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RESUMO A biotecnologia animal tem fornecido novas ferramentas para os programas de melhoramento e, dessa forma, contribuído para melhorar a eficiência da produção dos produtos de origem animal. No entanto, os avanços têm sido mais lentos do que antecipados, especialmente em razão da dificuldade na identificação dos genes responsáveis pelas características fenotípicas de interesse zootécnico. Três estratégias principais têm sido utilizadas para identificar esses genes – mapeamento de QTL, genes candidatos e sequenciamento de DNA e mRNA – e cada uma tem suas vantagens e limitações. O mapeamento de QTL permite determinar as regiões genômicas que contêm genes, mas o intervalo de confiança do QTL pode ser grande e conter muitos genes. A estratégia de genes candidatos é limitada por causa do conhecimento ainda restrito das funções de todos os genes. Os sequenciamentos de genomas e de sequências expressas podem auxiliar na identificação da posição de genes e de vias metabólicas associadas à característica de interesse. A integração dessas estratégias por meio do desenvolvimento de programas de bioinformática permitirá a identificação de novos genes de interesse zootécnico. Assim, os programas de melhoramento genético se beneficiarão pela inclusão da informação obtida diretamente do DNA na avaliação do mérito genético dos plantéis disponíveis. Palavras-chave: Avicultura, Bovino, Genômica, Marcador molecular, Melhoramento animal, Suíno. ABSTRACT Animal biotechnology is providing new tools for animal breeding and genetics and thus contributing to advances in production efficiency and quality of animal products. However, the progress is slower than anticipated, mainly because of the difficulty involved in identifying genes that control phenotypic characteristics of importance to the animal industry. Three main strategies: QTL mapping, candidate genes and DNA and mRNA sequencing have been used to identify genes of economic interest to animal breeding and each has advantages and disadvantages. QTL mapping allows identification of the genomic region that contains the genes, but the confidence interval of the regions is usually large and may contain several genes. Candidate gene approach is limited to our restricted knowledge of the biological function of the genes. Sequencing of genomes and expressed sequences tags can provide identifying gene position and metabolic pathways associated with phenotypic trait. Integrating these strategies using bioinformatics software will allow identifying of novel genes for animal production. Then, animal breeding programs will include the information from DNA directly on evaluation of genetic value of livestock production. Keywords: Poultry, Bovine, Genomics, Molecular marker, Animal breeding, Swine Introdução A biotecnologia tem sido empregada na produção de bens e serviços por meio do uso de organismos vivos ou parte deles. Diversas atividades que vêm sendo realizadas pelos seres humanos há milhares de anos, co- mo a produção de alimentos fermentados (pão, vinho, iogurte, cerveja etc.), são exemplos do emprego da biotecnologia. Mas foi só a partir da descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick, em 1953, e da tecnologia do DNA recombinante, na década de 1970, que a biotecnologia moderna tem sido empregada para designar o uso da informação genética obtida diretamente do DNA. Na produção animal, a biotecnologia pode ser empregada para aumentar a produção de alimentos, a eficiência dos sistemas de produção, a qualidade dos produtos de origem animal e a sustentabilidade do sistema. Alguns exemplos dos produtos comercialmente disponíveis e que foram gerados com o emprego de técnicas biotecnológicas são o hormônio de crescimento bovino, empregado para aumentar a produção de leite; vacinas recombinantes para prevenção de doenças em bovinos, suínos, ovinos e aves; testes genéticos de DNA utilizados na seleção de animais com genótipos superiores em programas de melhoramento. Em virtude da abrangência do tema, a proposta deste texto é discorrer sobre o emprego biotecnologia animal por meio da abordagem de diferentes técnicas de análise da informação contida no DNA para aplicações junto aos programas de melhoramento genético das espécies de interesse zootécnico, tais como bovinos, suínos, aves, entre outras. Além disso, serão apresentadas aplicações e perspectivas do uso da biotecnologia animal especialmente para o melhoramento genético das espécies bovinas e de aves. Melhoramento genético animal Foi no século XX que a produção animal deixou de ser uma atividade apenas de subsistência e extrativista para ser conduzida como uma atividade comercial. Ocorreu uma demanda crescente por animais que apresentassem melhor desempenho e que fossem mais bem adaptados às diversas condições ambientais. Deu-se início, então, aos programas de melhoramento das raças de bovinos, suínos, aves, ovinos, caprinos, entre outras. Empregando como base genética o conjunto de alelos das raças já domesticadas, esses programas foram conduzidos intuitivamente, com base em características produtivas e estéticas de animais que apresentavam fenótipos superiores. Ciclos de mensuração de fenótipos foram estabelecidos para a seleção dos animais que apresentavam genótipos superiores para constituírem os progenitores das gerações seguintes. Consequentemente, esse processo de seleção conduziu a um aumento da frequência de alelos favoráveis que aprimoravam as características produtivas. Os programas de melhoramento, então, aperfeiçoaram os índices de produtividade, bem como o potencial adaptativo das espécies de interesse econômico, sem conhecer os genes individualmente e os mecanismos moleculares a eles associados. Salienta-se que graças aos avanços nas áreas da estatística, por meio do desenvolvimento de modelos de seleção mais elaborados, bem como da computação, com o desenvolvimento de softwares cada vez mais sofisticados, os programas de melhoramento têm conseguido progressos significativos. Apesar dos ganhos observados em diversas características (por exemplo, ganho de peso, produção de leite, de carne e de ovos), a estimativa do potencial genético baseado exclusivamente no fenótipo do animal apresenta algumas limitações. Como prever, por exemplo, o rendimento de carcaça e de partes e quantidade de gordura corporal sem abater o animal? E avaliar a resistência a doenças sem realizar o desafio com um patógeno? Esses são alguns exemplos de características difíceis ou onerosas de ser mensuradas com acurácia em programas de melhoramento tradicional, e, portanto, o incremento nas taxas de melhoramento dessas características fica limitado. Os trabalhos de G. Mendel, de 1865, estabeleceram as leis da hereditariedade, associando um componente hereditário às características observáveis. Já o trabalho de Ronald A. Fisher, em 1918, foi o primeiro a distinguir a variância genética da variância ambiental e a decompor a variância genética em aditiva, de dominância e de epistasia. Esses trabalhos permitiram definir que o fenótipo (variabilidade fenotípica) podia ser decomposto em duas partes: uma devida à genética (variabilidade genética) e outra devida ao ambiente (variabilidade ambiental). Mas foi apenas em 1944 que Oswald T. Avery comprovou que o fator hereditário é determinado pelo DNA (Coutinho et al., 2010). Biotecnologia animal Com a descoberta da estrutura do DNA, em 1953, e com a tecnologia do DNA recombinante combinada ao advento dos marcadores moleculares, ambos propostos na década de 1970, vislumbrou-se a possibilidade de incrementar a informação oriunda do fenótipo com aquela oriundadiretamente do DNA, de forma que os processos de identificação e seleção dos animais com genótipos superiores pudessem ser realizados mais eficientemente. As marcas na sequência de DNA próximas à região de interesse (genes) permitiriam o acompanhamento da segregação de alelos por gerações e, por consequência, da característica de interesse a elas associada. Essas marcas são identificadas pela associação dos alelos segregantes com valores fenotípicos referentes à característica estudada. Como a capacidade de produção de um animal (fenótipo) é o resultado da interação entre o material genético (genótipo) e o ambiente, esses marcadores representariam a possibilidade de seleção de animais também com base no genótipo, antes mesmo da expressão do fenótipo. Vislumbrou-se, portanto, a possibilidade de determinação do mérito genético de um animal nos estádios embrionários ou jovens, sem a necessidade de avaliação da produção ou da progênie, o que levaria a uma seleção mais rápida e eficiente. Os marcadores moleculares, portanto, têm sido uma ferramenta poderosa para a identificação das mutações que influenciam características controladas por um ou poucos genes. No entanto, a maioria das características de interesse econômico apresenta o padrão poligênico de herança, sendo determinadas por inúmeros genes de grande e/ou de pequeno efeito individuais e sob forte influência de fatores ambientais. A identificação dos alelos associados a essas características complexas nas populações somente foi possível a partir do desenvolvimento e da localização de marcadores moleculares polimórficos no genoma, especialmente os microssatélites e os polimorfismos de base única (SNP), permitindo a construção de mapas genéticos saturados e, consequentemente, o mapeamento de locos de características quantitativas (QTL). A integração dos resultados oriundos do mapeamento de QTL aos obtidos pelas estratégias de genes candidatos, estudos relacionados à expressão gênica envolvendo técnicas de PCR quantitativa, microarranjos e sequenciamento poderá permitir a dissecação e a compreensão do número, função, contribuição e localização dos genes envolvidos no controle das características quantitativas (Coutinho et al., 2010). Identificação de genes de interesse zootécnico O principal objetivo da análise do DNA em espécies de animais domésticos tem sido a dissecação da arquitetura genética das características de interesse econômico, determinando o número de genes e a contribuição de cada um na expressão do fenótipo. Esse objetivo, no entanto, não tem sido facilmente alcançado, especialmente porque as características de interesse são de natureza quantitativa, ou seja, controlada por vários genes, cada um contribuindo com uma parcela para o fenótipo. Três estratégias principais têm sido utilizadas para identificar genes de interesse: mapeamento de QTL, genes candidatos e sequenciamento de DNA e mRNA, incluindo expressão gênica. QTL O mapeamento de QTL baseia-se na identificação de regiões cromossômicas associadas à variação genética de características de interesse econômico. Essa identificação é dependente do desenvolvimento de mapas genéticos saturados por marcadores moleculares polimórficos e de uma estrutura populacional que apresente segregação para a característica de interesse. A identificação dos marcadores microssatélites (Tautz, 1989) e dos SNP (Collins et al., 1998) permitiu o desenvolvimento de marcas ao longo de todo o genoma. Hoje, mapas genéticos saturados, juntamente com o desenvolvimento de métodos estatísticos, vêm permitindo a dissecação das características complexas de produção, com a identificação de segmentos cromossômicos que contêm genes determinantes do desenvolvimento muscular e qualidade de carne, por exemplo. O uso da análise de segregação em famílias informativas ou cruzamentos experimentais para o mapeamento de QTL já está bem definido. Uma meta-nálise indicou vinte regiões-consenso no genoma de bovinos, correspondentes às regiões contendo QTL coincidentes, mapeados em populações independentes para a mesma característica. Dentre essas regiões-consenso, duas revelaram controlar o rendimento de leite, ambas localizadas no cromossomo 6, uma a 49 cM e outra a 87 cM, explicando 4,2% e 3,6% da variação genética dessa característica, respectivamente (Khatkar et al., 2004). A primeira dessas regiões (localizada próxima ao marcador BM143) foi associada a cinco características da produção de leite, sendo elas rendimento de proteína, porcentagem de proteína, rendimento de gordura, porcentagem de gordura e rendimento de leite. Para ovinos, alguns resultados foram obtidos para produção de leite (Diez-Tascón et al., 2001; Barillet et al., 2005), características de crescimento e carcaça (Walling et al., 2004) e resistência a parasitas (Davies et al., 2006). Também foram ma-peados QTL para características do pelo em caprinos (Cano et al., 2007). Em bovinos, o CattleQTLdb1 totaliza 4.281 QTL mapeados, sendo 98 associados a características do exterior, 316 à sanidade, 907 à qualidade de carne, 1.196 à produção de leite, 947 à produção e 817 à reprodução. Em aves, 2.284 QTL foram mapeados para características relacionadas ao exterior (80), à sanidade (227), à fisiologia (103) e à produção (1874), de acordo ChickenQTLdb.2 Para suínos, o PigQTLdb3 dos 5.986 QTL mapeados, 377 foram associados ao exterior, 586 à sanidade, 4.143 à qualidade da carne, 607 à produção e 273 à reprodução. A Monsanto tem genotipado mais de 4.000 SNP autossômicos em um total de aproximadamente seis mil suínos para investigar a extensão e escala do desequilíbrio de ligação (DL) no genoma suíno (Du et al., 2007), permitindo associar características de interesse com polimorfismos do DNA. Para ovinos, Walling et al. (2004) mapearam QTL para peso vivo a oito semanas e espessura de músculo e de gordura a 20 semanas, e McRae et al. (2005) identificaram QTL para peso vivo e espessura de gordura. No Brasil, um convênio foi estabelecido entre a Embrapa Suínos e Aves e a Esalq/USP para conduzir estudos em genômica de aves.4 Assim, duas populações referência foram desenvolvidas para mapeamento de QTL e genes associados a características de desempenho e carcaça. Essas populações, em esquema F2, foram denominadas CTCT e TCTC, pois se originaram de cruzamentos recíprocos entre uma linhagem de postura (CC) e outra de corte (TT). Para a população TCTC, mapas de ligação já foram construídos (Nones et al., 2005; Ambo et al., 2008) e QTL mapeados para características de desempenho e de carcaça nos cromossomos 1 (Nones, 2004; Nones et al., 2006), 2 e 4 (Baron, 2004), 3 e 5 (Ruy, 2004), 11 e 13 (Boschiero, 2006; Boschiero et al., 2009), 19, 23, 24, 26, 27 e 28 (Ambo, 2007), 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17 e 18 (Campos, 2007; Campos et al., 2009a). A varredura do genoma com 129 marcadores microssatélites já foi concluída para a população TCTC, em 22 cromossomos, e os resultados foram recentemente publicados por Ambo et al. (2009) para características de desempenho, por Campos et al. (2009b) para características de deposição de gordura e por Baron et al. (2010) para características de carcaça. Boschiero (2009) realizou o mapeamento fino de uma região no cromossomo 1 da população TCTC, bem como a análise de polimorfismos nos genes IGF1 e JARID1A relacionados ao crescimento. Para a população CTCT, os trabalhos iniciais envolveram o estudo dos cromossomos 1, 3 e 4 (Rosário, 2007), descrição genotípica das populações TCTC e CTCT (Rosário et al., 2009) e construção de mapas de ligação (Rosário et al., 2010). Os cromossomos 5 (Silva et al., 2009) e 2 (Guido et al., 2009) tambémtêm sido estudados nessa população. Outras iniciativas brasileiras forma dadas pela Universidade Federal de Viçosa, que tem se destacado na genômica de suínos, e pela Embrapa Gado de Leite e Embrapa Pecuária Sudeste, na genômica de bovinos. É importante ressaltar que esses projetos visam mapear QTL para características de desempenho e de carcaça expressas nas condições de clima e de criação brasileiras, facilitando o desenvolvimento de marcadores para o melhoramento de características de interesse nacional. Apesar de permitir a identificação de regiões do genoma que contêm genes de interesse, a estratégia de mapeamento de QTL tem suas limitações. O custo elevado é uma delas, pois envolve o desenvolvimento de uma população experimental com pelo menos duas gerações, que deve ser fenotipada e genotipada completamente. Também são características limitantes o custo de genotipagem para marcadores moleculares que cubram todo o genoma, o poder variável de detecção de QTL, relacionado à informatividade dos alelos dos marcadores moleculares e dos alelos do QTL, e também a herdabilidade da característica em estudo. Finalmente, a maior restrição é que a estratégia indica a região cromossômica que possivelmente contém os genes associados à característica de interesse, porém a região identificada pode conter diversos genes. Além disso, essa estratégia não define nem o número nem os efeitos exatos desses genes sobre a característica quantitativa. Mesmo assim, o mapeamento de QTL foi fundamental para a identificação de genes responsáveis por características de interesse em animais domésticos, entre eles o diacilglicerol O-acetiltransferase (DGAT1), que controla a composição e produção de leite em bovinos (Grisart et al., 2002), e miostatina, que controla o desenvolvimento muscular em bovinos (Grobet et al., 1997) e ovinos (Clop et al., 2006). Genes candidatos Outra estratégia de associação de genes com características de interesse econômico na produção animal é o estudo de genes candidatos. Esses são genes de ação biológica conhecida e que estão envolvidos com o desenvolvimento ou a fisiologia de uma característica de interesse econômico (Bryne & McMullen, 1996). Alguns exemplos bem-sucedidos da aplicação dessa estratégia são os genes halotano e RN, relacionados à qualidade de carne em suínos (De Vries et al., 1998), e miostatina, associado à formação da musculatura dupla em bovinos (Grobet et al., 1997). Um total de 13 SNP foi associado a quatro genes relacionados à qualidade da carne e da carcaça em bovinos (Haegeman et al., 2005). As mutações identificadas nos genes que codificam a calpaína e a calpastatina são hoje comercialmente utilizadas para a seleção de animais para melhor maciez de carne. Outros exemplos podem ser encontrados para bovinos, suínos, aves e ovinos em Dekkers (2004). A principal limitação da aplicação dessa estratégia é que somente uma pequena proporção dos genes que controlam características quantitativas é conhecida. Dificuldades também existem no estabelecimento definitivo do efeito do gene candidato, pois a identificação da variante causal para um gene de efeito menor pode não ser facilmente determinada. Sequenciamento de DNA e de mRNA A habilidade de identificar genes por sequenciamento de genomas e de RNA mensageiros (mRNA), determinado pelas etiquetas de sequências expressas (EST) (Adams et al., 1991; detalhado por Hatey et al., 1998), promete ultrapassar algumas das limitações técnicas das estratégias anteriores. A informação da sequência genômica favorece a compreensão de como a variação genética influencia a característica de interesse, por permitir mapear essa característica em local preciso no genoma (Schmutz & Grimwood, 2004). Mapas genéticos saturados, contendo inúmeros marcadores microssatélites e SNP, e mapas de haplótipos contendo QTL mapeados terão correspondência direta com a sequência do genoma em populações comerciais e experimentais. Genes candidatos poderão ser identificados diretamente no organismo e no tecido-alvo, e o ressequenciamento dos intervalos de QTL, para a identificação da(s) mutação(ões) causal(is) influenciadora(s), também será facilitado. Coleções de EST vêm sendo estabelecidas para os tecidos de interesse econômico de diversas espécies domésticas. O banco para a galinha doméstica, por exemplo, conta com mais de 599.000 EST (revisados por Fadiel et al., 2005). A coleção de EST obtidas para bovinos (Bos taurus), depositada no NCBI (dbEST), já totaliza mais 1.315.093 e para suínos (Sus scrofa) mais 641.896. Além de permitir obter a sequência e a posição dos genes no genoma, essas coleções de sequências de DNA e mRNA são ainda base para a construção de plataformas de microarranjos, desenvolvidas para estudos de análise do padrão de expressão gênica em larga escala. Essa estratégia baseia-se na hipótese de que organismos com características fenotípicas divergentes apresentam expressão diferencial de genes relacionados a essas características. A visão global da expressão gênica fornece a compreensão de mudanças temporais e espaciais na atividade gênica durante o desenvolvimento celular e diferenciação, que contribui para a identificação de genes específicos ou de expressão diferenciada em raças ou linhagens distintas. Esses arranjos representam, portanto, ferramentas fundamentais para a determinação das funções biológicas de genes pelo padrão de expressão tecido-específico e, consequentemente, para complementar as informações biológicas obtidas pelo mapeamento de QTL e pelos projetos de sequenciamento, a fim de promover a identificação dos genes associados a características complexas, como as de interesse econômico (Andersson & Georges, 2004). Essa estratégia, no entanto, também apresenta suas limitações. Os microarranjos exigem o conhecimento prévio da sequência do gene impresso à plataforma, o que limita a disponibilidade dos arranjos para todas as espécies de interesse. A hibridização cruzada entre transcritos e sequências-alvo (causada pela duplicação de genes) e a restrita sensibilidade dos arranjos de EST para transcritos pouco frequentes, pobremente representados nas bibliotecas e normalmente genes regulatórios importantes, também são fatores limitantes dessa estratégia. Mais importante, os arranjos contribuem para identificar vias metabólicas associadas à característica de interesse, mas não o gene responsável. Uma vantagem obtida com o sequenciamento de genomas é a identificação em larga escala de SNP. Esses têm permitido o desenvolvimento de novas metodologias e estratégias para o mapeamento de genes de interesse, pois são marcadores extremamente úteis para promover o mapeamento fino, cujo objetivo é delimitar a menor região genômica que contém um QTL (Carlson et al., 2004). O frango foi a primeira espécie de animal doméstico a ter a sequência do genoma publicada (Hillier et al., 2004). A sequência do genoma de 1,25 Gpb foi obtida a partir do DNA proveniente de uma única fêmea de Gallus gallus(Red Jungle Fowl), o ancestral da galinha doméstica. Já em 2007, foi publicado o mapa físico do genoma bovino com a contribuição de mais de 20 grupos de pesquisa de oito países (Austrália, Brasil, Canadá, Escócia, Estados Unidos, França, Itália e Nova Zelândia) ao longo de cinco anos. Esse mapa genético foi constituído por um grande banco de dados contendo 422.000 sequências de DNA e mais de 17.000 marcadores.5 Finalmente, a sequência do genoma bovino, oriunda de uma fêmea da raça Hereford, foi publicada por Elsik et al. (2009). Em frangos, mais de 2,8 milhões de SNP foram identificados a partir da comparação da sequência do genoma do ancestral(Gallus gallus) com sequências obtidas para três linhagens domesticadas: um macho de corte (White Cornish), uma fêmea de postura (White Leghorn) e outra fêmea de uma espécie ornamental (Silkie chinesa) (Wong et al., 2004). Groenen et al. (2009) publicaram o primeiro mapa de ligação com 8.599 SNP. Em bovinos, foram identificados e validados 35 mil marcadores SNP que possibilitaram a construção do mapa haplotípico bovino (hapmap bovino) (Gibbs et al., 2009). Mais recentemente, painéis de 50 mil e 770 mil foram disponibilizados comercialmente. Assim, avanços importantes têm sido alcançados na genotipagem de animais com o uso de chips de SNP, com plataformas já disponíveis para a detecção de milhares de SNP simultaneamente. Esses chips de SNP devem promover uma revolução na genômica animal, por permitirem a varredura do genoma de uma população experimental para milhares de SNP ao mesmo tempo, a um custo menor e de maneira mais rápida, em comparação ao que vem sendo feito hoje com o uso de microssatélites. Dessa forma, será possível lançar mão da chamada seleção genômica. Seleção genômica De acordo com Grattapaglia (2010), a estratégia de seleção genômica envolve a seleção simultânea para milhares de marcadores de forma que a maioria dos genes ou regiões genômicas envolvidas no controle das várias características quantitativas estarão em desequilíbrio de ligação com um ou mais marcadores genotipados. Essa abordagem, baseada exclusivamente em marcadores, apresenta algumas vantagens: não exige prévio descobrimento de QTL, apresenta alta acurácia seletiva, evita estimativas viesadas de efeitos de genes e/ou QTL individuais, computa toda a variação devida a locos de pequeno efeito, contempla com eficiência características de baixa herdabilidade e permite a aplicação dos modelos de predição a todas as famílias do programa de melhoramento. Um exemplo do emprego da seleção genômica foi anunciado em janeiro de 2009 pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), que realizou a avaliação genômica de touros da raça Holandesa. Inicialmente, foram genotipados 5.800 touros provados de centrais de inseminação artificial, sendo 4.422 touros da raça Holandesa, 1.149 touros Jersey e 228 touros Pardo Suíço. Atualmente, o número de animais genotipados ultrapassa os 20.000. Essas genotipagens empregaram o Illumina Bovine SNP50 BeadChip. Esse teste permitiu genotipar os touros para 58 mil marcadores moleculares, dos quais 39.835 tiveram relações com características econômicas.6 Mas como isso funciona na prática? Até o último sumário de 2008, os touros jovens apresentavam entre 35%-40% de confiabilidade para as características de produção baseados apenas em pedigree. Desde janeiro de 2009, os touros jovens apresentam um acréscimo nos padrões de confiabilidade de suas provas graças às avaliações genômicas. Essas avaliações elevaram a confiabilidade das características de produção para 65%-70%. A confiabilidade para as características de tipo cresceu de 30%-35% para 60%-65% e das características de saúde aumentaram de 25%-30% para 55%-60%. Portanto, com as avaliações genômicas, as provas desses touros jovens apresentam o dobro da confiabilidade anterior, quando era utilizada apenas a avaliação genética baseada exclusivamente no fenótipo.7 Outro exemplo foi anunciado pelo grupo CRV, que comanda no Brasil a CRV Lagoa, central genética com sede em Sertãozinho (SP). Essa empresa aplicará diversas mudanças na seleção dos touros jovens que participam do programa InSire, incluindo o aumento em sua seleção dos atuais 1.300 para 2.600 animais a partir de 1º de setembro de 2010, mediante a inclusão da informação obtida diretamente do DNA em seu programa de melhoramento genético.8 Aplicações da biotecnologia animal no melhoramento A genômica vem contribuindo para o avanço da biotecnologia animal desde a década de 1990. O exemplo mais marcante dessa contribuição foi demonstrado com o gene halotano na suinocultura, que está associado a uma maior deposição de músculo na carcaça, mas com maior propensão à produção de uma carne PSE (pálida, mole e exsudativa) (De Vries et al., 1998; Bridi et al., 2006). No passado, o teste para a identificação dos animais livres dessa síndrome era feito com o uso do anestésico halotano, por um método trabalhoso e que não permitia diferenciar os animais homozigóticos normais dos portadores da mutação na população. A identificação da mutação causal dessa condição permitiu o desenvolvimento de um teste genético simples, que permite, a partir de uma amostra de pelo do animal, identificar os indivíduos normais, heterozigóticos e recessivos, facilitando o estabelecimento de linhagens livres dessa mutação (Fujii et al., 1991). Hoje, praticamente todos os suínos em programas de melhoramento são testados para essa mutação. Outro exemplo foi a identificação de uma mutação no gene miostatina, responsável pela característica de maior desenvolvimento muscular (dupla musculatura) em animais das raças de bovinos de corte Belgian Blue e Piedmontese. As bases genéticas do fenótipo foram exploradas levando à identificação de várias mutações no gene miostatina (McPherron & Lee, 1997; Grobet et al., 1997). Essas mutações resultam em proteínas não funcionais que levam a um aumento significativo da massa muscular do animal (~ 30%), do peso ao nascimento e da eficiência alimentar, e esse aumento da massa muscular deriva especialmente de efeito de hiperplasia (aumento no número de fibras). Entretanto, esse fenótipo também apresenta prejuízos relacionados à diminuição da quantidade de gordura intramuscular (marmoreio), da fertilidade das fêmeas e da tolerância a estresse (Potts et al., 2003), não havendo, portanto, interesse em fixar esses alelos em algumas raças. Os marcadores moleculares têm sido úteis na identificação direta dessa mutação por meio da genotipagem da população de animais. A obtenção prévia desses genótipos orienta acasalamentos e transferências de embriões no plantel disponível para o melhoramento. Exemplos em outras espécies: marcadores de DNA no gene ESR (receptor do estrogênio) em suínos foram associados ao número de leitões nascidos vivos e ao total de leitões nascidos vivos na primeira e última parições (Alfonso, 2005). Em ovinos, na raça Booroola Merino, o gene BMPR-IB foi relacionado à fecundidade, e, nas raças Invedale e Hanna, o gene BMP15 foi associado à ovulação (Liu et al., 2003). Exemplos adicionais podem ser encontrados em Dekkers (2004). Contribuições na avaliação da qualidade de carne em bovinos de corte por mutações nos genes que determinam as características de maciez e marmoreio têm sido divulgadas. A maciez é determinada pela ação das enzimas do complexo calpaína-calpastatina, que atuam na musculatura após o abate do animal (Koohmaraie et al., 1995). As calpaínas contribuem com a maciez da carne porque são endopeptidases intracelulares capazes de degradar proteínas das miofibrilas que constituem o músculo (Wheeler & Koohmaraie, 1994). A atividade das calpaínas é inibida pela ação das calpastatinas, que apresentam, portanto, papel repressor da maciez (Pringle et al., 1997). Já o marmoreio é resultado da deposição de gordura intramuscular, promovendo sabor e suculência à carne. Polimorfismos nos genes que codificam µ-calpaína (Page et al., 2002; White et al., 2005), lisil oxidase e calpastatina (Barendse, 2001; Drinkwater et al., 2006) têm sido detectados e associados à maciez, especialmente em animais das raças de Bos taurus (Barendse, 2001, 2003; Barendse et al., 2004). Para marmoreio, os genes associados têm sido aqueles que codificam a leptina (Buchanan et al.,2002), DGAT1 (Thaller et al., 2003), TG (Barendse et al., 2004), RORC (Barendse, 2003), GH1 (Schlee et al., 1994), SCD, mitocôndria (Mannen et al., 1998, 2003), fator de transcrição mitocondrial A (Jiang et al., 2005) e FABP4 (Michal et al., 2006). Apesar de diversos resultados relacionados à genômica em bovinos de corte serem ainda experimentais, diversos testes comerciais de DNA vêm sendo disponibilizados no mercado para avaliação da qualidade de carne (Hocquette et al., 2007). Como exemplo, podem ser mencionados os testes genéticos para maciez por empresas privadas, como a IGENITY TenderGENE® test (Merial Ltd., Atlanta, GA) e a GeneSTAR Quality & Tenderness® (Genetic Solutions Pty. Ltd. Albion, Austrália). Entretanto, muitos desses testes estão sendo empregados em estudos independentes para confirmação da associação de polimorfismos de SNP com maciez e marmoreio (Page et al., 2004; Casas et al., 2006; Morris et al., 2006; Rincker et al., 2006), mas nem todos têm sido validados, tornando ainda mais difícil o trabalho para que a genômica expanda as fronteiras. Um grande desafio na aplicação de alguns dos polimorfismos inicialmente associados à maciez de carne foi a transferência das informações que foram originalmente obtidas em Bos taurus para Bos indicus, já que esses são animais que apresentam carne reconhecidamente de menor maciez quando comparada às raças taurinas. Polimorfismos identificados no gene µ-calpaína (CAPN1), por exemplo, apresentaram diversidade entre genótipos de Bos taurus, mas não em Bos indicus (Page et al., 2002, 2004; Casas et al., 2005). Há uma série de SNP dentro ou muito perto desse gene e dois parecem ser informativos em Bos indicus e Bos taurus (posição 316 e 4753 pb), mas um SNP a 530 pb parece ser informativo somente em Bos taurus. O marmoreio é uma característica mais difícil de ser trabalhada do que a maciez, já que sua avaliação é feita por inspeção visual da carcaça, e, portanto, trata-se de uma medida subjetiva com um erro associado consideravelmente maior em relação à maciez. Isso requer grandes amostras de animais para que a média seja estimada apropriadamente. Os estudos que têm avaliado menos do que mil animais não permitem confirmar uma associação entre marcadores de DNA e maciez (Hocquette et al., 2007). Salienta-se que uma parceira entre a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo, e a empresa Merial® tem avaliado diversos marcadores moleculares em Bos indicus no Brasil. Esses marcadores já foram previamente associados com maciez e marmoreio em Bos taurus. Outro exemplo brasileiro tem sido dado por meio do projeto Beef Quality, coordenado por diversas unidades da Embrapa e universidades brasileiras. Muitos têm sido os esforços para aumentar a eficiência reprodutiva do rebanho bovino brasileiro, caracterizado por baixas taxas de prenhez e altas taxas de mortalidade dos embriões. Características reprodutivas permitem a seleção de animais precoces, possibilitando maior intensidade de seleção e, consequentemente, maior eficiência do sistema produtivo. Em Nelore, por exemplo, os bezerros nascem com a vaca apresentando entre 2,5-3,0 anos de vida, uma desvantagem em relação aos dois anos das raças europeias. No Brasil, existem animais com capacidade genética, mas que são afetados por condições ambientais distintas de alimentação e manejo, dificultando a sua seleção. A avaliação genética de muitas características de reprodução é difícil de ser realizada acuradamente. Além disso, a herdabilidade das características associadas à fertilidade é considerada baixa (entre 2% e 15%), apesar de que estudos recentes em Nelore revelaram alta herdabilidade para precocidade sexual (Silva et al., 2005). Assim, duas estratégias têm sido utilizadas na tentativa de associar marcadores moleculares com características de fertilidade: mapeamento de QTL e genes candidatos. Os QTL já foram mapeados para características de fertilidade, incluindo: taxa de ovulação e ovulação múltipla (Kappes et al., 2000) e geração de gêmeos (Lien et al., 2000). Os genes que codificam o hormônio liberador de gonadotropina (Schneider et al., 2006), a leptina (Liefers et al., 2005) e o receptor para o hormônio luteinizante bovino (Hastings et al., 2006) têm sido investigados como genes candidatos para características de fertilidade. O gene leptina tem sido associado com características relacionadas à reprodução por codificar um hormônio que participa da regulação do metabolismo energético, comportamento no consumo de alimentos e reprodução em muitos animais, além de participar de outros eventos, inclusive a puberdade. É considerado um gene candidato por sua conhecida relação com a massa de tecido adiposo no corpo e puberdade. Os níveis de leptina no sangue estão relacionados com os níveis de gordura corporal do animal: bovinos pré-púberes desnutridos não entram na puberdade até que sejam nutridos corretamente; da mesma forma, vacas ciclando param de ciclar quando enfrentam períodos de desnutrição extremos. Portanto, a proteína codificada a partir do gene leptina age como fator no sistema de reprodução. Polimorfismos nesse gene poderiam influenciar a regulação do metabolismo e afetar o ganho de peso, e essas mutações poderiam ser utilizadas em programas de melhoramento genético. Algumas mutações nesse gene já foram identificadas em bovinos (Choudhary et al., 2005; Buchanan et al., 2002) e estudos de expressão gênica também indicaram uma associação entre a alta expressão deste gene com a baixa expressão do receptor NPY e a ativação da puberdade precoce em novilhas de Bos indicus (Vaiciunas et al., 2008). Mas, até o momento, nenhum marcador molecular foi desenvolvido para permitir a seleção por genotipagem visando à precocidade sexual. Outros genes candidatos associados à fertilidade têm sido investigados por genômica funcional com foco na maturação de oócitos (Dalbies-Tran & Mermillod, 2003; Vallee et al., 2005; Massicotte et al., 2006), regressão do corpo lúteo (Casey et al., 2005; Bønsdorff et al., 2003), função das células do epitélio do oviduto (Bauersachs et al., 2003, 2004), endométrio durante o ciclo estral (Bauersachs et al., 2005), desenvolvimento de embrião pré-implantado (El-Halawany et al., 2004; Sirard et al., 2005). Como resultado dessa estratégia, espera-se identificar genes ou vias gênicas, que, no momento e local apropriados, regulam a fertilidade das fêmeas. Outra contribuição importante em bovinos reside na resistência a ecto e endoparasitos. O clamor pela redução do uso de produtos químicos utilizados para combater esses parasitos já vem sendo amplamente divulgado, pois, assim, será menor a possibilidade de contaminação da carne e derivados, bem como do meio ambiente. Além disso, o uso sistemático de tais produtos pode conferir ao parasita resistência aos princípios ativos. Os QTL sugestivos foram mapeados para resistência a carrapato [Riphicephalus (Boophilus) microplus] nos cromossomos 5, 7 e 14 em uma população constituída por F2 do cruzamento Bos taurus (Holandês) x Bos indicus(Gir) (Gasparin et al., 2007), e a expressão de genes envolvidos na resposta imune a endoparasitas gastrointestinais (Cooperia, Haemonchus e Oesophagostomum) por meio de PCR quantitativa foram realizadas em Bos indicus (Nelore) por Bricarello et al. (2008). Essas pesquisas visam identificar os genes que controlam a resistência a ecto e endoparasitos, permitindo selecionar bovinos geneticamente mais resistentes. Provavelmente, isso reduzirá o uso de medicamentos e produtos químicos contra parasitas, a favor de uma carne mais saudável, livre dos resíduos químicos, diminuindo, dessaforma, barreiras sanitárias impostas pelo comércio internacional de carne bovina. Pesquisas têm sido conduzidas com a finalidade de refinar a localização de um QTL previamente identificado por meio do mapeamento fino em aves. Kim et al. (2006) utilizaram oito marcadores microssatélites adicionais localizados no GGA1 para o mapeamento fino numa amostra de 314 aves F2, oriundas de um cruzamento de duas linhagens comerciais de frangos de corte com diferentes suscetibilidades a coccidiose. Foi detectada a associação do marcador LEI0101 com resistência à doença (LOD>2,7) e também no intervalo entre os marcadores LEI0071 e LEI0101 (a 254 cM) quando foram analisadas quatro e não doze famílias (LOD=3,74). Numa região de 50,8 cM (LEI0079-ROS0025) no GGA1, onde foram mapeados QTL para peso vivo, peso da carcaça e características de gordura, nove microssatélites foram adicionados e analisadas mais oito famílias de uma população F2 oriundas de cruzamento entre uma linhagem de corte selecionada para deposição de gordura abdominal e uma linhagem de postura nativa chinesa, totalizando doze famílias de meios-irmãos (1.011 animais) e doze marcadores (Liu et al., 2008). Foram confirmados os QTL mapeados anteriormente, alguns com menores intervalos de confiança. A partir de estudos anteriores em que foram mapeados 15 QTL associados com resistência à doença de Marek em galinhas, Heifetz et al. (2009) utilizaram seis gerações de uma população derivada do cruzamento entre duas linhagens comerciais White Leghorn (total de 1.615 indivíduos). Foram utilizados 217 marcadores microssatélites e 15 SNP, identificando 21 regiões de QTL associadas com resistência à doença de Marek em diferentes cromossomos (GGA1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 15, 18, 26 e Z). As regiões onde foram mapeados os QTL tiveram os intervalos de confiança reduzidos cerca de duas vezes em comparação com o estudo anterior. Pela estratégia de genes candidatos, Ledur et al. (2007) compilaram, porém, diversos trabalhos que associaram polimorfismos em genes candidatos com características de interesse econômico. Segundo esses autores, características de crescimento foram associadas a polimorfismos nos genes grelina (Fang et al., 2007), lambr1(Huang et al., 2007), hormônio do crescimento e seu receptor (Feng et al., 1997), MC3R (Jiang et al., 2002), MC4R (Qiu et al., 2006), IGF-II (Yan et al., 2002), TGF-b (Li et al., 2002), miostatina (Gu et al., 2002; Ye et al., 2007); deposição de gordura abdominal foi associada a polimorfismos nos genes hormônio do crescimento e seu receptor (Feng et al., 1997), UCP (Zhao et al., 2002), PPARA (Meng et al., 2002); consumo alimentar residual foi associado a polimorfismos no gene PEPCK-C (Parsanejad et al., 2003). Wu et al. (2006) evidenciaram que o peso de gordura abdominal a 12 semanas de aves com genótipo GG foi 34,26% e 28,71% maior do que aquele de aves com genótipos AA e AG, respectivamente, indicando que o polimorfismo Asp216Asn do gene PPARGC1A poderia ser usado como um novo potencial marcador molecular para seleção contra gordura abdominal sem interferir no melhoramento para taxa de crescimento. Zheng et al. (2009) determinaram maiores níveis de expressão do gene FGFR2 em aves de postura em relação às de corte, embora a expressão de FGF2 não tenha sido significativamente diferente. Outros exemplos foram dados por Zhang et al. (2009), que identificaram dois SNP no gene calpaína 3 em galinhas. Os haplótipos foram construídos, e, em seguida, fizeram-se as análises de associação dos genótipos dos SNP, haplótipos e dos diplótipos com as características avaliadas. Foram encontradas diversas associações dos genótipos, haplótipos e diplótipos com peso vivo, peso da carcaça, peso do músculo do peito e peso do músculo das pernas. Nie et al. (2005) estudaram polimorfismos do gene hormônio do crescimento em frangos e encontram associações com peso corporal, ganhos de peso e comprimento da canela. Em nosso grupo, Souza (2004) estudou polimorfismos em cinco genes relacionados ao desenvolvimento muscular (MyoD, Myf5, miogenina, MRF4 e miostatina) nas linhagens parentais da população da Embrapa e encontrou associações do gene miogenina com peso vivo aos 42 dias, ganho de peso e pesos da carcaça, asas, gordura abdominal, fígado e pulmões. Ninov et al. (2008) investigaram os polimorfismos do gene receptor da leptina na mesma população e encontraram seis polimorfismos, sendo dois deles na linhagem TT (corte) e quatro com maior frequência na linhagem CC (postura). Dois SNP do gene receptor da leptina foram associados com diversas características. O SNP C352T foi associado com proteína bruta e cinzas e rendimento de fígado, peito e carcaça. O SNP G915A foi associado com consumo de ração, rendimento de pulmões e coxas e sobrecoxas. Nie et al. (2005) estudaram os polimorfismos do gene hormônio do crescimento em frangos e encontraram associações entre peso corporal e ganho de peso com o gene candidato estudado. Wang et al. (2005) estudaram o gene IGF2 em frangos e identificaram um polimorfismo associado com peso da gordura abdominal, peso ao nascer e peso de peito. Zhou et al. (2005) identificaram polimorfismos no gene candidato IGF1, associados com crescimento, características metabólicas, composição corporal e integridade óssea. Um polimorfismo na região promotora do gene IGF1 foi associado com a maioria das características estudadas. A análise da expressão gênica mediante técnica de microarranjo também tem contribuído para o melhoramento animal. Essa técnica permite que se determine a expressão diferencial de milhares de genes em um único experimento. Já é possível encontrar alguns resultados do uso dessa estratégia para a identificação de genes candidatos associados à qualidade da carne em bovinos. Por exemplo, um microarranjo contendo 9.274 transcritos expressos nos tecidos muscular e adiposo de bovinos foi desenvolvido (Lehnert et al. 2004) e utilizado para identificar diferenças na expressão de genes na musculatura de animais da raça Brahman sobre restrição alimentar (Reverter et al., 2003; Byrne et al., 2005); para estudar os mecanismos envolvidos com adipogênese in vitro em fibroblastos em diferenciação (Tan et al., 2006); e para investigar genes diferencialmente expressos entre as musculaturas de animais da raça Black japonesa e Holandesa (Wang et al., 2005). Um microarranjo contendo 5.500 transcritos identificados na musculatura de fetos e de suínos com três dias de idade também foi construído para detecção de diferenças do perfil de expressão entre psoas (musculatura vermelha) e Longissimus dorsi(musculatura branca) (Bai et al., 2003). Em frangos, Cogburn et al. (2003) identificaram genes diferencialmente expressos em fígado de linhagens submetidas à seleção divergente para ganho de peso, enquanto estudos conduzidos por Bourneuf et al. (2006) permitiram identificar genes expressos no fígado e que estão associados à deposição de gordura. Ainda para frangos, um microarranjo foi construído a partir de 32.773 transcritos obtidos em múltiplos tecidos e estádios do desenvolvimento, correspondentes a 28 mil genes de frango (Burnside et al., 20059), que poderá ser utilizado para a identificação de genes associados à qualidade da carne branca. Outro microarranjo foi construído a partir de 6.887 transcritos associados à resposta imune inata, tendo sido utilizado para caracterizar os padrões de expressão de genes envolvidos no controle de doenças, tanto em bovinos quanto em ovinos (Donaldson et al., 2005). Um total de 45.383 genes identificados na glândula mamária e no sistema digestivo de bovinos também resultaram na construção de um microarranjo, quefoi utilizado para a identificação de genes associados à resposta ao estrogênio (Li et al., 2006). Utilizando um microarranjo de oligonucleotídeos de bovinos, Ollier et al. (2007) identificaram 161 genes diferencialmente expressos na glândula mamária, envolvidos no metabolismo da proteína do leite, lactose e lipídios, entre um grupo de caprinos com privação alimentar e outro grupo sem restrições alimentares. Em ovinos, Diez-Tascón et al. (2001) detectaram diferenças na expressão de genes envolvidos na resistência de nematódeos por microarranjos contendo 10.204 genes de bovinos. Fahrenkrug (2007) reportou a construção de um microarranjo contendo 20.400 oligonu- cleotídeos, sintetizados com base na anotação de proteínas de suínos. Diante do exposto, as diversas estratégias têm permitido uma melhor compreensão do complexo sistema biológico envolvido desde a concepção até a expressão do fenótipo final dos animais de produção. Perspectivas A biotecnologia animal, pelo emprego de marcadores moleculares, tem possibilitado que os programas de melhoramento genético de animais de produção comercial usufruam das tecnologias já desenvolvidas. Dessa forma, novas fontes de informação molecular vêm sendo estabelecidas para o mapeamento de QTL, incluindo o sequenciamento do genoma, o qual facilitará ainda mais a identificação dos alelos específicos e favoráveis ao melhoramento genético. Associada a esse cenário, a seleção genômica também já é uma realidade, pois painéis de SNP vêm sendo desenvolvidos para promover a genotipagem em larga escala. A empresa Illumina já disponibiliza um painel com 800 mil SNP para bovinos e de 60 mil SNP para aves. O rápido progresso no descobrimento de padrões da variação genética que podem predizer a desempenho animal pode, portanto, ser esperado a partir de esforços internacionais e nacionais. Os painéis de SNP devem promover uma revolução na genômica animal, por permitirem a varredura do genoma para milhares de SNP ao mesmo tempo, a um custo menor e de maneira mais rápida, comparado ao que vem sendo feito hoje com o uso de microssatélites. Dessa forma, será possível a inclusão não apenas da informação de um ou poucos SNP na predição do valor genético de cada animal, mas sim de milhares de SNP que apresentem associação com diversas características que se tenha interesse em melhorar, por apresentarem algum grau de correlação genética. Essa é uma visão mais ampla do complexo sistema biológico envolvido no estabelecimento de padrões fenotípicos, tais como maior produção de carne, de leite, de ovos, entre outros. Assim, associada à seleção genômica, a tendência será a aplicação da estratégia de biologia de sistemas no melhoramento animal. A biologia de sistemas surgiu a partir dos resultados de sucesso das estratégias genômicas, como resultado da biotecnologia animal, e tem como objetivo desenvolver métodos estatísticos e analíticos capazes de associar todas as informações obtidas a partir de genômica, biologia computacional, química, espectrometria de massa, entre outras. Finalmente, a seleção genômica e a biologia de sistemas associadas às estratégias clássicas de melhoramento de seleção fenotípica e genotipagem deverão resultar em uma aplicação mais abrangente das ferramentas de análise do DNA, RNA, proteínas em melhoramento genético animal, na busca pela maior eficiência dos sistemas de produção animal. 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