sendo regidas pelas mesmas normas proces- suais, são chamados países de jurisdi- ção una. E países em que as causas do Estado não estão submetidas a órgãos do Poder Judiciário, mas a órgãos de julgamento estruturados dentro da própria Administração Pública, como a França e a Itália, numa concepção distinta da separação de poderes, são chamados países de dualidade de jurisdição. Importante destacar que, em países de dualidade de jurisdição, o contencioso administrativo, ainda que formalmente vinculado de algum modo à AP, tem evoluído no sentido de adquirir independência em relação a ela e de oferecer aos adversários um processo revestido das garantias funda- mentais universalmente reconhecidas, como vem ocorrendo na Itália e na França. AULA 1: NOÇÕES INICIAIS CONCEITO Tradicionalmente, e para fi ns meramente didáticos, a doutrina classifi ca o Direito, tal como o concebemos, em dois grandes ramos: público e privado. Classicamente, se conceitua o direito processual como o ramo do direito público interno que disciplina os princípios e as regras relativos ao exercício da função jurisdicional do Estado. No entanto, tal conceituação, embora ainda prevaleça na doutrina proces- sual, não se revela absoluta, pois a função jurisdicional, embora siga sendo predominantemente exercida por magistrados e tribunais do Estado1, tam- bém pode ser exercida por órgãos e sujeitos não estatais, por meio dos meios alternativos de solução de confl itos, dentre os quais se destacam a arbitragem e a justiça interna das associações. Logo, a ideia de que o direito processual é um ramo do direito público interno, nos dias atuais, foi relativizada, pois o fenômeno de privatização do processo é crescente, tendente a atender o clamor por maior autonomia dos particulares na formação e no desenvolvimento da relação processual. Enquanto no ramo privado subsistiria uma relação de coordenação entre os sujeitos integrantes da relação jurídica — como no direito civil, no direito comercial e no direito do trabalho —, no público prevaleceria a supremacia estatal face aos demais sujeitos. Nessa linha de raciocínio, o direito processual — assim como o constitu- cional, o administrativo, o penal e o tributário — constituiria ramo do direi- to público, visto que suas normas, ditadas pelo Estado, são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos litigantes ao interesse público. Essa dicotomia entre público e privado é apenas utilizada para sistematiza- ção do estudo, pois, modernamente, entende-se que está superada a denomi- nada summa divisio, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da função social perseguida pelo Direito. Assim sendo, fala-se hoje em constitucionalização do Direito. Dessa forma, abandonada a visão dicotômica, podemos defi nir o direito processual como o ramo da ciência jurídica que trata do conjunto de regras e princípios que regulamentam o exercício da função jurisdicional do Estado. Vale ainda dizer que o direito processual, quanto às normas de incidência, classifi ca-se como direito internacional ou direito interno; o direito interno, por sua vez, subdivide-se em espécies de acordo com o direito material ora veiculado, estando de um lado o direito processual penal (que compreende TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 5 regras processuais que veicularão matérias sobre o direito penal militar e o direito penal eleitoral) e de outro, o direito processual civil, sendo que este último subdivide-se em comum e especial. São consideradas especialidades do direito processual civil o direito processual trabalhista,direito processual eleitoral, direito processual administrativo e, por fi m, o direito processual previdenciário, cada qual com regras próprias hábeis a viabilizar melhor a realização do direito material em questão. QUADRO ESQUEMÁTICO: Direito Processual Internacional Interno Direito Processual Civil Comum Especial Direito Processual Trabalhista Direito Processual Eleitoral Direito Processual Penal Comum Especial Direito Processual Militar Direito Processual Eleitoral CORRENTE UNITARISTA E DUALISTA DA CIÊNCIA PROCESSUAL Distinguem-se, na doutrina, duas correntes acerca da sistematização do direito processual: a que acredita na unidade de uma teoria geral do processo (unitarista) e a que sustenta a separação entre a ciência processual civil e a pe- nal, por constituírem ramos dissociados, com institutos peculiares (dualista). No entanto, a posição mais adequada, a nosso ver, é a que entende pela existência de uma única teoria geral do processo, tendo em vista que a ciência processual, seja penal, civil, ou até mesmo trabalhista, obedece a uma estru- tura básica, comum a todos os ramos, fundada nos institutos jurídicos da ação, da jurisdição e do processo. Longe de pretender afi rmar a unidade legislativa, a teoria geral do processo permite uma condensação científi ca de caráter metodológico, elaborando e coordenando os mais importantes conceitos, princípios e estruturas do direi- to processual. Importante destacar que novos e modernos diplomas, como a Lei Maria da Penha — Lei nº 11.340/06, que visa a prevenir e reprimir a violência TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 6 2 Conferir artigos 1º e 33 da Lei nº 11.340/06. doméstica, adotam a sistemática de juízos híbridos, sugerindo a criação de varas especializadas, com competência civil e criminal, de modo a facilitar o acesso à justiça e conferir proteção mais efetiva à vítima de tais situações de violência2. Dessa forma, o estudo da teoria geral do processo é fruto da autonomia científi ca alcançada pelo direito processual e tem como enfoque o complexo de regras e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição, pelo Estado-Juiz; da ação, pelo demandante (e da defesa, pelo demandado); bem como os ensinamentos acerca do processo, procedimento e pressupostos. FONTES DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO As fontes de direito em geral podem ser conceituadas como os meios de produção, expressão ou interpretação da norma jurídica. Assim, as normas de direito processual emanam das fontes que inspiram este ramo do direito e podem ser classifi cadas em formais e materiais. Fontes formais são aquelas que detêm força vinculante e constituem o próprio direito positivo. A fonte formal do direito processual, por excelência, é a lei lato sensu. Em sentido estrito, apontamos, inicialmente, a Constituição Federal, que consagra os chamados princípios constitucionais processuais, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, a duração razoável do processo, a isonomia e a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. Fontes materiais são as que não possuem força vinculante nem caráter obrigatório, mas se destinam a revelar e informar o sentido das normas pro- cessuais. São assim considerados os princípios gerais do direito, o costume, a jurisprudência (entendimento dos tribunais) e a doutrina (ensinamentos dos autores especializados). De se registrar que, hoje, a fi gura da súmula vinculante, prevista no artigo 103-A da Carta de 1988 e regulada pela Lei nº 11.417/06, torna o preceden- te judicial fonte material do direito nesta hipótese. Trata-se de uma fi gura hí- brida, com características de norma abstrata, eis que aplicável a todos, porém surgida a partir de um caso específi co, e, por isso, também norma concreta entre as partes envolvidas naquele litígio. São, portanto, fontes do Direito Processual brasileiro: a) Constituição — Estabelece, em matéria de direito processual, im- portantes diretrizes e garantias fundamentais: Art. 5º: isonomia / paridade de armas (caput); segurança jurí- dica e coisa julgada (inciso XXXVI); inviolabilidade da intimidade e sigilo das correspondências e comunicações, relacionadas à ativi- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 7 dade probatória e cognitiva processual (incisos X e XII); direito à informação (inciso XXXIII); tutela jurisdicional efetiva — inafas- tabilidade do Poder Judiciário (inciso XXXV); juiz natural (incisos LIII e XXXVII); devido processo legal (inciso LIV); contraditório e ampla defesa (inciso LV); ações constitucionais para a tutela de direitos fundamentais (habeas corpus — inciso LXVII; mandado de segurança — inciso LXIX; mandado de injunção — inciso LXXI; habeas data — inciso LXXII; ação popular — inciso LXXIII); as- sistência jurídica gratuita (inciso LXXIV); razoável duração do pro- cesso (inciso LXXVIII). Em outros dispositivos da Constituição: obrigatoriedade de fun- damentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX); atividade juris- dicional é ininterrupta (art. 93, inciso XII); organização e funciona- mento de instituições essenciais à administração da justiça (Ministério Público — arts. 127 a 130; advocacia — arts. 131 a 135). Competência legislativa processual defi nida na Constituição: Art. 22, I, CRFB — privativa da União; Exceção: art. 24, X e XI — concorrente UF, Estados e DF — juizados espe- ciais e procedimentos em matéria processual. Art. 62, §1º, alínea b (introduzido pela EC 32/2001) — proibi- ção de edição de medidas provisórias em matéria processual. b) Tratados internacionais — podem ter força de emenda constitucio- nal se versarem sobre direitos humanos e forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros (art. 5º, §3º). Mesmo assim, nenhum tratado poderá alterar qualquer direito ou garantia processual que constitu- am cláusula pétrea (art. 60, § 4º). c) Lei complementar — as matérias tratadas por LC não podem ser objeto de medida provisória (inserida pela EC 32/2001). Em ma- téria processual, existem 3 matérias que devem ser tratadas por lei complementar: Estatuto da Magistratura (art. 93, caput); organi- zação e competência da Justiça Eleitoral (art. 121); normas sobre direito processual em matéria tributária (art. 146). d) Lei ordinária — como regra geral, as normas processuais devem ser veiculadas por lei ordinária, ressalvados os casos em que a própria Constituição exige lei complementar (vide item anterior). Princi- pais leis processuais ordinárias vigentes em nosso ordenamento: CPC (Lei 5.869/73); Assistência judiciária gratuita (Lei 1.060/50); TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 8 3 Art. 543-C, CPC. Art. 285-A, CPC. Art. 103-A, CF. 4 Equidade: art. 20, §4º, CPC, Lei 9.307/96 e art. 127, CPC. 5 Art. 1º do CPC: “A jurisdição civil, con- tenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Códi- go estabelece.” Art. 1.211: “Este Código regerá o processo civil em todo o terri- tório brasileiro. (...).” Mandado de segurança (Lei 12.016/2009); Ação Civil Pública (Lei 7.347/85); CDC (Lei 8.078/90). e) Fontes complementares — art. 126, CPC (costumes, analogia, os princípios gerais de direito, jurisprudência3 e equidade4, art. 4º, Lei de Introdução ao Código Civil — Dec. Lei nº 4.657/42). NORMA PROCESSUAL O Estado é o responsável pela determinação das normas jurídicas, que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais nor- mas podem: a) defi nir direitos e obrigações; b) defi nir o modo de exercício desses direitos. As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de normas jurídicas primárias ou materiais. Elas fornecem o critério a ser observado no julgamentode um confl ito de interesses. Aplicando-as, o juiz determina a prevalência da pretensão do demandante ou da resistência do demandado, compondo, desse modo, a lide que envolve as partes. As segundas, de caráter instrumental, compõem as normas jurídicas se- cundárias ou processuais, provenientes do direito público, conforme já ressal- tado. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do confl ito de inte- resses, disciplinando a participação dos sujeitos do processo (principalmente as partes e o juiz) na construção do procedimento necessário à composição jurisdicional da lide. A efi cácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da territorialidade, conforme expressam os arts. 1º e 1.211, 1ª parte, do CPC5. O princípio, com fundamento na soberania nacional determina que a lei processual pátria é aplicada em todo o território brasileiro (não sendo proibi- da a aplicação da lei processual brasileira fora dos limites nacionais), fi cando excluída a possibilidade de aplicação de normas processuais estrangeiras dire- tamente pelo juiz nacional. Devido ao sistema federativo por nós adotado, compete privativamente à União legislar sobre matéria processual, conforme determina o art. 22, I, da CF. Não ocorre, pois, como nos EUA, em que as leis processuais divergem de um Estado para outro. Não obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar de Estado para Estado, uma vez que o art. 24, XI, da CF, outorgou competência concorrente à União, aos Estados-membros e ao Distrito Federal para legislar sobre “procedimentos em matéria processual”. Além disso, ao lado das normas processuais (art. 22, I, da CF) e das proce- dimentais (art. 24, XI, da CF), existem as normas de organização judiciária, que também podem ser ditadas concorrentemente pela União, pelos Estados TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 9 e pelo Distrito Federal (CF/88, arts. 92 e segs., merecendo especial destaque os arts. 96, I, “a”, e 125, § 1.°). No tocante à efi cácia temporal das normas, aplica-se o art. 1.211, 2ª parte, CPC, segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos a serem realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo. No que tange ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei processual começa a vigorar quarenta e cinco dias após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na prática, é comum que se estabeleça a vigência imediata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em con- formidade com o art 5º, XXXVI, da Magna Carta e art. 6°, LICC. Por fi m, quanto à forma de interpretação da norma processual, ou seja, determinar seu conteúdo e alcance, há diversos métodos de interpretação da norma jurídica que também podem ser estendidos à norma processual. Assim, de maneira resumida, podemos classifi cá-los em: a) literal ou gra- matical, que, como o próprio nome já diz, leva em consideração o signifi cado literal das palavras que formam a norma; b) sistemático, segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com as demais regras do ordenamen- to jurídico, que devem compor um sistema lógico e coerente que se estabele- ce a partir da Constituição; c) histórico, em que a norma é interpretada em consonância com os seus antecedentes históricos, resgatando as causas que a determinaram; d) teleológico, que objetiva buscar o fi m social da norma, a mens legis, ou seja, diante de duas interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda às necessidades da sociedade (art. 5º, LICC); e e) comparativo, que se baseia na comparação com os ordenamentos estrangeiros, buscando no direito comparado subsídios para a interpretação da norma. Conforme o resultado alcançado, a atividade interpretativa pode ser clas- sifi cada em: a) declarativa, atribuindo à norma o signifi cado de sua expressão literal; b) restritiva, limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o legislador disse mais do que pretendia; c) extensiva, conferindo-se uma interpretação mais ampla que a obtida pelo seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que pretendia; d) ab-rogante, quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de incompatibilidade abso- luta com outra regra ou princípio geral do ordenamento. Acerca dos meios de integração, destacamos que, com o advento do Có- digo Francês de Napoleão, em 1804, institui-se a importante regra de que o magistrado não mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei. Tal norma foi seguida pela maioria dos códigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 10 6 “Art. 126. O juiz não se exime de sen- tenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito”. Dessa forma, o art. 126, CPC6, preceitua a vedação ao non liquet, isto é, proíbe que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação da decisão. Para tanto, há de se valer dos meios legais de colmatagem de lacunas, pre- vistos no art. 4º, LICC, a saber: a analogia (utiliza-se de regra jurídica prevista para hipótese semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito (princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico). Ressalte-se, por fi m, que interpretação e integração têm funções comuni- cantes e complementares, voltadas à revelação do direito. Ambas possuem cará- ter criador e permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO Para fechar estas noções iniciais, vale abordar rapidamente a evolução his- tórica do direito processual brasileiro, com ênfase no processo civil. Fixamos nossa volta ao passado no período que se inicia com o descobri- mento do Brasil. Nesse período, ganhava grande relevo a fi gura do municí- pio, concebido como núcleo administrativo implantado em território bra- sileiro. Nele, o exercício da jurisdição era desempenhado através dos juízes ordinários ou da terra, cuja nomeação se dava por escolha de “homens bons”, numa eleição desvinculada dos interesses da Coroa, que, buscando sua repre- sentação, nomeava os chamados “juízes de fora”. Quando da criação das capitanias hereditárias, impunha-se aos donatários a incumbência de reger as questões judiciais provenientes de suas terras, po- der este limitado tanto pelas leis advindas do Reino como pelas então deno- minadas cartas forais. A autoridade jurisdicional máxima fazia-se presente na fi gura do ouvidor-geral. Durante o período colonial, o Brasil era regido pelas leis processuais portuguesas, como não poderia deixar de ser, visto que Brasil e Portu- gal formavam um Estado único. Vigoravam, nesta época, as Ordenações Filipinas, que dispunham de forma quase completa sobre a administra- ção pública. O processo civil foi regulado em seu livro III, composto por 128 capítulos, abrangendo os procedimentos de cognição, execução, bem como os recursos. As Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo após a in- dependência brasileira, foram de grande importância para o direito brasilei- ro. Com uma estrutura bastante moderna, eram compostas por cinco livros, dentre os quais o terceiro tratava da parte processual civil. Apesar da vigência das Ordenações Filipinas, o Brasil também era regido, nesta época, pelas cartas dos donatários, dos governadores e ouvidores e, ain- da, pelo poder dos senhores de engenho, que faziam sua própria justiça ou TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 11 7 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve noticia sobre laconciliación en el pro- ceso civil brasileño. In: Temas de direito processual: quinta série. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 95. Interessante trans- crevermos aqui os arts. 161 e 162 da Constituição do Império, que estabele- ciam, respectivamente, a tentativa pré- via de conciliação como pressuposto de constituição válida do processo e a atri- buição de competência ao juiz de paz para tentar promovê-la. “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum. Art. 162. Para este fi m haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e manei- ra, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”. infl uenciavam a justiça ofi cial, ora pelo prestígio que ostentavam, ora pelo parentesco com os magistrados. Com a proclamação da independência em 07 de setembro de 1822, tor- nou-se necessária uma reestruturação da ordem jurídica interna, o que foi alcançado através da Carta Constitucional de 1824, com a introdução em nosso ordenamento de inovações e princípios fundamentais, principalmente no campo criminal, em que a necessidade de mudanças se fazia mais eviden- te, tais como a abolição da tortura e de todas as penas cruéis. Por outro lado, verifi cou-se a consagração da divisão dos poderes e o esta- belecimento da harmonia destes com o Poder Moderador, buscando garantir os direitos ditados pela Carta Magna, assim como a composição e indepen- dência do Poder Judiciário. Estipulou-se ainda a necessidade e a obrigatorie- dade de um juízo conciliatório prévio7. Todavia, apesar da nova ordem constitucional que surgiu nesse momento, as Ordenações Filipinas e demais normas jurídicas de origem portuguesa não perderam vigência, pois o Decreto de 20 de outubro de 1823, adotando-as como lei brasileira, determinou que só seriam revogadas as disposições con- trárias à soberania nacional e ao regime brasileiro. Assim, atendendo às exigências da Carta Constitucional, no campo pro- cessual penal, tivemos a promulgação do Código de Processo Criminal em 1832, que, rompendo com a tradição portuguesa, inspirou-se nos modelos inglês (acusatório) e francês (inquisitório), fornecendo ao legislador brasileiro elementos para a elaboração de um sistema processual penal misto. Além disso, o novo Código também trazia, em um título único composto por vinte e sete artigos, a “disposição provisória acerca da administração da justiça civil”, simplifi cando o processo civil ainda regulado pelas Ordenações Filipinas. Em 1850, logo após a edição do Código Comercial, entraram em vigor os Regulamentos nº 737 (considerado o primeiro diploma processual brasileiro) e 738, que disciplinavam, respectivamente, o processo das causas comerciais e o funcionamento dos tribunais e juízes do comércio. O direito processual civil, contudo, permaneceu regulado pelas disposi- ções das Ordenações e suas posteriores modifi cações, levando o governo a promover, em 1876, uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com for- ça de lei, que fi cou conhecida como Consolidação Ribas, em virtude de sua elaboração a cargo do Conselheiro Antônio Joaquim Ribas. Proclamada a República, o Regulamento 737 foi estendido às causas cí- veis, mantendo-se a aplicação das Ordenações e suas modifi cações aos casos de jurisdição voluntária e de processos especiais. Após o advento da Constituição de 1891, no entanto, conferiu-se aos Estados a possibilidade de legislar sobre matéria processual, aumentando o espectro de competência antes pertencente somente à União Federal, após o TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 12 que várias leis foram promulgadas, regulamentando as mais diversas questões processuais. Em 1º de janeiro de 1916, foi editado o Código Civil Brasileiro, tratando não só das questões de direito material, mas também de algumas processuais. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, veio à luz o Código Judiciário de 1919, promulgado pela Lei nº 1.580 de 20 de janeiro, seguido pelo Código de Processo Civil do Distrito Federal, de 31 de dezembro de 1924, e devida- mente promulgado pelo Decreto nº 16.751. Finalmente, a Carta de 1934 consagrou a unifi cação processual, atribuin- do novamente a competência para legislar em matéria processual exclusiva- mente à União, o que foi mantido pela Constituição de 1937, em seu artigo 16, inciso XVI, possibilitando assim a edição do Código Brasileiro de Proces- so Civil, através do Decreto nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. A unifi cação processual se justifi cava pela necessidade de uma normati- zação uniforme ante o grande número de leis existentes em cada Estado, as quais há muito se mostravam obsoletas e incapazes de satisfazer o objetivo primordial do processo civil, qual seja, o de tutelar efetivamente os direitos subjetivos. Não obstante, o artigo 1º do Código deixou à apreciação de lei especial a regulamentação de algumas matérias específi cas, tais como as desapropria- ções, as ações trabalhistas e os litígios entre empregados e empregadores. O Código de 1939 teve o mérito de se inspirar nas mais modernas dou- trinas europeias da época, introduzindo importantes inovações em nosso or- denamento processual, como o princípio da oralidade e a combinação do princípio dispositivo e do princípio do juiz ativo, permitindo uma maior agilidade nos procedimentos. Chegamos, assim, ao atual Código de Processo Civil, introduzido em nos- so ordenamento jurídico pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e base- ado no anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid. O CPC de 1973 permanece em vigor até hoje. Contudo, sofreu inúmeras alterações, sobretudo a partir do início da década de noventa do século XX. Teve início aí a chamada Reforma Processual, processo fragmentado em de- zenas de pequenas leis que se destinam a fazer mudanças pontuais e ajustes “cirúrgicos”. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 13 JURISPRUDÊNCIA PROCESSUAL CIVIL — ACÓRDÃO QUE NEGA PROVI- MENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO — DECISÃO POR MAIORIA — EMBARGOS INFRINGENTES — LEI VIGENTE NA DATA DO JULGAMENTO — PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL — DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO NO RE- CURSO ESPECIAL DE VIOLAÇÃO EXPRESSA DE DISPOSI- TIVO LEGAL ESPECÍFICO — ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA ANÁLISE DO RESP. 1. Os argumentos apresentados pelo agravante são insufi cientes para fazer prosperar o presente recurso; pois, ao contrário do que ale- gado, o recurso foi analisado sob a ótica da aplicabilidade da Lei n. 10.352/2001, que alterou o teor do artigo 530 do CPC, nos termos do recurso especial. 2. Não há necessidade de se alegar violação expressa dos artigos 1º e 6º da LICC, quanto à questão de confl ito intertemporal de normas, no caso dos autos, uma vez que os elementos trazidos pelo recorrente, no recurso especial, foram sufi cientes para a sua análise. Com efeito, o juiz não fi ca obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo sufi cien- te para fundamentar a decisão. 3. A Apelação foi julgada, por maioria de votos, pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em 19.2.2002, portanto anterior 27.3.2002, data de vigência da Lei n.10.352/2001, que alterou o artigo em análise. 4. O cabimento do recurso regula-se, segundo entendimento desta Corte, pela lei vigente ao tempo em que proferida a publicidade da de- cisão (pronunciamento pelo Presidente da Turma julgadora), de modo que, à hipótese dos autos, não se aplica a nova redação dada pelo artigo 530 do Código de Processo Civil, em razão da Lei n. 10.352/2001, mas sim a redação anterior. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 772.666/MG, Relator Min. Humberto Martins, Segunda Turma,julgamento unânime em 22/04/08). LEITURA OBRIGATÓRIA CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Capítulos I a III (na 17. edição, de 2008, p. 3-31). TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 14 LEITURAS COMPLEMENTARES CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. São Paulo: Ma- lheiros. Capítulos 1 a 3 (na 28. edição, de 2012, p. 27-58); e capítulos 6 a 10 (na 28. edição, de 2012, p. 97-151). GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulo II (na 3. edição, de 2011, p. 21-54). TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 15 8 No passado houve quem defendesse a utilização da nomenclatura direito judiciário, ao invés de direito processu- al, já que é a função jurisdicional, e não o processo, utilizado pelo Estado para o exercício da Jurisdição, o cerne prin- cipal desta ciência. É este, inclusive, o título da obra do grande processualista João Mendes de Almeida Júnior: Direito Judiciário Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940. 9 GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMAR- CO, Cândido R., CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo, 14ª edição, São Paulo, Revista dos Tribu- nais, 1997, p. 40. 10 DINAMARCO, Cândido Rangel, Fun- damentos do Processo Civil Moderno, 3ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 727. 11 Simbolicamente, aponta-se o ano de 1868, quando o jurista alemão Oskar von Bülow lançou sua obra Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exce- ções Dilatórias (em alemão Die Lehre von den Processeinreden und die Processvorausserzungen) como marco de nascimento de uma Teoria Geral do Processo. AULAS 2 E 3: O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA SURGE UM NOVO DIREITO PROCESSUAL O direito processual é o ramo do Direito que possui como objeto de estu- do a função jurisdicional8, exercida pelo Estado. Como se sabe, o Estado De- mocrático de Direito, no exercício de seu poder soberano, uno e indivisível, realiza três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional. É justamente esta última função que será estudada pela Teoria Geral do Processo. Desde já, é conveniente destacar que a expressão direito processual pode se referir à ciência ou à norma. Na primeira dessas acepções, temos o ramo da ciência jurídica que estuda o exercício, através do Estado, da função jurisdicional e, no segundo sentido (norma, direito objetivo), o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado9. A ciência processual contemporânea é resultado de inúmeras transforma- ções que se procederam, ao longo da história, pela atuação dos aplicadores do Direito e pela incansável colaboração dos estudiosos do Direito. De fato, até o século XIX não se falava em uma Teoria Geral do Processo, haja vista que a ação era concebida como desdobramento do próprio direito material e o instituto jurídico do processo, como sinônimo de procedimento. Naquela época, como se pode perceber, o direito processual consistia em uma simples parte, mero apêndice, do direito privado, sem que fosse atribuída autonomia científi ca àquela matéria10. No decorrer do século XIX, este quadro começa a se alterar e, gradati- vamente, são desenvolvidos conceitos e estruturas próprias que resultam na autonomia do processo11. Dessa maneira, a Teoria Geral do Processo ganha conotação científi ca e é fortalecida por primorosos estudos sobre o processo, ação e jurisdição que, por fi m, conduzem à autonomia deste ramo do Direito. Na virada do século XIX para o XX, ocorreu uma profunda construção dog- mática do processo na Europa Ocidental, onde se destacaram os estudos de Giu- seppe Chiovenda e Francesco Carnelutti. Contudo, em meados do século XX, quando a ciência processual já estava estruturada e contava com seus próprios institutos, o processo passa por um período de crise. De fato, a comunidade jurídica começa a perceber que o sistema processual não pode ser destituído de conotações éticas e de objetivos a serem cumpridos nos planos social e político. Em 1950, durante o ato inaugural do Congresso Internacional de Direito Processual Civil de Florença, o consagrado professor italiano Piero Calaman- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 16 12 Com efeito, as ideias do festejado jurista reproduzidas no texto denomi- nado “Processo e justiça” (Processo e giustizia), já demonstravam profunda preocupação com o objetivo maior do processo, que é chegar a uma decisão justa. CALAMANDREI, Piero (tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernan- des Barbery). Processo e justiça. In: Di- reito processual civil. Vol. III. São Paulo: Bookseller, 1999. 13 Existe outro livro, Acesso à justiça, traduzido para o português por Ellen Gracie Northfl eet, que pode ser consi- derada uma versão mais condensada, escrita pelo professor Cappelletti em companhia do professor Bryant Garth, com base em dois volumes da obra anteriormente citada: CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justi- ça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. Tradução Ellen Gracie Northfl eet. Título original: Access to justice: the worldwide movement to make rights eff ective. 14 a) Assistência judiciária para os po- bres; b) representação dos interesses coletivos e difusos; e c) um novo enfo- que de acesso à justiça amplo, efetivo, justo e adequado. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. drei realiza profundas críticas a essa visão demasiadamente abstrata e dog- mática da ciência processual, visão esta que não atentava para as verdadeiras fi nalidades da atividade jurisdicional: “O pecado mais grave da ciência processual destes últimos cinquenta anos tem sido, no meu entender, precisamente este: haver separado o processo de sua fi nalidade social; haver estudado o processo como um território fechado, como um mundo por si mesmo, haver pensado que se podia criar em torno do mesmo uma espécie de soberbo isolamento separando-o cada vez de maneira mais pro- funda de todos os vínculos com o direito substancial, de todos os contatos com os problemas de substância, da justiça, em soma.”12 Não obstante, somente alguns anos depois, na década de setenta do século passado, é que se pode identifi car o verdadeiro turning point de nossa ciên- cia. Naquela década, o notável jurista peninsular Mauro Cappelletti, baseado em profundo trabalho de pesquisa do Instituto de Pesquisas de Florença, e de diversas escolas ao redor do mundo, escreveu a magistral obra de qua- tro volumes denominada Access to Justice13, em que apresentava relatórios e conclusões de diversos anos de pesquisa, além de numerosas sugestões para melhorar o problema do acesso à justiça. Esta obra é considerada o marco de nascimento da atual fase instrumentalista ou teleológica da ciência processu- al. No trabalho de Cappelletti, estão retratados os diversos obstáculos encon- trados em vários países do mundo para que se tenha uma justiça efetiva. São também sugeridas possíveis soluções para o problema: Cappelletti se referiu a três momentos a serem superados, aos quais chamou de “ondas renovatórias” do acesso à justiça14. Estavam, assim, lançadas as premissas de uma nova concepção do processo. Na atual fase de evolução do direito processual, busca-se um efetivo e am- plo acesso à justiça. O Judiciário idealizado por Cappelletti deve ser acessível a todos e a todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contem- plando o titular de um direito com tudo e exatamente aquilo que o ordena- mento jurídico lhe assegura. A atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados individuais e socialmente justos.Assim, o direito processual de nossos dias é caracterizado por uma menor preocupação com as formalidades processuais e maior com a justiça da de- cisão e os reflexos desta na sociedade. Deseja-se, assim, formar um processo apto a atingir os resultados políticos e sociais que legitimam sua existência. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 17 15 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivis- mo. In: Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho. Espanha: Doxa 21-I, 1998, p. 209-220. PÓS-POSITIVISMO E TEORIA GERAL DO PROCESSO É comum nos dias de hoje em nossa comunidade jurídica a afi rmativa de que nosso Direito se encontra na fase “pós-positivista”. O signifi cado da ex- pressão “pós-positivismo” é de difícil — senão impossível — defi nição. Em verdade, ela busca representar o atual momento em que, sem fugir do princípio da legalidade, se deseja superar alguns excessos do positivismo radical que imperou em nossos tribunais no século XX. Segundo o jusfi lósofo espanhol ALBERT CALSAMIGLIA15, os adeptos do pós-positivismo não defendem um antipositivismo (ou direito alternati- vo). O que ocorre é um deslocamento do enfoque das questões abordadas e, em alguns casos, o distanciamento de certas teses sustentadas pela maior parte da doutrina positivista. De forma sintética, segundo o referido autor, são dois os pontos em que o pós-positivismo busca dar este novo enfoque: (a) Os limites do Direito. No pós-positivismo, as normas jurídicas não possuem somente elementos descritivos para tratar de fatos passados, mas também elementos prescritivos, com o objetivo de oferecer elementos ade- quados para resolver problemas práticos. Existe uma preocupação relaciona- da aos elementos de completude do ordenamento para solucionar hard cases. Uma das tendências mais importantes da teoria jurídica contemporânea é sua insistência nos problemas relativos à indeterminação do Direito, pois as tra- dicionais fontes normativas não podem resolver todas as questões. Ademais, o pós-positivista coloca o julgamento (a aplicação do direito), e não a legis- lação, como feito pelos positivistas, no centro da análise da ciência jurídica. (b) A relação entre Direito e moral. Para o positivista, a moral só tem importância na medida em que ela é reconhecida pelo ordenamento jurídico (o Direito não perde sua coercitividade por ser injusto). Na realidade, ao contrário do que comumente se afi rma, a moral possui curial importância para o Direito, ora na interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, de princípios jurídicos, ora em outros momentos em que o magistrado se encontra diante de lacunas do ordenamento. Assim, conclui CALSAMIGLIA, as ferramentas oferecidas pelo legislador são insufi cientes para construir uma forma de julgamento aplicável a todo e qualquer caso. Dentro dessa perspectiva, é natural que seja ultrapassada a antiga concep- ção de que a atividade jurisdicional seria uma atividade meramente decla- ratória de direitos. Contudo, até hoje, muitos cursos de direito processual adotados no Brasil ainda partem daquela velha premissa, consagrada na lição de Montesquieu, de que o juiz seria a mera boca que pronuncia as palavras da lei. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 18 16 MARINONI, Luis Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Recentemente, Luiz Guilherme Marinoni, Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Paraná, publicou sua obra de Teoria Geral do Processo16, em que busca superar a clássica visão apontada no parágrafo anterior. Baseado nas lições de ilustres autores alienígenas — tais como Hans Kelsen, Owen Fiss e Mauro Cappelletti —, Marinoni defende a possibilidade da construção de novos direitos através da prestação da tutela jurisdicional. Como se sabe, o surgimento de normas jurídicas relacionadas à imple- mentação de direitos sociais, no decorrer do século XX, acarretou a gradual transformação do Welfare State em um imenso Estado administrativo, sobre- carregado de funções a desempenhar, bem diferente de seu antecessor, o Es- tado liberal. A implementação desses direitos sociais exige ações por parte do Estado. Nesse passo, importantíssimas implicações são impostas aos juízes. O Judiciário de nossos dias não realiza mais apenas a tutela de direitos civis e penais relativos ao cidadão, mas, também, o controle dos poderes políticos do Estado. À guisa de exemplo, vale apontar as recentes discussões sobre a sindicabilidade ou não do ato administrativo pelo Estado-juiz e sobre a pos- sibilidade ou não do controle jurisdicional sobre as omissões administrativas. Ademais, com o reconhecimento da existência de uma terceira geração de direitos humanos — os interesses difusos — restou evidente o caráter de dis- cricionariedade existente na atividade jurisdicional, bem como a necessidade de repensar toda a Teoria Geral do Processo. TUTELA JURISDICIONAL DE INTERESSES DISPONÍVEIS E INDISPONÍVEIS. INTERESSE DE GRUPO Inexiste critério objetivo no direito positivo brasileiro para determinar se estamos diante de interesses disponíveis ou indisponíveis. Nossa doutrina também não chegou a um consenso sobre quais direitos são ou não indisponíveis e quais os parâmetros para tal classifi cação. Há ca- sos, como por exemplo, no direito de família e nos direitos da personalidade, em que é difícil apontar se determinado interesse é ou não disponível. De qualquer modo, há hipóteses em que não encontramos dúvidas de que estamos diante de tutela de determinado interesse que não está na esfera de disponibilidade das partes que litigam em juízo. É o caso, por exemplo, da tutela do meio ambiente realizada por intermé- dio de uma ação civil pública. Nessa hipótese, os legitimados pelo art. 5º da Lei nº 7.347/84 atuam em nome de toda a sociedade e, por essa razão, não podem abrir mão de um interesse que não lhes pertence. A ação civil pública é hoje o principal instrumento de tutela de direitos coletivos em nosso país e possui previsão constitucional no artigo 129, in- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 19 ciso III e § 1º, da Constituição Federal, sendo regulamentada pelas Leis nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Sua criação e de- senvolvimento são atribuídos à constatação da insufi ciência dos mecanismos processuais existentes para proteger direitos que transcendem o indivíduo, seja em razão da difi culdade de identifi car sua titularidade, de dividir seu objeto ou, ainda, de tutelá-los de maneira individual. De fato, é na tutela do interesse de grupo que fi ca mais evidente a ne- cessidade de repensar a Teoria Geral do Processo para que seus institutos se adaptem à chamada jurisdição coletiva. A necessidade de adequar o processo às exigências de uma sociedade mas- sifi cada, ditada pelos avanços tecnológicos e culturais e, bem assim, por suas implicações em diversos setores, tais como o meio ambiente, as relações tra- balhistas e de consumo, as políticas públicas e os direitos das minorias, trouxe à tona o debate acerca da reformulação dos institutos e princípios tradicio- nais do direito processual, de conotação meramente individualista. Como se verá ao longo do curso, institutos tradicionais da Teoria Geral do Processo, tais como legitimidade e coisa julgada, tiveram que ser adaptados para que esse ramo do Direito pudesse tratar, também, de interesses de gru- po. De igual modo, os princípios constitucionais do processo adquirem uma nova dimensão na tutela de direitos indisponíveis. BREVE CONCLUSÃO Conforme ressaltado, são dois os principais motivos que levam à necessi- dade de reformulação da Teoria Geral do Processo: (a) superação da clássica concepção da jurisdição como atividade mera- mente declaratória de direitos;(b) necessidade de adaptar seus tradicionais institutos à tutela coletiva de direitos. Acrescente-se a isso o atual estágio de insatisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional. Assim, é necessário buscar novos meios para que se atinja um efetivo e amplo acesso à justiça. Com efeito, nosso sistema jurídico deve ser acessível a todos e todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contemplando o titular de uma posição jurídica de vantagem, em tempo razoável, com exatamente aquilo que o ordenamento lhe assegura. Nesse passo, a atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados in- dividuais e socialmente justos. É dentro dessa perspectiva que deve ser compreendido o nosso curso de Teoria Geral do Processo. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 20 LEITURAS OBRIGATÓRIAS BUENO, Cássio Scarpinella. O “modelo constitucional do direito processual civil”: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. Revista de Processo, n. 161, jul. 2008, p. 261- 270. GRINOVER, Ada Pellegrini. Modernidade do direito processual brasileiro. In O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 3-19. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: alguns mitos. Revista de Processo, n. 99, jul./set. 2000, p. 141-150. LEITURAS COMPLEMENTARES BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Temas de direito constitucional, tomo IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 61- 120. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. São Paulo: Ma- lheiros. Capítulo 5 — Direito processual constitucional (na 28. edição, de 2012, p. 87-97). DINAMARCO, Cândido Rangel. Universalizar a tutela jurisdicional. Fun- damentos do processo civil moderno, tomo II. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 838-875. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulo I — Paradigmas da justiça contemporânea e acesso à justiça (na 3. edição, de 2011, p. 1-20). MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito pro- cessual: uma contribuição para o seu reexame. Revista Forense, nº 361, mai/jun 2002, p. 47-72. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns fatores extrajurídicos no julgamento colegiado. In Temas de direito processual: sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 145-172. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de “meios”: uma outra di- mensão do princípio da fungibilidade. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, coor- denadores Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.090-1.144. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 21 AULAS 4 E 5 — OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES DO DIREITO PROCESSUAL CASO DA AULA A “Associação dos Moradores e Amigos da Praia de Itaguaçu” ajuizou ação civil pública, em face da Petrobrás, objetivando a reparação de graves danos ao meio ambiente causados por essa empresa. Ao receber a petição inicial, o magistrado determinou, ex offi cio e antes mesmo do prazo previsto para apre- sentação de defesa pela ré, que fosse realizada prova pericial para determinar a extensão dos prejuízos causados ao meio ambiente. A empresa ré recorreu da decisão do magistrado alegando violação da cláusula due process of law, em especial dos princípios da ampla defesa, contraditório, isonomia e imparciali- dade, haja vista que tal medida, que sequer foi requerida pela autora, deveria ser cumprida antes mesmo da apresentação de sua contestação. Indaga-se: agiu corretamente o magistrado? Providência semelhante pode- ria ter sido tomada por ele em demanda que tratasse de interesse individual disponível? PRINCÍPIOS PROCESSUAIS POSITIVADOS NA CONSTITUIÇÃO Abaixo, seguem alguns dos princípios mais relevantes do direito processual, positivados constitucionalmente. 1 — Princípio da Igualdade (Isonomia) — art. 5º, caput, CF/1988 O princípio da igualdade é garantido em todos os ramos do Direito, e no ramo processual ele é recepcionado sob a denominação de princípio da igual- dade das partes (CPC, art. 125, I). O conteúdo desse princípio se relaciona com a necessidade de o juiz tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades. O CDC, quando determina a inversão do ônus da prova, está dando um tratamento desigual aos desiguais, na medida exata de suas diferenças. Observação: várias normas favoráveis a sujeitos processuais públicos suscitam dúvidas sobre eventual afronta ao princípio da igualdade. Al- guns exemplos: TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 22 1. Prazos diferenciados para a Fazenda Pública e o Ministério Públi- co: em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188, CPC). 2. Ciência dos atos judiciais pelo Ministério Público mediante vista dos autos (art. 236, §2º, CPC) e não mediante publicação na impren- sa, como é feito com os litigantes comuns. 3. Honorários advocatícios arbitrados por equidade quando a Fa- zenda Pública é condenada, conforme art. 20, §4º, CPC. 4. Duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475, incs. II e III, CPC) — remessa necessária para as ações que envolvem a Fazenda Pública. 2 — Princípio da Inafastabilidade (Substancial) do Controle Jurisdicional — art. 5º, XXXV, CF/88 O art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira traduz norma fundamental para o processo dos dias atuais. E não se trata “apenas” de garantir o acesso formal ao Judiciário. Muito além disso, tem-se interpretado o dispositivo como uma garantia substancial de tutela jurisdicional efetiva e adequada. Ou seja, estaria aí, em essência, a garantia de acesso à justiça, com implicações e desdobramentos os mais amplos. Também se enxerga no art. 5º, XXXV, da Constituição o próprio princípio da efetividade, central na atual fase instru- mentalista do direito processual. 3 — Princípios da Imparcialidade e do Juiz Natural — art. 5º, XXXVII e LIII, CF/88 De acordo com a Constituição Federal, os agentes estatais têm o dever de agir com impessoalidade (art. 37, CF/88). Além do artigo 37, a CF traz, no seu artigo 93, incisos I a III, as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Essas três garantias aos magistrados são in- dispensáveis para a sua independência e imparcialidade, e, de certa forma, servem para blindar os juízes de pressões externas. Os artigos 134 e 135 do CPC são aqueles que preveem as hipóteses de impedimento e suspeição do juiz e também possuem como escopo garantir a imparcialidade dos juízes. Quanto ao princípio do juiz natural, ele encontra previsão no art. 5º, inci- sos XXXVII e LIII, CF, e consiste em dizer que o exercício da jurisdição deve se dar por juízes investidos e competentes na forma da Constituição e das leis. O signifi cado histórico para o princípio do juiz natural se resume em: a) julgamento por juiz investido na função jurisdicional; b) preexistência do órgão judiciário; c) juiz competente segundo a Constituição e as leis. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 23 17 Curso de Direito Processual Civil, vol, 1, 2008. p. 45. 4 — Princípio do Devido Processo Legal — art. 5º, LIV, CF/88 É a tradução de uma expressão inglesa “due process of law”, cunhada ori- ginariamente há cerca de 800 anos. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, em suas Instituições, essa garantia possui o signifi cado sistemático de fechar o círculo das garantias constitucionais do processo, ou seja, o princípio do devido processo legal ressalta a necessidade da indispensabilidade de todas as garantias processuais. 5 — Princípio do Contraditório — art. 5º, LV, CF/88Diz Fredie Didier Jr.: “O processo é um instrumento de composição de confl ito — pacifi cação social — que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser de- composto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de infl uência na decisão”17. Dessa maneira, a doutrina atual entende o contraditório de maneira bem mais abrangente. Não bastam ciência e participação, como defi nia a doutrina clássica. Mais do que isso, é fundamental que as partes tenham a possibilida- de de infl uenciar no convencimento do juiz. Daí a importância de o contra- ditório ser prévio à decisão que será proferida, salvo quando houver risco de perecimento de direito. 6 — Princípio da Ampla Defesa — art. 5º, LV, CF/88 É um princípio correlato ao princípio do contraditório, previsto também no artigo 5º, LV, CF/88, Vale assinalar que o princípio da ampla defesa é aplicado de maneira bem mais intensa no processo penal do que no processo civil, como não poderia ser diferente. 7 — Princípio da Duração Razoável do Processo ou Celeridade — art. 5º, LXXVIII, CF/88 A Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 8º, I, prevê que “Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)”. Para alguns autores, tendo em vista o fato de que o art. 5º, §1º, CF, recep- ciona direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte, o direito a um processo sem dilações indevidas já fazia parte do ordenamento pátrio. Para outros, ele poderia ser deduzido do princípio TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 24 18 Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há un dirit- to tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di conseguire” (CHIOVENDA, Giuseppe. “Dell’azione nascente dal contrato preliminare” In: Saggi di di- ritto processuale civile. Milano: Giuff rè, 1993, v. 1, p. 110). do devido processo legal, art. 5º, LIV, que, como já vimos, serve como um princípio geral no qual estão consagradas todas as garantias processuais. Esta discussão perdeu o objeto no momento em que a EC nº 45/04 in- cluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, tornando ex- presso o princípio da celeridade ou duração razoável do processo. Como saber se um processo teve uma duração razoável ou não? A Corte Europeia de Direitos do Homem fi xa três critérios: a) complexidade do as- sunto; b) comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusa- ção e da defesa no processo; c) atuação do órgão jurisdicional, tanto no que se refere a sua estrutura, quanto no que se refere à atuação do juiz e servidores da justiça. EFETIVIDADE COMO VALOR FUNDAMENTAL DO PROCESSO CONTEMPORÂNEO Muito antes da evolução do processo para sua atual missão política e social, voltada para a instrumentalidade e a efetividade, CHIOVENDA já preconizava que o ideal do processo deveria ser “dar a quem tem direito” o quanto possível e, de forma prática, tudo e exatamente aquilo que tivesse direito18. Com razão, é de se perceber que o processo, instrumento de reali- zação dos direitos, somente obtém êxito integral em seu mister quando for capaz de gerar, na realidade social, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas. Daí se dizer que o processo ideal é aquele que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da exata prestação devida. Assim, se determinada pessoa é credora de uma obrigação de não fazer, o ordenamento deve dispor de mecanismos hábeis a impedir que o devedor descumpra essa obrigação. Eventual conversão em perdas e danos não satis- faz, por completo, os ideais perseguidos pelo processualista moderno. À guisa de exemplo, basta pensar em eventuais danos causados ao meio ambiente (direitos difusos), em que uma tutela preventiva (inibitória) é bem mais efi caz do que a tutela pelo equivalente monetário. Conforme já referido, o direito processual, através de suas normas e prin- cípios, atinge hoje a denominada fase instrumentalista, não podendo mais ser visto apenas como ramo meramente técnico para realização do direito material, mas sim como meio efetivo e célere para produzir justiça entre os membros da sociedade. Destarte, considera-se principalmente o modo como os seus resultados chegam ao jurisdicionado. Por outro lado, é importante observar que um fator negativo, em especial, tem sido considerado como obstáculo quase que insuperável para que tenha- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 25 19 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. Faz importantes ob- servações sobre as consequências da lentidão do processo para a sociedade. 20 DORIA, Rogéria Dotti. A tutela anteci- pada em relação à parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. mos um processo efetivo: o fator tempo. A lentidão da Justiça traz consequ- ências danosas para toda a sociedade, em todos os seus setores19. Não foi por acaso que nosso legislador constituinte derivado alçou o princípio da razoável duração do processo (Emenda Constitucional nº 45/05) à categoria de nor- ma constitucional, alterando, assim, o art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 e fazendo a inclusão, no seu inciso LXXVIII, da exigência de que todo processo judicial tenha um prazo de duração razoável. EFETIVIDADE E TEMPO DO PROCESSO “Enquanto a efetividade dos direitos exige uma atuação extremamente ágil e rápida por parte do Poder Judiciário, a busca da segurança jurídica demanda cautela, cuidado e, acima de tudo, tempo.”20 Inúmeras reformas foram feitas em nossa legislação processual com a fi - nalidade de obter um processo mais efetivo. Dentre as diversas alterações feitas, destacamos a introdução dos institutos da “tutela antecipada” (art. 273, CPC) e da “tutela específi ca” das obrigações de fazer e não fazer (art. 461, CPC), realizadas pela Lei. 8.952/94 (Reforma Processual de 1994) e, posteriormente, alteradas pela Lei. 10.444/02 (a “reforma da reforma”, que ampliou a incidência da tutela específi ca também para as obrigações de dar coisa certa (art. 461-A, CPC). Como acima referido, o tempo é um dos maiores entraves existentes para que se tenha um processo justo. Normalmente, os ônus causados pela mo- rosidade da Justiça recaem sobre o autor do processo, que necessita aguardar longos anos — às vezes até décadas — para receber aquilo que lhe está as- segurado pelo ordenamento jurídico. “Justiça tardia é justiça pela metade” é frase constantemente ouvida nos corredores forenses. Malgrado a reclamação com a lentidão do processo seja quase que unâ- nime, não se pode deixar de observar que, em quase todo processo, existe pelo menos uma parte — muitas vezes o réu — interessada em procrastinar a prestação jurisdicional. Assim, a legislação processual possui mecanismos para, em determinadas situações, inverter os ônus causados pela morosidade da justiça, quando o direito do autor estiver evidenciado no processo. TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada é uma espécie de tutela sumária, ou seja, aquela que é feita sem um grau de cognição de certeza do direito e sim com base no juízo TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 26 21 Classifi cação atribuída a WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed., São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas Judiciais, 1999. de probabilidade, conforme previsto no art. 273 do CPC. Diferencia-se essa espécie da cognição exauriente21, realizada na sentença, onde se busca um grau maior de convicção acerca do direito disputado. A tutela antecipada é uma técnica processual que permite a antecipação dosefeitos da tutela defi nitiva. Dessa forma, ela vem dirimir o confl ito existente entre a tutela do direito e o tempo do processo (direito x tempo). O legislador permite que o juiz antecipe os efeitos da decisão de mérito fi nal com o intuito de evitar que o decurso do tempo limite ou impossibilite o exercício do direito. Os requisitos da tutela antecipada se dividem em genéricos (sempre de- vem ser observados) e específi cos (incidem de acordo com o caso concreto). REQUISITOS DA TUTELA ANTECIPADA Genéricos Específi cos Verossimilhança das alegações (art. 273, caput, CPC) Haja fundado receio de dano irrepará- vel ou de difícil reparação (art. 273, I, CPC). Prova inequívoca (art. 273, caput, CPC) Caracterização do abuso de defesa (art. 273, I, CPC). Denominado de ante- cipação sanção. A tutela deve ser reversível (art. 273, §2º, CPC), salvo nos casos em que o juiz ponderar os direitos envolvidos e deferir a tutela antecipada, ainda que seja irreversível. Pedido incontroverso (art. 273, §6º, CPC). Hipótese de tutela de evidência, que poderia ser equiparada a uma sen- tença (parcial). TUTELA ANTECIPADA X TUTELA CAUTELAR Não se pode confundir o instituto da tutela antecipada com a tutela cau- telar, que há muito já estava expressamente prevista na legislação processual (vide Livro III do CPC / 73). Contudo, é importante observar que as medidas antecipatórias já existiam pontualmente em nosso ordenamento, mesmo antes da nova redação do art. 273 do CPC. Como exemplo, temos as liminares concedidas na ação de des- pejo, ação possessória, mandado de segurança, ação de alimentos. Assim, por não existir expressa previsão de uma antecipação de tutela, a doutrina e a juris- prudência, para assegurar a efetividade do provimento jurisdicional e o acesso à justiça, passaram a admitir a concessão de “cautelares satisfativas”, normal- mente concedidas através de ações cautelares inominadas. Com a adoção da tutela antecipada na reforma de 1994, o provimento antecipatório passou a ser admitido em todos os demais procedimentos previstos na legislação processual. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 27 Embora relacionadas às situações em que o tempo aparece como grave obstá- culo à efetividade do processo, tutela antecipada e tutela cautelar possuem fi nali- dades diversas. De fato, o escopo da medida cautelar é a efetividade do processo principal, que, sem a mesma, poderá ser inútil (exemplo: arresto dos bens de de- vedor que está dilapidando seu patrimônio). A tutela antecipatória, por sua vez, visa proteger o próprio direito, que corre o risco de perecer. A tutela antecipada é satisfativa; a cautelar, não. As tutelas satisfativas são aquelas que permitem a atua- ção prática do direito material, assegurando o bem comum da vida humana pro- tegido pelo processo. Por sua vez, a tutela não satisfativa é aquela que não protege o direito material, mas sim se limita a assegurar a utilidade do instrumento pro- cessual (daí se dizer que as cautelares possuem “instrumentalidade ao quadrado”). É válido observar que nem sempre a tutela antecipada terá como requisito o perigo na demora da prestação jurisdicional. Esta é apenas a primeira das hipóteses de concessão da tutela antecipada (273, I CPC), podendo, ainda, a tutela antecipada ser utilizada em hipótese de abuso de direito de defesa do réu (273, II) ou quando um ou mais dos pedidos realizados, ou parte de algum desses pedidos, for incontroverso (273, § 6º do CPC). Em qualquer das três hipóteses, entretanto, deve ser demonstrada pelo requerente a probabilidade de existência de seu direito por meio de prova inequívoca. EFETIVIDADE DA TUTELA ANTECIPADA A atual redação do art. 461 do CPC trouxe inovações expressivas, todas inspiradas no princípio da maior coincidência possível entre a prestação de- vida e a tutela jurisdicional a ser entregue. Até 1994, a opção que se oferecia ao credor para a impossibilidade de obter tutela específi ca era a de converter tal prestação em sucedâneo pecuniário de perdas e danos. Hoje, uma outra opção é apresentada, podendo se exigir do obrigado o estrito cumprimento da omissão ou da ação pela qual se obrigou, em face da lei ou do contrato, somente se substituindo a prestação específi ca por outra que assegure o re- sultado prático equivalente ao do adimplemento. Também se possibilita a aplicação de multa processual, denominada astreinte. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 28 JURISPRUDÊNCIA Princípio do contraditório e eficácia horizontal dos direitos fundamentais SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRA- SILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELA- ÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igual- mente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constitui- ção vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando di- recionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurí- dico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio tex- to da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detri- mento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especial- mente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e de- fi nidas pela própria Constituição, cuja efi cácia e força normativa tam- bém se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDA- DE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO- ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações priva- das que exercem função predominante em determinado âmbito econô- TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 29 mico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores — UBC, sociedade civil sem fi ns lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fi ca impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profi ssional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo asso- ciativo para o exercício profi ssional de seus sócios legitimam, no caso concreto,a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. Recurso Extraordinário desprovido. (RE 201.819, julgado em 10/10/05). Interceptação telefônica no processo civil Em situações excepcionais, é possível interceptação telefônica em investigação de natureza civil (fonte: www. stj.jus.br. Acesso em 01/09/2011) É possível a intercepção telefônica no âmbito civil em situação de extrema excepcionalidade, quando não houver outra medida que res- guarde direitos ameaçados e o caso envolver indícios de conduta consi- derada criminosa. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar habeas corpus preventivo em que o respon- sável pela execução da quebra de sigilo em uma empresa telefônica se recusou a cumprir determinação judicial para apurar incidente de na- tureza civil. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) julgou cor- reta a decisão do juízo de direito de uma vara de família, que expediu ofício para investigar o paradeiro de criança levada por um familiar contra determinação judicial. O gerente se negou a cumprir a ordem porque a Constituição, regulamentada neste ponto pela Lei 9.296/96, permite apenas a interceptação para investigação criminal ou instrução processual penal. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 30 O TJMS considerou que é possível a interceptação na esfera civil quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, como no caso julgado, em que foram expedidas, sem êxito, diversas cartas precatórias para busca e apreensão da criança. O órgão assinalou que o caso põe em confronto, de um lado, o direito à intimidade de quem terá o sigilo quebrado e, de outro, vários direitos fundamentais do menor, como educação, alimentação, lazer, dignidade e convivência familiar. Para o tribunal local, as consequências do cumprimento da decisão judicial em questão são infi nitamente menos graves do que as que ocor- reriam caso o estado permanecesse inerte. Segundo o relator no STJ, ministro Sidnei Beneti, a situação inspira cuidado e não se trata pura e simplesmente de discussão de aplicação do preceito constitucional que garante o sigilo. Embora a ordem tenha partido de juízo civil, a situação envolve também a necessidade de apurar a suposta prática do delito previsto pelo artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Sub- trair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fi m de colocação em lar substituto.” O ministro destacou que o responsável pela quebra do sigilo não de- monstrou haver limitação na sua liberdade de ir e vir e não há informa- ção no habeas corpus sobre o início de processo contra ele, nem sobre ordem de prisão cautelar. “Não toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte”, ressaltou o ministro. “Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha razões para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade jurisdicional, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito”, afi rmou o ministro. Tendo em vista não haver razões para o receio de prisão iminente, a Terceira Turma não conheceu do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa. Promotor Natural Informativo 511 (Fonte: www.stf.jus.br. Acesso em 29/11/2011) A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado a partir de investigações procedidas na denominada “Operação Anaconda” pela suposta prática do crime de corrupção ativa (CP, art. 333) pleiteava a nulidade de procedimento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CF, arti- gos 5º, LIII; 127, § 1º e 128, § 5º, b), bem como de violação a regras TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 31 contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promotor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atua- ção do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e ins- titucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fi xadas e conhecidas. Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orien- tação essa confi rmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ ES (DJU de 20.2.2006). Considerou-se que, mesmo que eventualmen- te acolhido o mencionado princípio, no presente caso não teria ocorri- do sua transgressão. HC 90277/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 17.6.2008. (HC-90277) LEITURAS OBRIGATÓRIAS CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Capítulo IV (na 17. edição, de 2008, p. 33-59). DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dis- positivo e cooperativo. Revista de Processo, n. 198, ago. 2011, p. 213- 225. GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios processuais fora do processo. Revista de Processo, n. 147, maio 2007, p. 307-330. LEITURAS COMPLEMENTARES CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. São Paulo: Ma- lheiros. Capítulo 4 (na 28. edição, de 2012, p. 59-86). DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol 1. Salvador: Podivm. Capítulo I (na 9. edição, de 2008, p. 27-63). NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Saraiva. TEORIA GERAL DO PROCESSO FGV DIREITO RIO 32 AULAS 6 A 8: JURISDIÇÃO CASO DA AULA José e Maria, separados de fato há mais de 5 anos, com fi lho menor im- púbere, ingressam em juízo requerendo, “amigavelmente”, a dissolução do vínculo matrimonial que os une e que seja concedida a guarda compartilhada da criança. O ato a ser praticado pelo magistrado possui conteúdo adminis- trativo ou jurisdicional? É possível ajuizar ação rescisória para atacar julgado proferido em sede de jurisdição voluntária? INTRODUÇÃO A jurisdição constitui a forma estatal, por excelência, de composição de litígios, embora não seja a única. A sociedade, desde tempos longínquos, convive com divergências que geram os confl itos, as lides. Para solucionar esta resistência à negociação, o Estado, que veda a autotutela, manifesta-se por meio da jurisdição, cuja regência se operará por meio dos ritos estabele- cidos pelo legislador. Palavra que vem do latim jurisdictio (que etimologicamente signifi ca “di- zer o direito”), a jurisdição tem como fi m último a pacifi cação social e con- siste em um poder-dever do Estado, pois, se por um lado corresponde a uma manifestação do poder soberano do Estado, impondo suas decisões de forma imperativa, por outro corresponde a um dever que o Estado assume de diri- mir qualquer confl ito que lhe venha a ser apresentado. Assim, à medida que o Estado, vedando a justiça privada, retira do indi- víduo a possibilidade de buscar por suas próprias forças a resolução dos con- fl itos, assume, em contrapartida, o poder-dever de solucioná-los com justiça, uma vez que a perpetuação de pretensões insatisfeitas e controvérsias penden- tes de resolução constituiria fonte de intensa perturbação da paz social. Segundo o grande processualista Giuseppe Chiovenda, a função jurisdi- cional é concebida como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade objetiva e concreta da lei, mediante a substituição de uma atividade privada por uma atividade pública; ou, consoante outro grande processualis- ta peninsular, Francesco Carnelutti, como a função estatal de justa composi- ção da lide, entendida esta última como o confl ito
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