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Camilo Boito

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AS TEORIAS DE CAMILLO BOITO E SUA LIGAÇÃO COM A INTERVENÇÃO 
PARA O MUSEU RODIN DE MARCELO FERRAZ E FRANCISCO FANUCCI¹ 
 
 
POZZOBON, Bruna²; BRAMBATTI, Gabriela²; QUERUZ, Francisco³. 
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 Artigo para a disciplina de Técnicas de Restauro - ARQ 343 - UNIFRA 
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 Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, 
Brasil 
³ Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), 
Santa Maria, RS, Brasil 
 
E-mail: bruna.pozzobon@gmail.com; gabi.brambatti@hotmail.com; francisco@unifra.br 
 
 
RESUMO 
 
Para realização deste artigo foi efetuada uma pesquisa sobre Camillo Boito, seu histórico e 
suas teorias, além da influência que os arquitetos anteriores (Viollet Le Duc e John Ruskin) 
desempenharam sobre suas obras. Cita obras de restauro que foram executadas e as linhas de 
pensamento que foram seguidas conforme foram executadas, assim como as suas viagens ao longo 
da Itália. Ele foi elaborando sua tese sobre a arquitetura da Idade Média, que se mantinha entre as 
linhas de pensamento de Ruskin e Le Duc. 
Para compreender melhor o pensamento do arquiteto, foi feita uma análise sobre o Museu 
Rodin, na Bahia. Na intervenção realizada, podem ser vistos claramente os fundamentos de Boito, e 
ao mesmo tempo, evidencia questões que vão totalmente contra os princípios do mesmo. A partir 
desta análise pôde-se observar e entender o estilo e o modo como o autor pensava. 
 
Palavras-chave: Camillo Boito, intervenção, teorias. 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Neste artigo, a pesquisa sobre Camillo Boito, suas teorias e a relação com a 
intervenção para o Museu Rodin está exposta através de textos de referência e imagens. 
Primeiramente, será abordada a vida do arquiteto, o contexto histórico ao qual estava 
inserido e seu pensamento em relação às teorias sobre restauro dos arquitetos anteriores, 
como Violet Le Duc e John Ruskin, no segundo capítulo dá-se ênfase ao pensamento de 
Camillo Boito e sua forma de distinguir restauração e conservação, além de citar e explicar 
seus sete princípios sobre restauração. 
O terceiro capítulo traz uma obra contemporânea de intervenção em pré-existência 
dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, o Museu Rodin | Salvador, BA. Estão 
explicados os detalhes da obra, como o estudo da edificação antiga existente e a forma com 
que os arquitetos aplicaram a intervenção, criando continuidade e fluidez ao conjunto. Além 
 
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disso, há uma comparação e relação entre as teorias de Camillo Boito com a intervenção 
para o Museu Rodin. 
 
2. CAMILLO BOITO 
 
 
2.1. A vida de Camillo Boito (1836-1914) 
Segundo o próprio livro de Camillo Boito, Os restauradores (1884), o arquiteto 
nasceu em Roma em uma família que teve de grande prestígio intelectual e artístico. Foi o 
filho primogênito do pintor Silvestro Boito (1802-1856) e da condessa polonesa. Foi 
arquiteto, restaurados, crítico, historiador, professor e teórico, e teve papel fundamental na 
transformação de uma nova cultura arquitetônica na Itália. Sua contribuição para área da 
arquitetura e restauração foi considerada numa posição entre Viollet Le Duc e Ruskin. Em 
1849 ingressou na Academia de Belas Artes de Veneza, onde começou sua formação como 
arquiteto. Em seus primeiros estudos adotou o estilo neoclássico como tendência 
arquitetônica, como já era de característica na Academia. Mas quando conheceu o mestre 
Pietro Selvático (1803-1880), empenhou-se no estudo da arquitetura italiana da Idade 
Média, que apontava o Gótico como a expressão artística do povo italiano. 
 
2.2. Contexto histórico 
Boito estava inserido em uma situação sócio-cultural que buscava a unificação das 
províncias italianas e reconhecia a arquitetura medieval como identidade nacional. Ao longo 
deste período, Ruskin, teórico conservador, que defendia a não restauração dos 
monumentos antigos, visitava a cidade de Veneza e mantinha contato profissional com o 
mestre Selvático, cujos argumentos apontavam o Gótico como a expressão artística do povo 
italiano, e Viollet Le Duc, uma personalidade de grande valor no estudo dos conhecimentos 
da arquitetura medieval, adotava o método de analogia em seus projetos de intervenção e 
restauração, reproduzia o que faltava nos edifícios com peças fiéis, do próprio edifício ou de 
construções semelhantes da mesma região. Com isso, foi apenas questão de tempo para as 
construções de Boito serem influenciadas pelos princípios destes três homens. 
 Após sua formatura, Camillo Boito iniciou uma série de viagens ao longo da Itália 
para continuar seus estudos sobre a arquitetura medieval. Em 1858 foi encarregado da 
restauração da Basílica dos Santos Maria e Donato (Figura 1), na cidade de Munaro, 
levando em conta a arquitetura do passado. Deste modo, defendeu a preservação da pátina 
e a demolição dos elementos acrescentados ao longo do tempo, que destoava do estilo 
original da construção, propôs ainda que os novos elementos fossem construídos a espelho 
da arquitetura pré-existente. 
 
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 Ele distanciava-se das influências de Ruskin e Le Duc em alguns aspectos, do 
primeiro, não aceitava a morte certa dos monumentos, e do segundo não aceitava restaurar 
até o ponto de ele nunca ter existido antes. Boito tomou como o exemplo mais paradigmático 
da sua concepção de restauro, a restauração do Arco de Tito, desenvolvido inicialmente por 
Stern (1817-1819) e, depois, por Giuseppe Valadier (entre 1819 e 1821). As peças originais 
reintegraram-se na construção; as lacunas refizeram-se com um material pétreo diferente do 
primitivo, utilizando-se o travertino em vez do mármore. (Figura 2) 
Após mudar-se para Milão, em 1860, e virar professor, historiador e teórico, Boito 
executou a intervenção na Porta Ticinese (Figura 3) adotando os princípios marcantes de Le 
Duc. Nela buscou-se alcançar a unidade formal do monumento, a partir de um modelo 
característico baseado em seu estilo original. Segundo KÜHL (2003) ele “concebe a 
restauração como algo distinto e, às vezes, oposto à conservação, mas necessário. Constrói 
sua teoria justamente para estabelecer princípios de restauração mais ponderados (entre 
Ruskin e Viollet-le-Duc)”. 
 
Fig. 1 – Basílica dos Santos Maria e Donato. 
Fonte: http://www.wondermondo.com/Countries/E/IT/Veneto/Murano_SantaMariaSanDonato.htm 
 
 
Fig. 2 – Arco de Tito. 
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/07/12/arquitetura-arco-de-tito-81-c-
307408.asp 
 
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Fig. 3 – Porta Ticinese. 
Fonte: http://www.tamtamtravel.it/opera/porta_ticinese_medievale_porta_marengo-608 
 
 
3. O PENSAMENTO DE CAMILLO BOITO 
Boito contribuiu de forma direta para a formulação dos princípios modernos de 
restauração, na medida em que defendia o respeito à matéria original da pré-existência, a 
reversibilidade e a distinção das intervenções, o interesse por aspectos conservativos e de 
mínima intervenção, a manutenção de acréscimos de épocas passadas entendendo-as 
como parte da história da edificação, assim como harmonizar as arquiteturas do passado e 
do presente a partir da distinção de sua materialidade. 
 Ele defendeu suas teorias de restauração em arquitetura utilizando a pintura e 
escultura como exemplo concreto das particularidades de cada área, de forma que 
admitissem a mesma importância. Alertou que mesmo o restaurador possuindo 
conhecimento pleno dos estilos da arte e da arquitetura, ele deveria buscar nos documentos 
originais da obra, as fontes primárias para sua proposta de intervenção, infringindo o mínimo 
possível de ações. 
 Concluiu sua tese defendendo que as intervenções deveriam conservar nos 
monumentoso seu velho aspecto artístico e pitoresco entendendo isso como respeito à 
materialidade do objeto. E a partir de seus pensamentos foi feita a distinção precisa entre o 
significado de restaurar e conservar. Chamando atenção que conservação periódica seria 
instrumento eficaz de preservação, e que a restauração só deveriam ser feitas quando 
necessárias. E que os complementos feitos a obra, quando necessários, deveriam 
demonstrar ser contemporânea diferenciando-se do material original. 
 
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 Segundo BOITO (1884), as conceituações gerais sobre restauração baseavam-se 
em sete princípios: 
1. Os monumentos antigos deveriam ser preferencialmente consolidados a reparados e 
reparados a restaurados; 
2. Evitar acréscimos e renovações, e se fossem necessários, deveriam ter caráter 
diverso do original, mas sem destoar do conjunto; 
3. Os complementos de partes deterioradas ou faltantes mesmo se seguissem a forma 
primitiva, ser de material diverso; 
4. Obras de consolidação deveriam limitar-se ao estritamento necessário, evitando a 
perda dos elementos característicos; 
5. Respeitar as várias fases do monumento, sendo a remoção de elementos somente 
admitida se tivesse qualidades artísticas manifestantes inferiores à do edifício; 
6. Registrar as obras apontando-se a utilidade da fotografia para documentar a fase 
antes, durante e depois da intervenção, devendo ser acompanhado de justificativa; 
7. Colocar uma lápide com inscrições para apontar a data e as obras de restauro 
realizadas. 
 
4. ANÁLISE - INTERVENÇÃO EM PRÉ-EXISTÊNCIA: Museu Rodin | Salvador, Ba | 
Francisco Fanucci - Marcelo Ferraz 
 
 
4.1. A intervenção 
A primeira filial do Museu fora da França deveria atender a uma série de exigências, 
desde a escolha de um local com significância cultural para a cidade, até atender a todos os 
requisitos técnicos para abrigar as peças originais de gesso do artista. O local que melhor se 
encaixou dentro destas características foi o palacete Comendador Catharino, localizado no 
bairro da Graça, em um terreno com árvores centenárias que deveriam ser mantidas. 
 O Palacete teve seu projeto arquitetônico - em estilo eclético - idealizado pelo 
arquiteto Rossi Baptista e decorado por Oreste Sercelli, sendo concluído em 1912. O 
palacete era reflexo do forte poder econômico de algumas famílias baianas e também 
evidenciava a grandeza artística de uma obra arquitetônica monumental, onde mais que 
residência, serviu também, como instrumento raro de fruição artística para os habitantes da 
antiga Cidade da Bahia. 
 Em 09 de junho de 1986, o Palacete é tombado. Após o tombamento, abrigou a 
Secretaria Estadual da Educação e Cultura e os Conselhos Estaduais de Educação e de 
Cultura, até ser destinado a sediar o Palacete das Artes Rodin Bahia, em 2003. 
 Com o novo uso proposto, o Palacete recebeu um grande projeto de restauração e 
adaptação (Figura 4), com redimensionamento de alguns espaços internos e recuperação 
 
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de todos os seus elementos estruturais e decorativos. 
 
 
Fig. 4 – Museu Rodin – Salvador, BA 
Fonte: http://arquitetandonanet.blogspot.com.br/2009/04/museu-rodin-bahia.html 
 
Adaptou-se à mansão um anexo de 1,5 mil m², a partir da necessidade de uma 
edícula que funcionasse como depósito, com traços arquitetônicos modernos, que passou a 
ser chamado de Sala Contemporânea. Enquanto o palacete acomoda a coleção Rodin, o 
anexo oferece um espaço dinâmico e flexível para exposições temporárias. 
 Os pontos norteadores da proposta para a inserção de um novo volume construído 
(Figura 5) no terreno, com área similar à do Palacete foram: não interferir significativamente 
nas centenárias árvores do jardim; não competir com a presença dominante da construção 
histórica; e, sobretudo, se somar ao que existe. 
 
 
Fig. 5 – Volume de concreto inserido. 
Fonte: http://brasilarquitetura.com/projetos.php?mn=6&img=009&bg=img&mn2=79 
O novo bloco (Figura 6) se implanta numa clareira entre as grandes árvores 
existentes atrás do palacete, mantém uma distância de respeito e, através de alinhamentos 
horizontais e verticais, guarda uma relação de escala com o mesmo. O objetivo do restauro 
e das intervenções foi dotar a edificação de infra-estrutura necessária para todas as 
atividades previstas para um museu. 
 
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Fig. 6 – Volume antigo (Palacete) e volume adicionado (novo). 
Fonte: http://brasilarquitetura.com/projetos.php?mn=6&img=009&bg=img&mn2=79 
 
O resultado do projeto (Figura 7), que criou soluções físicas de continuidade e fluidez 
ao conjunto, representa uma situação de confronto e entendimento entre dois momentos 
históricos claramente lançados. Essa continuidade torna-se evidente através da passarela 
de concreto protendido estendida até a nova construção (FANUCCI e FERRAZ, 2005) 
(Figura 8). 
 
Fig. 7 – O novo complexo, continuidade e fluidez. 
Fonte: http://arquitetandonanet.blogspot.com.br/2009/04/museu-rodin-bahia.html 
 
 
Fig. 8 – Passarela em concreto protendido. 
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/especiais/7bia-categoria-obra-construida-1-premio.html 
 
 
4.2. Relação com as teorias de camillo boito 
 
Analisando a intervenção (Figuras 9 e 10) feita por Marcelo Ferraz e Francisco 
Fanucci, nota-se que alguns dos princípios de Camillo Boito foram levados em conta, de 
 
 
 
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acordo com Boito (1884) “deve ser evitado acréscimos e renovações, e se for necessário, 
deve-se ter caráter diverso do original, mas sem destoar do conjunto” – é o caso dos 
novos volumes agregados ao antigo palacete, em uma nova linguagem, mas com 
aproximadamente o mesmo volume. Porém, a intervenção de Fanucci e Ferraz é muito mais 
agressiva. 
 
Fig. 9 – Relação entre os volumes, antigo e novo, resultando o complexo inteiro do novo Museu 
Rodin. 
Fonte: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo. Brasil Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2005 
 
 
Fig. 10 – Relação entre os volumes, antigo e novo, resultando o complexo inteiro do novo Museu 
Rodin. 
Fonte: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo. Brasil Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 
 
 
 
5. CONCLUSÃO 
 
O estudo da obra de intervenção em pré-existência do Museu Rodin de Marcelo 
Ferraz e Francisco Fenucci, relacionados com os princípios de Camillo Boito e análise de 
suas próprias obras, mostrou que a restauração e a preservação podem ser vistas e 
entendidas de diferentes formas, dependendo das teorias de cada autor. Cada um dos 
criadores de uma edificação ou monumento, em determinado período, tem influência 
significativa ao próximo, mesmo sendo inversas suas teorias, uma baseia-se na outra. 
Mesmo o arquiteto e teórico Boito tendo ideias fortes e de fundamento, seus 
mandamentos não foram seguidos por todos os arquitetos e restauradores. É o caso do 
Museu Rodin, na Bahia, analisado neste artigo, neste projeto, os arquitetos utilizaram alguns 
 
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de seus princípios, enquanto outros foram bruscamente ignorados. Assim, pode-se obter 
conhecimento sobre o arquiteto, suas teorias e seu legado. 
 
 
6. REFERÊNCIAS 
 
LIVROS: 
BOITO, Camillo. Os restauradores: conferência feita na exposição de Turim em 7 de 
junho de 1884. trad. Paulo Mugayar Kühl, Beatriz Mugayar Kühl. 2.ed. São Paulo: Ateliê 
Editorial, 2003. 
FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo. Brasil Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 
2005. 
 
SITES: 
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.086/3049, acessado em 
06/05/12 às 22h. 
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/04.043/3154, acessado em 
06/05/12 às 22h. 
http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/150/museu-rodin-em-salvador-de-brasil-arquitetura-29212-1.asp, acessado em 08/05/12 às 19h. 
http://www.arcoweb.com.br/especiais/7bia-categoria-obra-construida-1-premio.html, 
acessado em 09/05/12 às 20h.

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