Buscar

bucher cap1

Prévia do material em texto

r--
Capítulo 1
o fundoantropológico
relaçãoterapêutica
-.,J.c...,j,)..
.1,
Podemosdefinira relaçãoterapêutica
comoa interaçãoe o vínculoQuese ç~
tílbeleceentre duas pessoas,reunidas
comum intuitomuitoespecífico,a sa-
ber,o deexercerumefeitobenéficoso-
bre umamoléstia,.uma"queixa"de um
dosprotagonistas,e istomediantea uti-
lizaçãode certastécl1!ca~~~.trans_!J1is-
~ãode certospoderes.Assim definida,
ressaltaIQgoquenãosetrataaí de um
fenômenoque teriasurgidosó recente.
mentenahistóriadahumanidade.Já não
há quemduvide,hoje em dia, que a
épocamodernasecaracterizapelodesen-
volvimentofulguranteda tecnolosdae
das suas aplicaçõesnas mais diversas
áreasda vida do homem;contudo,isto
não quer dizer quetodatéc . asejanova
ou tivessesidocriadaexnihil Na área
da saúde,particularmente,importasa.
lientar os esforços já milenares- con.
comitantescomos primeirospassosda
humanização- de desenvolvertécnicas
terapêuticas,artesanaisou espirituais,
quepossaminfluenciaras condiçõesfí.
sicasou mentaisdo outro.
- ... .. .. ~
l-
"
~.
I.
I-
I~
~,.
~~
=I
-~
-~
da
Vestígiosdestesprimeirosencontros
terapêuticosentre homens,bem como
de técnicas"primitivas"visandopropi-
ciar aooutroumbem-estarmaior,de fa-
to existemhoje aindae participam,de
maneiraconsiderável,em técnicasmo-
dernasde tratamentosomatoou psico-
terápico.Ê precisamentea presencade
taisvestígiosquedesignamos"fundoan-
tropológico"da relacãoterapêutica.
Porém, cabe distinguir aqui vários
sentidosda palavra "antropologia".Ê
comum,hoje em dia, falar em "funda-
mentosantropológicos"da psicoterapia
(ver,porexemplo,Frankl(1)),* em"pro-
legômenasantropológicas"que presidi-_
riamo exercícioda psicologiaclínicaem
geral(v. Pongratz(2)), ou aindaem"an.
tropologiapsicológica",denominaçãode
um dosvolumesda série"Nova Antro-
pologia" (Gadamer& Vogler(3». Nes.
te volume,encontramosporexemploum
trabalhosob o título,bemsugestivo,de
. Os númerosremetemà Bibliografiado
final do Capítulo.
1
'. ...._......
.::fr.essupostosantroDolósÚcosocultosda
psicololdageral"(4).No entanto,o au-
tor, Holzkamp"especificaque não se .
refereà antropologiamédicaou etno-
gráfica; ele se situa na perspectiva
de um "questionamentogeneralizante",
transcendendoas ciênciasparticulares
para chegara conclusõesa respeitoda
"natureza",da"essência"do homemco-
mo homem,ao nívelmaisuniversalpos-
sível.
Ele seaproxima,pelasuaabordagem,
da concepçãode E. Morin(5),segundo
a quala antropologiarepresenta- ou,
melhor, deveriarepresentar- a.unidade
das ciênciasdo homem.Entendidaco-
mo "ciênciado fenômenohumano",a
antropologiaenglobaria,pois, todasas
ciênciashumanas,considerandohistória,
psicologia,sociologiaetc.,não comodo-
míniosà parte,mascomocomponentes
ou dimensõesde um mesmofenômeno
global. A unidadefundamentaldestas
ciênciasseriao homem,cuja diversida-
de, dada históricae subjetivamente,é
estudadapelasdiversasdisciplinasdas
ciênciashumanas.Estas,para quepos-
sam abarcara complexidadelógicain-
ternado fenômenohumano,se situarão
necessariamentenuma perspectivabio-
psicossocial,sendoo antropológicoinse-
paráveldo biológico.
Nestavisão,portanto,a antropologia
faz abstraçãoda historicidadee subieti-
vidadedo homem,pararevelaro Que
podemoschamaras estrucuraspsíquicas
e sociaisdo"serhumano".estruturases-
tasqueescapariamaométododa obser-
vaçãoe,portanto,aosestudiososdocom-
portamento.Nestesentido,o questiona-
mentosobreasestruturashumanasapro-
xima-seda"antropologiafilosófica",sub-
disciplinadafilosofiae quepretendepre-
2
cisamenteestabelecerteoriasafirrnaci,-;:s
no que tangeà "natureza"do 1:~o
enquantohomem.Comotaisenunciados
se baseiamna reflexãofilosóficaacera
do homem,eles serãonecess2riamente
abstratose generalizantes,alémde con-
duzira certasproposiçõesdeordeméti-
co-moral,tocantesà questãodos~-alores
a seremrealizadosnaexistênciahumana.
Contud~,nãoé nestalinhaque..Ha.1z.-
kamp argumenta.O autor dec"nvnlvc.
~uestionamento an!r_Q.Q91qgic9~'com
umaintençãocritk..a,visandoanalisaros
pressupostosimplícitos,de cunhoantro-
pológico,que norteiam as investigações
de áreasparticularesdaciência- áreas
aparentemente..neutras isentasde re-
presentaçõesnormativasou ideativasa
respeitoda naturezahumana,quer do
pesquisador,quer do "objeto" pesqui-
sado.
Percebe-seque um tal Questionamen-
to ~ríticofaz parte_do âmbitç:Ld!l.cr:1ticq
da ciência,ou seja,daepistemologia.Aí
ele ~,uropõe comotarefadesvendara
presençairrefletidade taispressupostos.
De fato,é óbvioque não há atividade
científicaquesedesenvolvasemum pa-
no de:,fu.~4o_~~Qrde'.!Lbi&óriç_1l_~_,~_~-
"iropológ..!~.!e isto apesarde todas as
aparênciasde---neutralidadee objetivida-
de científicas;estepanode fundo será-
tantomaiorquantoa ciênciase ocupe
maisdo estudodo próprioserhumano,
nasciênciashumanas,pois,e,particular-
mente.nasciênciashumanasclínicas.
Contudo,não nosé possívelaprofun-
dar,nopresentetrabalho,a questãoepis-
temológicada psicologiaclínica ou da
relação terapêutica;contentar-nos-emos
emressaltaraquia suaimportância,co-
locandoo questionamentocríticodasim-
plicaçõesantropológicascomoumaexi-
gênciapermanentena atuaçãodo cien-
~
No campoespecíficoda relaçãotera-
pêutica,cumpremencionaraindaa cor-
renteda "antropologiafenomenolóldca",
que contribuiucomtrabalhosimportan-
tesà elucidaçãodasimplicaçõesexisten-
ciais no trabalhocI.\.t:I.\Ç9.Porém,trata-se
aí deumaperspectivametodológicae fi-
losóficaprópria,portadoradepressupos-
tos explícitos,espiritualistase religiosos,
pelo que entra,a nossover, facilmente
em contradiçãocoma exigênciade crí-
tica epistemológica,basede toda abor-
dagemcientíficado homem.
Portanto, deixaremosde lado esta
acepçãoparticulardotermoantropologia;
inclinamo-nosempensarquea buscado
sentidoda existência,preconizadapor
esta corrente fenomenológica(Frankl,
Binswanger,v. Gebsattele outros(6»),
ultrapassaascompetênciase tarefaspro-
fissionaisdo psicoterapeuta.Entendemos
que, no seu trabalho,estenão deveria
nortear-sepor premissasreligiosasou
ideológicasacercado sentidoda existên-
cia ou no que tangea conteúdospro-
gramáticosa seremrealizadosna vida;
umatal posturacorreo risco,por causa
ãe sua prepotênciaimplícita,de querer
se substituirà buscada verdade,busca
que competea cadasujeitoindividual-
mente. .
Acreditamosquese abandoneo cam-
po do trabalhoclínico e psicoterápico,
guandose'propõe(ou atése impõe)um
sentidopreestabelecido- sejaele"an-
tropológico"ou mesmomessiânico-
parasolucionaros tormentosdeuma es-
soaemcon Itocomosoutros.coma so-
ciedàdee consigomesmo.
Por estarazão,preferimosnãotratar,
nestecapítulo,dos"fundamentos"ou da
"fundamentação"antropológicada prá-
tica clínica,no sentidode quereresta-
belecerumabasefilosóficaamplaonde
implantaras teoriase as técnicasde in-
tervençõesterapêuticassobreoutrem.
Falandode"fundoantropológico",en-
tendemosentãoo coniuntoderepresen-
tações.expectativas,crençase atitudes
irrefletidasquesemanifestamnumare-
Jaç.ãUmpêuticl!, sobretudodapartedo
paciente.Tais representacõesseapresen-
tam de maneirairrefletidaporque.!!L
involuntárias-c,na maioriadas vezes,
inconscientes.oriundasdas "camadas"
maisprecoces,primordiaisda estrutura-
çãopsíquicahumana.Pode-sedizer,pois,
que elasconstituemumaherança"pri-
mitiva"'do ser humano.decorrenteda
p'!:.rmanênciade costumesancestraisuni-
versais.emboraencobertas.no homem
moderno;peloprocessocivilizat~.
Esta"cobertura"é criadae fortalecida
pelapressãosocial.educacionale cultu-
ral em geral,o queproduzpadrõesde
comportamentoequivalendoa verdadei-
duçãode um autodesconhecimentosiste-
ras"máscarasdo ego",ou ainda,à pro-
matizado;nãoobstante,elementos"pri-
mitivos" serão inelutavelmentepresen-
tes,apesarde todosos "progressos"do
homemmoderno,infiltrando.seem to-
dasassuasrelaçõesintersubjetivas.
O coniuntodestasrepresentacõesimà-
I!inárias,ora individuais,ora coletivas,
. queacompanhamousustentamasativi-
dadeshumanas.é obietode estudoda
antropologiacultural.Esta,no entanto,
sediferenciadaetnologia(bemcomoda
etnografia),distinçãoparticularmentere-
levanteno que tocaà investigaçãode
tais produçõesimagináriasno homem
3
-- ----
moderno.A etnologiaaplica-seà c.Qk-o
ção,classificaçãoe análisedosdiversos
materiaisreunidospor pesquisadoresno
terreno,ou seja,emcontatocomascha-
it;~d~~."civilizações'p_rimW,<:;lj",as "~
ciedadessem escrita".O materialda
antropologiaculturalé maisamplo,sen-
do ele constituídopelosmaisdiversos
documentos,textos,discursose outras
produçõesculturaisdo homem.
Ela nãose limita,portanto,a investi-
ga7a mentalidadetribal (ou o "pensa-
mentoselvagem", segundoa expressão
consagradade Levy-Bruhl),masestuda
as atividadesculturaissemconsiderara
sua origem.longínquaou próxima,an-
tigaou moderna- emboraprivilegian-
do, no conjuntodestes"discursos"ou
representações,os quese revelamcomo
sendoos maisarcaicos,isto é, os mais
constitutivosda humanidadedohomem.
Em seguida,ela se aplicanão somente
a analisaras representaçõesquechama-
ram a sua atenção,mastentainterpre-
tá-las,como intuitode chegara inter-
pretaçõesteóricasde alcance'geral,uni-
versale a-histórico.obtidassobretudope-
la utilizaçãodo métodocomparativo.
Destarte,suaelaboraçãofreqüentemente
é maisteórica.do quevinculadaa pes-
quisasno terreno,o queseexemplifica
nas pesquisasestruturalistasde Levi-
Strausseoutros. '
Nestecapítulo,procedemospoisà aná-
me da relaçãoterapêuticanumapers-
pectivastanto de antropologiacultural,
quantode antropologiacritica,paradis-
cernir melhoros componentesarcaicos
que, atravésde representaçõese fanta-
sias,'impregnamasinteraçõesentreo te-
rapeutae o paciente.Veremosque a
apreensãodo panode fundoantropoló-
gico é essencialparaa análisee com-
4
preensãodarelaçãomédico-paciente,uma
vezqueestanãoé umarelaçãoobjetiva
ou causal,masumarelaçãointersubje-
tiva de significações,determinadaam-
plamentepelaparticipaçãoim;lgináriae
inconscientede ambasas partes.
Agora,em que sentidoo estudoda
relaçãoterapêuticapoderáinformar-nos
sobreasestruturas,característicase pro-
priedadespumanas,a pontode estasse-
remreveladasna suadimensãomaispro-
fundae maisampla,is'toé, propriamente
antropológica?Eis o primeiroponto a
debater.
1.1. A doencae o processodecura
comoreveladores
antropoló2icos
Sequeremosresponderà questãole-
vantada,é precisoQuestionaro alcance
antropológicodaocorrênciasobrea qual
seestabelecequalquerrelacãoterapêuti-
ca'a doença(ou,nocasodeumapsico-
terapia,as "dificuldadespsicológicas").
A esterespeito,podemosapoiar-nosno
estudodeValabrega(7)sobrea relação
médico-paciente,sendoqueesteautorse
" baseiaemconsideraçõestantoantropoló-
gicasquantopsicanalíticas.
A doençaé umfatouniversalque,co-
mo tal, exigetambémumainterpretacão
antropológica.Ela se manifestade ma-
neira fatual ou acidentalna vida de
um indivíduodeterminado,mas ultra-
passasempre,pelassuasimplicaçõesexis-
tenciais,o quadroestritamentepessoal
do doente.Faz irrupcãona vida da pes-
soasobformadecrise,ameaçandoa con-
tinuidadede suaexistênciaque, até aí,
pode ter progredidode modo relativa-
menteharmonioso.Porém, a crise da
doençaabalao precárioequilíbrio des-
rC"; "C!.,'"
,ta harmonia e desvendaa fragilidade dos
alicerces humanos- sejam eles aparen-
tementefirmese bemintegradosna es-
truturade personalidade.
Simultaneamente,a' doencasurgeco-
mo um impedimentoexistenciale se
apresentacomouma "sitllaçãocatastr6-
fica" (Valabrega)quenãodeixadeevo-
car a mortalidade.Por estarazão,mes-
mo numadoençabenignaafloramfacil-'
mentesentimentos,de perplexidadee de
angústia,devidosaoconfronto,conscien-
te ou inconsciente,coma perspectivad~
própriamorte.Ora, é óbvio que a ati-
t.udedianteda morteseráaltamentere-,
levantepara o estudodo homem,mar-
cado fundamentalmente'pelatransitorie-
dadede suaexistência(ver 5.3.),o que
inexoravelmenteserálembradopelaca-
tástrofeda doença.,
Uma tal crise,no,entanto,não pro~
duz repercussõessomenteno indivíduo
afetadopeladoença;afetatambéma fa:
mília,a tribo,a sociedade,todasaspes-
soasquecercamo doente.Não queestes
sofram fisicamentejunto com aquele,
possibilidadeque raramentese realiza;
mas eles participamdo seu desequilí-
brio, da sualuta pelaconsecuçãodeum
equilíbrio renovado,atravésdos trata-
mentosempreendidoscoma finalidade,
precisamente,de extirparo mal e deen-
cerrara crise.
Percebe-se,então,quetodotratamento
seefetuasobreumfundocoletivo,e que
.a relaçãomédico-paciente,longede se
restringira estadualidade,englobavá-
rios fatorese tocaoutrasvariáveisalém
das técnicasobjetivasde tratamento.
Alémdoimpactosocialdadoençacomo
crise,caberessaltaraquiumoutroaspec-
to,enfatizadoparticularmenteporFreud.
Na sua investigaçãodo inconscientee
naelaboraçãodeumateoriacoerentedo
seu funcionamento,o fundadorda Psi-
canáliseaplicouum princípiotão des-
conhecidoquantofundamentalparacom-
preendero, alcancedo questionamento
psicanalítico.Trata-sedo "princípiode
cristal",utilizadopor Freuddesdeo iní-
-::iode suá confrontaçãocom fenôme-
nosmarginaisda atividadepsíquicahu-
mana(a saber,as diversas"formações
do inconsciente").A denominaçãoé de
caráter metafóriço:o cristal, quando
fragmentado,não se rompede maneira
arbitrária,masemconformidadecomsua
estruturainternae osseuspontosde ar-
ticulação,seguin,doas linhaspreexisten-
tes de,clivagem.Portanto,a .ruptura,a
"crise", nadamaisrevelado quea es-
truturainternapreformada.Estaé ante-
rior ao desnudamentoprovocadopelair-
rupçãodo agentepatogênicoque,deste
feito, funcionacomoum simplesreve-
lador.
Armadodesteprincípio(evocadoex-
plicitamenteem 1933,na 31." Confe-
rênciade Introduçãoà Psicanálise(S),
Freudabordouos fenômenospatológicos
e principalmenteasneuroses,tirando,a
partirdoseuestudo,conclusõesmaisam-
plas sobrea estruturaçãoe os elemen-
tosconstituintesdo "normal".Alémdis-
to, Freud operouumaverdadeira"re-
volucãocopernicana"Quandoafirmoua
relevânciadestesfenômenosmarginais
parao estudodo homem;revolucãono
sentidode operarum "descentramento"
radical,ao inverteros valoresatribuí-
dos normalmenteao centro(pressupos-
to), respectivamenteà "periferia"do ho-
mem.De chofre,a "loucura",a "insa-
nidademental"sevêemreabilitadasco-
moautênticasmanifestaçõeshumanas,es-
j
~
I
I
.
;1
'.
.
I
f'
li
!.
J
r'
it,
i'
it
It
I
'ti
.~
!~
I~
li
~
.
5
cIarecedorassobrea estruturaçãopsíqui-
ca e até"ontológica"do serhumano.
Isto significaabolir, implicitamente,a
distinçãoradicalentrenormale patoló-
gico,bem comoa segregaçãoque a so-
ciedade(istoé, nóstodos)estabelecede-
fensivamenteentreambos:se o patoló-
gico revelaa estruturapreexistentedo
normal.aquelenão podeserconstituído
de outroselementos,de umaoutra "es-
sência",do que estenormal;a diferen-
ça só poderáser de ordemquantitativa,
não qualitativa.A doença,considerada
sob esteaspectode crise, funciona,en-
tão, quando.investigadae "ouvida",:...fQ:.....
mo um reveladorantropol6gico,ofere-'
cendoaonossoentendimentoamplaspos-
sibilidadesde penetraçãona natureza
fiumana.
Se tentarmosagoradefinir positiva-
m~nte"o queé a doença",encontramos
sériasdificuldades- as mesmas,aliás,
queenfrentamosquandosetratade de-
íinir a "saúde".Esta, classicamente,se
caracterizapelaausênciade doençasou
disfunçõesorgânicas(ou eventualmente
psíquicas),o quenãodeixade ser uma
definiçãocircular, além de referir-sea
uma noçãomeramenteestáticade saú-
de. Ela não pode ser concebidacomo
um estado,masrepresentaum processo
evolutivo,em transformaçãoperpétua,
conformeà essênciada própriavida.Pa-
ra falarcomGoldstein(citadoporVala-
brega),trata-sedeum"processodeatua-
lizaçãomútuado homeme do mundo",
efetuadonumapermanenteinteração"or-
ganísmica".
Critériosestatísticostampoucopermi-
tem uma apreensãomais rigorosado
"equilíbriosanitário"Queseriaa saúde.
Podemos,aesterespeito,lembrara ob-
servaçãoparadoxalde Kubie(9), para
6
quem"a saúdeé um estadoraro,m2:S
. nempor issopatológico",o queilustra
bemo dilemae a insuficiênciade uma
abordagemmeramenteepidemiológica.E
certo que podemoselaborarestatísticas
sobrea ocorrênciade tal ou tal fenô-
menomórbido;sobrea suaprevalência
numapopulaçãodadaou sobreas ca-
racterísticasdaspessoaspreferencialmen-
te afetadas;mastodosestesdadosquan-
titativosnãonosensinarãonadasobrea
vivênciaexperimentadapelodoente,so.
bre suatransiçãoda saúdeparaa doen-
ça e sobrea relevânciaexistencialdesta
última - dimensõesqualitativase pro-
priamenteantropológicas.
Estas dificuldades,no entanto,não
nos impedemde introduziralgumasdis-
tinções,mostrandoacomplexidadedofe.
nômeno"doença".A umprimeironível,
ela'representauma verturbacãointr..a:
.orl!ânica.a "afeccão",infecciosainfla.
matóriaou funcional,comoé abordada
pelamedicinade inspiraçãoanátomo.pa.
tológica.
E óbvioquenãopodeserquestãode
negar ou minimizara importânciado
enfoqueintra-orgânico;os prodigiosos
progressosdasdisciplinasbiomédicasdes-
de o séculopassadotestemunhamsufi-
cientemente~lcance e o caráterimpres-
cindívelda abordagem"naturalista".Po.
rém,ela é insuficientequandose trata
do ser humano,devidoà indivisibilida.
de de sua globalidadepsicossomática:
quandoumapessoaadoece,nãoestamos
somentediantede umadoença,conjun.
to dealteraçõesorgânicas,biológicas,fi.
siológicas,químicase psicológicas,mas
diantede um doente.Estenãosedeixa
reduzira um simplesportadorda doen.
ça, a ser tratadaa nível de umainter.
venção"veterinária".
Em segundolugar,pelasrazõesjá Emvistadestastrêsdimensões,corres-
evoeadas,a doencaproduz,alémdasaI. pondentesà globalidadebiopsicossocial
teraçõesorgânicas,todoumconjuntode do homem,torna-seevidentequenão
_perlllrbacõesintra-subietivas,isto é, de existeuma"doençapura",abstrataou
l]1..Qdificacõesdadinâmicainconscienteou "ideal"- apreensível,quandomuito,no
intrapsíquicae dereaçõescorresponden-estudodocadáver,masnãonoservivo.
. tes,quera níveldocomportamentoob. Os processosintrae intersubjetivossão
-serYável,querproteladasou manifes- I!artesintegrantesda doençahumana,
tadasindiretamente.Tais repercussões,atuandoemseusurgimento,suaevoluo
produzidasemqualquerdoençapeloaba. çãoeseudeclínio.Sãoelesquedetermi.
10doequilíbriohomeostáticodapessoa, nama dimensãoantropológicade sua
sedevemao entrelaçamentoíntimodo ocorrência.
somáticoe dopsíquico,vistoqueo ho- Podemosafirmar,pois,quea doença
memétantoum"corpoanimado"quan. nãoé uma"coisa"quereside"nodoen.
to uma "alma encarnada".Contudo. face te" - ponto de vista, como vimos, ne.
ao.dualismopsicossomático,é precisoen. cessário,masinsuficientena perspectiva
fatizara uniãoindissolúvelde ambasas desenvolvida,a dahumanidadedo doen-
vertentes,cuia separaçãocorresponde te. Pode-sedizerentãoque,ao nívelhu.
maisa umanecessidadedidáticado nos. mano,aoníveldapráticamédica,a doen-
s_o_~.nt~.D.Qimentodo Quea umaconstata- ça,mesmoa maisorgânica,envolvesem.
çãoempíricaou clínica. .P!!E..pelomenosdoissujeitos,paraserre.
Portanto,alémda alteraçãoorgânica, _~onhe.Çi~~tratadae eventualmentecura.
é o próprioindivíduoqueé afetadoem _da: o sujeitodoentee o sujeitoquetra.
sua subjetividade,conformea sua es. Ja,.(q~!.!;§tuda)a doença.
truturaçãopsíquica,a partir de sua vi- Este!:...'l.~J.vimento,alémde serfunda.
vinciah~~!jE~edesuareatividadecons- mentalpara a compreensãoda doença,
titucionalmentedeterminac!!I. Eeterminaa maneirapelaQualela será
A umterc.cironível.devemoslevarem combatida:elasempreseráummala ser
contaasrepercussõesintersubjetivasque erradicado,mesm0ql.li.ndoabordadoem
lLdo.ençaprovoca- ou emque.elacon' pesquisade laboratório,umavez quea
siste,dependendodoângulodevisão.Eis finalidadeda investigaçãocientíficaé
as modificaçõesconstatadasno relacio- tantoo conhecimentoquantoo domínio
namentodo indivíduodoertecomos ou. dos elementos"naturais"estudados-
tros,com o meioambiente,a comuni- que precisamentedeixamde ser pura.
dade,o mundo,atravésdetodosos con- mentenaturais,quandoinseridosnocam.
tatose intercâmbiosqueabarcama exis- po dasatividadeshumanas.
tênciado homem.Qualquer alteração Isso nos leva a formular,comVala.
numindivíduoproduzmudançasnossis- brega,quea doença"é algoquesepas.
temasinteracionaisdos quaisfaz parte, saentreo doentee aquelequecuida.de.
mantendocomelesintensosvínculosafe- le", fórmula aparentementeparadoxal,
tivos e cognitivos.A compreensãodes- """iMs lógica quandose consideramas
tasmudançasédesumaimportânciapara suasimplicaçõesiotersubjetivas.Paradq-
a'investigaçãodo fenômeno"doença". xo, aliás,que'presidetambémà dificul.
I
i
I
i
7
dade constatadapara definir adequada-
mentedoençaou saúdee,por conseguin.
te, de cingir os limitesentrenormale
patológico.Os trêstermosassimeviden.
ciadosformamo que Pouillon(10),nu-
ma tentativade sistematizaçãointerpre.
tativa,chamoude "triânguloterapêuti-
ca": a doença(o "mal"), o pacientee
o "doutor".A relaçãoterapêuticasemo-
difica conformea idéiaquea sociedade
- comoquartoelemento- faz da
"causa"do mal, bemcomode suapre-
sençanão somenteno doente,mastam-
bém na pessoainvestidado poder de
~Deste modo,ascrenças,a "ideolo-
gia" de uma comunidadese deixamde-
cifrarpelaanálisedeseuscostumestera-
pêuticos.
Isso nos leva a questionara relação
terapêuticacomotal.
1.2. A relação terapêutica e suas
implicacões
Focalizara doençacomoumtermoin-
termediário,comoalgoque"circula"en-
tre o doente e o terapeuta.- e, portan-
to, dentroda sociedade"":""significafoca-
lizá-Ia ao nível da relaçãoterapêutica,
nãocomosendouma"coisa'.',mascomo
um termorelàcional,que pode.e deve
ser abordadofora de qualquercoisifica-
ção,paraquesejapossívelentendê-Iana
dimensãodo processocurativo.Neste
processo,cabe distinguirtrês aspectos
psicológicos,presentessimultaneamente
.nasuaeCetuação.edeterminandoseude-
senrolarpelasimplicaçõesmúltiplasque
acarretam.
. Temos,em primeirolugar,a presen.
ca de um vínculo intersub;et;voou ;n-
ter.relacionalespecífico,o da relacãote-
rapêuticapropriamentedita (chamada,
hoje em dia, mais freqüentemente,de
8
"relaçãomédico-paciente",soba influên-
cia de Balint(l1);a noçãode"médico",
porém,deveser entendida,no sentido
amplo,como"homemde medicina"ou
"homemcurandeiro").Aí seencontram
duassubjetividadescompapéisbemde-
lineados:um comuma queixa,motivo
daconsultaou do pedidodetratamento;
outro comum certosaberqueo habi-
litaapraticarcertasintervençõesnavida
do primeiro,chamadoentão"paciente",
"sofrendo"estasintervençõesdoparceiro
"atuante".
Percebe-seque,assimdescrito,estevín-
culo é sini!.elo,distinguindo-sedeoutras
relaçõeshumanaspelapolarizaçãoexplí-
cita a respeitode passividadee ativida-
de,pedire oferecer,submissãoe domi-
, nação,crençae.saber..
Em segundolugar.temosque.consi-
(ierarqueas intervençõesdecididaspelo
terapeutanãoconcememsomenteàdoen-
ça (pressuposta)ou ao "lugardoente",
masinterferemna vida globaldo doen-
te. pelofato precisamenteda suagloba-
lidadepsicossomática.Já a enfatizamosa
propósitoda definiçãodadoençae a re-
encontramosagoracomofatordetermi-
nantedo alcanceexistencialdequalquer
.interCerênciaterapêutica.
Em terceirolugar, devemosmencio-
naro aspectopropriamenteantroo" .
inerenteà reaçãoterapêutica,ou seja,
o fundo irracionalconstituídode cren-
çase de expectativasmágicasacercado
poderioquasequeilimitadodo "curan-
deiro"- irracionalidadelongedeestar
extirpadado homemmoderno,comode-
monstra;porexemplo,a análisedofenô-
menode identificaçãoao personagemdo
médico...
.. Antesd.eanalisarsumariamentea cura
. xamanísticaparailustrarestefundoan-
~
tropológicoda relaçãoterapêutica,.con-
vém insistir sobreoutrascaracterísticas
destaúltima,responsáveispelo seu teor
antropológico.Sua compreensãopermi-
tirá percebercomoelementosdo pensa-
mento'''primitivo'',pré-lógico,se fazem
presentesem qualquerpedidode alívio
ou decura.mesmonosdiasdehoie.Em
particular,é precisodistinguiras diver-
sasconcepções(ou"crenças")acercados
Catoresetiológicos,bemcomodosfatores
curativos. Começamospela descrição
destesúltimos,umavez que eles deter-
minamdiretamenteo desenrolarda re-
laçãoterapêutica.
Se asconsideraçõesacimadesenvolvi-
dasnos levarama falar de umacircula-
çãoda doençaentreo pacientee o tera-
peuta,sob o fundo das representações
queregemas estruturassociais,não há
dúvidaqueas diversascrençasimplicam
umavalorizaçãoprivilegiadade um ou
outro dos quatro termosdestacircula-
ção. Cada um delésindica a presença
de certoselementosantropol6gicos,cujo
conjuntoconstituio "fundo" sobre o
qualsedesenvolveentãoa relaçãotera-
pêutica.
1. Assim é que se pode enfatizara
presençade forcasou valoressobrenatu-
rais no processode cura,o que é pró-
priodeumaconcepção"sacerdotal"(Va-
labrega)do exercíciocurativo. Dando
prioridadea estasforças, a cura será
baseadana fé, numa atitudereligiosa
quesustentaumaduplaconfiançano te.
rapeuta:confiançano seupoder- nu-
maperspectivaanimistafacilmenteatri-
buídaa forçasmágicas,.demoníacas,ex-
traterrestres- e confiançana sua in-
tençãobene'iolente.Doseulado,o "mé-
dico"sesentiráengajadototalmenteno
"atomédico",obedecendoaumaobriga-
çãodecorrentedesuaeleição,desuavo-
cação ou do seu juramento.No caso
do juramento,aliás, estamosdianteda
práticavigentena civilizaçãoocidental,
onde os princípios de Hip6cratessão
aplicadosatéhoje, o que não deixade
conferirum traçoreligiosoà práticamé-
dicamesmo.contemporânea..
No entanto,estapráticanãoserámais,
em nossaépoca.'~esclarecida",colocada
sobos auspíciosde forçassobrenaturais:
a crençae a atitudereligiosaforamsubs-
tituídas pela ética profissional,funda-
mentorenovadoda confiançano médi-
co. de um lado, de sua disponibilidade
e da seriedadedo seuengajamento,do
outro. Mas tanto o embasamentoreli-
giosoquantoa exigênciaéticareferem-se
a valores, transcendendo, portanto -
mesmo na medicina "naturalista" - a
apreensãoempíricade umadoença"ob-
jetiva".Eles sãooriundosde umacerta
concepçãodo homeme do seurelacio-
namentocomos outrose o mundo,con-
cepção.ondedominamos fatoresdacon-
fiança e da responsabilidadena busca
de umaconvivênciamaisharmoniosa.
Não nos pareceaberranteentãocha-
marestaconcepção,assimentendida,de
sacerdotal,emboranão maisno sentido
de invocardiretamentea intervençãode
forçasmágicas,masde forçasbaseadas
- pelomenosaparentemente- nosim-
ples impactopsicológicode atitudeshu-
manasde compreensãoe de disponibili-
dade.Veremos,entretanto,queo aspec-
to da confiança,por exemplo,é deter.
minadohojeaindapor expectativasmá-
gicase "primitivas".mesmoem.pessoas
culturalmentediferenciadas.De outrola-
do, é óbvio quea concepçãosacerdotal
tendehoje a desaparecer,à.mediqa.que
a crescenteespecializaçãoe tecnologiza-
,.I
:,
~
,
1
,
,
,
,
,
,
-,
,
,
;
;
,
;
:,
;f
:.41
]
I
.
9
ção da medicinaesvaziao ato medical
da suaconfiguraçãohumana.Isto, toda-
via, não impedequeesteprimeiroele-'
mentoantropológicoprocureoutrosca-
minhosde expressão,às vezesatravés
de práticasn'~msequerdisfarçadas.
2. Emseguida,podemos,nestacircula-
çãoentreos trêselementosdo triângulo
terapêutico,mencionarconcepçõescuias
implicaçõesantropoló~icasconcernemà
doençacomotal. Estasedeixacompre-
ender- ouexplicar- segundodois
eixos fundamentalmentediferentes,em-
bora cabíveisde se sucederemou mes-
modecoexistirem.O primeiroeixoé tri-
butáriode umaconcepçãofilosóficaou
t)ntol6Rica,procurandopenetrarno ser
dascoisas,ao longode percursosespe-
culativos.místicosou religiosos.Portan-
to, visa-seaí a compreensãode uma
"coisa" imaterial,não percebívelnem
tangível.emoposiçãoao eixodo ter.do
possuir,quesevinculadiretamentecom
umacoisamaterial,sendoqueestevín-
culo é concebidocomodenaturezame-
cânicae causal.
- A conccDcãoonlolóe:icaentendeentão
a doençacomosendoummal.misterio-
so, de ori~emcósmica,universalou 10-
~e queentraemchoquecoma aspi-
raçãodo homemà felicidaJee à auto-
determinação.
Necessariamente,umaconcepçãodes-
te tiporefere-sea umsistemaaxioI6e.ico.
isto é, a umacosmovisãoquedivideo
mundoementidadesconflitantes,polari-
zadasem volta do beme do mal. En.
tre elas o homemhá de se situar:não
lograsubtrair-seao seuimpacto,nemà
lutaimplacávele inevitávelqueelastra-
vam entresi. O homeme a sociedade
nada mais são,então,do Queo palco
destaluta,inerenteà próprianat!l.Jezil-
10
naturezaestaconcebidanumalinha:E::ri-
mista,incluindosereshumanos,espm..
tos e forçasmágicasde diversasp,ro:::-
dências.
As tragédiasgregas,no início da era
clássica,ilustrambem a concepçãodo
homemcomoum ser expostoe envol-
vido,trágicae fatalmente,na lutadep0-
tênciasdivinasque o ultrapassam,em-
boradeterminandoo seudestino.
As duascrençasetiológicasuniversais,
a seremtratadasabaixo,arraigam-senes-
te complexode representaçõesontológi-
casdadoença.SegundoCanguilhem(12),
a históriada medicinademonstrauma
oscilaçãopermanenteentreo enfoqueon-
tológicoe o enfoquemecanicista,sen-
do queo segundonuncaconseguiu,nem
no períodomoderno,suplantartotalmen-
te o primeiro.Na concepçãomecânica,
a doençaé considerada'comoresultante
de certascausasobjetivasQue,hoje em
dia, são faciimenteobietiváveis,graças
às modernastécnicasde análiseclínica.
Nos últimoscemanos,acrescentou-sea
estaabordagemo enfoquedinâmico,a
partirde consideraçõessobreas funções
e disfunçõesfisiológicas,o que levou
H. Ey(13)a falar de um "ritmo meca-
no-dinílmico",operandona evol~o dI!..
própriamedicina.
Apesardosprogressosimpressionantes
da medicinamoderna,seuexercícioclí-
nico sempreultrapassouseucorpusteó-
rico-técnicoexplícito,sendoque a par-
tir daquele,estefoi infiltradopor ele.
mentosnãocausalistas,masontológicos
ou "mágicos".Ou melhor:a práticamé-
dica revelaa presençade modeloson.
tol6gicosno interiordasteoriasmaises-
clarecidas(ou as mais positivistas)so-
bre a etioloe:iadasdoencas- comose
nema pesquisamais"pura"fosseca.
paz de desarraigarcertasrepresentações
"primitivas",nemdo própriopesquisa.
dor nem,menosainda,da pessoadoen.
teouameaçadapeladoença.Aliás,como
estaameaçavaleparatodosos mortais,
compreende-sea presença,aténopesqui-
sadordelaboratório,decrenças"irracio-
nais"de altarelevânciahumana.
3. Apresenta-semaisum aspectoan-
tropológicoquandose' focalizadireta.
mentea relaçãoterapêuticasobo aspec-
to da relaçãointerpessoal.Se é notório,
comovimosacima,queumprocessoin-
tersubjetivofaz parteda doença,pelo
fato de ela não se limitara uma per-
turbaçãointra-orgânica,nãodevemosper-
derdevistaqueesteprocessoadotaum
matizespecíricona relaçãoquese esta-
beleceentreterapeutae paciente.Esta
relação,com certeza,não é unidirecio.
nal, no sentidode provocarou induzir
umefeitocausalsobreo paciente,como
se o médicofosseum simplesagente
instrumentaldo "ato médico";mas,de
outrolado,estarelacãotambémnão é
recíproca,comopoderiapretendê-louma
certaconcepção"efusionista"do víncuJ9
terapêutico.
Este,de fato, é essencialmenteassi-
ntétriCo,devidoà "heterogeneidadefun-
damental"das condutase necessidades
de ambosos protagonistas.(Valabrega;
ver 3.7.).Bastapensar,porexemplo,no
aspectodaconfiança,já evoca~,e que
demonstrabema inexistênciaderecipro-
cidade;guererpostulá-Iadosdois lados
é propriamentedescabido.
Os fatoresdeheterogeneidadesãova-
riados,emboratodosdependentesdacir-
CiiIãCãõda doençae da finalidadedo
ato terapêutico,por cujaconsecuçãoele
foi engajado:a de extirpara doença,o
mal. Estaheterogeneidade,de fato,não
é devidaunicamenteao instrumentário
utilizado- que, hoje em dia, domina
(e ameaç,a),pelasuacomplexidadee so-
fisticação,cadavez mais,a relaçãomé-
dico-paciente- nemà evoluçãotécnica
queconhecemosdesdeo séculopassado.
Ela se deve a razõesmais fundamen-
tais do que à .simples.interc~laçãode
aparelhostécnicosouadministrativos,im-
pedindoou dificultandoo diálogo com
o paciente.Estasrazõessãoprecisamen-te deordemantropológica,o quese dei-
xademonstrartantopelainvestigaçãoda
relaçãoxamanísticaquanto da relação
psicoterápicamoderna,ambostendoco-
mo instrumentário"apenas"a fala.
Temosentãoas crenças,expectativas,
medos,temores,atitudesde confiança,
de submissãopassiva,decredulidadeou
resignação,que testemunhama assime.
tria da relaçãoterapêutica.Esta se re-
vela facilmentepelaanálisedessesfenô-
menos,que semprese expressamatra-
vés da linguagem.sob facetasde cará-
ter individual,coletivo,ritual ou mítico.
Assimé queos maisdiversosdocumen-
tos (textosliteráriosou científicos,ob-
servaçõesfolclóricas,etnológicas,experi-
mentais,clínicas)constituemfontespre-
ciosas,permitindoo estudoda relação
terapêuticasob esteângulo da assime-
tria. Investigadaem suas(I1últiplasma-
'"iiliestações,estarevelao amplouniverso
dasrepresentacõese fantasiasq!Jedomi.
nama rela~, conferindo-lheum impac-
to.deordemantropológica.
O estudodas fantasiasque cercama '
relaçãoterapêuticalançaluz particular-
mentevivasobreassuasimplicaçõespsi-
cológicase antropológicas,namaioriain-
conscientes.Estasrepresentamo "fundo"
sobreo qualsedesenrolao processoin-
tersubjetivoparticularda relaçãomédi-
11
ca. Destaca-se,nestasfantasias,o aspec-
to da ambivalênciaquecaracterizaa fi-
gura do terapeuta:ele é autoridadesi-
multaneamenteveneradae temida,o que
provocatantoa submissãopassivadiante
de suasintervenções,injunçõese vere-
ditos,quantoa revolta,emgeralà sur-
dina,contraa seusupostopoder.Cons-
ta queestepoderé atribuídoa ele co-
mo tambémefetivamenteexercidopor
ele,a que significaquea relaçãopara
com ele se situa certamenteno real,
mas num real infiltrado,enriquecidoe
defarmadopelo imaginárioindividuale
caletivade unia papulaçãadada.
Dentre estas atribuiçõesimaginárias
que sãaprajetadasno "curandeiro"(de
fato, trata-semaisde projeçõesincans-
cientes),caberessaltara da onipotência
mágica,fantasiaque participa,invariá-
vel mas secretamente,de qualqueren-
controcomum médicoemexercíciodo
poder que lhe é conferidopelaseci~-.
dade.
Estaenipetêncianãedeixadeseruma
extrapelaçãoda crençainfantile animis-
ta na "peder da mente"e na possibili-
d&demágicadeexercerinfluênciasdeci-
sivas,benignasou malignas(eis neva-
mentea ambivalência)sobreelitrem,à
distânciae independentementedascandi-
çõesespaço-temperaiscencretas.Centu-
do,seumatal extrapelaçãosetornapes-
sível aindane adulte,significaquetais
elementesinfantise "primitives"persis-
temnele,semqueelesaibadasuaexis-
têncianemda man~iracemeelesdeter-
minam,ne casaaqui evidenciade,seu
encentracema médico.
Canvém mencianaralgunsaspectas
prapriamentepsical6gicesdesteenredo
Jantasmáticoacercada relaçãote~-
tica.Trata-sedesmecanismesde defesa
12
- desquaisjá assinalamosa prajeçãa,
semdúvidaa maisprimitivodeles-
que estruturamqualquerrelaçãainter-
subietiva,masqueseexpressamatravés
de medalidadesparticulares,quandaes-
tãana mira desfenômenesda deençae
dacura.Crisesexistenciaiscameasdeen-
ÇãSãiJieaçama equilíbriae atéa vida
da pessea,a que levafacilmentea uma
exacerbaçãodas defesas.Mas, de autre
lada, a relaçãaterapêutica.oferecetam-
bém certasvantagensaCetivas(.os"be-
nefíciessecundários"de Freud),a que
pede suscitarne pacientea desejade
permanecerna daença.oude se instalar'
nelaparausuCruirdestasvantal!:ens..Eis
uma aplicaçãabemcencretada princí-
pie da circulaçãada deença,quandaela
se tarna um abjetade trecae mesme
de chantagempara .obtergratificações
que,feradela,fariamfaltaà pessea.
Tedesestesaspectes,emborapsicel6-
gices,têmrelevânciaantrepel6gica,pele
fata de emanarda mesmacanjuntade
fantasiasque determinam.ouatécansti-
tuema psiquismahumane.Neles,a ima-
Jdnáriasesabrepõeaareal,tentandacen-
ferir-lhecenetaçõese explicaçõeshuma-
nas- as quais,na entanta,devemser
~alizadas, ista é, inseridasnumuni-
versesimb6lica,para que sejamplena-
mentehumanase recanhecidas,aa invés
de cangelar-senummundade fantasias
individuaisfacilmentealienantes.
4. Ap6s ter fecalizadea relaçãatera-
pêuticaintersubjetiva,temas,camaquar-
ta e últimaelementarevelandauma di-
mensãaantrepal6gica,a pr6pria fi!!.u
o terapeuta,.oumelher,a seupapelso-
cial e a seuprestígio.Nãahá.dúvida
. quea hemem-médicausuCruidecertes
privilégiesseciais,sejanumapapulaçãe
tribal,sejanaseciedadehedierna.Estes
privilégiaslhe conferemumstatusespe-
cial, a que acarreta,entre.outrascan-
seqüências,a ambivalênciajá menciana-
dadaqualelesereveste. .
Ora, averigua-se,numavisãapsicana-
lítica, que .osconflitesde ambivalência
canstituemumacategeriaprimerdialdas
maniCestaçõespsíquicasda hamem.Sa-
bemesqueelesrepresentam,paraFreud,
a tramade "cemplexenuclear"da 1!di-
~ caracterizadopela ascilaçãaentre
amore 6die,submissãeedaminacão.ati-
vidadee passividade.Per .outralada,
pesquisasetnol61!:icasrevelaramQue a
universode "representaçõesantrapecas-
mamórficas"(Marin(5» de hamempri-
mitivesebaseiana .oposiçãomasculine-
Ceminina,assimilada.sem.mais.à ape-
siçãeentreatividadeepassividade.A en-
cenaçãeou simbelizaçãedestasrepresen-
taçõesnesritese cerimôniasdeumatri-
be pedeentãoserentendidacemeuma
dramatizaçãedescenflitesdeambivalên-
cia queatermentame grupoeu e indi-
vídue, e particularmentee indivídue
doente.1!estecenjuntede imagensque
determinaa auréelado hemem-médice.
isentonetadamenteda .observânciade
tabusa seremrespeitadespele resteda
tribo.Em "Teteme Tabu" (1912)(14),
aliás,Freuddefendea idéia fundamen-
tal de e tabucenstituiressencialmente
umasintematologiada ambivalência.
Tanteparae curandeira(eu "xamã")
quantopara e médicemoderno,certes
tabusnãevigoram.Assimé queeletem,
por exemple,e direitede examinara
cerpedo .outro,de ver a sua nudeze
deentraremcontatediretecama daen-
ça eu cemaquelasferçasmaléficascen-
sideradascemorespensáveispelemal-es-
tar da pessoaaCetada.De medeseme-
lhante,e tabuda morteeu da centami-
naçãePêlesagentespat.ogênicesnãevale
paraele: imunizadegraçasa umaapren-
dizageminiciática- emgeral laberiesa
e mesmeperigesa- eleestáaptea en-
frentarespíritessebrenaturais,venenes,
bactérias,demôniase autres macra .ou
micrerganismestemereses.
Mas seelesabelidar cemestes,é que
dispõe,alémde pedercenferidepelesa-
bereu pelatécnicainstrumental,deuma
Camiliaridadeíntimacem estasferças,e
quese apreximafacilmente,na visãede
leige, de uma cengenialidadealge sus-
peita.De fate, cema garantirque não
utilizaráesta intimidadecam as Cerças
maléficascontraa paciente,iste é, seco-
lecandoae serviçedaquelasque pare-
cempassuí-Ia...?
Estadúvida,emananteda mesmaCun-
damentalambivalência,levaa cansiderar
a fiRurada terapeutacemrespeitae ce!,TI
descanfiança;semprevalemais tê-Iace-
mo aliada da que cama inimige, vista
seuspederesterrificantes.Situadealém
des tabusda seciedade,ele exercesuas
funções num "isalamentaesplêndide",
utilizávelparaa Certalecimentede suas
pesiçõesseciais,da seu prestígiae de
suaveneraçãaa distância.Aliás, a insis.
tênciasabre a canfiançana terapeuta
bemque padeser uma espéciede Cer-
maçãe reativa para encabrir esta des-
canfiançaarcaica,heje em dia censide-
rada anacrônica,vista que a Cundaan-
trep.ológiceda ambivalênciaé peuquís-
simacensciente.
Além da suspensãade tabus,a exer-
cície medical maderne se caracteriza
~ - pelasmesmasrazões,emanen-
tesdaqueleinvestimentaambivalente-
pela selenidadede.sua encenação.pelo
prestígiaatribuídaà suaautaridade.pelll
esperafacilmentemistificanteQuecerca
I
..
ItI
'.
t
..
.
.
.
f
ti
.
,
'I.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
~
~
~
~
~
.I
J
13
i\
o atendimento,pelomanuseiodo dinhei.
ro, das regrasde pagamentoe dosprin.
cípios profissionaisque regema con.
duta tantodo terapeutaquantodo pa.
ciente- conjuntoastuciosamentearti.
culado, investigado,no seu equilíbrio
aparentementeirracional,pelo trabalho
de Valabregae outros.
Resumindoestasconsiderações,pode.
mosdizerque a visãosocialda doença
dependeda organizaçãoeda evolução
de uma sociedadeparticular,apesarde
certoselementos"primitivos",arcaicos,
animistase mágicosestaremsemprepre.
sentes,determinandoa maneirapela
qual o indivíduoabordao fenômenoda
doençae dacuraemI!era\.a sI/adoença
c a sI/arelaçãoterapêuticaemparticular.
Em seguida,detalharemosmais o.!?-
pectoontológicoda doencacomoma\.
no quediz respeitoàs duascrençaseJio-
lógicasuniversais.de importânciapri-
mordialpara a compreensãoantropoló-
gica da relaçãoterapêutica.
')1.1.3.As duascrençasetiológicas
universais
A propósitodasrepresentaçõesmentais
sobrea etiologia,as "causas"da doença,
cabedistinguirduasmodalidadesfunda-
mentais,de origemarcaica,maspresen.
tesaindana medicinamoderna.Trata-se
semdúvidade representaçõescuiases.
truturase expressõescorrespondema es-
tas formas cognitivasoriginárias,que
orientama cosmovisãodo homem- e
particularmentesuaconcepçãodacausa-
lidade-, a partirdeesquemassimples
e universaisdo entendimentohumano.
EstasduasmodaBdadesesb~m'seem
conexãoíntimacoma vivênciacorpo.
14
ral, tocandoa progressivadif~
eu e não eu, dentroe fora.con:op:6-
prio e mundoambienta\.Capital~ ~
sobrevivênciado indivíduo.~r2 a ~
maturaçãoe emancipaçãoda p~
materna,estadistinçãodeterminadem<r
do essencialas concepçõesa:tio16giCAS
sobreas"causas"dadoençaou domal.
Estaspodem,por conseguinte,situar-se
, dentroou -fora da pessoa,emanardo
própriocorpoou assaltá.lodo exterior,
segundoospormenorespsicossociaisque
regemasrepresentaçõesmentaisnumda.
do momento.
Porém,esteesquemadualistadentro/
.f~~!I.!:9.~~~i!~!.!I_mdado antr~p,ológicofun-
d!l~.~ntal.B.l!Lultrapassadelongeascrell-
~asetiológicassobrea origem_do..mãl..
Bastacitar,porexemplo,o problemada
percepçãodo mundoexternoe os crité-
rios diferenciaisparadistingui-Iada iIu-
s~! dis!!!!9.ãoest~_.9..~Q._sedeixaope-.
r~~~.!~.eEê~!=l!l_~S>sl'ól~!!.~~!Q.
e objetivoe às suasintera.ções:
Resideaqui todoo problemada ori-
gem,da oposiçãoe articulaçãoda reali-
dadeexternaparacoma realidadeinter-
na, isto é, psíquica,subjetivaou imagi-
nária, baseadana experiênciavivida e
nasuainterpretaçãopeloprópriosujeito.
Todavia,limitar-nos-emosa estaindica-
ção,cujo desenvolvimentonos afastaria
demasiadamentedo nossotema.
A concepçãodI/alistadaetiologiamar-
cou profundamentea evoluçãoda medi-
cina,dostempospré-históricosatéhoje.
"'UeSígnaridoem termosmais modernos
as duasconcepçõesabordadas,percebe.
mos,de um lado,umaconce~ç~2-ex6.
gena, aditivaou centrfpetada doença,
emop~siçãoa umaconçepçãoendógena,
deficitáriae centrífuga.Eis o paciente
quesofredafaltadealguma"coisa"que
!,
lhefoi subtraída;eletem"algoa me.
nos",quandonoprimeirocaso,eletem
halgoa mais",a saberumagentepat6-
geno,a serextirpadodo seucorpo,se.
nãodasuamente.
Percebe-sequeestamosdiantedecon-
cepçõesde origemanimista,impregna-
das de matizes antropomórficos- mes-
moseamedicinamodernaconseguiucon-
ferir.lhesum sólidoembasamentocientí.
fico (pensamos,por exemplo,na etiolo.
giapor infecçãomicrobiana,evidenciada
comotipo exógenopor excelência).Con-
tudo,em oposiçãoà visãocientífica,a
localizaçãoda doençaali não importa:
ela podeser duplaou mesmomúltipla,
situando-sesimultaneamenteem várias
partesdo corpoou fora dele,numaou.
tra pessoaou num "lugar" específico,
determinadopelo conjuntodas crenças
de umapopulação.
Para apreenderas formas concretas
destasrep;~;~~t;ç~--~iiõiógicas~Tim:
prescindível,pois, investigar-O"contexto
socialda populaçãoestudada.Não obs-
tante,serápossívelenfatizaralgunsas-
pectosparticularesdestascrençasque
são, repetimos,universaisem suasfor-
masgerais.
Segundocertosantropólogos(Lowiee
Clements,por exemplo,citadospor Va-
labrega),a ~oncepçãoda doençacomo
vindade foraseriaamaisantiga,a mais
"primitiva".Ela teriaprecedidoa cren.
ça em umacausalidadeinterna,divulga-
da sobretudoatravésda idéia da'p"erda
de uma parcelade si mesmo,em geral
a alma,'roul;!adaou extraviada,em con-
seqüência'de certosatos.A idéiada'pos-
sessãopor um espíritomaléficoe, em
seguida,aquelada infraçãode um tabu
comocausasde um determinadoestãão
doentio~~!~amrelativamenterecentes~...!
evoluçãodasreprese~sõe~~,:,manas50'
tirea etiologia. '
Conformeo contextocomunitáriodo
homemindígena,estasrepresentaçõesnão
se limitama imaginaraçõesindividuais,
umavezquesecogitaumagrandecon'
tinuidadeentreo indivíduoe o mundo
circundante.A doençaou o malque
vêmatacarumindivíduode fora,ataca
tambéma sociedade,sendoque o pri-
meirodispõede umaexistênciaprópria
fora da comunidade,fora dos laçose
funçõescriadospor ela. Por conseguin.
te,adoença,o estadomórbidoé umfato
socialqueperturbaa sociedadeinteira,
t..~ndo~!!~~~..~~.!.c:rtratadoa nível de
umaaçãosocial(comoa curaxamanís-
tic~.~,e~çrj~..!I!?ab{~).
Destarte,a representaçãoda doença
ancora-senumavisãoontológicae axio.
lógicade forçasbenéficaseJnãIiWcas-
quemovImentamo universo,o quetem
consequenclasprotundassobrea atitu.
de do indivíduodiantede sua doença,
bemcomosobresuaperspectivaterapêu-
tica. Destaca-sedos dadosantropológi.
coscitadosquea doença- assimilada
ao mal- é menosum "fato" do que
um valor,integrantedo fundoantropo-
lógico inconsciente,tantodo primitivo
quantodo homemmoderno.
~ interessanteconstatarque Cangui.
Ihem(15),ao finaldesuaanálisedopro-
blemasobreo normale o patológicona
sociedade,chegaa estamesmaconclu-
são: a valorizaçãoda doençadepende,
mesmohoje,dasre resentaõesim líci.
tas queo ornemse faz de sua posi.,
çãono universo.
Não é surpreendenteentãoa obser.
vaçãodesteautor,queo sucessoda teo-
ria de Pasteursobrea origemmicrobia.
na dasdoençasinfecciosassejadevido.
;-,
I
I
I;
i
I
i
---'.~_.'.-.'
'5
também,"àquilo que contémde repre-
sentaçõesontológicasdo mal".As duas
concepçõesetiológicasalternariamatého-
je no pensamentomédico,sendoqueno-
vas descobertassobreas doençasinfec-
ciosas,parasitáriasou de carênciafor-
talecemasconcepçõesexógenas,emopo-
siçãoaos progressosdos conhecimentos
sobredistúrbiosend6crinoseoutras"dis-
funções",corroborandoas teoriasdina-
mistasou funcionaise, portanto,end6-
genas.
Contudo,emambasasconcepções,des-
taca-sea compreensãoda doençacomo
umasituaçãopolêmica,quera luta do
organismocontraum agentepatogênico
estranho,quera luta internade forças
ant~gonistasquese afrontam.
Emconseqüênciadestaconce~çãoaxio-
.!§1:!cae maniqueísta,a doençacomo
mal é freqüentementeencaradacomo
uma punição.Concebidacomo castigo
por tertransgredidoum tabu,comovin-
gançade um inimigoou perseguiçãode
um elementomalévolo,ela corresponde
essencialmentea uma intençãopunitiva
ou pelo menosagressiva.Porém,esta
idéia inclui a possibilidadede devolver
a_!,g!~"~~~~_~_~fridã"-co~iraõ"advers.~rJ~,
conhecidoou maisfreqüentementepres-
suposto,segundoa concepçãoanimista
do indivíduoou da comunidade.Neste
sentido,a própria"cura",o processote.
rapêutico,muitasvezessão entend1dõS
comoumaexpiaçãopelomal"cometido,
ou ainda,como a devol~Ç.~~"_~!,:_!~~!!:..
ção punitivaao seu emissorou a um
substitutodele.Da agressãosoGfclãpãr-
te.seentãoà contra-agressão,enquanto
legítimadefesado organismo"abalado,
sejaele psíquico,somáticoou social.
Percebe-seque estamosaí diantede
um mecanismoque, na psicologiamo-
16
dernae particularmentea partirda psi-
canálise,é tematizadosob o nomede
projeção.Arrancandoo mal- oua cul-
pa - de si mesmo,eleé projetadono
outro, isto é, lançado,arremessadonu-
mapessoaounumobjetoadequadoque,
por suavez,se tornacontaminadopelo
mal,enquantonovoportadordeumacul-
pa quepairadesde"sempresobreos ho-
mense que:temdesereternamenteredi-
mida. Bastalembraraqui o ritual do
bodeexpiat6rio,bemconhecidograças
aos textosda Grécia antiga(v. Ver-
nant(16»,maspresenteemmuitasou-
traspopulações"primitivas"epreenchen-
do umpapelimportantetambémnapsi-
cologiado homemmoderno.
Pode-sedizerentãocomValabregaque
o homem(primitivo)vivenumcombate
perpétuoentreo bemeo mal,sendoque
a doençacorrespondeaumacenaprivi-
legiadadestaaltercação:.se a doençaé
ummal,o doenteéo lugarondeasduas
forçasse confrontam,deixando-ocom-
balidoe debilitadosoba veemênciades-
ta beligerânciatransindividual.Por con-
seguinte,o processodecuravisapreci-
samentedeslocaro lugardecombatepe-
lo recursoao mecanismofacilmenteri-
tualizado- emborahojemuitomaisin-
consciente- da projeção.
Nestecontexto,cabemencionara pro-
blemáticadac:.~lpabilidade.Na visãopsi-
canalítica,é pelorefl~xoda culpabiliQi1"
dequeo homemcriaosdemôniose ~~-
~~pír!~~~alevolentes, para poder
p~~tarnelesa participaçãopessoaln!l
responsabilidadepeloacometimento.Ele
t'entaassimdeslocarEarafor:ã."~!~i.p'ró-
.Fria culpa, emanenteda..c_0J.D.pJ~~ncia
~~_~omo seudesejoe.~~~s_,intenções
,agressivas.
T. I
No entanto,o sentimentode culpabi-
lidade ligadoao adoecimentoé um fe-
nômenomuitocomum,ultrapassandoas
crençasanimistasexplícitasqueFreudti.
nhaemmira.Ou melhor,elesearraiga
no mesmofundo antropológicolatente,
independentementedo contextohistórico
e ideológicodo momento.Assimsendo:
a assimilaçãode umadoençaa um cas-
tigo é corriqueiraentrecrianças("bem
feito!"),ou entrepaise crianças,quan-
do estesapresentama doença,porexem-
plo, comoumapuniçãopor ter desobe-
decido.
Ela se manifestaaindaquandosediz,
de alguémcom uma doençaincurável,
que ele esteja"condenado"(ou "desen-
ganado")- aparentementemero cos-
tumeda linguagempopular,semsigni-
ficaçãomaisprofunda.Contudo,sabe-se
que as palavrasnuncasão gratUitasou
escolhidasao acaso:elas acarretamsig-
nificaçõesinconscientese transmitemse-
cretamenteverdadesda milenarsabedo-
ria popular,sem'queo ind~víduotenha
necessariamenteconsciênciadestasim-
plicações.Ao se falar em condenação,
pois,a idéiade castigoestáimplícita.
Esta idéia expressa-seaindano fenô-
menode procurarum agenteresponsá-
vel - e facilmentepersonalizado-
quandoalguémadoece,procuraestaque
surgeespontaneamente,tanto da parte
do doentequantodosseusfamiliaresou
sócios.Encontraroupoderincriminarum
responsávelfora de si, alivia a pessoa,
alémde satisfazera umanecessidadede
raciocinar- ou racionalizar- emter-
mosde uma.causalidadediretae extrín-
seca.Observe-se"que a culpapode"mi-
grar" e ser atribuídaa agentessucessi-
vos, sendoque o culpadoconsegueàs
vezescomprovarsua inocênciae rejei-
tar a responsabilidadesobreoutro ele-
mento,emfunçãoaindada evoluçãoda
própriadoença.Quantomaisestaseevi-
denciade maneiraobjetiva,mais difí-
cil serámantera idéiade umaetiologia
animista.Mas a"p'rimeirareaçãoda pes-
soa adoecida continuasendo,até nos
temposmodernos,a procurade umcul-
padoexterno:a etiologiaespontâneaé
!lmaetiologiaanimista.
O aspectoda culpabilidadese mani-
festaaindapelahesitaçãoem consultar
ummédico,atoqueoficializao reconhe-
cimentoda doença.Uma tal hesitação
pode,evidentemente,terváriosmotivos,
comoo medodo médicoou o receiode
umarevelaçãodesastrosa(preocupações
que não carecemde implicaçõesantro-
pológicas);mas,freqüentemente,consta-
ta-sea presençade um sentimentodc
culpaou, maisainda,de vergonhaem
"confessar"a doença- comose esta
fossealgo efetivamentevergonhoso,re-
provadopelasociedade,mastambémpe-
lo médico,enquantoseu representante
autorizado.
Ora, a vergonhasurgenitidamenteem
conseqüênciadaviolaçãodeumtabuou
de umaoutrainterdição,sejaelacodifi-
cadapelasociedadeou ligadaa umcon-
flito intrapsíquico.Estasituaçãoseveri-
fica particularmenteno casode doenças
venéreas- ou maisrecentementeno
casoda AIDS -, umavezqueasin-
terdiçõessexuaissãoaté hoje as mais
tenazese culpabilizantes.Mas estetipo
dedoença,longedeconstituirumaexce-
ção por causado seuconteúdosexual,
representa,por assimdizer,O protótipo
do adoecimentopor transgressão,uma
vezquenelese.tornapatenteo queem
outrostiposdedoençaficasimplesmente
maisdissimuladoe maisinconsciente,a
17
saber,o sentimentode culpae a secreta
necessidadedecastigopor ter infringido,
por qualquerato ou desejo,as leis uni-
versaisda convivênciasocial.
Aliás,comocometemosfaltasimaginá-
rias sem-fim,há sempremotivos para
temera revelaçãode doençasou sinto-
masdiantede uma autoridademedical,
sejaestaligadaa umaconcepçãosacer-
dotalou não.Afinal, a culpabilidade-
e suavinculaçãocoma doença- é um
fenômenoobservadoemqualquertipo de
sociedade,onde semprecabeao indiví-
duo a repressãodos seusdesejosagres-
sivos,pelosquaisvisa destruiro outro
ou, pelo menos,alcançarum poder so-
bre ele. Repressãoestaque nunca está
completae bem-sucedida,o que deixa
precisamentesurgira culpabilidade.Co-
mo o indivíduoprecisadestapara po-
der controlara sua própria agressivida-
de, a ".<:!.ç§culp~qiJ.~!!çãQ:'._,n~JL~_Jar~fa
fácil - comobem sabemos psicotera-
peutas- podendoencontrarêxito com
maior facilidadequandoencenadasob
formade ritual social,contandocom o
apoiodo grupo inteiro.O rito já men-
cionadodo "bodeexpiatório"é aqui um
exemplosignificativo.
Se a noção,de contágiopor agentes
microbianosrepresentao protótipo da
modernaetiologiaexógena,elaé recente
apenas sob aquela forma objetivada
que,precisamente,seenraízanumacon-
cepçãoanimistaantiga.A idéia'de con-
tágioou de contaminaçãopor um ele-
mentomaléficoexterno,de fato, se en-
contra sob vanas formas nas -dIversas
" populaçoesutlmb da~ quai:. It:UlU:) huje
conhecimento.Mas, conformeas repre-
sentaçoesaXlOtógicasdo universo,com-
peteao contágiouma dupla função, a
patogênica(centrípeta)e a terapêutica
18
(centrífuga);se a doençatomouroc:z
da pessoaem conseqüênciade um cx-
tágiodefora,elapodeseretirare sumi!-
pelamesmavia. Nestesentido,basu en-
tãocontaminarum outropara"~rar'"a
si mesmo.
Váriosritosterapêuticosencename::;,e
procedimentode expulsara doençaatri-
buindo-aa um outro,procedimentoeste
que evidenciamais umavez a circula-
çãodadoençana sociedade.Aliás,já no
iníciodoséculo,o etnólogoinglêsFrazer
falava,a propósitodesteprocessodecura
baseadona transmissãoda doença,de
"transferência"do mal para outra pes-
soa,pelointermédiodocurandeiro.Este,
por sua "assistênciatécnica",facilitaria
umatal transferênciaafetivamentee pre-
cipitaria a sua transmissão,muitasve-
zesassumindoele mesmoa doença,an-
tesdecanalizá-Iaparaumaoutrapessoa.
Destarte,copstatamos!TIais,uma vez
a fÓgíê'ãlnerente'i}'esiâs'práticas:se a
'doencâé u~maIJ~~.te.J~~.tp()desed.,gad9
ao Mal que habitao universoe que é
mdestrutível;a dõen~jJ,Q!:~~Q~~g~tl}!e,
somentepoderLg:.Ur.!l1!~f~l4~._PIl,tLUm
outroqualquer,masnuncaserácomple-
t~l!\ente~limlnad~UULdestrüídã.--
No mundomoderno,verifica-sea pre-
sençadestadupla funçãodo contágio
até numapráticamédicaprofiláticado
maioralcance:a vacinação.Esta,como
se sabe,baseia-seno princípiode conta-
minara pessoaumpouco,paraquecrie
anticorposcom um elevadopoder de
imunizaçãocontra determinadadoença
contagiosa.Assim é quea pessoa,para
se livrar da doença,contamina-se,a si
mesmaao invésde contagiarumaoutra,
sendo que o curandeiro - ou aqui o
médico- intervémnovamentecomoo
agenteintermediárioque transmiteo
efeitoterapêutico.No entanto,aqui o
seupapelé invertido,uma vez que é
elemesmoquemcontagiaa pessoapela
inoculaçãoda substânciapatogênica,o
quesublinhabemaduplafunçãodeque
é investidoo terapeuta.
Na imaginaçãopopular- daqual,
no fundo,nós todosparticipamos-
ele lida, pois,compoderesexcepcionais
ou atémesmosobrenaturais,utilizáveis
parao bemou parao mal do paciente,
dependendodaboavontadedo terapeu-
ta. Em outraspalavras,a figura tanto
do curandeiroantigoquantodo terapeu-
ta modernoé consideradacomumcerto
temore comdesconfíança,àsvezesnem
mesmodissimulada;elasuscitaumapro-
fundaambivalênciapor causadestasua
ligaçãocomas forçasdo mal, maneja-
das fora de qualquercontroledo indi-
víduointeressado- ou pelomenossem
quepossamsercontroladasaquelasati-
tudesquese enraízamem crençasirra-
cionaise animistassobrea etiologiae a
curadasdoenças.
O médico,portanto,temo direitoe
o poderdefazero malparafazero bem,
maspagapara estasua prerrogativaopreçoda desconfiançados seussócios,
muitoemboracompensado,emgeral,pe-
]a auréolaqueenvolvesuaposição.
Uma provada presençadestaambi-
valênciatambémnos temposhodiernos,
é encontradana resistênciafreqüente-
menteobservadacontraa vacinaçãoe
que,às vezes,adotaa formade verda-
,deiras campanhaspopularescontra as
pretensõesdos sanitaristasem inocular
agentespatogênicos,micróbiosou "ve-
nenos"no corpo.
Esta resistênciase tornacompreensí-
vel à luz das consideraçõesdesenvolvi-
das acimasobrea crençaanimistain-
consciente,'concernenteà etiologiadas
doenças.Parao inconsciente,pois,o mal
temqueserexpelidodo corpoe reinves-
tido em outros,razãopelaqual a idéia
da proteçãoprofiláticapor autocontágio
não encontracompreensãofácil. Ela po-
deráatéser combatidapelaracionaliza-
ção,perfeitamentelógica,"que o mal é
sempreo mal" e que não há exceção
para estaregra,visto que o mal é um
problemaontológicoe não quantitativo.
A lutacontraestaconvicção,"aberrante"
e coerenteao mesmotempo,serábem-
-sucedidasob a condiçãode inclinaro
balançoda ambiva]ênciaparao ladoda
confiança,conseguindofortaleceresta,
enquantocontrapesoà 'racionalizaçãoe
seu fundamentoirracional.
Um últimoexemploreferenteao con-
tágio diz respeitoà crença,divulgada
aindahojeemcertascamadasda socie-
dade,de que um homemcom doença
venéreatem que contaminaruma mu-
]her virgem,para ficar curado.Segun-
do estaidéia,eledevetransferiro mal
contraídode uma outra mulher (com
intençõesmaléficas,quem sabe),para
umamulher"pura",semexperiênciase-
xual e sempecado,apta,dessemodo,
a se carregardo mal e a purificarseu
portadormasculino.Ela se torna assim
seu"bodeexpiatório",contagiadae em
condiçõesde contagiaroutro,podendoa
doençacontinuarna suacirculação.
Do lado femininoencontramosuma
crençaparalela,segundoa qual a mu-
lherdeve,paraselivrardadoença,man-
ter relaçõescommuitoshomens,conta-
minandoassimo maiornúmeropossível
de elementosmasculinos.No entanto,
contentamo-noscom estamenção,sem
entrarno méritoda hipótesepsicanalí-
ticasobreo desejodepunirou "castrar"
19
inúmeroshomens,numaintençãovinga-
tiva que,aliás,já foi consideradacomo
uma das motivaçõesinconscientespara
a prostituição.Assinalamostão-somente
quecoma expansãoda AIDS, estapro-
blemáticaconheceurecentementeuma
nova conflagração,onde afloram com
certezanumerosasrepresentaçõessobre
a circulaçãodo mal e a "cura", com
intençãovingativaàs vezesabertamente
proclamada,pela transmissãoa outros.
Tais fenômenospopularesilustramas
idéiasanimistassobreo contágio,idéias
facilmenteencobertaspelasociedademo-
derna,pela tecnologiae pelo progresso
científico,mas que se revelamem mo-
mentosde crise: quandoa pessoasevê
ameaçada, recorre espontaneamenteàs
crençasantropológicassobrea etiologia
das doenças,para assimpoder explicar
a si mesmaa origemdo mal.
Exemplificamos,emseguida,estesele-
mentosantropológicosemredorda doen-
ça e do processoterapêuticopelaanálise
da curaxamanística.
1.4. A curaxamanísticacomo
modeloda relação
terapêutjca
A relaçãointersubietivaparticularque
se estabeleceentreo doentee o "ho-
mem-medicina",ocurandeiroou"xamã".
semostraà pe~feiçãopeloquefoi cha-
madode relaçãoxamanCstica(17).Nela
sedestacammuitosdosaspectosjá tra-
tadosacima,notadamentea circulação
~~__doençano interiordo2ruposociale
o papelproeminente(masambivalente)
docurandeiro.A primeiraé atestadape-
lasprópriaspráticasterapêuticasdoxa.
mã,emgeralencenadascomo respaldo
20
do grupoe concentradasna extirpação
da doençado corpodo paciente.
Pode-sefalar a esterespeitode exte-
riorização- por exemplo,de objetos
extraídosdo corpoe simbolizandoo mal
da doença.Mas estanoçãopermanece
meramentedescritiva,negligenciandoo
fato destatransferênciamágicado mal
basear-seessencialmentena suaprojeção
paraum qutro,objetoou pessoa.Apa-
rentemente,trata-seaí de umaprojeção
defensivavisandoo bem do indivíduo
acometidopelomal, maspercebe-sefa:,
cílmenteque aspectosa2ressivosinter-
vêmigualmente,sendoquea atribuição
do mal a um novo portadornão pa,s~a,
d~_,J.!ma.ç~.I.t.a._yiplêl\cil!.Aliás,seo xamã
se encarregasimbolicamenteda 'éIõeiiÇã,'"
e como propósitode propiCiarum~lí~_
vio rápidoaodoentepara,emseguida,
transferiro malparaumterceiro.
Entretanto,alémdomecanismodepro-
ieção,participatamQ~D1_\l!1Lmecanismo
de identificação.Assimé quefreqüente.
menteo xamãcomeçapor'simulara
doençaelemesmo,significandodestemo-
doqueseidentificacomo paciente,en-
dossandotransitoriamenteseumal.Se-
gundocertosobservadores,às vezesé
difícildistinguirquemé doentee quem
é curandeiro,a tal pontoseconfundem
seuspapéisnoritualterapêutico.O pa-
cientepode"ver"e sentir.suadoença
assimiladapeloxamãe podeacreditar
no processoterapêutico,bemcomona
boa intençãodo homem-medicina,dis-
postoa se"sacrificar"porele.
. Ligadosa estaidentificaçãocomo te-
rapeuta,temosquemencionaraindaos
diversosfenômenosdepossessão,emge-
ral mediatizadospelacirculaçãodeob-
jetos,extirpadosdeumcorpoe introdu-
zidosnumoutroparasimbolizar,por
J
estemovimentode projeçãoe introje-
ção,a transferênciamágicado mal para
forado doente.
PO~~J11,a .çi_r~ulaçãodadoençanão se
.esgõ"ianesteaspeêtõ-eiã'-éXiirpaç"ãõ"dõ
corpodo paciente.~ precisovinculá-Ia
coma mortee a suarepresentaçãoa!!!;
mistana relaçãoxamanística.Existena
curaxamanística,comoobservaValabre-
ga,umacomplexadialéticaentretomar
(a doença)e dar (a cura),dialéticana
qual os papéispodemse inverter,mas
não a distribuiçãodospoderes.Apenas
o curandeirodispõedo poderde curar,
emboracapacitadoem utilizá-lonão-so-
mentepara a cura,mas tambémpara
a morte:ele podetantocurar quanto
matar,ou podematar(simbolicamente)
para curar. E numerosossão os ritos
nos quaiso doente(ou o xamãidenti-
ficado com ele) temque morrer para
poderressuscitarcurado,o que ilustra
bemqueos poderesdo xamãsãoambí-
guos,em ligação'íntimacom todauma
representaçãoda circulaçãoda morte.
Eis uma das razõesdo temorque a
figurado curandeiroinspira(não-somen-
te o xamãantigo,mastambémo tera-
peutamoderno),devidoa seu suposto
podersobree a suafamiliaridadecom
a morte:eleé,simultaneamente,ummá-
gico benevolentee um assassinopoten-
cial.
O xamã,bemcomoo homem-medici-
namoderno,ocupapoisumaposiçãoin-
termediáriaentrea vidae a morte,en-
tre a saúdee a doença,compoderesex-
traordináriosquelhepermitema circula-
çãoentreambosos pólos,semqueseja
afetadoou "contaminado".Os poderes
que mantéme manipula,representam
portantoumafacadedoisgumes,o que
lheconferea faceduplajá mencionada.
Percebemos,então,comoa ambivalên-
cia, pelaqual o homemcomumencara
o terapeuta,está intimamenteligadaà
circulaçãoda doença(e da morte)na
sociedade;o homem-medicinarepresen-
ta, por assimdizer,a plataformacentral
desta transição,preenchendoa função
de um agentede circulação,isto é, da-
quelequedispõedosrumosdoentiosou
sadiosdos seussócios.Aliás, parapre-
parar-separaestassuasfunções,o xamã
- tantoquantoo psicanalistaemnosso
século- temquepassar,emgeral,por
umcomplexoritualde iniciaçãoquevisa
familiarizá-locomas forçasdomalagin-
do na doençae na morte.Ele temque
sofrer, por exemplo,uma mortesimu.
lada,encenandoumaagoniaquepodees-
tender-sepor váriosdias; em outrosri-
tuais,temqueconviveremcontatopro-
longadocom um cadáverpara acostu-
mar-seà presençada morte- o que
não deixade lembrara práticada au-
tópsia,elementofundamentalda forma-
ção médicamoderna.
Entretanto,se estaspráticasiniciáti-
cas têm como propósitofamiliarizaro
candidatocom as forçasdo mal, elas
visam tambémprepará-loa suportara
desconfiança,a suspeiçãoou agressivi-
dadedapopulação,paraquenãosesinta
visadoem sua pessoa,mas apenasem
sua função. Para utilizar uma linguá-
gemmaismoderna,podemosdizer que
o seu "eu" tem que desaparecer,para
que consigafusionar-secoma sua fun-
ção,exercendo-asemqueelementos"con.
tra-transferenciais"incontroladosinterfi-
ramem suaaçãoterapêutica.
Lembrarestesaspectosaquidevebas-
tarparaevidenciara presençade todos
esteselementosantropológicosna rela-
ção terapêuticamoderna;a curaxama.
21
nística,emboratotalmentetransformada
em suasmanifestaçõesmodernas,repre-
sentaatéhojeo núcleoda relaçãotera-
pêutica:as imagenslatentesque afio-
ramnestaúltimaatestamsuficientemente
a participaçãoativadaquelasrepresenta-
çõesefantasiasquederamorigemà cura
xamanística.
Após terdiscutidoalgunsaspectosre-
levantes.do xamanismo,passaremosà
descriçãomaisconcretada cura xama-
nística.Pode-seesquematicamentedistin-
guir três tipos,segundoa açãoque se
desenrolaentreo xamãe o doente.Esta
açãopodeconsistirnumcontatodireto,
físico, por exemploquandoo membro
doenteé manipulado,malaxadoou esti-
rado;podeconsistirnasimulaçãodeum
combatecontraas forçasdo malrespon-
sáveispela doençaou, finalmente,em
certasencantaçõese operaçõescom o
doente,queé deslocadodeumlugarpa-
ra outro,implorado,excluído,perseguido
ou purificado,atéqueseja"curado".
Todas estasformas,no entanto,são
acompanhadasderituaiscênicos,decan-
tose orações,enfim,deumalinguagem.
A populaçãointeiraparticipadeles,quer
demodopassivocomomerosespectado-
res,quer,mais.freqüentemente,demodo
ativo, revezando-senos cantoscom o
próprioxamã,à maneirado teatrogrego.
Se a expressãooral atravésde can-
tos,hinos,oraçõese ameaçasestácons-
tantementepresente,representandoo ins-
trumentoda simbolizaçãona luta con-
trao mal,manipulaçõesoraisparticipam
simbolizando,a extração(e a projeção
para fora) da.doençado corpo.Assim
é queo curandeiropodesugaro mem-
bro doente,a parteferida,~parase car-
regarda doençapelaingestão,antesde
expeli-Iaparaumnovoportador!emge-
22
ral foradapopulaçãoparticipante.O éS-
pec~odo tomare dar seexemplific.a.por
estaspráticas,cujos equivalentessimbó-
licossãonumerosos,aténostemposm0-
dernos,se pensarmosno ato de pagar
pelaconsulta...
Contudo,na perspectivada relaçãote-
rapêuticamoderna{sobretudopsicoterá-
pica},a expressãooral. isto é, a utiliza-
çãoda linguagem,é deverasmaisimpor-
tantedo quea técnicaoral. Levi-Strauss
estudoua funçãosimbólicade tais can-
tos xamanísticosnum trabalhojá céle-
bre,intituladotiA eficáciasimbólica"(18}
e consagradoà análisedeum ritual pra-
ticadopor uma tribo indígenado Pana-
má.Trata-sede um procedimentocura-
tivoutilizadono casode umaparturien-
te em dificuldade,no qual o xamãpe-
netrasimbolicamenteno úterodapacien-
te paracombaterali o espíritorespon-
sabilizadopelas.dificuldadesdo parto.
Este espírito,Muú, não é um demô-
nio, masuma força benevolente,muito
emboraabusando,àsvezes,dassuasfun-
ções.Assimé que podetomarposseda
almada mulherparaextraviá-Iado cor-
po. O ritual tem,então,comofinalida-
de, buscara almaperdidada mulhere
forçaro Muú a reintegrarcomela o cor-
po da paciente,paraque o trabalhode
partopossaprosseguirsemdificuldade.
Na sualutacontraos abusosdo Muú,
o xamãutiliza uma longa e complexa
encantação,encenadanão de forma abs-
trata,metafísicaou formal.masà manei-
ra de um itinerárioconcretopercorrido
pelo xamãna sua buscado Muú, va-
gueandocom a alma da mulher. Pelo
canto,simboliza-seo caminho(a vagi-
na) percorridopelo Muú, bem como a
suamoradiahabitual,o útero,na qual
o curandeirotemquepenetrarpara for-
J
çar o espíritoa voltarali. Nos termos
de Levi-Strauss,esteitineráriorepresen-
ta uma "verdadeiraanatomiamítica";
esta,todavia,nãocorrespondeàs formas
reaisdosórgãosgenitaisdamulher,mas
bemmaisa uma espéciede "geografia
afetiva",na investigaçãoda qualo gru-
po ofereceum importanteapoio. .
:e aí, nesteauxílio asseguradopelo
grupo, que reside,segundoo autor, a
chaveparacompreendera eficáciades-
tascurasxamanísticas- que,na maio-
ria dos casos,são efetivamentebem-su-
cedidas.Como é que uma encantação,
o uso de simplespalavrase de encena-
çõessimbolizandoum itinerárioimagi-
nário,poderesolverumproblemaorgâ-
nico comoa máposiçãode.umacriança
que estápara nascer?Comoos proble-
masobjetivos,somáticos,colocadospor
um parto ou por uma doença,podem
ser modificadospor fatorespsicológicos,
uma vez que estamosdiantede uma
mera"manipulaçãopsicológica"?
Pararespondera estaperguntae para
compreendero enigmada dicácia sim-
bólica, cabe analisaro desenrolardo
cantoe a funçãopreenchidapelaassis-
tência grupal. Numa longa introdução
(cercade trêsquartosdo canto),fala-se
da alma perdidada mulher,perambu-
landocomMuú no mundoaí fora.Esta
introdução,aparentementesupérflua,vi-
sa de fato levara parturientea identi-'
ficar-secom a procurado espíritoper-
dido, bem comoa identificar-se(nova-
mente)coma triboe a suacosmovisão,
da qual a Pllcienteteriaseafastadoem
conseqüênciadas dificuldadessofridas.
Trata-se,portanto,de aboliro processo
de "individualização"percorridopela
mulher,o quea fezperdera féna capa-
cidadedo grupode resolvero seupro-
blema;trata-sede reintegrara paciente
e de restabelecera sua confiançapela
experiênciada coesãoafetivado grupo,
na qualnãopodiamaisacreditar.
A introduçãorepresentandoesteitine-
rárioteriaprecisamenteestafunção.No
seudecorrer,passa-sepaulatinamenteda
realidadeexterna,objetiva(da qual faz
parteo sofrimentoda pessoa),à reali-
dadeinterna,atélevara pacientea es-
quecera distinçãoentrerealidadeexter-
nae interna,entrevidado grupoe vida
pessoale, finalmente,entreo poderins-
tituídopelogrupo(epeloxamã)e a im-
potênciadolorosamenteexperimentada.
Mergulharna"anatomiamítica"ence-
nadapeloxamã,apoiadae compartilhàda
pelogrupo,permitiriaentãoà paciente
operarestareintegraçãoe acreditarno-
vamentenos valoresdefendidospelas
crençasgrupais,representadospelosri-
tuaisoraaplicados.
Os cantosdo xamãe do grupoexer-
cemindubitavelmenteum efeito suges-
tivosobrea parturiente,produzindoas-
simumaexperiêncianova,a saber,o re-
encontrocomo respaldo'afetivodo gru-
poe a conseguintereinserçãonasuacos-
movisão.Destarte,a sugestãoleva não
apenasà aboliçãoda distinçãoentreas
realidadesinternae externa,masprovo-
ca aindauma"ab-reação",um efeitoca-
tárticosobreos sofrimentosda pessoa.
Isto, semdúvida,não deixade ter um
impactorelaxantesobrea parturiente,o
que"deseulado,podefacilitaro parto..
Destarte,o entrosamentoíntimoentreo
somáticoe o psíquicomaisumavez é
utilizadoterapeuticamentepara,a partir
de uma intervençãopsicológica,obter
umefeitoorgânico~ distinçãoestaque,
todavia,nãotemvezno mundopré-car-
23
II
'I
i
I
tesianoda crençaanimistae do nosso encontrada,mastambémdaordemorgâ-
fundoantropológicocomum. nicadoprópriocorpo.
Levi-Strausslevantaemseguidaaques- Nostermosdo autor,trata-seaí de
tãodesabersea diferençaentreosmo- umapropriedadeindutiva,pelaqualuma
delosexplicativosdacuraxamanísticae estrutura- nocaso,a estruturamental
os da medicinamodernaconsistesim- da fé, da crençacoletiva- pode in-
plesmenteno fatodequeosespíritosou fluenciarumaoutra, isto é, a estrutura
"monstros"do animismonão existem, orgânica,e produzirnela mudançasfi.
nãotêmexistência"real",enquantoque siológicassemnenhumaintervençãode
os microrganismos"existem".Mas uma agentesfísico-químicosou microbianos,
tal colocaçãoé reducionistademais,des- devidoà interaçãoestreitaentreo psí-
conhecendoo alcanceantropológicoda quico e o somático.Ambos podemser
concepçãoanimista:estanão se refere compreendidoscomoestruturashom6lo-
ao modeloda causalidadecomoo faz a gas,sendoquea eficáciasimbólicacon-
relaçãomicróbio-doença,masa umcon- sistenesteefeitoproduzidopela rearti-
junto de significaçõessituadasa nível culaçãode uma estruturasobre uma
simb6lico. outra.
Não se trata,pois, de uma relação N~opretende~osaprofun~arestacon-
caúsâliStã-õunaturalistamasdeumare- cepçaoestruturahstade Levl-Strauss.Ela
J.~ç3o.~!.!!!..~21~caoucult~raldesi8ni/!~E:as~inalaacompr~ensã~~acuratantoa~i-
ções,ancoradasna.organizaçãocompIe: ~Istaquanto~slcot~raplcapela reCeren-
xa de uma dada população.Ou se'a cla à ordemslmb61lca,tocada pela ver-
tais ig 'f - f t d
. .
t J, balizaçãoe induzindoo efeitoterapêuti-s mIcaçoesazempare o mlo co- . -.
let'l . d - t . co. No entanto,a mtervençaopSlcote-vo criao em geraçoesanerlorese. . ,
h .d 1 t I I ráplcamodernadiferedacuraxamams-reconeCIo peo grupoaua comoee- . ._ . tlcanumpontoImportante,a saber,na
~entodfund.amental;a con:epç~o.daVd
l- questãodoinstrumentoutilizadoparaal-
a e ~~n~versoe a coesaoa ehva o cançara mudançaalmejada- ou ain-grupo ai ecorrente. da, podemosdizer, pela localizaçãodo
.A cura xamanísticavis~~~ste__!?o~~mito,presenteem ambasas formasde
remtegraro doe~tenasslgmÍlcaçoesd~ terapia.Comefeito,pode-seafirmarque,
mito compartilhado_p-e~~._~~~P~~n:int~- na modernidade,a neurosecorresponde
graçãoestaquerepresentaprecisamenteàummitoparticularconstruídopeloin-
oo eCeitocuratiVõ'dacura,pelareestruttt- divíduopara escaparaos seus conflitos
raçãoque ela provocano mundOslgni- e/ou ao.pesoda realidade(19).Já numa
)Icatlvo do paciente.Ocorreassimuma populaçãoanimista,estemito não de.
verdadeiratransformaçaono seuser-no- corredeumaconstruçãoindividual,mas
-mundo;eleconseguere"situar-senogru- . é recebidocomoumbemculturaldas
po, sentir-seaceitoe acreditarnovamen- geraçõesanteriores.Enquantovalor co-
tenosvalores,crençaseexplicaçõesetio- letivo,ele podeentãoser utilizado co-
lógicasvigentes,o quepermiteo resta- moinstrumentoterapêuticonesteproces-
belecimentonão somenteda ordemdo so de induçãoemque consisteo proce-
mundo,atravésda cosmovisãogrupalre- dimentoterapêutico.
O cotejo esboçadopor Levi-Strauss
entrea cura xamanísticae a psicotera-
pia modernailustra adequadamente,a
nossover, a presençado Cundoantro-
pológicono homemmoderno.Era obje.
tivo desteprimeirocapítuloassinalara
permanênciade elementosantropológi-
cos,animistas,emtodoserhumano,se-
ja ele"pré-histórico"ou"moderno","pri-
mitivo"ou "civilizado",enquantoeCeito
da sua própria~struturaçãopsíquicae
social.Portanto,nãosetratade curiosi-
dadesesdrúxulas,característicasde po-
pulaçõesantigasa seremcolecionadase
expostasem museusetnográficoscomo
coisas"do passado",superadaspelaci-
vilizaçãomode~na;pelo contrário,elas
nãoCoramsuperadas,masCreqüentemen-
to::soto::rradas!istoé, encobertaspelora.
cionalismotriunCanteda épocamoder-
na.Basta,no entanto,prestaratençãoao
discursopopularou de qualquerumdos
S<:1I3mo::mbros,às suas representações,
fantasias,jogose sonhos,paraperceber
Ao contrário,na psicoterapiamodero
na, o mito do neuróticonão pode ser
utilizadopara estefim, mas deve,en-
quantosintoma,ser"desconstruído";não
se recorremaisa um mitocoletivoe à
sua encenação,sob a pressãoe com o
apoiodo grupo,masé a própriarelação
afetiva com o tt:rapeuta,a chamada
"transferência",que funcionaaqui co-
mo instrumentotransformadordavivên-
cia da pessoa,ou ainda,comocatalisa-
dor na elaboraçãoprogressivados seus
conflitose do seu"mito individual".A
verbalização,no entanto,em ambosos
casos,é o veículoindutor da simboli-
zação,na qual consisteprecisamenteo
processoterapêutico,independentemente
do contextoculturale histórico.
. .. .
,
24
não somentea presença,masa atuação
permanentede tais elementos,influindo
diretamentena vivênciada comunidade
e do indivíduo.
Devemosreconhecerentãoque exis-
temestruturasuniversaisqueCazemcom
quetodosnóstenhamospercepçõesidên-
ticas ou pelo menossemelhantes,do
mundoe da vida humana;percepções
quecriamrepresentaçõesanimistasafio-
rando,sobretudo,em torno da doença,
do male da morte.Conquantoestasre-
presentaçõessejamem geral latentes,
elasse infiltramnasatitudesda pessoa
dianteda doençae do tratamento,onde
elas se deixamfacilmenteapreendere
investigar.
A sensibilizaçãoa estesaspectose às
maneiraspelasquaiselessurgemno quo-
tidiano- sejaao nívelda psicopatolo-
gia clíníca,sejaao níveldas micropato-
logiasdecadaum- é parteimprescin-
dível na formaçãodo futuro psicotera-
peuta.Dependerádestasua sensibiliza-
ção para a dimensãoantropológica,a
suacapacidadede ouvir e compreender
o discursodosseuspacientesalém do
enunciadoexplícitoda queixa,onde o
apeloao outroniio seesgota,masape-
nasse inicia.Apelo a ser trabalhadoe
desmascaradono quecontémde repre-
sentaçõesantropológicasimplícitas- ou
aindade desejosinconscientes,reca1ca-
dosno decorrerde suahistóriae res-
surgindoemformasde representações,
fantasiase sintomasrepetitivos.
-f,;"
I
Bibliografiae notas
I. FRANKL, V. E. FundamentosAntropoló-
gicos da Psicoterapia.Rio de Janeiro,
Zahar,1978.
2.PONGRATZ,L. J. Geschichle,Gegen-
sland, G rundtagender Ktinischen Psycho-
togie. Cap. 111:AnlhropotogischeProlego-
25
mena. Em: Handbuchder Psychologie,
vol.811:KlinisclrePsycholoeie.Oõttingen,
Verlagfür Psychologie,1977.
3. OADAMER-VOOLER (org.). Nova An-
tropologia,vol.5: AntropologiaPsicológi-
ca.SãoPaulo,EPU-EDUSP. 1977.
4. HOLZKAMP, K. Pressupostosantropoló-
gicosocultosda psicologiageral.Em: ib.
nota(3), pp. 169-199.
5. MORIN, E. L'Hommeet Ia Mort (1951).
Paris,Seuil,19702.
Le Paradiemeperdl/:La NatureHlllnaine.
Paris,Seuil,1973.(Trad.bras.:O Enigma
do Homem.Rio, Zahar,1975).
Ver ainda: MORIN, E. & PIATTELLI-
-PALMARINI, M. (org.). L'Unité de
L'Homme.[nvariantsbiologiquesetuniver-
sal/x culturels.CentreRoyaumontpour
une Sciencede L'Homme.Paris, Seuil,
1974.
6. Ver MAY, R. (org.).Existência.Editorial
Oredos,1967.
7. VALABREOA, J.-P. La Relatioll Tlréra-
pmtiql/e.Paris,Flammarion,1962.
8. FREUD, S. NeueFolge der Vorlesungen
zur Einführung in die Psychoanalyse.
(1933).GesammelteWerke(O. W.) XV.
Frankfurt, Fischer, 1944. (Trad. Bras.:
EdiçãoStandarddasObrasPsicológicasde
S. Frel/d,vol. XXI[. Rio de Janeiro,Edi-
toraImago,1976.)
9. KUBIE, L. S. The fundamentalnatureof
thedistinctionbetweennormalityandneu-
rosis. PsychoallalyticalQllarterly, 23/2,
1954,pp. 167-204.
10.POUILLON,. J. Maladeet Médecin:Le
mêmeet/ou I'autre?(Remarquesethnolo-
giques).NouvelleReme de Psyclranal)'se,
I, 1970,pp.77-98.
11.Ver BALINT, M. O Médico,seuPacieme,
a Doença.Rio deJaneiro,Atheneu,1976.
12.CANOUILHEM, O. O Normale o Pato-
lógico (1966). Rio de Janeiro, Forense-
-Universitária,1978.'
13.EY, H. Ef/ldesPsychialriques,I, n.O2: Le
RythmeMécano-Dynamistede I'Histoire
deIa Médecine.Paris.DescléedeBrouwer,
1952.
14.FREUD, S. Totem und Tabu (1912)
O. W. X. Frankfurt,Fischer,1947(Trad.
bras.: Totem e 7'abll.ESBr.. vol. XII[,
s.d.).
26
IS. CANOUILHEM, 9. Op.citom~ (12'_
16.VERNANT, J. P. MytheelPmsh c:i>t::ks
Grecs(2 vol.).
Ver emparticularo capítaJo5_:u ao::-
gorie psychologiquedu doubk P:z.-':s..}m-
pero, 197\.
17. A relação ou cura xamanísú::a.foi pa.-:i-
cularmente estudada por 2.aü0'..~
comoFrazer (1923), Roheim (1955), Lcn-
-Strauss (1949) e outros. A título ilnstn-
tivo, transcrevemoso anigo sob~eXama-
nismo da EnciclopédiaDellG-Larou= (p.
7.131): "Xamanismo,s.m. FeDÔmenoreli-
gioso característicode po\'os siberianose
uralo-altaicos (a pala\'ra xamã, de origem
tungúsia,penetrou na terminologiac:ienü-
fica ocidental atravésdo russo). Embora
em sua expressãomais completaseja en-
contradoem regiõesárticase da Ásia cen-
tral, o xamanismo é observadotambém
entre populaçõesdo sudesteda Ásia e da
Oceania e entre numerososgrupos indíge-
nas da América, em grausvariáveisde in-
tensidade:a ideologiae os processosxama-
nísticostantopodemdominara esferareli-
giosa como constituir-se em fenômenos
secundários.'Oxamã'desempenhao duplo
papel de homem-medicina e sacerdote,
atravésde êxtasesque lhe permitemaban-
donar o próprio corpo. Entre tribos norte-
-americanas,o xamanismoenglobaos as-
pectosmais importantesda vida religiosa;
como na maioria das regiõesonde o fenô-
meno tem curso, o papel principal do
xamãé de curandeiro,emboradesempenhe
função importanteem outros ritos mágico-
-religiosos que permeiam a estruturagru-
paI. Em muitas populações tribais do
Brasil, o xamã desfruta de autoridade e
prestígioconsideráveis:não só é o curan-
deiro, como tambémo guia dos mortos à
nova morada e o intermediário entre os
homense

Outros materiais