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Raymond Williams ideias de natureza

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Ideias de Natureza 
Raymond Williams 
 
Tradução de Luiz Menna-Barreto e Rogério Monteiro de Siqueira, 
professores do Programa de Pós Graduação em Estudos Culturais da 
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São 
Paulo. Tradução realizada em janeiro-fevereiro de 2011, a partir do 
ensaio original “Ideas of Nature”, extraído do livro “Culture and 
materialism”, Ed. Verso, Londres 2005, pp. 67-85. Este ensaio foi 
publicado originalmente em 1972, baseado em conferência proferida 
por Raymond Williams em Londres em 1971. 
 
Um toque da natureza pode tornar o mundo familiar, mas, geralmente, quando 
mencionamos a natureza, nós nos incluímos nela? Sei que alguns diriam que o outro tipo de 
natureza – as árvores, colinas, riachos, e animais – tem um efeito tranquilizador. Entretanto, tenho 
percebido que eles frequentemente a contrapõe com o mundo dos homens e de suas relações. 
Começo neste problema simples de significado e referência porque pretendo que esta 
investigação seja ativa, e também porque quero enfatizar o fato, com frequência despercebido, de 
que a ideia de natureza contém uma quantidade extraordinária de história humana. Tal como 
algumas outras ideias fundamentais que expressam a visão da espécie humana sobre si mesma e de 
seu lugar no mundo, “natureza” tem uma continuidade nominal ao longo de muitos séculos, porém 
pode ser vista, analiticamente, como algo complicado e mutável, como outras ideias e experiências 
mudam. Eu já tentei anteriormente analisar algumas ideias comparáveis, critica e historicamente. 
Entre essas ideias estavam cultura, sociedade, indivíduo, classe, arte, tragédia. Porém devo dizer 
logo de início, que apesar de difíceis, essas ideias parecem simples se comparadas com a ideia da 
natureza. Ela tem sido central, ao longo de muito tempo, em muitos tipos de pensamento. Além 
disso, há algumas dificuldades fundamentais nos primeiros estágios de sua expressão: dificuldades 
que parecem persistir. 
Alguns, quando veem uma palavra, pensam que a primeira coisa a fazer é defini-la. Os 
dicionários são produzidos e, com uma demonstração de autoridade que não ignora as limitações de 
local e data, aquilo que é chamado de definição adequada acaba sendo incorporado. Embora seja 
possível, de maneira mais ou menos satisfatória, agir assim em relação a simples nomes de coisas e 
de efeitos, não só é impossível como também é irrelevante no caso de idéias mais complicadas. O 
que importa nesses casos não é o significado adequado mas sim a história e a complexidade dos 
significados: as mudanças conscientes, ou, os usos conscientemente diferentes – e bem 
frequentemente aquelas mudanças e diferenças mascaradas pela continuidade nominal- expressam 
mudanças radicalmente distintas nas experiências e na história que, às vezes, de início passam 
desapercebidas. Devo logo dizer então que qualquer análise razoavelmente completa das mudanças 
na ideia de natureza estaria muito além dos objetivos de uma conferência, porém tentarei sugerir 
alguns pontos principais, os contornos gerais, de tal análise, e ver que efeitos terão sobre alguns dos 
debates e preocupações atuais. 
O ponto central da análise pode ser expresso imediatamente na formação singular da 
palavra. Para mim, estamos diante de um caso no qual uma definição de qualidade se torna, através 
do uso real e apoiada em alguns pressupostos, em uma descrição do mundo. Parte da história da 
linguística primitiva é de difícil interpretação, porém encontramos, nos usos mais antigos, dois 
significados diferentes. Posso talvez ilustrar isso usando uma passagem bem conhecida de Burke1: 
 
 
1
NT: Williams cita um trecho de um dos discursos do escritor e político inglês Edmund Burke (1729-1797). O trecho 
pode ser encontrado na página 103 da obra “An appeal from the new to the old Whigs, in consequence of some late 
discussions in Parliament, relative to the Reflections on the French Revolution. ”, publicado em Londres, a pedido de J. 
Dosley, em 1791. 
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“Em um estado de natureza bruta não existe essa coisa chamada povo... A ideia de povo é a 
ideia de uma corporação. É uma ideia inteiramente artificial; feita, como outras ficções,a 
partir de acordos. A natureza singular do acordo é obtida a partir da forma como aquela 
sociedade particular foi formada.” 
 
Talvez bruta, aqui, faça uma diferença pequena, porém o que é mais contundente é a coexistência 
da ideia comum, um estado de natureza, com o uso quase imperceptível, por ser bastante habitual, 
da palavra natureza para indicar a qualidade do acordo. O sentido do uso da palavra natureza para 
indicar a qualidade essencial e inerente de qualquer coisa é mais do que simplesmente acidental. De 
fato, há evidências de que esse é o uso historicamente mais antigo. Em latim diríamos natura rerum, 
guardando a natureza como qualidade essencial e acrescentando a definição das coisas. Porém, 
ainda no latim, natura passou depois a ser usada isoladamente para expressar o mesmo significado 
geral: a constituição essencial do mundo. Muitas das mais antigas especulações sobre natureza 
foram nesse sentido físico, mas com o pressuposto de que ao longo da investigação física as leis 
essenciais, inerentes e de fato imutáveis, seriam descobertas. A associação e depois a fusão de um 
nome para a qualidade com um nome para as coisas observadas tem uma história precisa. Trata-se 
de uma formação central do pensamento idealista. O que se procurava na natureza era um princípio 
essencial. A multiplicidade das coisas e dos organismos vivos pode ser então mentalmente 
organizado em torno de uma única essência ou princípio: a natureza. 
Não pretendo negar, mas sim enfatizar o fato que essa abstração singular representou um 
importante avanço na consciência. Entretanto creio que acabamos nos acostumando a uma 
continuidade nominal por mais de dois milênios de forma que nem sempre nos damos conta de 
todas suas implicações. Um único nome para a multiplicidade real das coisas e organismos pode ser 
entendido, com algum esforço, como neutro, porém estou convencido de que ele oferece, desde 
logo, um tipo dominante de interpretação: idealista, metafísica ou religiosa. Penso também que isso 
é especialmente visível quando olhamos sua história subsequente. Temos registros em culturas bem 
antigas daquilo que hoje chamaríamos de espíritos ou deuses da natureza – seres considerados 
como corporificações ou condutores do vento, do mar, da floresta ou da lua. Sob o peso da 
interpretação cristã nos acostumamos a chamar de pagãos esses deuses ou espíritos – manifestações 
variáveis e diversas que antecederam a revelação do Deus único. Entretanto, assim como na 
religião o momento do monoteísmo representa um desenvolvimento crítico, também constitui-se 
desta maneira o surgimento da natureza singular como resposta humana ao mundo físico. 
 
Singular, abstrata e personificada 
 
Quando a própria natureza, como o povo aprendeu a dizer, tornou-se uma deusa, uma Mãe 
divina, era algo diferente dos espíritos do vento, do mar, da floresta e da lua. É ainda mais 
surpreendente que esse princípio singular, abstrato e personificado, baseado nas respostas ao 
mundo físico, tenha claramente (se me permitem a expressão) um competidor, no ser singular, 
abstrato e personificado – o Deus do monoteísmo. A história dessa interação é abundante. No 
mundo medieval ortodoxo havia uma fórmula que preservava a singularidade de ambos: Deus tem 
a primazia absoluta, mas a Natureza é sua ministra e representante. Tal como em muitos outros 
acordos, essa relação continuou controvertida. Houve uma longa discussão, precedendo a volta da 
investigação física sistemática – daquilo que hoje chamaríamos de ciência –, sobre a pertinência e, 
em seguida, sobre o forma de inquerir tal ministra, associadoà óbvia questão de se sua soberania 
estaria sendo infringida ou não recebendo o devido respeito. Trata-se, hoje, de um velho debate, 
mas é interessante notar que em sua volta no século dezenove, nas discussões sobre evolução, 
mesmo os homens que estavam prontos para dispensar um princípio original singular – dispensar a 
ideia de Deus – geralmente retinham e enfatizavam um outro princípio de mesma estatura: a 
Natureza singular e abstrata, e de fato personificada de maneira frequente e original. 
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Talvez isso não intrigue tanto os outros como intriga a mim. Porém mencionarei neste ponto 
um de seus efeitos práticos evidentes. Em um debate sério, mas mais ainda em controvérsias 
populares e em muitos momentos de retórica contemporânea, frequentemente encontramos 
proposições no formato “a Natureza é...”, ou “a Natureza mostra...”, ou “a Natureza ensina...”. O 
que geralmente transparece do que é dito em seguida, é que o sentido é seletivo (restrito), de acordo 
com o objetivo geral do conferencista. “a Natureza é...” o que? Vermelha nos dentes e garras; uma 
competição sem fronteiras pela sobrevivência; um sistema articulado extraordinário de vantagens 
mútuas; um paradigma de independência e cooperação. 
A “Natureza é” qualquer uma dessas coisas dependendo do processo que escolhemos: a 
cadeia alimentar, dramatizada por tubarões e tigres; a selva de plantas competindo por luz e ar; a 
polinização com abelhas e borboletas; ou ainda a simbiose hospedeiro-parasita; até mesmo as 
espécies que se alimentam de carniça, como controladores de populações, reguladores das fontes 
alimentares. Naquilo que é visto tão frequentemente como a crise do nosso mundo físico, muitos de 
nós acompanham, com extrema atenção, os mais recentes trabalhos daqueles que observam e são 
qualificados para observar esses processos e efeitos, essas criaturas, coisas, atos e consequências. E 
eu tendo a acreditar que uma ou outra dessas generalizações pode ser mais verdadeira do que as 
outras, pode ser uma visão melhor dos processos nos quais estamos envolvidos e dos quais pode-se 
dizer que dependemos. Entretanto devo dizer que eu me sentiria muito mais próximo da situação 
real se essas observações, feitas com grande competência e precisão, não fossem tão rapidamente 
transcritas – refiro-me é claro ao nível das necessárias generalizações – em declarações singulares a 
respeito de características inerentes e imutáveis, em princípios de uma simples natureza. Não tenho 
competência para falar especificamente sobre qualquer um desses processos, porém no nível da 
experiência cotidiana, quando escuto que a natureza é uma competição cruel, lembro-me das 
borboletas; quando me dizem que se trata de um sistema de vantagens mútuas, lembro-me de 
furacões. Exércitos intelectuais podem atacar uns aos outros com este ou aquele exemplo, mas 
minha inclinação é avaliar a ideia que compartilham – aquela ideia de uma natureza simples e 
essencial, com leis consistentes e harmônicas. Na verdade encontro-me refletindo sobre o sentido 
mais profundo daquilo que dizia no início – a de que a ideia de natureza contém uma quantidade 
extraordinária de história humana. Parece-me que o que tem sido frequentemente debatido na ideia 
de natureza é a ideia de homem, e isto não apenas como generalidade, ou de maneira definitiva, 
mas também a ideia do homem na sociedade, na verdade as ideias de sociedade. 
O fato da natureza ter sido concebida de forma singular e abstrata, e isso ter sido 
personificado, tem pelo menos uma conseqüência conveniente: permite-nos perceber, com rara 
clareza, algumas interpretações bastante fundamentais de toda nossa experiência. A natureza pode 
ser de fato uma coisa, uma força ou um princípio únicos, mas aí o que constitui essa coisa, força ou 
princípio, passa a ter uma história real. Já mencionei a natureza como ministra de Deus. Conhecer a 
natureza era então conhecer Deus, embora houvesse uma diferença radical a respeito das formas 
desse conhecimento, se através da fé, da especulação, pela razão ou pela investigação e 
experimentação física. Porém a natureza como ministra ou representante foi precedida e tem sido 
amplamente sucedida pela natureza como rainha absoluta. Isto é característico de certas fases de 
fatalismo, em muitas culturas e períodos. Não se trata de considerar impossível conhecer a 
Natureza – como súditos conhecemos nossa rainha. Entretanto seus poderes são tão grandes e são 
exercidos de formas tão aparentemente caprichosas, que não podemos tentar controlá-la. Pelo 
contrário, limitamo-nos a vários formatos de petição ou pacificação – as preces contra tormentas ou 
pedindo chuva, a abstenção supersticiosa de manipular ou não este ou aquele objeto, o sacrifício 
para assegurar fertilidade ou o plantio de salsa na Sexta-Feira Santa. E, muito frequentemente, 
existe uma área indeterminada entre essa rainha absoluta e a noção mais controlável de ministra de 
Deus. Incerteza de propósitos é evidente tanto na personificação da Natureza como na de Deus – 
ele é providente ou indiferente, determinado ou caprichoso? Todos dizem que no mundo medieval 
havia um conceito de ordem que abrangia todas as partes do universo, da mais elevada à mais 
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inferior – uma ordem divina, das quais as leis da natureza eram a expressão prática. Certamente, 
essa foi uma crença corrente e, talvez, ensinada ainda mais frequentemente. Na peça de teatro 
“Natureza” de Henry Medwall ou ainda nos “Quatro elementos” de Rastell, a Natureza instrui o 
homem de seus deveres sob os olhos de Deus; assim ele consegue descobrir sua própria natureza e 
lugar a partir dessas instruções. Porém na praga e na escassez de comida, naquilo que não pode ser 
considerado lei natural mas sim catástrofe natural, figurações muito distintas da soberania absoluta 
podem aparecer, e o formato de uma luta entre um Deus invejoso e outro justo, evoca a luta na 
mente humana de experiências reais de uma “natureza” providente e destrutiva. Muitos acadêmicos 
acreditam que essa concepção de uma ordem natural perdurou e dominou o mundo elisabetano e 
jacobino, porém o que é surpreendente no Lear de Shakespeare, por exemplo, é a incerteza sobre o 
significado de “natureza”: 
 
Se concedermos à natureza humana (nature) apenas o que lhe é essencial, 
a vida do homem vale tão pouco quanto a do animal... 
 
 ...uma filha, 
que redime a humanidade (nature) da maldição universal 
que as outras duas fizeram cair sobre ela. 
 
um ser (That nature) que despreza a própria origem 
não pode ser contido em nenhum limite... 
 ...trovão que abala o universo... 
Quebra os moldes da natureza e destrói de uma vez por todas as sementes 
que geram a humanidade ingrata... 
...Escuta, natureza, escuta! Querida deusa, escuta2... 
 
Nesses poucos exemplos encontramos um amplo espectro de significados – desde aquela 
natureza como condição primitiva que precedeu a sociedade humana; passando pela noção da 
inocência original com a queda e a maldição associadas, que requer redenção; passando pelo 
significado especial de qualidade de berço, como na raiz latina; passando ainda pelo significado das 
formas e modelos da natureza, que podem, paradoxalmente, ser destruídos pela força natural do 
trovão; até chegar na forma simples e persistente da deusa personificada, a própria Natureza. A 
análise feita por John Danby contém uma variedade ainda maior dos significados de “natureza” em 
Lear3. 
Aquilo que na história do pensamento pode ser visto como uma confusão ou sobreposição é 
frequentemente o momento preciso do impulso dramático. O modo dramático é maispoderoso, e 
inclui mais, do que qualquer narrativa ou relato,porque os significados e experiências são incertos e 
complexos: não a ordem abstrata, embora suas formas persistam, mas simultaneamente a ordem, os 
significados conhecidos, e aquela experiência de ordem e significados que se encontram no limite 
da inteligência e dos sentidos, uma interação complexa que se constitui em forma nova e dramática. 
A natureza é subitamente inocente, é não providente, é segura, é insegura, é produtiva, é destrutiva, 
é força pura, é maculada e é amaldiçoada. Não consigo pensar em melhor contraste com o modelo 
de significado único, que se constitui na mais acessível história da ideia. 
 
2NT: A tradução é de Millôr Fernandes, L&PM, 1994. Como se pode perceber, Millôr escolheu verter o verbete 
“nature” valendo-se mais de seu significado e não de sua tradução mais usual “natureza”. A ariedade na tradução de 
Millor vai ao encontro do comentário de Williams sobre o sentido incerto de “nature”, empregado por Shakespeare. 
 
3Shakespeare's Doctrine of Nature, London, 1949. 
 
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Ainda assim, as ideias simplificadoras continuam a emergir. Os representantes de Deus, ou 
do soberano absoluto (e esses soberanos foram também, pelo menos em imagem, representantes de 
Deus), foram sucedidos por aquela Natureza, a qual, pelo menos no mundo letrado, dominaram o 
pensamento europeu entre os séculos dezessete e dezenove. A figura é menor, menos imponente, na 
verdade um advogado constitucional. Embora ainda algum crédito aparente seja dado ao criador 
original das leis (em alguns casos, não é preciso duvidar, ele foi mais do que aparente), toda 
atenção prática é focada nos detalhes das leis – a serem classificadas e interpretadas, permitindo 
previsões a partir de ocorrências precedentes, descobrindo ou reativando estatutos esquecidos, e 
então, mais criticamente, forjando novas leis a partir de novos fatos: as leis da natureza, neste 
significado constitucional completamente novo, seriam mais acumulação e classificação de casos 
do que a formatação de ideias essenciais. 
 
A nova ideia de evolução 
 
O poder dessa nova ênfase precisa ser fortemente ressaltado. Suas aplicações práticas e seus 
detalhes tiveram efeitos totalmente transformadores no mundo. Em sua crescente secularização, na 
verdade, naturalização, algumas vezes a natureza conseguiu fugir da personificação singular, e, 
embora frequentemente ainda singular, tornou-se um objeto, e em algumas vezes uma máquina. Em 
seus tempos mais remotos, as ciências com essa ênfase eram aquelas predominantemente físicas: tal 
conjunto formado pela matemática, física e astronomia era chamado de filosofia natural. As 
observações clássicas ocorriam sobre estados fixos ou estados em movimento que obedeciam leis 
fixas. As leis da natureza eram de fato constitucionais, porém, ao contrário da maioria das 
constituições reais, elas não tinham história efetiva. Nas ciências da vida a ênfase era nas 
propriedades constitutivas, e, mais fortemente, nas classificações das ordens. O que mudou essa 
ênfase foi, é claro, a evidência e a ideia de evolução; formas naturais não tinham apenas uma 
constituição mas também uma história. Desde o final do século 18, e muito claramente ao longo do 
século 19, a personificação da natureza mudou. A partir da noção de advogado constitucional, os 
homens escolheram uma nova figura: Natureza, a procriadora seletiva. De fato, o hábito da 
personificação, talvez exceto em alguns usos formais, que vinha se enfraquecendo visivelmente, foi 
fortemente reativado por esse novo conceito de uma força ativamente formadora, até interventora. 
A seleção natural podia ser interpretada de dois modos: como uma descrição natural e simples de 
um processo, ou como na atribuição de uma força específica que podia exercer atividade tanto 
consciente quanto seletiva. Existem outras razões, como veremos, para o vigor das personificações 
ao final do século dezoito e ao longo do dezenove, porém essa nova ênfase, de que a natureza tinha 
uma história própria, podendo assim ser vista como uma força histórica, se constituiu em um 
momento relevante no desenvolvimento das ideias. 
Fica assim evidente, se olharmos para algumas das grandespersonificações ou quase-
personificações, que o que compreende oconceito natureza, e o que é feito para compreender, é 
crítico. Podem ocorrer mudanças de interesse entre os mundos físico e orgânico e, de fato, a 
distinção entre esses mundos está na maneira de construir a investigação. Mas a questão mais 
crítica, em termos de abrangência, diz respeito ao homem ser incluído ou não na natureza. Esse foi, 
afinal, o fator importante na controvérsia sobre a evolução, se o homem poderia ser adequadamente 
visto nos termos de um processo estritamente natural, se ele poderia ser descrito, por exemplo, nos 
mesmos termos empregados para descrever animais. Embora essa questão hoje assuma formas 
diferentes, creio que continua crítica, e isso se constitui assim devido a razões desvendáveis ao 
longo da história da ideia. 
No conceito medieval ortodoxo de natureza, o homem certamente estava incluído. A ordem 
da natureza, expressão da criação divina, incluía como elemento central a noção de hierarquia – o 
homem tinha um lugar preciso na ordem da criação, mesmo tendo sido constituído a partir dos 
elementos universais que compunham a natureza como um todo. Além disso, essa inclusão não era 
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meramente passiva. A noção de um lugar na ordem pressupunha um destino. A constituição da 
natureza declarava seu propósito. Ao conhecer o mundo inteiro, começando pelos quatro 
elementos, o homem acabaria conhecendo seu lugar importante no mundo, e a definição dessa 
importância consistia na descoberta de sua relação com Deus. 
Entretanto, há uma enorme diferença entre uma noção idealista de uma natureza fixa, 
corporificando leis permanentes, e a mesma noção incluindo uma ideia de futuro, um destino como 
lei mais importante. Essa última, em poucas palavras, não tem como como prioridade a 
investigação física, pois a finalidade das leis e, portanto, sua natureza, já é conhecida, ou melhor, 
assumida. Não é nenhuma surpresa que o anjo mau é quem diz, em Marlowe4: 
 
Vá em frente, Faustus, na famosa arte 
Na qual todo o tesouro da natureza está contido. 
 
O que era preocupante, obviamente, era o risco do homem, ao tratar com a natureza, 
considerar-se como 
 
Senhor e Comandante desses elementos. 
 
Essa era uma dificuldade real e duradoura: 
 
A natureza nos fez de quatro elementos 
Guerreando dentro de nossos peitos por ordem 
Nos ensina a ter mentes que ambicionam 
 
Embora isso pudesse ser assim, tal ambição era ambígua: seja ambição de conhecer a ordem 
da natureza ou a ambição de saber como intervir nessa ordem, tornando-se seu comandante. Dito de 
outra forma, ou trata-se de conhecer seu importante lugar na ordem da natureza ou trata-se de 
conhecer como ultrapassá-lo. Esse debate pode parecer irreal. Há milênios o homem tem 
intervindo, tem aprendido a controlar. Desde os primórdios da agricultura e da domesticação dos 
animais, essa intervenção tem sido realizada conscientemente, bem longe das várias consequências 
secundárias tanto daquilo que os homens imaginaram quanto das suas atividades corriqueiras. 
 
A abstração do homem 
 
Atualmente, sabemos muito bem que, como espécie, nos tornamos mais confiantes em 
nossos desejos e em nossa capacidade de intervenção. Porém não podemos entender esse processo, 
nem mesmo descrevê-lo, enquanto não decidirmos o que está incluído na ideia de natureza, 
principalmente, se nós estamos incluídos nesse conceito. Ao dizermos que o homem “intervém” em 
processos naturais,estamos supondo que ele pode achar possível não fazer isso, ou, decidir não 
fazê-lo. Ou seja, a natureza tem que ser concebida como algo separado do homem antes que 
qualquer questão sobre intervenção ou comando, método e ética, possa ser formulada. E então, é 
claro, isso é o que podemos ver acontecendo no desenvolvimento da ideia. Pode parecer paradoxal 
num primeiro momento, porém o que hoje consideramos as mais seculares e racionais ideias de 
natureza, dependem de uma nova e singular abstração – a abstração do homem. Não se trata tanto 
de uma mudança de uma visão metafísica para uma visão naturalística, embora essa distinção seja 
relevante, mas mais de uma mudança de uma noção abstrata para outra, muito semelhante em sua 
forma. 
 
4NT: Christopher Marlowe (1564-1593), poeta e dramaturgo inglês, escreveu Doutor Fausto, do qual Raymond 
Williams extraiu os trechos citados. 
 
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É evidente que tem havido um longo debate sobre as relações entre a natureza e o homem 
social. No pensamento grego mais antigo trata-se do debate sobre natureza e convenção – em certo 
sentido um contraste histórico entre o estado de natureza e o estado formado pelo homem com suas 
leis e convenções. Uma grande parte de toda a teoria sobre leis e política tem sido baseada de 
alguma forma em uma noção a respeito dessa relação. Entretanto é óbvio que o estado de natureza, 
condição do homem natural, tem sido interpretado de modo muito diferente. Seneca via o estado de 
natureza como idade dourada, na qual os homens eram felizes, inocentes e simples. Esse mito 
poderoso coincidiu muitas vezes como o mito do paraíso, o mito do homem antes da queda. Mas 
algumas vezes não coincidiu, o fim da inocência podia ser visto como uma queda na natureza – o 
animal sem graça ou o animal carecendo de graça. Um ser natural podia então significar condições 
opostas: o homem inocente ou a besta. 
Na teoria política ambas imagens foram usadas. Hobbes via o estado do homem na natureza 
como inferior, a vida do homem pré-social como “solitária, pobre, indecorosa, abrutalhada e curta”. 
Simultaneamente, a razão correta era uma lei da natureza, num sentido constitutivo bastante 
distinto. Locke, em oposição a Hobbes, via o estado de natureza como “paz, boa-vontade, 
assistência mútua e cooperação”. Uma sociedade justa organizaria essas qualidades naturais, 
enquanto que, para Hobbes, uma sociedade efetiva teria superado essas desvantagens naturais. 
Rousseau via o homem natural como instintivo, inarticulado, sem propriedades, contrastando essas 
características com a sociedade egoísta e competitiva da sua época. O tema da propriedade tem uma 
longa história. A propriedade coletiva era considerada na idade média como mais natural do que a 
propriedade privada, que aparecia como “queda em desgraça”; e sempre havia os radicais, como 
Diggers e Marx, que se apoiaram de algum modo nessa noção como um programa ou como uma 
crítica. E de fato é nesse problema da propriedade que foram colocadas muitas das questões 
cruciais sobre o homem e a natureza, muitas vezes quase inconscientemente. Locke produziu uma 
defesa da propriedade privada baseando-se em um direito natural do homem e, adicionando a isso, 
seu trabalho; e milhares de pessoas acreditaram e repetiram isso, num tempo em que deveria ser 
óbvio para todos que aqueles que mais aplicavam seu trabalho eram justamente aqueles sem 
propriedade, e que as marcas e manchas desses trabalhos se constituíam na própria definição de 
despossuídos. O debate pode tomar qualquer rumo, conservador ou radical. Porém, assim que 
falamos do homem aplicando seu trabalho na terra, entramos em um mundo de novas relações entre 
o homem e a natureza, e a separação entre a história natural e a história social torna-se 
extremamente problemática. 
Penso que a natureza era vista separadamente do homem para atender a vários propósitos. 
Talvez a primeira forma dessa separação era a distinção prática entre a natureza e deus, distinção 
que eventualmente tornou possível a descrição de processos naturais em seus próprios termos, que 
permitiu examiná-los sem pressupostos de finalidade ou desígnio, como simples processos, ou, para 
usar a expressão mais antiga, como máquinas. Poderíamos descobrir como a natureza “trabalhava”, 
o que a fazia funcionar como um relógio (como se Paley5 ainda estivesse entre nós). 
Poderíamos entender melhor o funcionamento da natureza alterando ou isolando certas 
condições, em experimentos ou intervenções. Uma parte dessa descoberta foi concebida 
passivamente, uma mente separada observando uma matéria separada, o homem olhando a 
natureza. Entretanto a maior parte dessa descoberta foi ativa, não apenas observação mas também 
experimento e, claro, não apenas ciência, o puro conhecimento da natureza, mas ciência aplicada, a 
intervenção consciente para atender propósitos humanos. Melhorias na agricultura e a revolução 
industrial claramente se constituíram a partir dessa nova ênfase, e muitos dos efeitos práticos 
dependeram dessa visão clara e fria da natureza como conjunto de objetos sobre os quais o homem 
podia operar. Evidentemente, ainda temos que nos recordar das consequências desse modo de ver 
 
5
NT: William Paley (1743-1805) é autor de Teologia Natural. Nesta obra, ele utiliza o relógio e seus mecanismos como 
metáfora da natureza e seu funcionamento. 
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as coisas. O isolamento dos objetos levava e ainda leva a consequências imprevistas e 
indesejáveis.Também conduziu, é claro, a desenvolvimentos importantes da capacidade humana, 
incluindo a capacidade de sustentar e cuidar da vida de modos bastante inéditos. 
Entretanto na própria ideia de natureza ocorria um resultado bastante curioso. Os cientistas 
físicos e os reformadores, embora de modos distintos, não tinham dúvidas sobre estarem 
trabalhando com a natureza,e seria mesmo difícil negar isso, partindo de qualquer um dos 
significados da natureza. Todavia, justamente no primeiro pico desse tipo de atividade, emergiu um 
novo e hoje bastante popular conceito de natureza. A natureza, segundo esse novo conceito, era em 
um sentido novo e diferente, tudo aquilo que não era homem – tudo que não havia sido tocado pelo 
homem, estragado pelo homem, natureza como lugar isolado, selvagem. 
 
O natural e o convencional 
 
Quero descrever esse desenvolvimento com algum detalhe porque estamos ainda bastante 
influenciados por ele. É preciso, de início, chamar a atenção para o caráter convencional dessa 
natureza intocada, na verdade para os termos usados convencionalmente para separá-la. Existem 
áreas verdadeiramente selvagens, essencialmente intactas. Na verdade (e claro, por definição) 
poucas pessoas que vão para a “natureza” vão para essas áreas. Porém neste ponto alguns dos 
significados antigos de “natureza” e “natural” ressurgem de maneira duvidosa. Essa natureza 
selvagem é essencialmente pacífica e quieta, como costuma-se dizer. Além disso, ela é inocente; 
ela contrasta com o homem, talvez excetuando aquele que a está olhando. Ela está inexplorada mas 
também imóvel, uma espécie de imobilidade primordial. E na verdade há lugares assim. 
Entretanto também é surpreendente que a mesma coisa seja dita sobre lugares claramente 
fabricados pelo homem. Lembro alguém dizendo que era antinatural, uma espécie de loucura 
científica, aparar cercas vivas; na verdade concordei que elas não deveriam ser aparadas. Mas o que 
foi interessante é que as cercas vivas foram vistas como naturais, parte da natureza, embora eu 
possa supor que todos saibam que elas foram plantadas e cuidadas, e não seriam cercas vivas se os 
homens não as tivessem feito assim. Uma parte considerável daquilo que chamamos paisagem 
naturaltem o mesmo tipo de história. É produto do desígnio e trabalho humanos, e ao admirá-la 
como natural importa muito se, ao fazer isso, reconhecemos ou não o fato do trabalho humano. 
Algumas formas dessa ideia popular moderna me parecem depender da supressão da história do 
trabalho humano, e, o fato de estarem em contradição com o que é tido como exploração ou 
destruição da natureza, pode ser finalmente menos importante do que o fato não menos certo de que 
essas ideias nos causam confusão a respeito do que são e poderiam ser a natureza e o natural. 
É fácil comparar aqueles assim chamados de reformadores com os admiradores da natureza. 
No século dezoito, quando essa comparação começou a ser feita, havia ampla evidência dos dois 
tipos de atitude. Creio que, embora no limite essas atitudes possam ser diferenciadas, e assim 
devem sê-las, existem outras relações entre elas, bastante interessantes. 
Temos que lembrar inicialmente que no século dezoito a ideia de natureza tornou-se, 
essencialmente, um princípio filosófico, um princípio de ordem e de razão correta. O relato de Basil 
Willey sobre os aspectos fundamentais da ideia, e os efeitos e mudanças em Wordsworth, penso 
que não podem ser melhorados6. Entretanto não são as ideias que tem história, mas sim as 
sociedades. E o que parece frequentemente se tratar de oposição de ideias pode ao final ser visto 
como partes de um único processo social. Há esse problema familiar a respeito do século dezoito, 
dele ser visto como período de ordem, porque se falava muito de ordem, e em estreita relação com 
a ordem da natureza. Entretanto, as coisas não se deram assim seja qual for o nível da realidade, ao 
contrário, o século dezoito foi notavelmente desorganizado e corrupto. E tanto foi assim que, a 
partir desta desordem, ele gerou algumas das mais profundas mudanças humanas. O uso da Nature- 
 
6The Eighteenth Century Background, London 1940. 
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za, em seu sentido físico, foi marcadamente expandido e, temos que lembrar – o que nem sempre 
fazemos porque uma imagem de sucesso nos foi imposta – que surgiu a primeira classe de 
capitalistas realmente cruéis, que consideravam homens e coisas dentro do mesmo espírito, 
impondo simultaneamente ordem e pobreza, aqueles agricultores do século dezoito 
autodenominados aristocracia que lançaram as verdadeiras fundações, no espírito e na prática (e é 
claro com a própria participação), para os capitalistas industriais que os sucederiam. 
Um estado de natureza poderia ser uma ideia reacionária, contra a mudança, ou uma ideia 
reformadora, contra o que era visto como decadência. Porém no lugar onde essas novas ideias 
estavam sendo forjadas havia uma perspectiva bem diferente. É significativo que o bem sucedido 
ataque contra a velha ideia da ordem natural tenha sido montado justamente nesse momento. Não 
que essa velha ideia não merecesse ter sido atacada, na prática, ela era frequentemente mistificada. 
Porém os utilitaristas, que a atacaram, estavam fabricando uma ferramenta nova e muito mais 
afiada, o que ao final implicou no desaparecimento de qualquer conceito positivo de sociedade 
justa, e na sua substituição por conceitos novos e ratificadores de um mecanismo e de um mercado. 
O fato de que esses conceitos tenham sido deduzidos das leis da natureza se constitui em uma das 
ironias que constantemente encontramos na história das ideias. As novas leis naturais da economia, 
a liberdade natural do empreendedor prosseguir sem nenhuma interferência, tinham, em sua 
projeção do mercado como regulador natural, um remanescente – que não é necessariamente uma 
distorção – das ideias mais abstratas de harmonia social, nas quais o interesse individual e o 
coletivo podem idealmente coincidir. Entretanto o que gradualmente tem sido deixado para trás, 
entre os utilitaristas, é qualquer sombra de um princípio pelo qual uma justiça superior – para a qual 
se apelaria contra qualquer iniciativa ou consequência – poderia ser efetivamente imaginada. E 
assim nós temos essa situação dos grandes interferidores, alguns dos mais efetivos interferidores de 
todos os tempos, proclamando a necessidade da não interferência, uma contradição que, na medida 
em que foi sendo construída, provocou efeitos assustadores em pensadores que prosseguiram na 
mesma tradição, desde John Stuart Mill até o fabianos. 
 
A favor e contra o desenvolvimento 
 
É, portanto, exatamente neste período, e primeiramente na filosofia dos reformadores, que a 
Natureza é decididamente vista em separado dos homens. A maioria das antigas ideias sobre 
natureza incluíam, de maneira completa, ideias da natureza humana. No entanto, a natureza estava 
cada vez mais “lá fora”, e foi natural reformulá-la considerando uma necessidade dominante, sem 
levar em conta o que esta reformulação poderia fazer aos homens. As pessoas falam da ordem na 
qual aquelas propriedades de campo e aqueles parques paisagísticos estavam assentados, mas o que 
estava sendo movido e rearranjado não eram somente a terra e a água mas o homem. É preciso 
dizer, evidentemente, que isto não implica qualquer estágio anterior de inocência social. Os homens 
foram cruelmente explorados nas grandes eras da lei natural e, nelas, submetidos a ordem universal; 
mas não completamente, porque isto dependia de novos meios e forças físicas. Evidentemente este 
processo foi denunciado como não natural: desde Goldsmith a Blake, de Cobbett a Ruskin e 
Dickens, este tipo de ataque a nova civilização não natural foi fortemente utilizado. O negativo era 
bastante claro, mas o positivo era sempre duvidoso. Os conceitos de ordem natural e harmonia 
foram sendo repetidos contra a crescente e evidente desordem da sociedade. Outros apelos foram 
tentados: à irmandade cristã e à cultura – aquela nova ideia de desenvolvimento humano, baseada 
em uma analogia natural. Opondo-os às ideias práticas dos reformadores, estes apelos eram sempre 
insuficientes. A operação da natureza estava produzindo riqueza, e objeções às suas implicações 
poderiam ser repudiadas como sentimentais. De fato, as objeções normalmente eram, e ainda são, 
sentimentais. O fato dos verdadeiros erros e suas reais consequências serem descritos 
primeiramente em termos marginais é um indicativo do sucesso da nova ideia de natureza – da 
natureza separada do homem. Qualquer outro sentido de natureza avesso ao dos reformadores, de 
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fato, foi conduzido à marginalidade: ao remoto, ao inacessível, às terras quase estéreis. A natureza 
estava onde a indústria não estava, e neste sentido real mas limitado de natureza havia pouco a 
dizer sobre as operações que estavam ocorrendo nos outros lugares. 
Muito pouco a dizer. Por outro lado, houve muito por falar. São novos ares: uma nova e 
muito particular poesia da natureza; a visão verde de Constable; a linguagem verde de Wordsworth 
e Clare. Thomson em The Seasons, tal qual Cobbett em seus passeios rurais, viram beleza em terras 
cultivadas. Porém, já emThompson, e, a seguir, mais fortemente emWordsworth e em outros 
escritores, aparece o sentido de natureza como um refúgio, um refúgio do homem; um lugar de 
cura, um consolo, um retiro. Clare7 ruiu em face da pressão, ele estava em grande desvantagem; ele 
não poderia viver dentro do processo e ao mesmo tempo livrar-se das suas consequências, como 
outros estavam fazendo e, de fato, como tornou-se um estilo de vida – esta é uma ironia das mais 
amargas – entre alguns dos exploradores da natureza de maior sucesso. Como a exploração 
continuou em grande escala, especialmente com os novos processos industriais e de mineração, as 
pessoas que mais lucraram com isso voltaram-se para onde poderiam encontrar ( e elas foram 
bastante habilidosas nisso)a natureza em um estado não explorado, voltaram-se para propriedades 
compradas e retiros no campo. E desde aquele tempo sempre existiu esta ambiguidade na defesa do 
que se chama natureza, e nas ideias associadas de conservação, em um sentido fraco, e nas reservas 
naturais. Nesta defesa, estão aquelas pessoas que melhor entendem a natureza e que insistem em 
estabelecer com ela relações e conexões completas. Mas uma quantidade significativa do restante 
das pessoas é composta de hipócritas, no sentido pleno da palavra. Ocupando lugares poderosos 
noprocesso que cria a desordem, eles “mudam suas roupas aos finais de semana”, quando descem 
para o campo; aderem a apelos e campanhas para manter o último reduto da Inglaterra que está 
verde e não explorado; e depois voltam, com a alma leve, a investir na fumaça e nos entulhos. 
Eles não seriam capazes de passar despercebidos tanto tempo se a ideia que eles usam e 
abusam não estivesse, em si mesma, tão inadequada. Quando a natureza é separada das atividades 
humanas, ela cessa de ser natureza em qualquer sentido completo e efetivo. Os homens se 
aproximam da natureza para projetar suas próprias atividades de lazer e seus efeitos. Mais 
precisamente, a natureza é repartida em partes desconexas: a produção de carvão da produção de 
flores do campo; a favor do vento e contra o vento. A real separação, talvez, esteja nos próprios 
homens: os homens olham, olhando para eles, como produtores e consumidores. O consumidor 
quer somente o produto procurado; todos os outros produtos e subprodutos ele quer jogar fora, se 
ele puder. Mas jogar fora – isto realmente não pode ser negligenciado – para tratar a natureza que 
sobrou da mesma maneira: para ser consumida como cenário, paisagem, imagem, ar fresco. Há 
mais similaridades entre o investidor industrial e o jardineiro de uma paisagem que nós usualmente 
percebemos, cada um alterando a natureza para transformá-la em uma forma passível de consumo: 
assim o cliente ou beneficiário do paisagista, que por sua vez tem uma paisagem ou um prospecto 
para utilizar, normalmente está no final felizde um processo comum, capaz de consumir porque 
outros produziram, em um lazer que decorre de um trabalho bastante preciso. 
Os homens, como disse, projetam suas atividades de lazer e consequências. Em uma 
natureza verde e calma projetamos, sem dúvida, muitos dos nossos mais profundos sentimentos, 
nossos sentidos de desenvolvimento, perspectiva e beleza. Então seria um acidente que uma versão 
oposta da natureza venha se impor ? Nada é mais impressionante quanto a versão totalmente oposta 
da natureza, na segunda metade do século XIX, que se apresenta cruel e selvagem. Como Tennyson 
assinala: 
 
Um monstro então, um sonho, 
uma discórdia. Dragões esguios 
que se rasgam no meio na lama. 
 
7NT: Segundo o dicionário Oxford, John Clare (1793-1864) foi um trabalhador rural que escreveu poesias tomando por 
tema principal a vida no campo. Ao final da vida, ele foi internado por conta de problemas mentais. 
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Estas imagens de violência e alimentação da selvageria natural vêm para dominar muito do 
sentimento moderno. Disney, em muitos dos seus filmes sobre natureza, as seleciona com, o que 
parece, uma precisão obsessiva. A natureza verde se dá em lugares afortunados, mas dentro e nas 
imediações dela está a rivalidade e a violência, uma competição implacável pelo direito de viver, a 
sobrevivência do mais apto. É bastante interessante ver como a noção de seleção natural de Darwin 
entra no imaginário popular – e por popular entendo o pensamento e o sentimento ordinário do 
homem educado. “O mais apto”, significando aqueles que melhor se adaptaram a um determinado 
ambiente variado, tornou-se “mais forte”, “mais implacável”. A selva social, a corrida de ratos, os 
guardiões do território, os macacos nus: assim, aos poucos, foi como se deu a reentrada da ideia de 
homem na ideia de natureza. A experiência real da sociedade foi projetada, por meio de uma 
seleção de exemplos, em uma natureza novamente alienada. Sob o verniz da civilização estava esta 
selvageria natural: isto pode ser percebido de Wells a Golding, de maneiras cada vez mais banais. 
O que foi certa feita uma ratificação, uma espécie de perdão natural, de um egoísmo econômico 
implacável – a real ideologia do capitalismo antigo e do imperialismo – tornou-se, nos dias de hoje, 
também uma falta de esperança, um desespero, um fim do esforço social expressivo; se isto é o que 
a vida parece ser, e parece de maneira natural, qualquer ideia de irmandade é fútil. Portanto, 
construa outro refúgio, limpe outra praia. Não mantenha tão longe o tubarão e tigre (quando 
necessário) quanto os homens, aquele unha-de-fome, predador, egoísta, relaxado, e ordinário. 
Vamos retirar a população da região de Wales e então chamá-la de área selvagem: uma região 
selvagem para ir quando saímos da selva das cidades. 
Ideias de natureza, mas ideias que são projetadas pelos homens. Penso que nada mais pode 
ser feito, nada mais pode ser dito, até que sejamos capazes de ver as causas dessa alienação da 
natureza, essa separação entre natureza e as atividades humanas que estou tentando descrever. No 
entanto, estas causas não podem ser encontradas, de maneira prática, retornando a qualquer estágio 
antigo da ideia. Como reação contrária a situação em curso, vários escritores têm criado uma ideia 
de passado rural: inocente talvez, como na primeira mitologia da Era de Ouro; mesmo nos casos 
mais orgânicos, com o homem não separado da natureza. A tentativa é compreensível, mas bem 
longe de seus elementos de fantasia – sua presença no período pode ser considerada intermitente e 
pequena - ela é uma séria subestimação da complexidade do problema. Uma separação entre os 
homens e a natureza não é simplesmente o produto de uma indústria ou urbanismo moderno; ela é 
uma característica de muitos tipos antigos de trabalho organizado, incluindo o trabalho rural. Nem 
podemos considerar vantajosas outras formas de reação, que, identificam corretamente uma parte 
do problema considerando a ideia da natureza como um mecanismo - estaríamos retornando a uma 
teleologia tradicional – em que a unidade dos homens com a natureza é estabelecida por meio de 
suas relações com um criador. Este sentido de um fim e de uma finalidade está em um caminho 
ainda mais alienado do que aquele do mundo frio do mecanismo. De fato, a singular abstração que 
ele implica tem muito em comum com um tipo de materialismo abstrato. Ele direciona nossa 
atenção para longe das relações reais e variáveis, e, pode-se dizer, ratifica a separação tornando 
permanente uma de suas formas e fixada a sua finalidade. 
O ponto que realmente deve ser percebido é que a separação, tão característica de tantas 
ideias modernas, entre os homens e a natureza, embora seja difícil de expressar, é uma resultado de 
uma interação cada vez mais real. É fácil perceber uma união limitada na base das relações 
limitadas, seja no animismo, no monoteísmo, ou nas formas modernas de panteísmo. É somente 
quando as relações reais sãoextremamente ativas, diversas, autoconscientes, e em movimento 
contínuo – como nossas relações com o mundo físico podem parecer em nossos dias- que a 
separação da natureza humana da natureza torna-se realmente problemática. Eu gostaria de ilustrar 
isto de duas maneiras. 
Em nossas complexas trocas com o mundo físico, achamos muito difícil reconhecer todos os 
produtos de nossas atividades. Reconhecemos alguns deles, e chamamos outros de subprodutos; 
mas uma pilha de restos de mineração é tão real como produto quanto o carvão, da mesma maneira 
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que um rio fedorento com esgoto e detergente é produto tanto quantoum reservatório de água. A 
terra cercada e fértil é nosso produto, assim também são os vastos campos sem cultivo de onde o 
pobre agricultor foi retirado, para deixar, o que se pode considerar, uma natureza vazia. Além disso, 
nós somos em certo sentido produtos: a poluição da sociedade industrial é encontrada não somente 
na água e no ar mas em áreas pobres, nos engarrafamentos, considerando esses espaços não 
somente como objetos físicos mas nos colocando dentro deles e em relação com eles. Neste mundo 
atual não adianta muito se contrapor ou reafirmar as grandes abstrações sobre os homens e a 
natureza. Nós misturamos nosso trabalho com a terra e nossas forças com as suas muito fortemente 
para conseguir retirar-nos, separar-nos ou sairmos. Uma separação possível somente se ela for 
mental, se continuamos com abstrações simplificadas, se nos pouparmos de olhar, de maneira ativa, 
o complexo todo das relações naturais e sociais que é ao mesmo tempo nosso produto e nossa 
atividade. 
O processo, é preciso dizer, tem que ser visto como um todo, não de maneira abstrata ou 
simplificada. Temos que olhar para todos nossos produtos e atividades, bons ou maus, e 
perceberque as relações entre elas são nossas relações reais. Marx indicou isto de maneira mais 
clara que qualquer outro, embora ainda em termos de forças bastante simples. Penso que temos que 
desenvolver essas indicações. Na indústria, por exemplo, não podemos continuar dizendo que um 
carro é um produto mas a sucata é um subproduto, não podemos considerar a fumaça da pintura e 
do petróleo, os congestionamentos, a mobilidade, a autoestrada, o centro da cidade dilacerada, a 
linha de montagem, o estudo de eficiência de uma empresa, os sindicatos, as greves, mais como 
subprodutos do que produtos verdadeiros. Evidentemente devemos não somente expressar isto de 
uma maneira mais sofisticada, mas de modo radicalmente mais honesto do que nós fazemos hoje. 
Será irônico se uma das últimas formas de separação entre os homens abstratos e a natureza 
abstrata for uma separação intelectual entre economia e ecologia. Será um sinal de que estamos 
começando a pensar em algum caminho adequado quando pudermos concebê-las, como elas devem 
se tornar, uma única disciplina. 
Mas isto seria ainda mais difícil: se somente dissermos que misturamos nosso trabalho com 
a terra, nossas forças com as forças dela, nós estaríamos chegando na verdade de que nós 
construímos esta desigualdade: que para o mineiro e o escritor a mistura é diferente, embora seja 
real nos dois casos; e vale o mesmo para o trabalhador e o homem que administra seu trabalho, o 
produtor e o que cuida de seus produtos, a diferença é grande novamente. Fora desses caminhos 
onde temos interagido com o mundo físico, construímos não só a natureza humana e a ordem 
natural alterada; temos criado também sociedades. É sintomático que a maior parte dos termos que 
nós utilizamos nessa relação – a conquista da natureza, a dominação da natureza, a exploração da 
natureza – tem origem nas práticas humanas reais: nas relações entre homens e homens. Mesmo a 
ideia de equilíbrio da natureza tem suas implicações sociais. Se falamos somente do homem 
singular ou de uma natureza singular, podemos compor uma história geral, mas correndo o risco de 
excluir o real e alterar as relações sociais. O capitalismo, evidentemente, tem utilizado a dominação 
e a exploração; o imperialismo em sua conquista tem, da mesma maneira, visto o homem e os 
produtos físicos como matéria-prima. O fato de que os socialistas ainda falem da conquista da 
natureza, que na verdade sempre incluirá a conquista, a dominação e a exploração de alguns 
homens por outros, é um indicativo do quão longe temos que ir. Se alienamos os processos vivos 
dos quais fazemos parte, terminamos, embora desigualmente, nos alienando. 
Necessitamos de diferentes ideias porque necessitamos de diferentes relações. 
 
A natureza e as leis da natureza desapareceram na noite. 
Então disse Deus, haja Newton, e tudo se fez luz.8 
 
8
 Alexander Pope, Tentativa de epitáfio para Sir Isaac Newton. Tradução dos tradutores. 
 
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 Neste instante, sobre meio mundo, 
a natureza parece morte9 
 
Entre a confiança inquestionável e a reflexão triste dessas linhas recordadas, sentimos que 
nossas almas balançam. Nós necessitamos e, talvez, estejamos começando a encontrar, ideias 
diferentes, sentimentos diferentes, na medida em que conhecemos a natureza de maneira tão 
diversificada e variável quanto mudam as condições do mundo humano. 
 
9
 Macbeth, Segundo ato, Cena I. Tradução de Beatriz Viégas-Faria, L&PM Pocket, 2003. 
 
 
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