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Viva a Fiscalização - Texto de João Neto

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Viva a fiscalização! 
 
Por João Neto 
 
Viva a fiscalização! 
 
Eu fico imaginando alguém em uma festa tentando se enturmar e puxando conversa com 
essa frase...Nada seria mais eficiente para espantar as pessoas. Por sorte, em um texto como 
este é possível explicar o que há por trás dessa estranha saudação. Não estou me referindo a 
qualquer tipo de fiscalização, mas especificamente à de trânsito. Ei, espera aí, leitor, não vá 
embora! Leia mais um pouco! 
 
O objetivo da fiscalização é alterar o comportamento das pessoas. Existem tendências de 
comportamento que são próprias do ser humano e que não se consegue mudar 
simplesmente através do convencimento. Isso vale para as pessoas de um modo geral. Vale 
para o brasileiro, para o europeu, para o americano. Em termos de trânsito, o 
comportamento do motorista inglês sempre surge como exemplo de cidadania, de respeito 
ao próximo e de desenvolvimento, pois, a mais leve menção do pedestre em colocar o pé na 
faixa, pára seu carro imediatamente. É um fato que isso ocorre, mas é apenas um produto 
de uma fiscalização sempre presente e baseada em multas altas. Na verdade, a Inglaterra é o 
país mundialmente mais rígido na fiscalização do trânsito, seguido pela Noruega e Suécia. 
Ora, se o desenvolvimento de um país, incluindo o nível cultural de seus cidadãos, pudesse 
garantir um bom comportamento no trânsito, não bastaria apenas a educação de trânsito? 
Por que a necessidade de tamanha rigidez na fiscalização? 
 
Existe uma rebaixada “auto estima” do brasileiro em relação aos demais quando o assunto é 
o comportamento, de um modo geral. Vamos a dois exemplos do trânsito: há alguns anos 
foi feita uma campanha para aumentar o uso do cinto de segurança em oito estados norte- 
americanos. A campanha era baseada em um “slogan” mais ou menos assim: “use o cinto 
ou leve uma multa”. O resultado foi considerado ótimo. O estado com a melhor resposta foi 
o Tennessee, que viu seu índice de utilização do cinto saltar de 55 para 75% dos motoristas. 
Na cidade de São Paulo, desde maio de 1995, esse índice flutua entre 86 e 96%. Dos 
estados americanos pesquisados, só a Carolina do Norte teve números próximos aos da 
capital paulista. Motoristas que param espontaneamente quando os pedestres estão prestes a 
iniciar a travessia? Pode escolher a cidade: Palmas, Brasília ou Petrolina. Em todas elas, o 
comportamento é o mesmo do motorista inglês. Ora, o que acontece, então? Nessas três 
cidades moram brasileiros atípicos? Nada disso. Os casos das cidades brasileiras mostram 
os bons resultados que podem ser alcançados com a política correta aplicada no conjunto 
engenharia, educação e, principalmente, fiscalização. 
 
O fato é que o ser humano é o mesmo em qualquer lugar do mundo. O que faz a diferença 
entre o comportamento de um em relação ao outro é o nível de fiscalização. Podem apostar: 
se for suspensa a fiscalização em qualquer desses locais ou países citados, gradativamente 
haverá um relaxamento em relação às normas de boa conduta no trânsito. Portanto, não 
temos motivos para nos considerarmos inferiores. Com exceção de um componente descrito 
mais à frente, o comportamento do brasileiro não difere de nenhum outro povo. 
 
Mas, por que essa rigidez? Por que cobrar tão caro pela desobediência às leis de trânsito? A 
resposta é simples – a fiscalização poupa vidas. Ao investir na mudança de comportamento 
e na redução dos maus hábitos como dirigir com excesso de velocidade ou embriagado, o 
retorno para a sociedade é imediato. São menos pessoas feridas, menos leitos ocupados nos 
hospitais, menos famílias traumatizadas. A nossa referência, a Inglaterra, tem um índice de 
mortalidade no trânsito cinco vezes menor do que o Brasil. 
 
Olhando por esse ângulo, por que a fiscalização de trânsito é um assunto tão mal visto em 
nossa sociedade? Uma das culpadas é a famigerada história da “indústria de multas”. 
História da carochinha, pois não é racional pensar na possibilidade de uma “indústria de 
multas”, pelo simples fato de que não é possível punir alguém que não fez nada de errado. 
Se todos dirigirem corretamente, ninguém receberá multas. É lógico que toda essa 
argumentação se baseia no pressuposto que a Engenharia de Tráfego está cumprindo sua 
parte. Se não for esse o caso, temos uma outra realidade, que não é nosso objeto, no 
momento. Consideremos, portanto, que a questão técnica esteja sendo bem tratada. São 
Paulo é uma das cidades que tem tradição em Engenharia de Tráfego. Em uma pesquisa 
feita pela Companhia de Engenharia de Tráfego - CET na cidade, constatou-se que, no 
período entre março de 2.000 e março de 2.004, 79% dos motoristas não levaram multas. 
Que “indústria” então é essa? Uma parte do mito da “indústria” foi alimentada pela mídia. 
Como uma parcela da população é contra a fiscalização, matérias sobre esse assunto davam 
bom retorno, sobretudo as negativas. Era comum nessas matérias a apresentação de alguns 
exemplos esdrúxulos, como o caso do motorista de um caminhão multado porque estava 
sem capacete, o que acabavam convencendo àqueles que não tinham opinião formada sobre 
o assunto. Porém, o que explica o caso do capacete? Ora, são lavradas milhares de 
penalidades por dia no Brasil. A maior parte delas é decorrente de um processo humano, de 
detecção e preenchimento de um talão. É natural que ocorram erros. Para corrigir esses 
erros, existem mecanismos para os recursos de multa. É onde o caso do capacete deveria 
parar e não em uma página de jornal. Mas, felizmente, as coisas têm mudado. Já não se fala 
da fiscalização de forma tão negativa. Em março de 2.005 fui agradavelmente surpreendido 
pela seguinte manchete de jornal: “Cai número de multas e de acidentes”. Saiu no Jornal de 
Jundiaí. É a falência do mito “indústria de multas”. Com um melhor comportamento dos 
motoristas, as multas deixam de ser lavradas e, o que é o melhor de tudo, o produto é um 
trânsito menos violento. 
 
Até este ponto, tentei me basear em fatos, apontando dados e estatísticas facilmente 
comprováveis. Mas, deixei para o final uma opinião pessoal, uma vez que não tenho como 
provar o que vou citar. Apesar do que foi dito anteriormente, minha experiência na área de 
trânsito mostrou que existe um importante componente no comportamento que faz 
diferença entre nós, brasileiros, com os europeus e norte-americanos. Ainda estamos sobre 
influência de heranças elitistas, que começaram na época colonial e foram reforçadas na 
ditadura militar, onde as leis não são exatamente para todos. Embora há um bom tempo o 
regime político no país seja o democrático, ainda é possível verificarmos pelas ruas 
comportamentos do tipo “você sabe com quem está falando?” e outros exemplos de 
autoritarismo e arrogância. Nesse ponto, as leis de trânsito incomodam, porque são 
democráticas. A placa de proibido estacionar não faz ressalvas. O radar não poupa os que 
superam a velocidade, seja lá qual for a classe social do infrator. A pontuação na carteira 
impede que o cidadão de maior poder aquisitivo possa desobedecer a lei simplesmente 
porque tem como arcar com o valor da multa. Falta ainda reduzir essa herança cultural a 
níveis desprezíveis para que tenhamos um trânsito menos violento, com respeito às leis e à 
sinalização. A fiscalização deve estar presente e impondo penalidades pesadas. Mas, sendo 
cada vez menos usada. Refazendo a frase inicial, fiscalização é vida! Pelo menos no 
trânsito...

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